Avis juridique important
ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 3 DE MARCO DE 1988. - GABRIEL BERGANDI CONTRA DIRECTEUR GENERAL DES IMPOTS. - PEDIDOS DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADOS PELO TRIBUNAL DE GRANDE INSTANCE DE COUTANCES. - IVA - MAQUINAS AUTOMATICAS DE JOGOS. - PROCESSO 252/86.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 01343
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Cobrança de outros impostos nacionais com a natureza de impostos sobre o volume de negócios relativamente a operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado - Inadmissibilidade
(Directiva do Conselho 77/388/CEE, artigo 33.°)
2. Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado - Impostos com a natureza de impostos sobre o volume de negócios - Imposto de taxa fixa, assente na colocação de um bem à disposição do público - Critérios de apreciação
(Directiva do Conselho 77/388, artigo 33.°)
3. Disposições fiscais - Impostos internos - Artigo 95.° do Tratado - Âmbito de aplicação - Impostos que oneram a utilização de produtos importados - Inclusão - Condições
(Tratado CEE, artigo 95.°)
4. Disposições fiscais - Impostos internos - Sistema de tributação diferenciada - Admissibilidade - Condições - Prossecução de objectivos compatíveis com o direito comunitário - Inexistência de carácter discriminatório ou proteccionista - Tributação progressiva das máquinas automáticas de jogos
(Tratado CEE, artigo 95.°)
5. Livre circulação de mercadorias - Restrições quantitativas - Medidas de efeito equivalente - Artigo 30.° do Tratado - Âmbito de aplicação - Medidas abrangidas pelo artigo 95.° - Exclusão
(Tratado CEE, artigos 30.° e 95.°)
1. O artigo 33.° da sexta directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios deve ser interpretado no sentido de que, a partir da introdução do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, os Estados-membros deixam de ter o direito de onerar as transmissões de bens, as prestações de serviços ou as importações sujeitas a IVA com outros impostos, direitos ou taxas que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios.
2. Não pode ser considerado imposto com a natureza de imposto sobre o volume de negócios aquele que, embora comporte montantes diversos, conforme as características do bem tributado, assenta na simples colocação do bem à disposição do público, sem consideração efectiva das receitas que daí podem advir. Com efeito, se um imposto de taxa fixa pode, em certas condições, ser considerado uma tributação de receitas segundo um regime forfetário, com a natureza de um imposto sobre o volume de negócios, tal natureza só lhe pode ser reconhecida na condição de, por um lado, a taxa ter sido fixada com base numa avaliação objectiva das receitas previsíveis em função do número de prestações de serviços susceptíveis de serem fornecidas e do seu preço, e, por outro, de se estabelecer que o imposto possa ser repercutido no preço dessas prestações para ser suportado, em definitivo, pelo consumidor.
3. O artigo 95.° do Tratado deve ter uma interpretação lata, de forma a que a proibição que dele consta se deva aplicar sempre que uma imposição fiscal seja susceptível de desencorajar a importação de bens originários de outros Estados-membros, em benefício de produções nacionais. Por conseguinte, aplica-se não só aos impostos que incidem directamente sobre os produtos importados mas também às imposições internas que oneram a utilização destes produtos, quando estes se destinam essencialmente a tal utilização e são importados exclusivamente para esse efeito.
4. Na fase actual da sua evolução e na falta de unificação ou harmonização das disposições aplicáveis, o direito comunitário não proíbe que os Estados-membros estabeleçam um sistema diferencial de tributação em função de diversas categorias de produtos se as facilidades fiscais concedidas servirem para fins económicos ou sociais legítimos. No que toca à progressão do imposto entre as categorias dos produtos assim estabelecidas, os Estados-membros são, em princípio, livres de sujeitar certos produtos a um sistema de imposto cujo montante aumente progressivamente em função de um critério objectivo, desde que não tenha qualquer efeito discriminatório ou proteccionista.
