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ACORDAO DO TRIBUNAL DE 21 DE JUNHO DE 1988. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA ITALIANA. - ISENCAO DO IVA DAS IMPORTACOES DE AMOSTRAS GRATUITAS DE PEQUENO VALOR - TRANSPOSICAO PARA O DIREITO NACIONAL DA DIRECTIVA 77/388/CEE. - PROCESSO 257/86.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03249
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
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Direito comunitário - Princípios - Segurança jurídica e protecção dos particulares - Regulamentação nacional que intervém num domínio regulado pelo direito comunitário - Necessidade de formulação inequívoca
Os princípios da segurança jurídica e da protecção dos particulares exigem que nos domínios abrangidos pelo direito comunitário as normas jurídicas dos Estados-membros sejam formuladas de forma inequívoca que permita aos interessados conhecer os seus direitos e deveres de forma clara e precisa e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o seu respeito.
No processo 257/86,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Giuliano Marenco, consultor jurídico da Comissão, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georges Kremlis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Plateau de Kirchberg, Luxemburgo,
demandante,
contra
República Italiana, representada por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido na embaixada de Itália no Luxemburgo
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao sujeitar a IVA as importações de amostras gratuitas de pequeno valor, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco, J. C. Moitinho de Almeida, e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, Y. Galmot, C. Kakouris e F. Schockweiler, juízes,
advogado-geral: M. Darmon
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 4 de Fevereiro de 1988,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 1 de Março de 1988,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 15 de Outubro de 1986, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, com base no artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declararação de que, ao sujeitar a imposto sobre o valor acrescentado (a seguir designado "IVA") as importações de amostras gratuitas de pequeno valor, quando as mesmas amostras de produção nacional estão isentas do referido imposto, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da sexta Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 7; EE 09 F1 p. 54), bem como por força do artigo 95.° do Tratado CEE.
2 Segundo a alínea d) do terceiro parágrafo do artigo 2.° do Decreto do presidente da República n.° 633, de 26 de Outubro de 1972 (a seguir designado "DPR de 26 de Outubro de 1972"), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto do presidente da República n.° 687, de 23 de Dezembro de 1974 (GURI n.° 338 de 28.12.1974, p. 9071), estão isentos de IVA os fornecimentos de amostras gratuitas de pequeno valor expressamente designadas como tais. O artigo 68.° prevê que o disposto no terceiro parágrafo do artigo 2.° se aplica igualmente às importações.
3 Esta regulamentação foi alterada por força do Decreto do presidente da República n.° 24, de 29 de Janeiro de 1979 (GURI n.° 30 de 31.1.1979, p. 983) - a seguir designado "DPR de 29 de Janeiro de 1979" -, que, ao mesmo tempo que mantinha a isenção prevista no terceiro parágrafo do artigo 2.° já referido, suprimiu, em contrapartida, o disposto no artigo 68.°, que alargava essa isenção às importações. Por outro lado, o Ministério das Finanças italiano, pelas suas resoluções de 30 de Junho de 1979 e de 10 de Dezembro de 1982, em resposta a algumas perguntas, confirmou que as importações de amostras gratuitas de pequeno valor estavam sujeitas à aplicação do IVA a partir da entrada em vigor do DPR de 29 de Janeiro de 1979.
4 Entendendo que o regime fiscal diferente aplicado, por um lado, aos fornecimentos no território do país de amostras gratuitas de pequeno valor e, por outro lado, às importações dessas amostras, constituía uma infracção ao artigo 95.° do Tratado CEE e à alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da sexta directiva, a Comissão, por carta de 3 de Maio de 1984, convidou o Governo italiano a apresentar as suas observações, em conformidade com o artigo 169.° do Tratado CEE. Em seguida, formulou um parecer fundamentado que se cruzou com um telex do Governo italiano, de 22 de Maio de 1985, no qual este invocou em sua defesa o artigo II da Convenção de Genebra de 7 de Novembro de 1952 (convenção internacional para facilitar a importação de amostras comerciais e de material publicitário), ratificada e posta em vigor por lei de 26 de Novembro de 1957, que prevê a isenção de direitos de importação para amostras de pequeno valor de mercadorias de qualquer espécie. Sustentou que, em virtude dessa disposição, era possível isentar do IVA as amostras gratuitas de pequeno valor importadas de Estados partes na referida convenção, entre os quais todos os Estados-membros. Esclareceu, por outro lado, que esse regime de isenção resultava igualmente do primeiro parágrafo do artigo 72.° do DPR de 26 de Outubro de 1972 e das suas alterações, que prevê a manutenção de todas as vantagens previstas pelos tratados e acordos internacionais celebrados anteriormente à entrada em vigor do regime relativo ao IVA.
