Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 27 de Junho de 1996. - P. H. Asscher contra Staatssecretaris van Financiën. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. - Artigo 52. do Tratado CE - Dever de igualdade de tratamento - Tributação do rendimento dos não residentes. - Processo C-107/94.
Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-03089
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Livre circulação de pessoas ° Liberdade de estabelecimento ° Disposições do Tratado ° Âmbito de aplicação pessoal ° Nacional não residente de um Estado-Membro que exerce paralelamente actividades não assalariadas no território deste e noutro Estado-Membro ° Inclusão
(Tratado CE, artigo 52. )
2. Livre circulação de pessoas ° Liberdade de estabelecimento ° Legislação fiscal ° Impostos sobre o rendimento ° Nacional não residente de um Estado-Membro que exerce paralelamente actividades não assalariadas no território deste e noutro Estado-Membro ° Tributação superior à aplicável aos residentes ° Inadmissibilidade ° Compensação, através de medidas fiscais, da não inscrição e da não cobrança de cotizações para o regime nacional de segurança social ° Inadmissibilidade
(Tratado CE, artigo 52. ; Regulamento n. 1408/71 do Conselho)
1. Um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, pode invocar o benefício do disposto no artigo 52. do Tratado relativamente ao seu Estado de origem, em cujo território exerce outra actividade não assalariada, quando, devido ao exercício de uma actividade económica num Estado-Membro que não seja o seu Estado de origem, se encontre em relação a este último numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que invoquem, relativamente ao Estado de acolhimento, o benefício dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado.
2. O artigo 52. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro aplique a um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada no seu território e que paralelamente exerça outra actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, uma taxa de imposto sobre o rendimento superior à aplicável aos residentes que exercem a mesma actividade quando não exista qualquer diferença objectiva de situação, entre esses contribuintes e os contribuintes residentes e equiparados, susceptível de justificar essa diferença de tratamento. É esse o caso, designadamente, quando o facto de ser não residente não permita fugir à aplicação da regra da progressividade do imposto e as duas categorias de contribuintes se encontrem, portanto, em situação comparável relativamente a essa regra.
Um Estado-Membro também não pode ter em conta, através de uma taxa agravada do imposto sobre o rendimento, o facto de, devido às disposições relevantes, em matéria de determinação da legislação social aplicável, do Regulamento n. 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, o contribuinte não estar sujeito à obrigação de pagar cotizações para o regime nacional de segurança social. O facto de o contribuinte estar inscrito no regime de segurança social do seu Estado de residência, que resulta também do mesmo regulamento, é irrelevante a este respeito.
No processo C-107/94,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
P. H. Asscher
e
Staatssecretaris van Financiën,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 48. do Tratado CEE, actualmente Tratado CE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, J.-P. Puissochet, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann e M. Wathelet (relator), juízes,
advogado-geral: P. Léger,
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação de P. H. Asscher, por M. W. C. Feteris, consultor fiscal,
° em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,
° em representação do Governo alemão, por E. Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,
° em representação do Governo belga, por J. Devadder, director de administração no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente,
° em representação do Governo francês, por C. de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e J.-L. Falconi, secretário dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,
° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Michard e B. J. Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de P. Asscher, representado por M. W. C. Feteris, do Governo neerlandês, representado por J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por F. Pascal, encarregado de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por S. Braviner, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, e A. Moses, QC, e da Comissão, representada por B. J. Drijber, na audiência de 14 de Dezembro de 1995,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Fevereiro de 1996,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 23 de Março de 1994, que deu entrada no Tribunal em 30 de Março seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, cinco questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 48. do Tratado CEE, actualmente Tratado CE.
2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën a P. Asscher, nacional neerlandês que trabalha nos Países Baixos sem aí residir, a propósito da aplicação a este último de uma taxa de imposto sobre o salário superior à aplicável aos contribuintes residentes nos Países Baixos ou equiparados que aí exercem a mesma actividade.
3 Nos Países Baixos, a fiscalidade directa das pessoas singulares é regida pela Wet op de inkomstenbelasting de 16 de Dezembro de 1964 (lei relativa ao imposto sobre o rendimento, Staatsblad 519, a seguir "lei relativa ao imposto sobre o rendimento"), e pela Wet op de loonbelasting de 18 de Dezembro de 1964 (lei relativa ao imposto sobre o salário, Staatsblad 521, a seguir "lei relativa ao imposto sobre o salário"), que foram objecto de reforma em 1989 (versões modificadas constantes respectivamente do Staatsblad 1990, 103 e 104).