Por conseguinte, um sistema de tributação progressiva, aplicável às máquinas automáticas de jogos em função das diversas categorias em que se dividem, que prossegue objectivos sociais legítimos e não concede uma vantagem fiscal à produção nacional, em detrimento da produção similar ou concorrente importada, não é incompatível com o artigo 95.° do Tratado.
5. O artigo 30.° do Tratado visa, de modo geral, todas as medidas que entravem as importações e não sejam especificamente tratadas noutras disposições do Tratado. Portanto, não se aplica à tributação de produtos originários de outros Estados-membros cuja compatibilidade com o Tratado seja de apreciar à luz do artigo 95.°
No processo 252/86,
que tem como objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Tribunal de grande instance de Coutances e destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre
Gabriel Bergandi, comerciante, residente em Saint-Lô (França),
e
Directeur général des impôts, direction des services fiscaux, départment de la Manche (França),
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 33.° da sexta directiva IVA e dos artigos 95.° e 30.° do Tratado CEE,
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet e F. Schockweiler, juízes,
advogado-geral: F. Mancini
secretário: H.A. Ruehl, administrador principal
vistas as observações apresentadas:
- em nome de Gabriel Bergandi, demandante no processo principal, pelos advogados Milchior e Collin,
- em nome do Governo da República Federal da Alemanha, por M. Seidel, na fase escrita do processo,
- em nome do Governo da República Francesa, por R. de Gouttes, na fase escrita do processo e por Bernard Botte, adido de administração central no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na fase oral,
- em nome da Comissão das Comunidades Europeias, por Buehl,
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 9 de Julho de 1987,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Dezembro de 1987,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 18 de Setembro de 1986, que deu entrada no Tribunal em 1 de Outubro de 1986, o Tribunal de grande instance de Coutances colocou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, seis questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 33.° da sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ("IVA"): matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F01 p. 54) e dos artigos 95.° e 30.° do Tratdo CEE.
2 Tais questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Gabriel Bergandi, comerciante que explora jogos automáticos, ao directeur général des impôts de la Manche a propósito da cobrança do imposto anual relativo a 1985 sobre as máquinas automáticas exploradas por G. Bergandi.
3 Resulta da decisão de reenvio que, na altura dos factos que são objecto do processo principal, as máquinas automáticas instaladas nos locais públicos e que proporcionam um espectáculo, uma audição, um jogo ou uma diversão, estavam sujeitos em França a um imposto designado por imposto de Estado, com a taxa anual, variando de acordo com a categoria da máquina, de 500 FF ou de 1 500 FF, sendo esta última reduzida a 1 000 FF no caso de a máquina ter sido posta em serviço pela primeira vez há mais de três anos. O imposto era devido pela pessoa que explorasse os aparelhos no momento da declaração anual da sua colocação em serviço e deveria ser pago no prazo de seis meses após tal declaração e o mais tardar em 31 de Dezembro. Dado que a exploração destas máquinas se encontra, desde 1 de Julho de 1985, sujeita a IVA, G. Bergandi intentou uma acção contra o director dos services fiscaux de la Manche com o objectivo de obter uma redução parcial do montante constante do aviso de cobrança que lhe fora dirigido relativamente àquele ano.
4 Considerando que o litígio envolve a interpretação de algumas disposições de direito comunitário, o Tribunal de Grande Instance de Coutances suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
"1) O artigo 33.° da Directiva 77/388/CEE (conhecida por 'sexta directiva IVA' ) deve ser interpretado no sentido de que proíbe que se continuem a aplicar impostos relativos aos volumes de negócios às entregas de bens ou às prestações de serviços, a partir do momento em que ficaram sujeitas ao IVA?
2) A noção de imposto sobre o volume de negócios ou com a natureza de imposto sobre o volume de negócios, prevista no artigo 33.° da sexta directiva IVA, deve ser interpretada no sentido de que abrange os impostos que incidem sobre as receitas de exploração - quer o valor tributável seja fixado em função da receita real, quer por estimativa, a fim de se aproximar da receita real quando o seu apuramento exacto for dificilmente realizável?