5 Por outro lado, no seu telex de 8 de Julho de 1985, em resposta ao parecer fundamentado, o Governo italiano indicou que, enquanto não fosse adoptado um texto de lei único sobre o IVA, que deveria introduzir uma melhor adaptação da legislação italiana ao direito comunitário, os problemas relativos à aplicação do IVA às importações em causa poderiam "provisoriamente ser objecto de uma solução de facto" por aplicação de uma resolução do ministro das Finanças de 18 de Junho de 1984, que declarara isentas de IVA as amostras gratuitas de pequeno valor importadas dos Estados partes na Convenção de Genebra acima mencionada.
6 Entendendo que a solução adoptada pelo Governo italiano não poderia pôr termo à infracção alegada, a Comissão formulou um segundo parecer fundamentado, complementar do anterior. Nele sublinhou que a Convenção de Genebra, de 7 de Novembro de 1952, não permitia isentar do IVA as amostras gratuitas de pequeno valor importadas dos Estados que não são partes na referida convenção e que, de qualquer forma, a solução proposta não garantia a segurança das relações jurídicas. Não tendo considerado pertinentes as observações do Governo italiano, comunicadas por telex de 13 de Janeiro de 1986, a Comissão propôs a presente acção.
7 Para mais ampla exposição dos factos do processo, da sua tramitação e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.
8 Em apoio do seu pedido, a demandante alega que a isenção do IVA na importação de amostras de pequeno valor, provenientes de países que fazem parte da Convenção de Genebra ou que beneficiam da cláusula da nação mais favorecida, não basta para tornar a legislação italiana conforme com a directiva, cujo artigo 14.° prevê essa isenção em relação a todas as importações desde que as amostras de produção nacional estejam isentas de IVA.
9 No que toca às importações provenientes dos países acima referidos, a demandante alega, além disso, que a situação jurídica criada em Itália pelo DPR de 29 de Janeiro de 1979 se caracteriza por uma confusão considerável, de que são testemunho, aliás, as resoluções do ministro das Finanças de 30 de Junho de 1979 e de 10 de Dezembro de 1982. Se, por um lado, as novas instruções administrativas que alteraram as resoluções ministeriais melhoraram a situação, por outro lado a manutenção em vigor de um texto legal que suprimiu a equiparação anterior das importações às transacções internas ameaçava criar incertezas para os interessados que, por essa razão, poderiam sentir dificuldades em conhecer os seus direitos e em fazê-los valer perante os órgãos jurisdicionais.
10 De acordo com a demandada, dado que todos os Estados-membros são partes na Convenção de Genebra, as importações de amostras gratuitas de pequeno valor provenientes desses Estados beneficiam da isenção prevista na referida convenção. Não se poderá, por isso, acusá-la de infracção ao disposto no artigo 95.° do Tratado. Quanto ao incumprimento que lhe é imputado no que toca às obrigações que resultam da alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da sexta directiva, admite esse incumprimento apenas em relação a um número muito reduzido de Estados. Com efeito, salientou na sua contestação que, por nota de 5 de Novembro de 1986 dirigida a todas as direcções das alfândegas, o Ministério das Finanças tinha não somente comunicado a lista dos Estados que aderiram à referida Convenção de Genebra mas também esclarecera que o mesmo regime de isenção do IVA se aplicava às importações provenientes de Estados que beneficiam da cláusula da nação mais favorecida. Dado que entre estes se encontram os Estados signatários do Acordo Geral sobre as Pautas Aduaneiras e o Comércio (GATT) que prevê, no n.° 1 do seu artigo 1.° a extensão da referida cláusula a todos os Estados signatários desse acordo, a demandada entendeu que eram raras as importações a que se aplicava o IVA.
