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Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Fevereiro de 1996. - Intercommunale voor zeewaterontzilting (INZO) contra Estado Belga. - Pedido de decisão prejudicial: Rechtbank van eerste aanleg Brugge - Bélgica. - IVA - Conceito de actividade económica - Qualidade de sujeito passivo - Actividade limitada a um estudo de rentabilidade de um projecto, seguida do abandono do projecto. - Processo C-110/94.
Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-00857
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
Disposições fiscais ° Harmonização das legislações ° Impostos sobre o volume de negócios ° Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ° Actividades económicas na acepção do artigo 4. da Sexta Directiva ° Realização, por uma sociedade que tem em vista começar uma actividade económica, de um estudo de rentabilidade ° Retirada posterior da qualidade de sujeito passivo ° Inadmissibilidade excepto no caso de fraude ou de abuso
(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 4. )
Mesmo as primeiras despesas de investimento efectuadas para a formação de uma empresa podem ser consideradas actividades económicas na acepção do artigo 4. da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, e, nesse contexto, a administração fiscal deve ter em conta a intenção declarada da empresa de se dedicar às actividades sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.
Quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do imposto de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que dá origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade económica projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção da referida disposição, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável. Tendo em conta os princípios da segurança jurídica e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado quanto à carga fiscal da empresa, e salvo no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do imposto não pode ser retirada à sociedade em causa com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.
No processo C-110/94,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Rechtbank van eerste aanleg te Brugge (Bélgica), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Intercommunale voor zeewaterontzilting (Inzo), em liquidação,
e
Belgische Staat,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 4. , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ° sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, J.-P. Puissochet, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann (relator) e L. Sevón, juízes,
advogado-geral: C. O. Lenz,
secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação da Intercommunale voor zeewaterontzilting, em liquidação, por Marc van Grimbergen e Xavier Leurquin, advogados no foro de Bruxelas,
° em representação do Governo belga, por Bernard van de Walle de Ghelcke, advogado no foro de Bruxelas,
° em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e Bernd Kloke, Regierungsrat no mesmo ministério, na qualidade de agentes,
° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Berend Jan Drijber, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Intercommunale voor zeewaterontzilting, do Governo belga, do Governo alemão e da Comissão, na audiência de 5 de Outubro de 1995,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Novembro de 1995,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 5 de Abril de 1994, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 8 do mesmo mês, o Rechtbank van eerste aanleg te Brugge submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 4. , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ° sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir "directiva").
2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um processo de impugnação de uma injunção da administração belga à Intercommunale voor zeewaterontzilting, sociedade anómina em liquidação (a seguir "Inzo"), para obter a restituição do IVA que esta última recuperou a título do seu direito à dedução.
3 O artigo 4. , n.os 1 e 2, da directiva dispõe:
"1. Por 'sujeito passivo' entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n. 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.
2. As actividades económicas referidas no n. 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica."
4 O artigo 17. , n. 2, da directiva prevê:
"Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;
..."
5 Nos termos do artigo 18. , n. 4, "Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas...".
6 Nos termos do artigo 22. , n. 1, da directiva, "Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua actividade como sujeitos passivos".
7 A Inzo foi fundada em 1974, nomeadamente, pelas províncias da Flandres Ocidental e da Flandres Oriental e um determinado número de comunas. O seu objecto social foi definido como sendo o desenvolvimento e a exploração de processos relativos ao tratamento da água do mar e da água salobra, bem como a transformação dessas águas em água potável com vista à sua distribuição.
8 Para esse efeito, a Inzo adquiriu determinados equipamentos e encomendou um estudo de rentabilidade do projecto de construção de uma instalação de dessalinização de água. Relativamente a estas actividades, e nomeadamente pelo estudo, pagou IVA. A seguir, esse imposto foi-lhe reembolsado pela administração fiscal nos termos do artigo 76. do Código belga do IVA.
9 Em 1988, tendo o estudo do projecto revelado numerosos problemas de rentabilidade e após alguns investidores se terem retirado, o projecto foi abandonado e a Inzo foi colocada em liquidação. Por conseguinte, nunca começou a actividade que projectara.
10 Em 1983, aquando de um controlo fiscal, a administração fiscal verificou que a Inzo não tinha realizado qualquer operação tributável. Assim, exigiu a restituição do IVA recuperado pela Inzo entre 1978 e 1982, ou seja, o montante de 4 913 001 BFR, acrescido de 736 500 BFR de coima e dos juros de mora.
11 A Inzo impugnou esse pedido no Rechtbank van eerste aanleg te Brugge. Invocando, nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655), a Inzo alegou que tinha expresso inequivocamente a sua vontade de executar regularmente operações tributáveis. A este respeito, invocou os seus estatutos e o facto de ter recrutado pessoal, criado uma organização permitindo a realização do seu objecto social e obtido certos créditos.