3) Mais especificamente, a noção de imposto sobre o volume de negócios ou com a natureza de imposto sobre o volume de negócios, prevista no artigo 33.° da sexta directiva IVA, engloba um imposto anual de montante fixo que incide sobre cada máquina automática instalada num local público e que proporciona um espectáculo, uma audição, um jogo ou uma diversão, criado com o objectivo de substituir um imposto sobre o volume de negócios do explorador da máquina, e que é vagamente adaptado de forma a tomar em conta a rentabilidade de cada tipo de máquina e, indirectamente, a receita obtida pelo explorador?
4) Em caso de resposta afirmativa à primeira e terceira questões, a proibição de sobreposição de IVA e de outros impostos relativos ao volume de negócios sobre uma mesma receita ou um mesmo volume de negócios deve levar a decidir que, quando o IVA só se começar a aplicar pela primeira vez no princípio do segundo semestre de um ano e os impostos sobre o volume de negócios a que o IVA vai acrescer tiverem de ser liquidados de uma só vez no início do ano civil (excepto se se obtiver diferimento do pagamento), a introdução do IVA implica o reembolso ou a não exigência do pagamento de metade das importâncias devidas a título de impostos com a natureza de impostos sobre o volume de negócios em relação ao ano em que o IVA entrou em vigor?
5) O artigo 95.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que proíbe a tributação das receitas de exploração num imposto cuja taxa aplicável aos produtos de origem maioritariamente estrangeira é três vezes mais elevada do que a que incide sobre produtos similares de produção maioritariamente nacional? Esta discriminação deve considerar-se ainda mais grave quando as mesmas receitas de exploração são objecto de tributação em IVA e de tributação indirecta noutro imposto?
6) O artigo 30.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que constitui violação da legislação comunitária o facto de, em aplicação desta, se submeterem a IVA as receitas de exploração de certos produtos, sem suprimir os impostos anteriormente existentes, baseados nas receitas de exploração dos mesmos produtos, isto quando alguns dos produtos explorados já não são fabricados no território do Estado-membro que aplica estes diferentes impostos e quando, em todos os casos, acumulação destes impostos pode provocar uma diminuição destes produtos provenientes dos restantes países da Comunidade?"
5 Para mais ampla exposição dos factos do processo, da sua tramitação e das observações apresentadas nos termos do artigo 20.° do protocolo relativo ao estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida em que se revelarem necessários para a fundamentação da decisão do Tribunal.
6 Para responder à primeira questão, há que fazer uma análise do artigo 33.° da sexta directiva à luz dos objectivos que se pretendem alcançar com a instituição de um sistema comum do IVA.
7 Nos termos dos considerandos da primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO, p. 1301; EE 09 F1 p. 3), a harmonização das legislações relativa aos impostos sobre o volume de negócios deve permitir instituir um mercado comum que possibilite uma concorrência sã e tenha características análogas às de um mercado interno, através da eliminação das diferenças de imposições fiscais susceptíveis de falsear a concorrência e de entravar o comércio.
8 A instituição de um sistema comum de IVA foi realizada pela segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO, p. 1303; EE 09 F1 p. 6), e pela sexta directiva. Este sistema deveria contribuir para alcançar o objectivo definido através da introdução, em bases comuns a todos os Estados-membros, de um imposto geral sobre o consumo incidindo sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços e as importações de bens com taxas proporcionais ao respectivo preço, independentemente do número de transacções efectuadas até ao consumidor final, incidindo o imposto, em cada fase, apenas sobre o valor acrescentado e sendo, em definitivo, suportado pelo consumidor final.