11 Há que salientar, antes de mais, que a legislação em vigor em Itália, como reconheceu o Governo italiano, não permite isentar de IVA todas as importações de amostras gratuitas de pequeno valor. Com efeito, mesmo que o artigo 72.° do DPR de 26 de Outubro de 1972 devesse ser interpretado no sentido de serem mantidas todas as isenções previstas por convenções internacionais ou em consequência da aplicação destas, certas importações continuariam todavia sujeitas a IVA, em violação do artigo 14.° da directiva. Ora, tal como o Tribunal entendeu no seu acórdão de 7 de Fevereiro de 1984 (Comissão/República Italiana, 166/82, Recueil, p. 459), o facto da aplicação a casos muito raros de uma legislação contrária ao direito comunitário não basta para fazer desaparecer essa infracção.
12 Há que salientar em seguida que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal (ver, entre outros, o acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/Reino da Dinamarca, 143/83, Recueil, p. 427), os princípios da segurança jurídica e da protecção dos particulares exigem que, nos domínios abrangidos pelo direito comunitário, as normas jurídicas dos Estados-membros sejam formuladas de maneira inequívoca que permita aos interessados conhecer os seus direitos e deveres de forma clara e precisa e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o seu respeito.
13 A regulamentação italiana não preenche essas condições. Com efeito, ainda que, como sustenta o Governo italiano, ela isente as importações provenientes dos Estados que são partes na Convenção de Genebra ou que beneficiem da cláusula da nação mais favorecida, não é menos verdade que a sua ambiguidade está na origem de uma prática administrativa não conforme com o direito comunitário. Embora duas resoluções do ministro das Finanças, de 30 de Junho de 1979 e 10 de Dezembro de 1982, tenham confirmado a supressão da isenção em relação a todas as importações, e uma resolução posterior, de 18 de Junho de 1984, tenha isentado de IVA todas as importações de amostras gratuitas de pequeno valor provenientes dos Estados que são partes na Convenção de Genebra, a nota de 5 de Novembro de 1986 do Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Indirectos esclarece que essa isenção se aplica também às importações provenientes de Estados que beneficiem da cláusula da nação mais favorecida, mas fazendo referência apenas às amostras médicas.
14 Na tréplica, a República Italiana entendeu que, no que toca às importações de amostras de pequeno valor provenientes de países que são partes na Convenção de Genebra bem como de países que beneficiam da cláusula da nação mais favorecida, a demandante alterara o objecto do processo, baseando o incumprimento já não na falta de disposições nacionais que prevêem a isenção do IVA na importação dessas amostras, mas na insegurança jurídica provocada pela regulamentação em causa.
15 A este propósito, há que salientar que a demandante tinha já alegado, no parecer fundamentado completado e na petição, a insegurança jurídica que resultaria da tomada em consideração apenas do artigo 72.° do DPR e da Convenção de Genebra. O raciocínio seguido na réplica limita-se quer a tornar mais explícito o fundamento anteriormente invocado, quer a torná-lo aplicável igualmente às importações provenientes de países que beneficiem da cláusula da nação mais favorecida, a que a República Italiana apenas aludira na sua contestação.
16 Há que reconhecer, por isso, que ao adoptar e manter em vigor uma regulamentação que não concede a isenção do IVA a todas as importações de amostras gratuitas de pequeno valor e que carece de clareza e precisão em relação à isenção de algumas importações dessas amostras, e ao prever a isenção de idênticas amostras de produção nacional, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 95.° do Tratado e 14.° da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
Quanto às despesas
17 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL
decide:
1) Ao adoptar e manter em vigor uma regulamentação que não concede a isenção do IVA a todas as importações de amostras gratuitas de pequeno valor e que carece de clareza e precisão em relação à isenção de algumas importações dessas amostras, e ao prever a isenção de idênticas amostras de produção nacional, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 95.° do Tratado e 14.° da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
2) A República Italiana é condenada nas despesas.