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ACORDAO DO TRIBUNAL DE 23 DE NOVEMBRO DE 1988. - NATURALLY YOURS COSMETICS LTD CONTRA COMMISSIONERS OF CUSTOMS AND EXCISE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO VALUE ADDED TAX TRIBUNAL DE LONDRES. - SISTEMA COMUM DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - MATERIA COLECTAVEL - FORNECIMENTO DE BENS E SERVICOS. - PROCESSO 230/87.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 06365
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado - Matéria colectável - Entrega de bens - Contravalor ligado directamente à entrega, exprimível em dinheiro e representando um valor subjectivo - Redução do preço de venda destinada a remunerar um serviço prestado pelo comprador
((Directiva 77/388, do Conselho, artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a) ))
A matéria colectável de uma entrega de bens na acepção do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388, é constituída por tudo o que é recebido em ligação directa com a entrega e dela representa a contrapartida, devendo esta poder ser expressa em dinheiro e constituindo um valor subjectivo.
A referida disposição deve, por conseguinte, ser interpretada no sentido de que, quando um fornecedor, "o grossista", entrega artigos, "o bónus", a outra pessoa, "o retalhista", mediante uma contrapartida monetária, ou seja, uma quantia em dinheiro inferior àquela pela qual lhe fornece os mesmo artigos para revenda ao público, comprometendo-se o retalhista a utilizar o brinde como meio de incitamento ou de recompensa de um terceiro que se encarrega de organizar uma reunião durante a qual outros artigos do grossista podem ser vendidos pelo retalhista ao público com benefício para ambos, entendendo-se que, não se realizando a reunião, o bónus deve ser devolvido ao fornecedor ou ser pago pelo seu preço de venda por grosso, a matéria colectável é constituída pela soma da contrapartida monetária e do valor do serviço prestado pelo retalhista que consiste em utilizar o bónus para garantir os serviços do terceiro ou para o recompensar ; o valor deste serviço deve ser considerado como igual à diferença entre o preço efectivamente pago por aquele produto e o seu preço corrente de venda por grosso.
No processo 230/87,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Value Added Tax Tribunal de Londres, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre
Naturally Yours Cosmetics Limited
e
Commissioners of Customs and Excise,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da Directiva 77/388, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. O. Due, presidente, T. Koopmans, R. Joliet e T. F. O' Higgins, presidentes de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e J. C. Moitinho de Almeida, juízes,
advogado-geral: J. L. da Cruz Vilaça
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
vistas as observações apresentadas:
- em representação da recorrente, por David Vaughan, QC, e por S. J. Berwin & Co., Solicitors,
- em representação do Governo britânico, por Sue Hay, na qualidade de agente, e por John Mummery e Robert Jay, Barristers,
- em representação do Governo português, por Luís Inês Fernandes, Maria Helena Brito e Arlindo Correia, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Johannes Foens Buhl, na qualidade de agente,
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 21 de Junho de 1988,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Julho de 1988,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 13 de Março de 1987, entrado no Tribunal em 29 de Julho seguinte, o Value Added Tax Tribunal de Londres apresentou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, daqui em diante a "sexta directiva").
2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um processo que opõe a Naturally Yours Cosmetics Ltd (daqui em diante "Naturally Yours") aos Commissioners of Customs and Excise (daqui em diante "Commissioners") acerca de uma decisão destes sobre uma avaliação fiscal para efeitos de pagamento do IVA relativo ao ano de 1984.
3 Resulta do despacho de reenvio que a Naturally Yours é uma sociedade de venda por grosso de produtos de beleza, destinados a serem revendidos por retalhistas ("consultoras de beleza") que recorrem a amigas e conhecidas ("anfitriãs") para a organização de reuniões privadas, no decurso das quais os produtos da Naturally Yours são postos à venda.
4 As consultoras de beleza compram os produtos à Naturally Yours a preço de grossista e vendem-nos, durante essas reuniões, a preços de retalho recomendados pela sociedade; a diferença entre estes dois preços constitui o lucro a que as consultoras têm direito. Resulta dos autos estarem estas isentas do pagamento do IVA, nos termos do artigo 24.° da sexta directiva, por o seu volume de negócios ser inferior ao mínimo estabelecido pela legislação britânica.