9 Para atingir o objectivo da igualdade nas condições de imposição de uma mesma operação, qualquer que seja o Estado-membro em que ocorra, o sistema comum do IVA deve substituir, nos termos dos considerandos da segunda directiva, os impostos sobre o volume de negócios em vigor nos diferentes Estados-membros.
10 Nesta ordem de considerações, o artigo 33.° da sexta directiva só permite que um Estado-membro mantenha ou crie impostos, direitos e taxas que não tenham o carácter de impostos sobre o volume de negócios.
11 Em consequência, há que responder à primeira questão que o artigo 33.° da sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que, a partir da introdução do sistema comum do IVA, os Estados-membros deixam de ter o direito de onerar as transmissões de bens, as prestações de serviços ou as importações sujeitas a IVA com impostos, direitos ou taxas que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios.
12 Na segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o conceito de imposto que tenha o carácter de imposto sobre o volume de negócios na acepçãp do artigo 33.° da sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que abrange um imposto anual sobre a instalação, num local público, de máquinas automáticas de jogos e com uma taxa fixa que varia em função da categoria da máquina.
13 Embora não caiba ao Tribunal, no âmbito do presente processo, apreciar, à luz do direito comunitário, as características de um imposto nacional (acórdão de 21 de Outubro de 1970, Lesage, 20/70, Recueil, p. 861), somos, no entanto, competentes para interpretar o conceito de imposto que tenha o carácter de imposto sobre o volume de negócios a fim de dar ao órgão jurisdicional nacional a possibilidade de aplicar correctamente o imposto em questão. Com efeito, esta noção reveste um carácter comunitário dado que intervém na realização do objectivo prosseguido pelo artigo 33.° que é o de assegurar o pleno efeito do sistema comum do IVA.
14 Para apreciar se um imposto tem o carácter de imposto sobre o volume de negócios há, designadamente, que verificar, como o Tribunal decidiu no seu acórdão de 27 de Novembro de 1985 (Rousseau Wilmot, 295/84, Recueil, p. 3759), se compromete o sistema comum do IVA através de um agravamento da circulação dos bens e dos serviços e de uma oneração das transacções comerciais de modo semelhante ao que caracteriza o IVA.
15 Como o Tribunal acentuou no acórdão de 1 de Abril de 1982 (Hong-Kong-Trade, 89/81, Recueil, p. 1277), o princípio do sistema comum do IVA consiste, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da primeira directiva, em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo, exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.
16 Por conseguinte, um imposto que apenas incide sobre a colocação à disposição do público de um bem, sem tomar em consideração a sua utilização efectiva e que não depende das receitas realizadas por esta colocação à disposição, não tem as características de um imposto geral sobre o consumo cobrado sobre o preço das prestações de serviços. Assim é, nomeadamente, quando o imposto é devido mesmo no caso desta colocação à disposição se fazer a título gratuito.
17 Se um imposto de taxa fixa pode, em certas condições, ser considerado como uma tributação de receitas a forfait, esse carácter só lhe pode ser reconhecido na condição, por um lado, de a taxa ter sido fixada com base numa avaliação objectiva das receitas previsíveis em função do número de prestações de serviços susceptíveis de serem fornecidas e do seu preço, e, por outro lado, de se estabelecer que o imposto possa ser repercutido no preço dessas prestações para que seja suportado, em definitivo, pelo consumidor.
18 Uma diferenciação da taxa do imposto consoante as diversas categorias de bens não é também, por si só, suficiente para conferir ao imposto o carácter de uma tributação a forfait das receitas, desde que o imposto se justifique através de outras considerações legítimas de natureza objectiva.
19 O facto de, após a introdução do imposto, os aparelhos cuja utilização era fortemente tributada terem sido objecto de uma proibição geral de fabrico e de detenção, demonstra que na origem da diferenciação da taxa do imposto estiveram considerações de ordem social que consistem em desencorajar a utilização de certos tipos de aparelhos.