4 Por força das leis de 27 e 28 de Abril de 1989 (Staatsblad 122, 123, 129 e 611), foi instituída, com efeitos a 1 de Janeiro de 1990, uma cobrança conjunta do imposto e das cotizações de segurança social, no que respeita tanto ao imposto sobre o rendimento como ao imposto sobre o salário. A cobrança passou a efectuar-se em função de uma base uniforme: o rendimento tributável e o rendimento que serve de base para o cálculo das cotizações sociais coincidem, de modo que o montante isento de imposto e de cotizações (isto é, a "isenção de base") é o mesmo.
5 A tabela do imposto, composta por três escalões, é fixada pelos artigos 20. a e 20. b da lei relativa ao imposto sobre o salário (e, do mesmo modo, pelos artigos 53. a e 53. b da lei relativa ao imposto sobre o rendimento), que prevêem taxas distintas, mas unicamente no que respeita ao primeiro escalão do montante tributável. Em contrapartida, segundo a tabela existente antes da reforma fiscal, era aplicável uma mesma taxa de 14% ao primeiro escalão para os contribuintes que beneficiavam de salários provenientes dos Países Baixos.
6 O artigo 20. a contém uma tabela para os contribuintes residentes nos Países Baixos ou que a eles estejam equiparados. A equiparação faz-se quando o contribuinte não residente prove que o seu rendimento total consiste exclusivamente ou quase exclusivamente (isto é, em pelo menos 90%) em rendimentos tributáveis nos Países Baixos, considerando-se preenchida esta condição se o contribuinte estiver sujeito, nos Países Baixos, à cobrança de cotizações para o regime geral obrigatório de segurança social. Para esses contribuintes ("volksverzekeringen"), a taxa do imposto sobre o primeiro escalão do montante tributável é de 13%.
7 Deve observar-se que, no que respeita ao exercício fiscal de 1990, o primeiro escalão do montante tributável correspondia a um rendimento anual tributável inferior ou igual a 42 123 HFL. A taxa das cotizações para o regime geral de segurança social cobradas ao mesmo tempo que o imposto apenas sobre o primeiro escalão de tributação era então de 22,1%. O montante total descontado do salário dos contribuintes residentes e equiparados era, consequentemente, de 35,1%.
8 O artigo 20. b contém uma tabela, dita "tabela para estrangeiros", aplicável aos contribuintes não residentes que não satisfaçam as condições do artigo 20. a, ou seja, que obtenham nos Países Baixos menos de 90% do seu rendimento total e não estejam obrigados a pagar cotizações para a segurança social neerlandesa. Estes têm de pagar sobre o primeiro escalão um imposto mais elevado, à taxa de 25%.
9 No que respeita aos dois outros escalões da tabela, o imposto é, para todos os contribuintes sem distinção, de 50% sobre o segundo escalão do montante tributável e de 60. sobre o terceiro (sendo esta última taxa de 72% antes da reforma de 1989).
10 Resulta dos autos que P. Asscher é director nos Países Baixos de uma sociedade de responsabilidade limitada, a P. H. Asscher Beheer BV, de que detém a totalidade do capital.
11 P. Asscher exerce também uma actividade profissional na Bélgica, onde dirige uma sociedade de direito belga, a sociedade Vereudia, para a qual apenas exerce actividade no interior deste último Estado.
12 Em Maio de 1986, P. Asscher mudou a sua residência dos Países Baixos para a Bélgica, sem que essa mudança tenha implicado alterações no exercício das suas actividades, tanto nos Países Baixos como na Bélgica.
13 No plano fiscal, as regras de repartição da competência para a cobrança de impostos entre o Reino da Bélgica e o Reino dos Países Baixos estão fixadas pela convenção bilateral de 19 de Outubro de 1970, destinada a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património e a regular determinadas outras questões em matéria fiscal (Tractenblad 1970, n. 192, a seguir "convenção").
14 Em aplicação das disposições conjugadas dos artigos 16. , n. 1, e 24. , n. 2, 1, primeiro período, da convenção, o rendimento auferido por P. Asscher nos Países Baixos, ou seja, a remuneração que lhe é paga pela sua sociedade neerlandesa, é exclusivamente tributável nos Países Baixos.