5 Para recompensar as anfitriãs pela organização das referidas reuniões, a consultora de beleza oferece-lhes um dos produtos assim comercializados ("Natural Oasis Rejuvenating Cream"), a título de "bónus-recordação". Quando esse boião de creme é utilizado para este efeito, a Naturally Yours fornece-o à consultora de beleza ao preço de 1,50 UKL, em vez do seu preço normal de venda por grosso de 10,14 UKL.
6 Os Commissioners liquidaram o IVA relativo ao ano de 1984, com base no preço normal de venda por grosso de 10,14 UKL por boião de creme, incluindo os boiões destinados a servir de bónus; invocaram para tanto as disposições aplicáveis da legislação britânica, nomeadamente, o artigo 10.°, n.° 3, do Value Added Tax Act de 1983, segundo o qual "quando o fornecimento não tiver contrapartida ou tiver uma contrapartida não inteiramente constituída por dinheiro, o valor do fornecimento a tomar em consideração é o do seu valor normal de mercado". A Naturally Yours considera ser esta disposição contrária ao artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva e que a matéria colectável do IVA deveria ser o preço de 1,50 UKL efectivamente pago pela consultora de beleza pelos boiões adquiridos a título de bónus.
7 Considerando que o litígio suscitava uma questão de interpretação do direito comunitário, o Value Added Tax Tribunal suspendeu a instância até que o Tribunal se pronuncie sobre a questão prejudicial seguinte:
"Para os efeitos do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977), quando um fornecedor ("o grossista") entregue bens ("o bónus") a outrém ("o retalhista") por um preço (nomeadamente, certa quantia em dinheiro) inferior àquele a que fornece idênticos bens ao "retalhista" para revenda ao público, com o compromisso, por parte do "retalhista", de aplicar esses bónus na angariação de outra pessoa para organizar, ou na recompensa de outrém pela organização de uma reunião, durante a qual outros produtos do grossista podem ser vendidos pelo retalhista ao público, com lucro para aqueles, a matéria colectável
a) é apenas o preço recebido pelo grossista em troca do "bónus", ou
b) o preço que o retalhista paga ao grossista por idênticos produtos para a revenda ao público, ou
c) deve ser fixada de acordo com critérios que podem ser estabelecidos pelo Estado-membro em questão, ou
d) é a soma do preço e do valor do compromisso do retalhista em utilizar o bónus na angariação ou recompensa de outra pessoa e, neste caso, como deve ser determinado o valor do compromisso, ou
e) qualquer outro valor e, neste caso, qual?"
8 Para mais ampla exposição da matéria de facto do processo principal, da tramitação e das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
9 O artigo 11.°, parte A, n.° 1, da sexta directiva, dispõe:
"A matéria colectável é constituída:
a) No caso de entregas de bens e de prestações de serviços ... por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;
b) ...".
10 Na interpretação do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva, deve ter-se presente, dada a finalidade comum da sexta directiva e da segunda directiva 67/228 do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 67, p. 1303; EE 09 F1 p. 6 - daqui em diante "segunda directiva"), a jurisprudência do Tribunal relativa a esta última.
11 Assim, deve recordar-se que, segundo o acórdão de 5 de Fevereiro de 1981 (Cooperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, Recueil, p. 445), a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado; deve, portanto, existir um vínculo directo entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável, na acepção da segunda directiva.
12 Deve igualmente existir esse vínculo directo entre a entrega de um bem e a contrapartida recebida na acepção do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva.
13 Coloca-se, pois, a questão de saber se há um vínculo directo entre a entrega do bem fornecido a um preço inferior ao preço corrente e o valor do serviço que deve ser prestado pela consultora de beleza.