20 Em consequência, há que responder às segunda e terceira questões que não pode ser considerado imposto com a natureza de imposto sobre o volume de negócios aquele que, embora comporte montantes diversos, conforme as características do bem tributado, assenta na simples colocação do bem à disposição do público, sem consideração efectiva das receitas que daí podem advir.
21 Tendo em conta a resposta dada às segunda e terceira questões, a quarta questão fica sem objecto.
22 A quinta questão colocada pelo juiz de reenvio suscita dois problemas: o primeiro consiste em saber se o artigo 95.° do Tratado CEE se aplica unicamente aos impostos que incidem sobre os produtos importados ou se pode igualmente ser aplicável aos que incidem sobre a utilização dos produtos e, em caso de resposta afirmativa, um segundo problema que consiste em saber se o facto de um Estado-membro aplicar à disposição do público de máquinas automáticas de jogos de origem maioritariamente estrangeira, um imposto três vezes mais elevado do que o aplicável às de produção maioritariamente nacional, é proibido nos termos do artigo 95.° do Tratado CEE.
23 Segundo os termos em que está redigido, o artigo 95.° proíbe que aos produtos dos outros Estados-membros se apliquem impostos internos que sejam superiores aos que incidem sobre os produtos nacionais semelhantes ou impostos internos de natureza a proteger indirectamente outras produções.
24 Como o Tribunal sublinhou nos seus acórdãos de 27 de Fevereiro de 1980 (Comissão/França, 168/78, Recueil, p. 347; Comissão/Itália, 169/78, Recueil, p. 385; Comissão/Dinamarca, 171/78, Recueil, p. 447), o artigo 95.° constitui, no sistema do Tratado, um complemento às disposições relativas à supressão dos direitos aduaneiros e dos impostos de efeito equivalente. Tem como objectivo assegurar a livre circulação das mercadorias entre os Estados-membros em condições normais de concorrência através da eliminação de toda e qualquer forma de protecção que possa resultar da aplicação de impostos internos descriminatórios relativamente aos produtos originários de outros Estados-membros. Esta disposição deve, assim, garantir uma perfeita neutralidade dos impostos internos em termos de concorrência entre produtos nacionais e produtos importados.
25 O Tribunal admitiu nos mesmos acórdãos que o artigo 95.° do Tratado CEE deve ter uma interpretação lata, de forma a abranger todos os processos fiscais que pusessem em causa, directa ou indirectamente, a igualdade de tratamento entre os produtos nacionais e os produtos importados. A proibição constante deste artigo deve, assim, aplicar-se sempre que um imposto seja susceptível de desencorajar a importação de bens originários de outros Estados-membros em benefício de produções nacionais.
26 Se tal situação se pode verificar relativamente a impostos que tributem directamente os produtos importados, não está excluído que ela possa ocorrer igualmente na hipótese de impostos internos que tributem a utilização dos produtos importados, nos casos em que estes se destinam essencialmente a tal utilização e apenas são importados com esse objectivo.
27 Consequentemente, há que responder à primeira parte da quinta questão que o artigo 95.° do Tratado CEE também se aplica às imposições internas que incidem sobre a utilização dos produtos importados, quando estes se destinam essencialmente a tal utilização e são importados exclusivamente para esse efeito.
28 No que respeita às categorias fiscais estabelecidas pela lei francesa, recorde-se que o Tribunal admitiu, no seu acórdão de 27 de Fevereiro de 1980 (Comissão/Dinamarca, 171/78, Recueil, p. 447), a propósito de produtos alcóolicos, que um sistema nacional de tributação, ainda que não estabeleça qualquer distinção formal consoante a origem dos produtos, comporta indesmentíveis traços discriminatórios ou proteccionistas se tiver sido concebido de forma a que a maior parte da produção nacional seja incluída na categoria fiscal mais vantajosa e a quase totalidade dos produtos importados na mais pesadamente tributada. O Tribunal sublinhou ainda que as características de tal sistema não são apagadas pelo facto de uma fracção mínima dos produtos importados beneficiar de taxa mais favorável, ao passo que, inversamente, certa parte da produção nacional está incluida na mesma categoria de imposição daqueles produtos.