15 Na Bélgica, Estado da sua residência, P. Asscher é tributado sobre o restante dos seus rendimentos. Os rendimentos que auferiu nos Países Baixos estão isentos de imposto, mas, em aplicação do segundo período do artigo 24. , n. 2, 1, da convenção referida, a Bélgica tem o direito de considerar os rendimentos isentos para fixar a taxa dos seus impostos e aplicar assim a cláusula da progressividade.
16 No plano da segurança social, a situação de P. Asscher é a seguinte.
17 P. Asscher esteve inscrito no regime geral neerlandês até à sua mudança de residência para a Bélgica, em Maio de 1986. Desde então, deixou de estar sujeito à obrigação de pagar cotizações para o regime geral neerlandês e ficou exclusivamente sujeito à legislação belga em matéria de segurança social. No momento dos factos, estava inscrito de modo obrigatório na Bélgica no regime de segurança social dos independentes.
18 Em Junho de 1990, período salarial em causa no processo principal, foi aplicada a taxa de 25%, no que respeita ao primeiro escalão de imposto, ao salário auferido por P. Asscher nos Países Baixos.
19 Após o indeferimento da reclamação que apresentara contra a retenção fiscal efectuada sobre o seu salário do mês de Junho de 1990, P. Asscher interpôs recurso para o Gerechtshof te Amsterdam, considerando que a aplicação da taxa de 25% constituía, de modo geral, uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, contrária aos artigos 7. e 48. do Tratado CEE, que passaram a ser os artigos 7. e 48. do Tratado CE.
20 Na sua decisão de 13 de Abril de 1992, o Gerechtshof rejeitou a argumentação relativa à discriminação. Observou que, antes de 1 de Janeiro de 1990, um contribuinte como o interessado, não obrigado a pagar cotizações para o regime geral (a seguir "contribuinte não cotizante"), pagava o imposto sobre o salário e sobre o rendimento à mesma taxa que um contribuinte devedor de cotizações para o regime geral (a seguir "contribuinte cotizante"), mas este último podia deduzir essas contribuições da base tributável do seu imposto.
21 No entender do Gerechtshof, para o contribuinte cotizante, a redução geral das taxas que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1990 teve como contrapartida a supressão da possibilidade de dedução das cotizações para o regime geral do montante tributável. Em contrapartida, esta desvantagem não afectou os contribuintes não cotizantes. Para o Gerechtshof, sem a aplicação aos contribuintes não cotizantes de uma taxa de imposto agravada, a redução geral das taxas teria representado para estes uma vantagem injustificada relativamente aos outros contribuintes. Consequentemente, considerou objectivamente justificada a instituição, no âmbito da reforma fiscal, de taxas de imposto distintas consoante o contribuinte pague ou não cotizações.
22 P. Asscher interpôs recurso de cassação desse acórdão.
23 Tendo dúvidas quanto à interpretação de disposições do Tratado CE, o Hoge Raad decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal as questões prejudiciais seguintes:
"1) O artigo 48. do Tratado permite que um Estado-Membro (o Estado do local de trabalho) onere com um imposto sobre o rendimento e sobre o salário consideravelmente superior o salário pago, no referido Estado, por um empregador estabelecido no mesmo, quando o trabalhador por conta de outrem não resida no Estado de trabalho, mas noutro Estado-Membro?
2) Em caso de resposta negativa à primeira questão, é permitida, não obstante, a diferença de tratamento se os rendimentos totais do trabalhador por conta de outrem, calculados segundo as normas do Estado do local de trabalho, forem constituídos de tal forma que menos de 90% dos mesmos consistam em rendimentos que o Estado do local de trabalho pode tomar em consideração para efeitos do imposto sobre o rendimento dos não residentes?
3) É lícito, através de uma diferença da taxa do imposto como a dos autos, tomar em consideração o facto de o trabalhador por conta de outrem não estar sujeito, no Estado do local de trabalho, à cobrança de cotizações para os seguros sociais existentes no referido Estado?
4) É relevante para este efeito o facto de o trabalhador por conta de outrem estar sujeito no Estado de residência à cobrança de cotizações para seguros comparáveis?
5) É relevante, para responder às questões anteriores, o facto de o trabalhador por conta de outrem ser nacional do Estado do local de trabalho?"
24 Para precisar a situação jurídica em que se encontra P. Asscher relativamente às disposições do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas, é necessário, a título liminar, qualificar a natureza das actividades económicas que ele exerce.
