Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 8 de Fevereiro de 1996. - Pezzullo Molini Pastifici Mangimifici SpA contra Ministero delle Finanze. - Pedido de decisão prejudicial: Corte d'appello di Salerno - Itália. - Regime do aperfeiçoamento activo - Legislação nacional que prevê juros de mora sobre os direitos niveladores agrícolas e o IVA relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva. - Processo C-166/94.
Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-00331
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Livre circulação de mercadorias ° Trocas comerciais com países terceiros ° Regime do aperfeiçoamento activo ° Introdução no consumo de mercadorias inicialmente colocadas sob o regime do aperfeiçoamento activo ° Reembolso do direito nivelador agrícola ° Cobrança de juros de mora ° Admissibilidade
(Directiva 69/73 do Conselho, artigo 16. )
2. Disposições fiscais ° Harmonização das legislações ° Impostos sobre o volume de negócios ° Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ° Facto gerador e exigibilidade do imposto ° Regime do aperfeiçoamento activo ° Introdução no consumo de mercadorias inicialmente colocadas sob o regime do aperfeiçoamento activo ° Reembolso do imposto devido à importação ° Cobrança de juros de mora ° Inadmissibilidade
(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 10. e 13. , n. 4)
1. A Directiva 69/73 relativa ao regime do aperfeiçoamento activo, permitia que um Estado-Membro previsse que, caso as mercadorias anteriormente submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo dessem entrada no consumo comunitário, o direito nivelador agrícola devido fosse acrescido de juros de mora relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
2. A Sexta Directiva 77/388 opõe-se a que um Estado-Membro imponha a cobrança de juros de mora sobre o imposto sobre o valor acrescentado devido em caso de introdução no consumo na Comunidade de mercadorias anteriormente submetidas ao regime imposto sobre o valor acrescentado do aperfeiçoamento activo, relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
Esta possibilidade é, de facto, excluída pelo artigo 10. , n. 3, último parágrafo, da directiva, aplicável ao regime do aperfeiçoamento activo e que prevê que a exigibilidade do imposto só se verifica no momento em que os bens deixam de estar sujeitos a tal regime e são declarados para introdução no consumo.
No processo C-166/94,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pela Corte d' appello di Salerno (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Pezzullo Molini Pastifici Mangimifici SpA
e
Ministero delle finanze,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 9. , 12. , 13. , 30. e 38. do Tratado CE, do artigo 18. , n. 2, do Regulamento (CEE) n. 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 281, p. 1; EE 03 F9 p. 13), e do artigo 16. da Directiva 69/73/CEE do Conselho, de 4 de Março de 1969, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao regime do aperfeiçoamento activo (JO L 58, p. 1; EE 02 F1 p. 19),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida e C. Gulmann (relator), juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: R. Grass,
vistas as observações escritas apresentadas:
° em representação do Governo italiano, por Luigi Ferrari Bravo, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato,
° em representação da Comissão, por Antonio Aresu, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Outubro de 1995,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 31 de Maio de 1994, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de Junho seguinte, a Corte d' appello di Salerno apresentou, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 9. , 12. , 13. , 30. e 38. do Tratado CE, do artigo 18. , n. 2, do Regulamento (CEE) n. 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 281, p. 1; EE 03 F9 p. 13), e do artigo 16. da Directiva 69/73/CEE do Conselho, de 4 de Março de 1969, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao regime do aperfeiçoamento activo (JO L 58, p. 1; EE 02 F1 p. 19).
2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Pezzullo Molini Pastifici Mangimifici SpA (a seguir "Pezzullo") ao Ministero delle finanze (Ministério das Finanças).
3 Em 21 de Maio de 1982, a Pezzullo importou, a título temporário, 1 000 toneladas de trigo duro provenientes do Canadá com o objectivo de o transformar em sêmola destinada a ser reexportada. Após a reexportação, a Pezzullo colocou no mercado em Itália subprodutos da transformação (sêmola fina, farelo e farinha) que foram assim definitivamente importados em 15 de Janeiro de 1985.
4 Pela importação definitiva destes subprodutos, as autoridades aduaneiras de Salerno reclamaram o pagamento de um direito nivelador e do imposto sobre o valor acrescentado. Reclamaram igualmente, nos termos do artigo 191. da lei aduaneira italiana (Decreto presidencial n. 43, de 23 de Janeiro de 1973), o pagamento de juros de mora relativamente ao período que decorreu entre a importação temporária e a importação definitiva. O montante total dos juros devidos foi calculado em 18 315 610 LIT, isto é, 17 382 352 LIT relativamente ao direito nivelador e 933 258 LIT relativamente ao IVA.
