Avis juridique important
ACORDAO DO TRIBUNAL (SEXTA SECCAO) DE 12 DE ABRIL DE 1994. - HALLIBURTON SERVICES BV CONTRA STAATSSECRETARIS VAN FINANCIEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HOGE RAAD - PAISES BAIXOS. - SOCIEDADES - DIREITO DE ESTABELECIMENTO - IMPOSICAO DISCRIMINATORIA. - PROCESSO C-1/93.
Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-01137
Edição especial sueca página I-00071
Edição especial finlandesa página I-00101
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
Livre circulação de pessoas ° Liberdade de estabelecimento ° Legislação fiscal ° Direito a isenção do imposto sobre as transmissões de imóveis nas operações efectuadas no âmbito de uma reorganização no interior de um grupo de sociedades ° Direito reservado às sociedades que adquirem bens imóveis a uma sociedade constituída em conformidade com o direito nacional ° Inadmissibilidade
(Tratado CEE, artigos 52. e 58. ; Directiva 77/799 do Conselho)
Os artigos 52. e 58. do Tratado impedem que a legislação de um Estado-membro reserve as isenções do imposto sobre as transmissões imobiliárias, que ela prevê para as operações efectuadas aquando de uma reorganização no interior de um grupo de sociedades, apenas aos casos em que a sociedade contribuinte adquira bens imóveis a uma sociedade constituída nos termos do direito nacional e recuse esse benefício quando a sociedade alienante esteja constituída nos termos do direito de outro Estado-membro.
Efectivamente, o facto de a alienação de um imóvel gerar a cobrança de um imposto agrava o custo da transacção para o comprador, o que se repercute no preço susceptível de ser obtido pelo vendedor. Quando este é uma sociedade estabelecida noutro Estado-membro e cede um imóvel que faz parte do património utilizado no âmbito do seu estabelecimento permanente no território do Estado-membro onde essa legislação se aplica, ficará numa situação menos favorável do que se tivesse operado neste último Estado criando aí uma filial, que teria preenchido as condições que dão direito à isenção.
Apesar de a diferença de tratamento só afectar indirectamente a situação das sociedades constituídas nos termos do direito de outros Estados-membros, ela representa uma discriminação em razão da nacionalidade, proibida pelo artigo 52. do Tratado, porque uma sociedade que faz uso do direito, que lhe confere o artigo 58. do Tratado, de exercer a sua actividade noutro Estado-membro através de uma sucursal ou agência, sofre uma desvantagem na sua actividade em relação às sociedades constituídas nos termos da legislação do referido Estado-membro.
Esta discriminação não pode ser justificada pelas dificuldades encontradas pelas autoridades nacionais ao nível do controlo da equivalência entre as formas societárias nacionais e as dos outros Estados-membros, pois as informações necessárias para esse efeito podem ser obtidas, para aplicação da imposição em causa, graças ao sistema previsto pela Directiva 77/799, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-membros no domínio dos impostos directos e indirectos.
No processo C-1/93,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Hoge Raad der Nederlanden, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre
Halliburton Services BV
e
Staatssecretaris van Financiën,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7. e 52. a 58. do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, M. Díez de Velasco (relator), C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,
advogado-geral: C. O. Lenz
secretário: L. Hewlett, administradora
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico, na qualidade de agente,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Caeiro, consultor jurídico, e B. Smulders, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Halliburton Services BV, representada por B. van Wijck e D. van Unnik, consultores fiscais, do Governo neerlandês, representado por J. W. de Zwaan, consultor jurídico adjunto, na qualidade de agente, e da Comissão das Comunidades Europeias, na audiência de 20 de Janeiro de 1994,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Fevereiro de 1994,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 23 de Dezembro de 1992, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de Janeiro seguinte, o Hoge Raad der Neederlanden (a seguir "Hoge Raad") submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão relativa à interpretação dos artigos 7. e 52. a 58. do referido Tratado.
2 A questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a sociedade de direito neerlandês Halliburton Services BV, estabelecida em Haia, ao Staatssecretaris van Financiën (a seguir "administração fiscal") relativo às condições de isenção previstas, em matéria de imposto sobre as transmissões de bens imóveis, na Wet op belastingen van rechtsverkeer de 24 de Dezembro de 1970 (lei do imposto sobre a transmissão de direitos, a seguir "lei") e no Uitvoeringsbesluit belastingen van rechtsverkeer de 21 de Junho de 1971 (decreto regulamentar da lei do imposto sobre as transmissões de direitos, a seguir "decreto regulamentar").
3 O grupo Halliburton é uma holding internacional cuja sociedade-mãe, a Halliburton Inc., está estabelecida nos Estados Unidos da América. Detém a totalidade do capital das suas filiais alemã (Halliburton Co. Germany GmbH) e neerlandesa (Halliburton Services BV). Esta última está constituída sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada (besloten vennootschap met beperkte aansprakelijkheid) de direito neerlandês.