25 Nos termos da jurisprudência constante do Tribunal, deve ser considerado "trabalhador", na acepção do artigo 48. do Tratado, qualquer pessoa que exerça actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal modo reduzidas que se apresentem como meramente marginais e acessórias. A característica essencial da relação de trabalho é, segundo essa jurisprudência, a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (acórdão de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n. 17).
26 Sendo director, nos Países Baixos, de uma sociedade de que é o único sócio, P. Asscher não exerce uma actividade subordinada, pelo que não pode ser considerado "trabalhador" na acepção do artigo 48. do Tratado, mas uma pessoa que exerce uma actividade não assalariada, na acepção do artigo 52. do Tratado.
27 Quanto à actividade de P. Asscher na Bélgica, basta constatar que resulta dos autos remetidos ao Tribunal, sem que esse aspecto tenha sido contestado pelas partes, que a actividade profissional que ele exerce nesse Estado deve também ser considerada actividade não assalariada.
28 Por conseguinte, deve considerar-se a compatibilidade com o artigo 52. do Tratado, e não com o artigo 48. , de uma legislação como a que está em causa no presente caso.
29 De qualquer modo, deve esclarecer-se que, nos termos do acórdão de 20 de Maio de 1992, Ramrath (C-106/91, Colect., p. I-3351, n. 17), a comparação entre os artigos 48. e 52. do Tratado torna evidente que eles se baseiam nos mesmos princípios no que respeita tanto à entrada e permanência no território dos Estados-Membros de pessoas abrangidas pelo direito comunitário como à proibição de qualquer discriminação contra elas exercida em razão da sua nacionalidade. O mesmo se passa com o exercício, no território dos Estados-Membros, de uma actividade económica por pessoas abrangidas pelo direito comunitário.
30 É à luz destas considerações que se deve responder às questões do Hoge Raad der Nederlanden.
Quanto à quinta questão prejudicial
31 Com a quinta questão prejudicial, que deve ser apreciada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio procura em substância saber se um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, pode invocar o benefício do disposto no artigo 52. do Tratado relativamente ao seu Estado de origem, em cujo território exerce outra actividade não assalariada.
32 Segundo jurisprudência constante, embora as disposições do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento não possam ser aplicadas a situações puramente internas de um Estado-Membro, não é menos certo que o alcance do artigo 52. do Tratado não pode ser interpretado de modo a negar o benefício do direito comunitário aos próprios nacionais de um determinado Estado-Membro quando estes, pelo seu comportamento, se encontrem, relativamente ao seu Estado de origem, numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que beneficiam dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors, 115/78, Recueil, p. 399, n. 24; de 3 de Outubro de 1990, Bouchoucha, C-61/89, Colect., p. I-3551, n. 13; de 31 de Março de 1993, Kraus, C-19/92, Colect., p. I-1663, n. 15; e de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz, C-419/92, Colect., p. I-505).
33 No caso vertente, antes de 1986, P. Asscher exercia uma actividade económica na Bélgica a partir dos Países Baixos, seu Estado de origem. Além disso, desde a mudança da sua residência para a Bélgica, em Maio de 1986, prossegue o exercício de uma actividade económica simultaneamente nos Países Baixos e na Bélgica, e esta dupla actividade económica tem reflexos directos no cálculo, para o exercício de 1990, do seu imposto sobre o rendimento nos Países Baixos, que é o objecto do litígio no processo principal. Assim, deve observar-se que P. Asscher utilizou os direitos e liberdades reconhecidos pelo Tratado e pode invocar as disposições correspondentes deste último.
34 Por conseguinte, deve responder-se à quinta questão prejudicial que um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, pode invocar o benefício do disposto no artigo 52. do Tratado relativamente ao seu Estado de origem, em cujo território exerce outra actividade não assalariada, quando, devido ao exercício de uma actividade económica num Estado-Membro que não seja o seu Estado de origem, se encontre em relação a este último numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que invoquem, relativamente ao Estado de acolhimento, o benefício dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado.
Quanto às primeira e segunda questões prejudiciais
35 Com as primeira e segunda questões, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se o artigo 52. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro aplique a um nacional comunitário que exerça uma actividade não assalariada no seu território e que paralelamente exerça outra actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, uma taxa de imposto sobre o rendimento superior à aplicável aos residentes que exercem a mesma actividade. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por outro lado, se a resposta a esta questão é afectada pelo facto de o rendimento total do contribuinte ser composto em menos de 90% por rendimentos que podem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o rendimento, pelo Estado onde ele trabalha sem aí residir.
