Avis juridique important
ACORDAO DO TRIBUNAL DE 21 DE SETEMBRO DE 1988. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA FRANCESA. - INCUMPRIMENTO PELO ESTADO - ARTIGOS 17 A 20 DA DIRECTIVA 77/388/CEE DO CONSELHO, DE 17 DE MAIO DE 1977 - LIMITACAO DO DIREITO A DEDUCAO DO IVA RELATIVO AOS IMOVEIS ARRENDADOS. - PROCESSO 50/87.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 04797
Edição especial sueca página 00599
Edição especial finlandesa página 00615
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Dedução do imposto pago a montante - Direito conferido aos sujeitos passivos - Limitações - Necessidade duma disposição comunitária expressa - Legislação que limita o direito à dedução referente aos imóveis arrendados
(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 17.° a 20.°)
O regime das deduções do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, previsto nos artigos 17.° a 20.° da sexta Directiva 77/388, visa libertar inteiramente o empresário do imposto devido ou pago no âmbito das suas actividades económicas. Qualquer limitação do direito à dedução conferido aos sujeitos passivos deve, devido à sua incidência no nível da carga fiscal, ser aplicada de modo similar em todos os Estados-membros e pressupõe, por conseguinte, uma disposição comunitária que expressamente a autorize. Na falta dessa disposição, o direito à dedução deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que tenha onerado as operações efectuadas a montante.
É incompatível com a directiva, por não ser autorizada pela mesma, uma legislação que, em relação às empresas que arrendam imóveis por si adquiridos ou construídos, limita o direito à dedução apenas a uma fracção do imposto pago a montante, quando o volume das receitas provenientes do arrendamento desses imóveis seja inferior a uma certa percentagem do valor destes últimos.
No processo 50/87,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Johannes F. Buhl, consultor jurídico da Comissão, na qualidade de agente, e Alain Van Solinge, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de co-agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg, Luxemburgo,
demandante,
contra
República Francesa, representada por Régis de Gouttes e Bernard Botte, da direction des affaires juridiques do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na embaixada de França, 9, boulevard Prince Henri,
demandada,
que tem por objecto um pedido de declaração de que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, ao instituir e manter em vigor um regime fiscal que limita, relativamente a certos sujeitos passivos, o direito à dedução do IVA pago a montante no momento em que o imposto se torna exigível,
O TRIBUNAL
constituído pelos Srs. A. J. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, Y. Galmot, C. Kakouris e F. Schockweiler, juízes,
advogado-geral: Sir Gordon Slynn
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 3 de Março de 1988,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Maio de 1988,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Fevereiro de 1987, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção tendente a obter o reconhecimento de que, ao instituir e manter em vigor um regime fiscal que limita, relativamente a certos sujeitos passivos, o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante no momento em que o imposto dedutível se torna exigível e ao não dar cumprimento à Sexta Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54 - daqui em diante a sexta directiva), nomeadamente os seus artigos 17.° a 20.°, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
2 A República Francesa instituiu, pelo Decreto n.° 79-310, de 9 de Abril de 1979, que estabelece as regras especiais de dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incidiu sobre os imóveis arrendados, um regime fiscal por força do qual as empresas que arrendam imóveis por si adquiridos ou construídos só podem deduzir uma fracção do imposto sobre o valor acrescentado (daqui em diante: "IVA") que incidiu sobre a aquisição ou a construção dos referidos imóveis, quando o montante anual das receitas provenientes do respectivo arrendamento seja inferior a 1/15 do valor desses imóveis. As disposições do citado decreto foram incorporadas no code général des impôts, passando a constituir os artigos 233.°-A a 233.°-E.
3 A Comissão, considerando a legislação francesa incompatível com as disposições da sexta directiva, dirigiu ao Governo da República Francesa, por carta de 27 de Março de 1985, uma notificação de incumprimento nos termos do artigo 169.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE.
4 Não tendo o Governo francês dado seguimento à notificação, a Comissão transmitiu-lhe, em 14 de Maio de 1986, um parecer fundamentado, com o qual a República Francesa declarou não concordar. Em 18 de Fevereiro de 1987, a Comissão intentou, por conseguinte, a presente acção.
5 No que se refere à exposição detalhada das disposições em causa da legislação nacional, à tramitação processual e às conclusões, fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
Quanto à admissibilidade
6 A República Francesa suscitou a questão prévia da inadmissibilidade da acção, alegando que a única acusação feita pela Comissão na notificação de incumprimento se referia à incompatibilidade do decreto em causa com a sexta directiva, ao passo que, no parecer fundamentado e na petição inicial, é acusada de ter violado os artigos 99.° e 100.° do Tratado CEE, ao adoptar o referido decreto e ao não actuar em conformidade com a
referida directiva. Em consequência desta alteração do objecto do litígio, a República Francesa não tinha podido defender-se convenientemente durante a fase pré-contenciosa.
7 A Comissão alega que a acusação formulada na notificação de incumprimento é inteiramente retomada no parecer fundamentado e na petição inicial. A sexta directiva foi adoptada com base nos artigos 99.° e 100.° do Tratado; a Comissão limitou-se a precisar, no parecer fundamentado e na petição inicial, o alcance da acusação feita na notificação, ao censurar a República Francesa por ter adoptado uma legislação incompatível com a directiva, não cumprindo assim as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições do Tratado.
8 A este respeito, convém salientar que resulta, tanto da notificação de incumprimento como do parecer fundamentado e da petição inicial, que o litígio incide sobre a questão de saber se a legislação francesa é contrária à sexta directiva. Não se tendo verificado, no decurso das diferentes fases do processo, qualquer alteração do objecto do litígio, daí decorre não terem sido prejudicados os direitos de defesa da República Francesa.