4 No âmbito de uma reorganização das actividades do grupo Halliburton na Europa, a filial alemã, por acto notarial de 22 de Dezembro de 1986, vendeu e transmitiu à filial neerlandesa o seu estabelecimento permanente nos Países Baixos, no qual se incluía um imóvel situado em Emmen, com o valor de 3 178 926 HFL.
5 Nos Países Baixos, a transmissão de imóveis está sujeita ao imposto sobre as transmissões de direitos. No entanto, o artigo 15. , n. 1, alínea h), da lei prevê a isenção dessas operações quando sejam efectuadas "no âmbito de uma reorganização interna das sociedades anónimas e de sociedades de responsabilidade limitada".
6 Nos termos do artigo 5. do decreto regulamentar, a referida isenção é limitada às cessões entre sociedades anónimas e sociedades de responsabilidade limitada pertencentes a um grupo de sociedades cuja sociedade-mãe tenha igualmente uma destas duas formas jurídicas. Importa, contudo, acrescentar que resulta dos autos que o Hoge Raad já decidiu que, por força do princípio da não discriminação, tal como enunciado no tratado bilateral, em matéria fiscal, celebrado entre os Países Baixos e os Estados Unidos da América, a sociedade Halliburton Services não pode ser privada do benefício da isenção pelo facto de a sociedade-mãe do grupo Halliburton ser constituída nos termos do direito norte-americano.
7 Tendo considerado que a transmissão do imóvel efectuada pelas sociedades alemã e neerlandesa não podia beneficiar da isenção referida, a administração fiscal neerlandesa exigiu o pagamento do imposto sobre transmissões de direitos à sociedade Halliburton Services BV.
8 Por decisão de 11 de Dezembro de 1990, o Gerechtshof te 's-Gravenhage negou provimento ao recurso interposto por esta sociedade pelo facto de a empresa vendedora - a Halliburton Co. Germany GmbH - não ser uma sociedade de direito neerlandês, tal como definida no artigo 5. , n. 4, do decreto regulamentar, pelo que, portanto, a transmissão em causa não podia beneficiar da isenção.
9 A sociedade recorrente interpôs recurso para o Hoge Raad, alegando nomeadamente que as condições de isenção anteriormente descritas continham uma discriminação em razão da nacionalidade contrária às disposições do Tratado.
10 Tendo dúvidas acerca da compatibilidade da lei e do decreto regulamentar com os artigos 7. e 52. a 58. do Tratado, o Hoge Raad suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
"Quando um Estado-membro tenha instituído um imposto em matéria de aquisição de bens imóveis ou de direitos reais sobre bens imóveis situados nesse Estado e quando tenha estabelecido uma isenção para o caso das aquisições ocorridas no âmbito de uma reorganização interna - como decorre dos artigos 2. e 15. , primeiro parágrafo, alínea h), da lei do imposto sobre a transmissão de direitos, conjugados com o artigo 5. do decreto regulamentar da lei do imposto sobre a transmissão de direitos (na redacção de 1986) - permite então o artigo 7. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, à luz dos artigos 52. a 58. inclusive, do mesmo Tratado, que essa isenção seja concedida a uma sociedade constituída nos termos do direito desse Estado-membro - concretamente, uma sociedade anónima ou uma sociedade de responsabilidade limitada - mas não a uma sociedade análoga constituída nos termos do direito de outro Estado-membro e aí sediada - concretamente, uma Gesellschaft mit beschraenkter Haftung (sociedade por quotas)?"
11 Importa salientar, a título preliminar, que nem o juiz de reenvio nem as partes no processo principal puseram em causa que, com excepção da condição relativa ao direito que rege a constituição das sociedades intervenientes, a transmissão controvertida preenchesse todas as condições de isenção previstas pela lei e pelo decreto regulamentar neerlandeses. Convém, assim, considerar que, se as sociedades partes na transmissão do estabelecimento permanente nos Países Baixos tivessem ambas sido constituídas sob a forma de sociedades anónimas ou sociedades de responsabilidade limitada de direito neerlandês, a cessão do imóvel efectuada no âmbito da reorganização do grupo Halliburton teria beneficiado da isenção em causa.
12 Relativamente ao artigo 7. do Tratado, importa antes de mais recordar (v. acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia, 305/87, Colect., p. 1461, n. 13) que este artigo só se destina a ser aplicado de modo autónomo em situações regidas pelo direito comunitário em relação às quais o Tratado não preveja regras específicas de não discriminação. Ora, é igualmente pacífico (v. acórdão de 14 de Janeiro de 1988, Comissão/Itália, 63/86, Colect., p. 29, n. 12) que o artigo 52. visa essencialmente aplicar, no domínio das actividades não assalariadas, o princípio do tratamento igual consagrado no artigo 7. Consequentemente, esta última disposição não deve aplicar-se no caso em apreço.
13 Daqui decorre, portanto, que o tribunal nacional pretende saber, através da sua questão, se os artigos 52. a 58. do Tratado se opõem a que um Estado-membro conceda uma isenção de imposto aquando da aquisição de imóveis situados no seu território ou de direitos reais relativos a tais bens, no âmbito de uma reorganização interna, unicamente quando os bens pertençam a uma sociedade constituída nos termos do seu próprio direito e não quando pertençam a uma sociedade análoga constituída nos termos do direito de outro Estado-membro.