36 Para responder a estas questões, deve antes de mais recordar-se que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, também é verdade que estes últimos devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada em razão da nacionalidade (v. acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.os 21 e 26, e de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n. 16).
37 Deve constatar-se que a legislação em causa no processo principal se aplica independentemente da nacionalidade do contribuinte em questão.
38 Todavia, uma legislação nacional deste tipo, que prevê uma distinção baseada, designadamente, no critério da residência, no sentido de que a taxa do imposto sobre o salário e sobre o rendimento aplicável a determinados não residentes é superior à aplicada aos contribuintes residentes e equiparados, cria o risco de funcionar principalmente em detrimento dos nacionais de outros Estados-Membros. Com efeito, os não residentes são na maior parte dos casos não nacionais. Deve acrescentar-se que uma legislação do tipo da que está em causa no processo principal é tanto mais susceptível de abranger principalmente cidadãos estrangeiros quanto, para além do critério da residência, se aplica o critério relativo à composição, em pelo menos 90% de rendimentos provenientes dos Países Baixos, do rendimento total.
39 Nestas condições, a aplicação aos contribuintes não residentes que auferem menos de 90% do seu rendimento total nos Países Baixos ° presumindo-se preenchida esta condição se eles não pagarem cotizações para o regime geral de segurança social ° de uma taxa de imposto sobre o salário e sobre o rendimento superior à aplicável aos contribuintes residentes e equiparados é susceptível de constituir uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade.
40 Deve observar-se em seguida que, nos termos de jurisprudência constante, uma discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (v. acórdão Wielockx, já referido, n. 17).
41 Ora, em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes num dado Estado não são, regra geral, comparáveis, porque apresentam diferenças objectivas, tanto do ponto de vista da fonte do rendimento como da capacidade contributiva pessoal ou da tomada em consideração da situação pessoal e familiar (acórdão Wielockx, já referido, n. 18, citando o acórdão Schumacker, já referido, n.os 31 e segs.).
42 Todavia, deve esclarecer-se que, perante uma vantagem fiscal cujo benefício seja recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do Tratado, quando não exista qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar diferenças de tratamento quanto a este aspecto entre as duas categorias de contribuintes (v., neste sentido, acórdão Schumacker, n.os 36 a 38).
43 Assim, tratando-se de vantagens fiscais relacionadas com a tomada em consideração da situação pessoal e familiar, o facto de um Estado-Membro recusar o benefício da mesma ao contribuinte que trabalha no seu território sem nele residir, ao passo que o concede ao contribuinte residente, é, nos termos da jurisprudência do Tribunal, discriminatório quando o não residente aufira nesse Estado a totalidade ou a quase totalidade do seu rendimento, uma vez que os rendimentos auferidos no Estado de residência são insuficientes para permitir a tomada em consideração da situação pessoal e familiar. Estas duas categorias de contribuintes encontram-se então numa situação comparável quanto à tomada em consideração dessa situação pessoal e familiar (acórdão Schumacker, já referido, n.os 36 a 38).
44 Em contrapartida, no que respeita ao contribuinte não residente que não aufere a totalidade ou a quase totalidade dos seus rendimentos no Estado onde trabalha sem nele residir, a recusa desses benefícios pelo Estado do local de trabalho pode justificar-se por serem concedidos benefícios comparáveis no Estado de residência, ao qual incumbe, por força do direito fiscal internacional, essa tomada em consideração da situação pessoal e familiar.
45 No caso vertente, a diferença de tratamento é constituída pelo facto de ser aplicada uma taxa de imposto de 25% sobre o primeiro escalão aos não residentes que auferem nos Países Baixos menos de 90% do seu rendimento total, ao passo que os residentes nos Países Baixos que aí exercem a mesma actividade económica beneficiam da taxa de 13% sobre o primeiro escalão de imposto, mesmo que aufiram aí menos de 90% do seu rendimento total.
46 Para o Governo neerlandês, a taxa de imposto mais elevada destina-se a compensar a aplicação da progressividade do imposto a que escapariam determinados não residentes, devido à sua obrigação fiscal limitada aos rendimentos auferidos nos Países Baixos.