14 A este respeito, resulta da decisão de reenvio que o método de venda da Naturally Yours se caracteriza pela intervenção de consultoras de beleza no âmbito de reuniões privadas que organizam por intermédio de anfitriãs. É essa a razão por que a Naturally Yours aceita vender o boião de creme destinado a servir de bónus a um preço muito baixo. Além disso, provou-se na audiência no Tribunal de Justiça que, quando a consultora não presta o serviço previsto, ou seja, não encontra uma anfitriã que organize uma reunião, o boião de creme deve ser devolvido ou pago ao preço corrente de venda por grosso. Se assim é - o que compete ao juiz nacional verificar - deve considerar-se que existe um vínculo directo entre a entrega do boião a preço muito baixo e o serviço prestado pela consultora de beleza.
15 O órgão jurisdicional nacional pergunta em seguida se este serviço deve ser considerado como parte do contravalor da entrega do bem fornecido, ainda que não constitua uma contrapartida em dinheiro e, em caso de resposta afirmativa, como se deve determinar o valor do serviço prestado em situações como a da consultora de beleza do caso em apreço.
16 A este respeito, deve recordar-se que resulta do citado acórdão de 5 de Fevereiro de 1981, em primeiro lugar, que a contrapartida deve poder ser expressa em dinheiro e, em segundo lugar, que essa contrapartida é um valor subjectivo, uma vez que a matéria colectável é a contrapartida efectivamente recebida e não um valor calculado segundo critérios objectivos.
17 No caso em apreço, os contratantes reduziram em determinado montante o preço de venda por grosso do boião de creme, em troca da prestação de um serviço que é fornecido pela consultora de beleza e que consiste em levar as anfitriãs a organizarem reuniões de venda mediante a oferta desses boiões como bónus. Nestas circunstâncias, é possível conhecer o valor monetário que os contratantes atribuíram a esse serviço; este valor deve ser considerado como igual à diferença entre o preço efectivamente pago e o preço normal de venda por grosso.
18 Por conseguinte, há que responder ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea b), da sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que, quando um fornecedor ("o grossista") entrega artigos ("o bónus") a outra pessoa ("o retalhista") mediante uma contrapartida monetária (ou seja, uma quantia em dinheiro) inferior àquela pela qual lhe fornece os mesmos artigos para revenda ao público, comprometendo-se o retalhista a utilizar o bónus para convencer um terceiro, ou para o recompensar, a organizar uma reunião durante a qual outros artigos do grossista podem ser vendidos pelo retalhista ao público com benefício para ambos, entendendo-se que, não se realizando a reunião, o bónus deve ser devolvido ao fornecedor ou ser pago pelo seu preço de venda por grosso, a matéria colectável é constituída pela soma da contrapartida monetária e do valor do serviço prestado pelo retalhista, que consiste em utilizar o brinde para garantir os serviços do terceiro ou para o recompensar; o valor deste serviço deve ser considerado como igual à diferença entre o preço efectivamente pago por aquele produto e o seu preço corrente de venda por grosso.
Quanto às despesas
19 As despesas efectuadas pelo Governo britânico, pelo Governo português e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL,
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Value Added Tax Tribunal de Londres, por despacho de 13 de Março de 1987, declara:
O artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que, quando um fornecedor ("o grossista") entrega artigos ("o bónus") a outra pessoa ("o retalhista") mediante uma contrapartida monetária (ou seja, uma quantia em dinheiro) inferior àquela pela qual lhe fornece os mesmos artigos para revenda ao público, comprometendo-se o retalhista a utilizar o bónus para convencer um terceiro, ou para o recompensar, a organizar uma reunião durante a qual outros artigos do grossista podem ser vedidos pelo retalhista ao público com benefício para ambos, entendendo-se que, não se realizando a reunião, o bónus deve ser devolvido ao fornecedor ou ser pago pelo seu preço de venda por grosso, a matéria colectável é constituída pela soma da contrapartida monetária e do valor do serviço prestado pelo retalhista, que consiste em utilizar o bónus para garantir os serviços do terceiro ou para o recompensar; o valor deste serviço deve ser considerado como igual à diferença entre o preço efectivamente pago por aquele produto e o seu preço corrente de venda por grosso.