29 No seu acórdão de 10 de Outubro de 1985 (Hansen & Balle, 148/77, Recueil, p. 1787), o Tribunal, no entanto, admitiu igualmente que, na fase actual da sua evolução e na falta de uma unificação ou harmonização das disposições aplicáveis, o direito comunitário não proíbe que os Estados-membros estabeleçam um sistema diferenciado de tributação em função de diversas categorias de produtos se as facilidades fiscais concedidas servirem para fins económicos ou sociais legítimos.
30 A este propósito, assinale-se que tal fim social legítimo pode consistir, como o Governo francês referiu nas suas observações, na vontade de favorecer, em função do público e do local de instalação, a utilização de certas categorias de aparelhos e desencorajar a de outras.
31 No que toca à progressão do imposto entre as categorias dos produtos assim estabelecidas, o Tribunal declarou, mais recentemente, no acórdão de 17 de Setembro de 1987 (Feldain, 433/85, Colect. p. 3521), que, no estádio actual do direito comunitário, os Estados-membros são, em princípio, livres de sujeitar certos produtos a um sistema de imposto cujo montante aumente progressivamente em função de um critério objectivo, desde que não tenha qualquer efeito discriminatório ou proteccionista.
32 Impõe-se, portanto, responder à segunda parte da quinta questão que um sistema de tributação progressiva em função das diversas categorias de máquinas automáticas de jogos, que prossiga objectivos sociais legítimos e não assegure uma vantagem fiscal à produção nacional em detrimento da produção similar ou concorrente importada, não é incompatível com o artigo 95.°
33 No que toca à sexta questão, basta recordar que o artigo 30.° do Tratado CEE visa, de modo geral, todas as medidas que entravem as importações e que não sejam especificamente tratadas noutras disposições do Tratado. Dado que os entraves mencionados nas questões prejudiciais são de natureza fiscal, a sua compatibilidade com o Tratado deve, em consequência, ser apreciada à luz do artigo 95.° do Tratado.
34 Em consequência, há que responder à sexta questão que o artigo 30.° do Tratado não se aplica à tributação de produtos originários de outros Estados-membros cuja compatibilidade com o Tratado seja de apreciar à luz do seu artigo 95.°
Quanto às despesas
35 As despesas efectuadas pelo Governo da República Francesa, o Governo da República Federal da Alemanha e a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Dado que o processo reveste, relativamente às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL,
pronunciando-se sobre as questões submetidas por decisão de 18 de Setembro de 1986, do tribunal de grande instance de Coutances, declara:
1) O artigo 33.° da sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ("IVA"), deve ser interpretado no sentido de que, a partir da introdução do sistema comum do IVA, os Estados-membros deixam de ter o direito de lançar, sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços ou as importações sujeitas a IVA, impostos, direitos ou taxas com a natureza de impostos sobre o volume de negócios.
2) Não pode ser considerado como um imposto com a natureza de imposto sobre o volume de negócios aquele que, embora comportando montantes diversos conforme as características do bem tributado, assenta na simples colocação do bem à disposição do público, sem consideração efectiva das receitas que daí podem advir.
3) O artigo 95.° do Tratado CEE também se aplica às imposições internas que incidem sobre a utilização dos produtos importados, quando estes são essencialmente destinados a tal utilização e importados exclusivamente para esse efeito.
4) Um sistema de tributação progressiva em função das diversas categorias de máquinas automáticas de jogos, que prossegue objectivos sociais legítimos e não assegura uma vantagem fiscal à produção nacional em detrimento da produção similar ou concorrente importada, não é incompatível com o artigo 95.°
5) O artigo 30.° do Tratado não se aplica à tributação de produtos originários de outros Estados-membros cuja compatibilidade com o Tratado seja de apreciar à luz do seu artigo 95..