47 Deve esclarecer-se a este respeito que, em aplicação do artigo 24. , n. 2, 1, da convenção, que segue o modelo do artigo 23. -A, n.os 1 e 3, da convenção-tipo da OCDE (método de isenção com reserva de progressividade), os rendimentos auferidos no Estado onde o contribuinte exerce a sua actividade sem aí residir são exclusivamente tributáveis nesse Estado e estão isentos no Estado de residência. Contudo, este último conserva o direito de os tomar em consideração para calcular o montante do imposto sobre o resto dos rendimentos do contribuinte em causa, designadamente a fim de aplicar a regra da progressividade.
48 O facto de ser não residente não permite portanto, nas circunstâncias do caso presente, fugir à aplicação da regra da progressividade. As duas categorias de contribuintes encontram-se, pois, numa situação comparável relativamente a esta regra.
49 Nestas condições, o facto de se aplicar a determinados não residentes uma taxa de imposto sobre o rendimento mais elevada que a aplicável aos residentes e equiparados constitui uma discriminação indirecta proibida pelo artigo 52. do Tratado.
50 Em seguida, há que averiguar se existe uma eventual justificação para esta discriminação.
51 Em primeiro lugar, segundo o Governo neerlandês, uma diferença de taxas de imposto entre os contribuintes não residentes e não cotizantes, por um lado, e os contribuintes residentes e equiparados, por outro, justifica-se pela necessidade de evitar que a pressão fiscal que incide sobre os primeiros seja sensivelmente mais fraca que a que incide sobre os segundos. Sem a aplicação de uma taxa agravada, os contribuintes não residentes e não cotizantes beneficiariam, em seu entender, de uma vantagem fiscal relativamente aos residentes e equiparados, para os quais a supressão da dedutibilidade das cotizações sociais implicou um aumento do rendimento tributável e um correspondente aumento do imposto.
52 Este argumento não pode ser acolhido.
53 Importa observar que a pretensa vantagem desses não residentes, a existir, resultaria da decisão do legislador neerlandês de suprimir a dedutibilidade das cotizações sociais, que, por natureza, só afecta os contribuintes que estão obrigados a pagá-las, o que, segundo o Governo neerlandês, favoreceria os que não estão obrigados a pagar essas cotizações nos Países Baixos. Essa circunstância não pode originar uma compensação fiscal a suportar por estes últimos, porque isso equivaleria a penalizá-los por não pagarem cotizações sociais nos Países Baixos.
54 De qualquer modo, de duas uma: ou P. Asscher apenas está regularmente inscrito no regime belga de segurança social e não pode ser penalizado, através de uma compensação fiscal, por não pagar cotizações sociais nos Países Baixos, ou deveria estar inscrito exclusivamente ou paralelamente no regime neerlandês de segurança social, o que permitiria aos Países Baixos exigir-lhe cotizações e teria o efeito de o excluir da "tabela para estrangeiros", como se indica no n. 8 do presente acórdão. Daqui resulta, portanto, que a inscrição ou não num ou noutro dos regimes nacionais de segurança social não pode, em nenhuma das duas situações referidas, justificar a aplicação de uma taxa de imposto agravada aos não residentes.
55 Em segundo lugar, deve averiguar-se se a diferença de taxas se justifica pela necessidade de garantir a coerência fiscal do Estado-Membro em causa, como sustentaram o Staatssecretaris van Financiën, no quadro do processo nacional, e o Governo francês.
56 Com efeito, o Tribunal decidiu, nos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249), e Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305), que a necessidade de garantir a coerência de um regime fiscal pode justificar uma regulamentação susceptível de restringir a livre circulação de trabalhadores no interior da Comunidade.
57 Todavia, não é o que se passa no caso em apreço.
58 Nos processos referidos, existia um nexo directo entre a dedutibilidade das cotizações e a tributação das importâncias devidas pelas seguradoras em cumprimento dos contratos de seguro de velhice e por morte, nexo esse que era necessário preservar para garantir a coerência do sistema fiscal em causa. Com efeito, nesse caso, era dada ao contribuinte a escolha entre, por um lado, a dedutibilidade dos prémios de seguro e a tributação do capital e rendas no termo do contrato, e, por outro lado, a não dedutibilidade dos prémios, mas com isenção do capital e rendas recebidos no termo do contrato.