14 Quanto a isto, convém antes de mais recordar que a liberdade de estabelecimento, reconhecida pelo artigo 52. aos nacionais de um Estado-membro e que compreende o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício nas condições definidas pela legislação do Estado-membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais, inclui, de acordo com o artigo 58. do Tratado, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-membro e que tenham a sua sede social, a administração central ou o estabelecimento principal na Comunidade, o direito de exercerem a sua actividade no Estado-membro em causa através de uma sucursal ou agência.
15 Em seguida, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 13 de Julho de 1993, Commerzbank, C-330/91, Colect., p. I-4017, n. 14) que as regras de igualdade de tratamento proíbem não apenas as discriminações ostensivas baseadas na nacionalidade, ou na sede no que se refere às sociedades, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzem, de facto, ao mesmo resultado.
16 Finalmente, importa recordar que, tal como foi várias vezes salientado pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, o acórdão de 28 de Abril de 1977, Thieffry, 71/76, Recueil, p. 765), o artigo 52. do Tratado é, desde o final do período de transição, uma disposição directamente aplicável apesar da ausência, num domínio determinado, das directivas previstas nos artigos 54. , n. 2, e 57. , n. 1, do Tratado.
17 No caso vertente, importa observar que a norma fiscal controvertida limita a isenção do imposto sobre transacções imobiliárias apenas às operações efectuadas entre sociedades de direito neerlandês que tenham sido constituídas sob a forma de sociedades anónimas, ou de sociedades de responsabilidade limitada tal como definidas pela legislação desse Estado, excluindo-se as formas societárias equivalentes previstas nas legislações dos restantes Estados-membros.
18 O Governo neerlandês considera que esta legislação não é discriminatória porque o sujeito passivo do imposto não é a sociedade alemã mas a sociedade neerlandesa. Sendo, portanto, a situação, puramente interna ao ordenamento jurídico dos Países Baixos, não seria abrangida pelo direito comunitário.
19 Nesta matéria, convém realçar que o pagamento de um imposto aquando da venda de um imóvel constitui um encargo que agrava as condições de venda do bem e tem, assim, repercussões na situação do vendedor. Num caso como o presente, o vendedor encontra-se numa situação claramente menos favorável do que se tivesse escolhido a forma de sociedade anónima ou de sociedade de responsabilidade limitada, em vez da de estabelecimento permanente, para o seu ramo de actividade nos Países Baixos.
20 Apesar de a diferença de tratamento só afectar indirectamente a situação das sociedades constituídas nos termos do direito dos outros Estados-membros, ela representa uma discriminação em razão da nacionalidade proibida pelo artigo 52. do Tratado.
21 O Governo neerlandês alega que a limitação da isenção às sociedades de direito nacional é necessária porque a administração fiscal competente não tem a possibilidade de verificar a equivalência entre as formas jurídicas das entidades dos outros Estados-membros e as das sociedades anónimas e de responsabilidade limitada na acepção da legislação nacional.
22 Este argumento não pode ser acolhido. Os dados relativos às características das formas societárias dos outros Estados-membros podem, com efeito, ser obtidos, para a aplicação do imposto sobre as transmissões de direitos, graças ao sistema previsto na Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), com a redacção que lhe foi dada pelas Directivas 79/1070/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979 (JO L 331, p. 8; EE 09 F1 p. 114) e 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992 (JO L 76, p. 1). De facto, nos termos do n. 2 do artigo 1. da directiva, o sistema de troca de informações é aplicável aos impostos sobre a alienação de bens móveis ou imóveis. Por outro lado, o artigo 1. , n. 1, prevê que o referido sistema abrange qualquer informação susceptível de permitir às autoridades competentes dos Estados-membros o estabelecimento correcto dos impostos referidos na directiva.
23 Por conseguinte, deve responder-se à questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional que os artigos 52. e 58. do Tratado impedem que a legislação de um Estado-membro reserve as isenções do imposto sobre as transmissões imobiliárias, normalmente devido em caso de cessões ou de vendas realizadas aquando de uma reorganização no interior de um grupo de sociedades, apenas aos casos em que a sociedade beneficiária dessa isenção adquira esses bens imóveis a uma sociedade constituída nos termos do direito nacional, e recuse essa vantagem quando a sociedade vendedora é constituída nos termos do direito de outro Estado-membro.
Quanto às despesas
24 As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Hoge Raad der Nederlanden, por acórdão de 23 de Dezembro de 1992, declara:
Os artigos 52. e 58. do Tratado impedem que a legislação de um Estado-membro reserve as isenções do imposto sobre as transmissões imobiliárias, normalmente devido em caso de cessões ou de vendas realizadas aquando de uma reorganização no interior de um grupo de sociedades, apenas aos casos em que a sociedade beneficiária dessa isenção adquira bens imóveis a uma sociedade constituída nos termos do direito nacional, e recuse essa vantagem quando a sociedade vendedora é constituída nos termos do direito de outro Estado-membro.