5 A Pezzullo pagou o direito nivelador e o IVA, bem como os juros de mora. No entanto, considerando que as disposições do direito italiano com base nas quais os juros foram cobrados eram incompatíveis com o direito comunitário, apresentou ao Tribunale di Salerno uma acção para restituição dos juros pagos, à qual foi negado provimento, o que levou a Pezzullo a recorrer para a Corte d' appello di Salerno.
6 Neste órgão jurisdicional alegou que os juros de mora reclamados constituíam uma imposição interna ou um encargo de efeito equivalente incompatível com os artigos 9. , 12. , 13. , 30. e 38. do Tratado. Invocou também a violação do Regulamento n. 19 do Conselho, de 20 de Abril de 1962, relativo ao estabelecimento gradual de uma organização comum de mercado no sector dos cereais (JO 1962, 30, p. 933), e do Regulamento (CEE) n. 120/67 do Conselho, de 13 de Junho de 1967, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 117, p. 2269), com o fundamento de que esses regulamentos proíbem a cobrança de qualquer direito aduaneiro ou encargo de efeito equivalente no comércio com países terceiros.
7 O Ministero delle finanze alegou que, na altura em que a importação temporária se verificou, os Regulamentos n. 19 e n. 120/67 já não estavam em vigor, uma vez que haviam sido revogados pelo Regulamento n. 2727/75, já referido. Alegou também que o artigo 191. da lei aduaneira italiana estava em conformidade com a Directiva 69/73, já referida.
8 A Corte d' appello di Salerno decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
"A imposição de juros de mora, prevista no artigo 191. da lei aduaneira italiana em caso de importação definitiva, estava, aquando da importação em causa neste processo (1982), em contradição com disposições de direito comunitário que primam sobre a norma nacional?"
9 Na medida em que, no caso em apreço, os juros de mora foram cobrados tanto sobre o direito nivelador como sobre o IVA devidos, importa examinar antes de mais se o direito comunitário se opõe à cobrança de juros de mora sobre o direito nivelador e em seguida se se opõe à cobrança de juros de mora sobre o IVA.
Quanto à cobrança de juros de mora sobre os direitos niveladores.
10 Tendo o direito nivelador sido cobrado no âmbito do regime do aperfeiçoamento activo, há que examinar as normas comunitárias aplicáveis neste domínio na época da importação controvertida, isto é, a Directiva 69/73, já referida.
11 A Directiva 69/73 institui regras comuns relativas ao regime do aperfeiçoamento activo. Este regime aduaneiro permite, em certas condições, submeter a transformação, no território da Comunidade, fazendo-as passar por uma ou várias operações de aperfeiçoamento (tratamento, transformação, reparação ou utilização), mercadorias não comunitárias destinadas a ser reexportadas para fora do território aduaneiro comunitário sob a forma de produtos compensadores, sem que sejam aplicados a essas mercadorias direitos aduaneiros ou direitos niveladores agrícolas.
12 O artigo 15. , n. 1, alínea a), e alínea b), primeiro travessão, da Directiva 69/73 prevê que, quando as circunstâncias o justifiquem e, especialmente, quando se trate de empresas que tenham correntes contínuas de produção destinadas simultaneamente ao mercado da Comunidade e aos mercados externos, as autoridades competentes podem permitir que os produtos compensadores ou as mercadorias submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo dêem entrada no consumo.
13 O artigo 16. desta directiva prevê que "No caso de entrada no consumo autorizado nas condições previstas na alínea a) ou no primeiro travessão, alínea b), do n. 1 do artigo 15. , os direitos aduaneiros, os encargos de efeito equivalente e os direitos niveladores agrícolas a cobrar sobre os produtos compensadores, sobre os produtos intermédios ou sobre as mercadorias no seu estado inalterado, serão os respeitantes às mercadorias importadas, consoante a taxa ou o montante aplicável na data de aceitação pelas autoridades competentes do documento aduaneiro que lhes diga respeito e tomando por base o valor aduaneiro e outros elementos de tributação reconhecidos ou admitidos nessa data, sem prejuízo dos juros de mora eventualmente exigíveis."
14 A última parte deste artigo, isto é, os termos "sem prejuízo dos juros de mora eventualmente exigíveis", prova que o Conselho previu expressamente que os Estados-Membros podem cobrar juros de mora sobre o pagamento de direitos de importação e de direitos niveladores agrícolas no que se refere aos produtos submetidos ao regime do aperfeiçoamento activo.