59 Em contrapartida, no caso vertente, não existe esse nexo directo entre, por um lado, ao nível fiscal, a aplicação de uma taxa de imposto agravada ao rendimento de determinados não residentes que auferem menos de 90% do seu rendimento total nos Países Baixos e, por outro lado, a não cobrança de cotizações sociais de que beneficiam os rendimentos de origem neerlandesa desses não residentes.
60 Com efeito, por um lado, a aplicação de uma taxa de imposto agravada não dá ocasião a qualquer protecção social. Por outro lado, a não inscrição no regime neerlandês de segurança social e, consequentemente, a não cobrança de cotizações sociais sobre os rendimentos de origem neerlandesa de determinados não residentes só podem, se forem justificadas, resultar da aplicação, em matéria de determinação da legislação aplicável, do sistema geral e vinculativo do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), e têm como corolário, em princípio, em aplicação das mesmas disposições, a inscrição apenas no regime de segurança social do Estado de residência, onde exercem uma parte das suas actividades profissionais.
61 A este respeito, a jurisprudência do Tribunal, nos termos da qual os Estados-Membros não têm a faculdade de determinar em que medida a sua própria legislação ou a de outro Estado-Membro é aplicável, uma vez que estão obrigados a respeitar as disposições de direito comunitário em vigor (v. acórdãos de 23 de Setembro de 1982, Kuijpers, 276/81, Recueil, p. 3027, n. 14; de 12 de Junho de 1986, Ten Holder, 302/84, Colect., p. 1821, n. 21, e de 10 de Julho de 1986, Luijten, 60/85, Colect., p. 2365, n. 14), opõe-se a que um Estado-Membro procure na realidade, através de medidas fiscais, compensar a não inscrição no seu regime de segurança social e a não cobrança de cotizações para o mesmo.
62 À luz das observações que antecedem, deve responder-se às duas primeiras questões que o artigo 52. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro aplique a um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada no seu território e que paralelamente exerça outra actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, uma taxa de imposto sobre o rendimento superior à aplicável aos residentes que exercem a mesma actividade quando não exista qualquer diferença objectiva de situação, entre esses contribuintes e os contribuintes residentes e equiparados, susceptível de justificar essa diferença de tratamento.
Quanto às terceira e quarta questões prejudiciais
63 Já se respondeu às terceira e quarta questões no âmbito da apreciação das eventuais justificações da discriminação (v. especialmente os n.os 53 e 54, e os n.os 59 a 61).
64 Por conseguinte, deve responder-se ao Hoge Raad der Nederlanden que o artigo 52. do Tratado se opõe a que um Estado-Membro tenha em conta, através de uma taxa agravada do imposto sobre o rendimento, o facto de, devido às disposições relevantes, em matéria de determinação da legislação social aplicável, do Regulamento n. 1408/71, o contribuinte não estar sujeito à obrigação de pagar cotizações para o regime nacional de segurança social. O facto de o contribuinte estar inscrito no regime de segurança social do seu Estado de residência, que resulta também do Regulamento n. 1408/71, é irrelevante a este respeito.
Quanto às despesas
65 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, belga, francês, neerlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge raad der Nederlanden, por acórdão de 23 de Março de 1994, declara:
1) Um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, pode invocar o benefício do disposto no artigo 52. do Tratado CE relativamente ao seu Estado de origem, em cujo território exerce outra actividade não assalariada, quando, devido ao exercício de uma actividade económica num Estado-Membro que não seja o seu Estado de origem, se encontre em relação a este último numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que invoquem, relativamente ao Estado de acolhimento, o benefício dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado.
2) O artigo 52. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro aplique a um nacional de um Estado-Membro que exerça uma actividade não assalariada no seu território e que paralelamente exerça outra actividade não assalariada noutro Estado-Membro, onde reside, uma taxa de imposto sobre o rendimento superior à aplicável aos residentes que exercem a mesma actividade quando não exista qualquer diferença objectiva de situação, entre esses contribuintes e os contribuintes residentes e equiparados, susceptível de justificar essa diferença de tratamento.
3) O artigo 52. do Tratado opõe-se a que um Estado-Membro tenha em conta, através de uma taxa agravada do imposto sobre o rendimento, o facto de, devido às disposições relevantes, em matéria de determinação da legislação social aplicável, do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, o contribuinte não estar sujeito à obrigação de pagar cotizações para o regime nacional de segurança social. O facto de o contribuinte estar inscrito no regime de segurança social do seu Estado de residência, que resulta também do Regulamento n. 1408/71, é irrelevante a este respeito.