12 Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a administração fiscal respondeu, no essencial, que a Inzo não preenchia a definição do conceito de sujeito passivo na acepção dos artigos 4. e 17. da directiva. Em sua opinião, a encomenda do estudo não podia ser qualificada como acto exprimindo inequivocamente a vontade de a Inzo passar ulteriormente a uma fase comercial, porque os seus estatutos lhe permitiam limitar-se apenas a esse estudo e os seus associados se tinham reservado o direito de adoptar, depois da execução desse estudo, uma decisão negativa a esse respeito.
13 Nessas condições, o Rechtbank decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
"Deve ser considerada actividade económica, nos termos do artigo 4. , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva IVA de 17 de Maio de 1977, a actividade de uma sociedade constituída com um objecto bem definido (' a investigação e o estudo, a instalação e exploração, a promoção de todo e qualquer processo para tratar, extrair e vender águas marinhas e salobras' ), actividade que só se concretizou na simples encomenda e pagamento de um amplo estudo de rentabilidade relacionado com o processo a desenvolver e que demonstrou a falta de rentabilidade do mesmo, tendo como consequência imediata a liquidação da sociedade?"
14 Através desta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se o artigo 4. da directiva deve ser interpretado no sentido de que
° quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção desse artigo, mesmo se esse estudo tem por objectivo examinar em que medida a actividade projectada é rentável, e que
° a qualidade de sujeito passivo pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.
15 No n. 22 do acórdão Rompelman, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que as actividades económicas referidas pelo artigo 4. , n. 1, podem consistir em vários actos consecutivos e que as actividades preparatórias, como a aquisição dos meios de exploração e, portanto, a compra de um bem imóvel, devem já ser imputadas às actividades económicas.
16 Segundo o n. 23 do mesmo acórdão, o princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa impõe que as primeiras despesas de investimento efectuadas tendo em vista a formação de uma empresa sejam consideradas actividades económicas, e seria contrário a esse princípio que as referidas actividades só tivessem início no momento em que um bem imóvel é efectivamente explorado, quer dizer, no momento em que surge o rendimento tributável. Qualquer outra interpretação do artigo 4. da directiva oneraria o operador económico com a despesa do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, nos termos do artigo 17. , e faria uma distinção arbitrária entre despesas de investimento efectuadas antes e durante a exploração efectiva de um bem imóvel.
17 Resulta desse acórdão que mesmo as primeiras despesas de investimento efectuadas para a formação de uma empresa podem ser consideradas actividades económicas na acepção do artigo 4. da directiva e que, nesse contexto, a administração fiscal deve ter em consideração a intenção declarada da empresa.
18 No caso de a administração fiscal ter admitido a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a realização de um estudo sobre os aspectos técnicos e económicos da actividade projectada pode, assim, ser considerada uma actividade económica na acepção do artigo 4. da directiva, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável.
19 Daqui resulta que, sob estas mesmas condições, o IVA pago por esse estudo de rentabilidade pode, em princípio, ser deduzido, nos termos do artigo 17. da directiva.
20 Contrariamente ao que sustentam os Governos belga e alemão, o direito a essa dedução subsiste mesmo que, posteriormente, seja decidido, perante os resultados desse estudo, não passar à fase operacional e colocar a sociedade em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não dê origem a operações tributáveis.
21 Com efeito, como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela administração fiscal. Daqui resulta que, a partir do momento em que esta última aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio, ser-lhe depois retirado com efeitos retroactivos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos.
22 Uma interpretação diferente da directiva seria, aliás, contrária ao princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa. Seria susceptível de criar, aquando do tratamento fiscal de actividades de investimento idênticas, diferenças não justificadas entre empresas que já realizam operações tributáveis e outras que procuram, através dos investimentos, iniciar actividades que serão fonte de operações tributáveis. Do mesmo modo, seriam estabelecidas diferenças arbitrárias entre essas últimas empresas, na medida em que a aceitação definitiva das deduções dependesse da questão de saber se esses investimentos conduzem ou não a operações tributáveis.
23 Por último, convém acrescentar, como o Tribunal de Justiça declarou no n. 24 do acórdão Rompelman, já referido, que compete a quem solicite a dedução do IVA provar que as condições para beneficiar dessa dedução estão preenchidas e que o artigo 4. não se opõe a que a administração fiscal exija que a intenção declarada de começar actividades económicas que dão origem a operações tributáveis seja confirmada por elementos objectivos.
24 Neste contexto, há que sublinhar, como fez a Comissão, que a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as actividades económicas projectadas foi feita de boa fé pelo interessado. Em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma actividade económica especial, mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objecto de dedução, a administração fiscal pode pedir, com efeitos retroactivos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações.
25 Assim, há que responder à questão prejudicial que o artigo 4. da directiva deve ser interpretado no sentido de que
° quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção desse artigo, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável, e que
° excepto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.
Quanto às despesas
26 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Rechtbank van eerste aanleg te Brugge, por decisão de 5 de Abril de 1994, declara:
O artigo 4. da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ° sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que:
° quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção desse artigo, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável, e que
° excepto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.