9 Improcede, por consequência, a excepção de inadmissibilidade deduzida pela República Francesa.
Quanto ao mérito
10 A Comissão alega que os artigos 17.° a 20.° da sexta directiva impõem aos Estados-membros que concedem aos seus sujeitos passivos, em matéria de locação de bens imóveis, nos termos do artigo 13.°, parte C, alínea a), o direito de optarem pela tributação, a obrigação de reconhecerem a esses sujeitos passivos o direito à dedução total e imediata do IVA pago a montante, sem que a extensão deste direito possa ser limitada em função do montante da renda praticada.
11 A República Francesa alega que a legislação em causa tem em vista os arrendamentos com rendas inferiores às usuais no mercado, que praticam certas empresas a favor das suas filiadas e certas autarquias locais, por razões de carácter social, a favor de organismos com fins desportivos ou culturais ou de empresas, com o objectivo de favorecer a sua implantação. Estas actividades apresentam-se essencialmente como liberalidades, mas seria demasiado rigoroso não reconhecer ao proprietário, nestes casos, qualquer direito à dedução. A legislação em causa está em conformidade com o artigo 2.° da Directiva 67/227 do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, p. 1301; EE 09 F1 p. 3 - daqui em diante: "primeira directiva"), disposição que enuncia o princípio segundo o qual o preço dos bens adquiridos deve ser repercutido no preço de custo dos bens dados em locação pelo sujeito passivo.
12 Em primeiro lugar, é conveniente recordar os elementos e as características do sistema do IVA com pertinência no caso em apreço.
13 O artigo 4.°, n.° 1, da sexta directiva define como sujeito passivo "qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade". O n.° 2 da mesma disposição acrescenta que "as actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços". É nomeadamente considerada actividade económica "a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência".
14 Por outro lado, o artigo 17.° da mesma directiva prevê, no seu n.° 1, que "o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível" e, no n.° 2, autoriza o sujeito passivo, desde que os bens e serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, "a deduzir do imposto de que é devedor o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo".
15 As características do imposto sobre o valor acrescentado assim recordadas permitem inferir, tal como o Tribunal salientou no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 1985 (268/83, Rompelman, Recueil, p. 655), que o regime das deduções visa libertar
inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA.
16 Resulta do conjunto de regras deste modo recordadas que, na ausência de uma disposição que permita aos Estados-membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante.
17 Essas limitações do direito à dedução têm incidência no nível da carga fiscal e devem ser aplicadas de modo similar em todos os Estados-membros. Por consequência, só são autorizadas excepções nos casos expressamente previstos pela directiva.
18 No que se refere mais precisamente à tributação dos arrendamentos, convém salientar que a sexta directiva permite aos Estados-membros, quer isentar essa locação (artigo 13.°, parte B, alínea b)), quer conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação (artigo 13.°, parte C, alínea a)). Nesta última hipótese, que é a do caso em apreço, as empresas que arrendam imóveis, ao exercerem o seu direito de optar pela tributação e na medida em
que são sujeitos passivos na acepção do artigo 4.° da directiva, beneficiam do regime de deduções anteriormente referido.
19 A legislação francesa sobre a dedução do IVA que incide sobre os imóveis arrendados não permite a dedução total e imediata quando o montante acumulado das receitas provenientes da locação do imóvel seja inferior a um quinze avos do seu valor. Essa legislação é, portanto, incompatível com as regras acima recordadas da sexta directiva.
20 É certo que, como sublinha a República Francesa, essa legislação é necessária, sobretudo para fazer face a arrendamentos com rendas baixas, concedidos por autarquias locais a associações com fins de carácter social ou a empresas que vieram instalar-se no seu território. Estas práticas teriam como efeito permitir às autarquias locais a concessão de subvenções parcialmente suportadas pelo Estado, se fosse admitido o princípio da dedução total e imediata nestes casos.
21 A este respeito, convém no entanto notar que, para fazer face a situações como as referidas pela República Francesa, o artigo 20.° da sexta directiva prevê um regime de ajustamentos. Quando, dado o montante da renda, o arrendamento deva ser entendido como uma liberalidade, e não como uma actividade económica na acepção
da directiva, a dedução inicialmente feita é objecto de um ajustamento, por um período que pode ir até dez anos.
22 No que respeita à necessidade de prevenir a fraude fiscal, invocada pela República Francesa, deve dizer-se que essa necessidade só pode justificar medidas de excepção ao disposto na directiva no âmbito do processo previsto no seu artigo 27.°, a que a República Francesa não recorreu.
23 Por último, convém observar que o artigo 2.° da primeira directiva, segundo o qual "em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço", não pode servir de fundamento à legislação francesa em causa. Com efeito, esta disposição limita-se a enunciar o princípio do direito à dedução, cujo regime é objecto das disposições da sexta directiva acima referidas.
24 Resulta de tudo o que antecede que, ao instituir e manter em vigor, ignorando o disposto na sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, um regime fiscal que limita, relativamente às empresas que arrendam os imóveis por si adquiridos ou construídos, o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, quando o volume das receitas provenientes do arrendamento desses imóveis seja inferior a um
quinze avos do seu valor, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
Quanto às despesas
Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL
decide:
1) Ao instituir e manter em vigor, ignorando o disposto na sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, um regime fiscal que limita, relativamente às empresas que arrendam os imóveis por si adquiridos ou construídos, o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, quando o volume das receitas provenientes do arrendamento desses imóveis seja inferior a um quinze avos do seu valor, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
2) A República Francesa é condenada nas despesas.