15 Esta norma não é contrária aos artigos 9. , 12. , 13. , 30. e 38. do Tratado CE invocados pela Pezzullo perante o órgão jurisdicional nacional. Como salientou o advogado-geral no ponto 11 das suas conclusões, estes artigos não são aplicáveis ou directamente pertinentes no caso em apreço.
16 De igual modo, esta norma não é contrária ao artigo 18. n. 2, do Regulamento n. 2727/75 que tem a seguinte redacção:
"Salvo disposições em contrário do presente regulamento ou derrogação decidida pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, são proibidas:
° a cobrança de qualquer direito aduaneiro ou encargo de efeito equivalente,
..."
17 De facto, como observou o advogado-geral no ponto 17 das suas conclusões, mesmo que se considere que os juros de mora são um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, o artigo 16. da Directiva 69/73 constitui uma derrogação à proibição enunciada no artigo 18. , n. 2, do Regulamento n. 2727/75, decidida pelo Conselho e, deste modo, expressamente admitida.
18 Há portanto que responder a esta parte da questão prejudicial que a Directiva 69/73, em vigor na altura dos factos, permitia que um Estado-Membro previsse que, caso as mercadorias anteriormente submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo dessem entrada no consumo comunitário, o direito nivelador agrícola devido fosse acrescido de juros de mora relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
Quanto à cobrança de juros de mora sobre o IVA
19 Tendo sido igualmente cobrados juros de mora sobre o IVA relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva, importa examinar se esta cobrança está em conformidade com as normas comunitárias no domínio do IVA, isto é, a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ° Sistema comum do imposto sobre valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na sua versão em vigor na altura dos factos.
20 O artigo 10. , n. 3, desta directiva prevê que:
"Nas importações, o facto gerador ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que o bem entra no território do país, na acepção do artigo 3.
Quando os bens importados estão sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador e a exigibilidade do imposto podem ficar sujeitos às normas vigentes para tais direitos comunitários.
Nos casos em que os bens não se encontrem sujeitos a nenhum destes direitos comunitários, os Estados-Membros podem aplicar as disposições em vigor para os direitos aduaneiros no que diz respeito ao facto gerador e à exigibilidade do imposto.
Quando os bens fiquem sujeitos, desde o momento da respectiva importação, a um dos regimes previstos em A), 1, do artigo 16. ou a um regime de admissão temporária ou de trânsito, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixam de estar sujeitos a tal regime e são declarados para introdução no consumo."
21 Por força do artigo 16. , n. 1, parte A, alínea e), da Directiva 77/388, o último parágrafo do artigo 10. , n. 3, aplica-se ao regime do aperfeiçoamento activo.
22 Resulta assim expressamente desta directiva que o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixam de estar sujeitos ao regime e são declarados para introdução no consumo. Por força do artigo 10. , n. 1, alínea b), o momento em que o imposto se torna exigível corresponde àquele em que o fisco pode fazer valer face ao devedor um direito ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido. É, portanto, a partir deste momento que podem começar a vencer-se juros pelo não pagamento do imposto.
23 Daqui resulta que o artigo 10. , n. 3, último parágrafo, da Directiva 77/388 exclui a possibilidade de um Estado-Membro exigir, no âmbito do regime do aperfeiçoamento activo, juros de mora sobre o IVA relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
24 Há portanto que responder a esta parte da questão prejudicial que a Directiva 77/388 se opõe a que um Estado-Membro imponha a cobrança de juros de mora sobre o IVA devido em caso de introdução no consumo na Comunidade de mercadorias anteriormente submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo, relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
Quanto às despesas
25 As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Corte d' appello de Salerno, por despacho de 31 de Maio de 1994, declara:
1) A Directiva 69/73/CEE do Conselho, de 4 de Março de 1969, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao regime do aperfeiçoamento activo, em vigor na altura dos factos, permitia que um Estado-Membro previsse que, caso as mercadorias anteriormente submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo dessem entrada no consumo comunitário, o direito nivelador agrícola devido fosse acrescido de juros de mora relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.
2) A Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre volume de negócios ° Sistema comum do imposto sobre valor acrescentado: matéria colectável uniforme, opõe-se a que um Estado-Membro imponha a cobrança de juros de mora sobre o IVA devido em caso de introdução no consumo na Comunidade de mercadorias anteriormente submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo, relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva.