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61994J0340

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 30 de Janeiro de 1997. - E.J.M. de Jaeck contra Staatssecretaris van Financiën. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. - Segurança social dos trabalhadores migrantes - Determinação da legislação aplicável - Conceito de actividade assalariada e de actividade não assalariada. - Processo C-340/94.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-00461


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Segurança social dos trabalhadores migrantes - Legislação aplicável - Conceitos de actividade assalariada e de actividade não assalariada na acepção dos artigos 14._-A e 14._-C do Regulamento n._ 1408/71 - Determinação nos termos da legislação de segurança social do Estado-Membro em que a actividade é desenvolvida - Inexistência de um significado comunitário destes conceitos

(Regulamento n._ 1408/71 do Conselho, artigos 14._-A e 14._-C)

2 Segurança social dos trabalhadores migrantes - Legislação aplicável - Pessoa que exerce simultaneamente uma actividade assalariada e uma actividade não assalariada em dois Estados-Membros diferentes - Legislação de um dos dois Estados-Membros que apenas segura uma parte dos riscos cobertos pela segurança social - Admissibilidade - Segurado que apenas exerce uma actividade nesse Estado-Membro em certos dias úteis da semana - Determinação do montante das contribuições a pagar sem tomar em conta as contribuições pagas noutro Estado-Membro - Admissibilidade

[Regulamento n._ 1408/71 do Conselho, artigo 14._-C, n._ 1, alínea b)]

Sumário


3 Para efeitos de aplicação dos artigos 14._-A e 14._-C do título II do Regulamento n._ 1408/71, relativo à determinação da legislação aplicável, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento n._ 2001/83, deve entender-se que «actividade assalariada» e «actividade não assalariada» são as actividades como tal consideradas para efeitos de aplicação da legislação de segurança social do Estado-Membro em cujo território essas actividades são exercidas.

Efectivamente, uma vez que resulta da letra do artigo 13._, n._ 1, do regulamento que o seu título II visa, em especial, os trabalhadores assalariados e os trabalhadores não assalariados tal como definidos no seu artigo 1._, alínea a), uma interpretação lógica e coerente do âmbito de aplicação pessoal do regulamento e do sistema de normas de conflitos de leis que institui impõe que se interpretem os conceitos de actividade assalariada e de actividade não assalariada do título II do regulamento à luz das definições constantes do artigo 1._, alínea a). Ora, a qualificação como assalariado ou não assalariado de um trabalhador, na acepção deste artigo, resulta do regime nacional de segurança social em que esse trabalhador está inscrito, regime esse cujas definições, que podem divergir das adoptadas pelo direito do trabalho, devem prevalecer.

A esta remissão para as definições das legislações nacionais de segurança social não se pode objectar com a existência de uma definição comunitária de trabalhador assalariado na acepção do artigo 48._ do Tratado, uma vez que o Regulamento n._ 1408/71, por um lado, não contém nenhuma indicação da qual se pudesse deduzir que entendeu reportar-se à referida definição e, por outro, não pressupõe, tendo em conta o seu objectivo limitado à coordenação das legislações nacionais de segurança social, tal definição, contrariamente ao artigo 48._ do Tratado de que o próprio direito comunitário deve permitir identificar os beneficiários.

4 Na hipótese de o artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do Regulamento n._ 1408/71 ser aplicável, o direito comunitário não se opõe a que a legislação de um dos dois Estados-Membros apenas considere a pessoa em causa segura contra uma parte dos riscos cobertos pelo seu regime de segurança social, desde que não haja discriminação entre os nacionais desse Estado e os cidadãos de outros Estados-Membros. Efectivamente, compete à legislação de cada Estado-Membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, ou em tal ou tal ramo desse regime.

Em caso de aplicação do referido artigo, o direito comunitário não se opõe a que um dos Estados-Membros determine o montante das contribuições a pagar por um segurado, que apenas exerce uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana, sem ter em conta as contribuições eventualmente pagas por esse segurado no outro Estado-Membro a título da actividade que aí exerce nos restantes dias. De facto, nenhuma disposição do regulamento obriga um Estado-Membro a ter em conta, para o cálculo das contribuições que cobra sobre a parte dos rendimentos adquiridos por um segurado no seu território, a circunstância de essa pessoa apenas exercer uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana.

Partes


No processo C-340/94,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

E. J. M. de Jaeck

e

Staatssecretaris van Financiën,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 14._-A e 14._-C do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: L. Sevón, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet (relator), P. Jann e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Patakia e P. Van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por M. Fierstra, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por P. Watson, barrister, do Conselho da União Europeia, representado por G. Houttuin, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por P. Van Nuffel, na audiência de 4 de Julho de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Setembro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 21 de Dezembro de 1994, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 29 do mesmo mês, o Hoge Raad der Nederlanden submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 14._-A e 14._-C do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53, a seguir «regulamento»).

2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe E. J. M. de Jaeck ao Staatssecretaris van Financiën, a respeito do pagamento de uma contribuição para o regime geral de segurança social dos Países Baixos.

3 E. J. M. de Jaeck, de nacionalidade belga, exercia em 1984 uma dupla actividade profissional. Além das actividades não assalariadas no território belga, em que residia, E. J. M. de Jaeck era o director e o único accionista de uma sociedade de responsabilidade limitada nos Países Baixos, para onde se dirigia geralmente dois dias por semana. Pelo exercício desta última actividade, foi-lhe exigido o pagamento de uma contribuição para o regime geral de segurança social neerlandês.

4 Contestando a sua sujeição a este regime, E. J. M. de Jaeck recorreu para o Gerechtshof te 's-Hertogenbosch com vista a obter o reembolso do montante pago a este título. Aquele órgão jurisdicional, na sequência de um novo cálculo, reduziu a sua contribuição. No entanto, indeferiu o pedido quanto ao restante, com o fundamento de que, em conformidade com a jurisprudência do Hoge Raad der Nederlanden, se deve considerar que o director de uma sociedade de responsabilidade limitada que detém uma grande parte das quotas dessa sociedade exerce uma actividade assalariada em proveito dessa sociedade, no que toca tanto ao imposto sobre o rendimento como à cobrança da contribuição para o regime geral de segurança social. Nestas condições, o Gerechtshof te 's-Hertogenbosch considerou que, nos termos do artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento, em conjugação com o seu Anexo VII, o interessado, que exerce uma actividade assalariada nos Países Baixos e uma actividade não assalariada na Bélgica, devia estar sujeito à legislação de cada um desses Estados.

5 E. J. M. de Jaeck interpôs recurso de cassação para o Hoge Raad der Nederlanden. Invocando a jurisprudência relativa aos seguros dos trabalhadores assalariados do Centrale Raad van Beroep te Utrecht, segundo a qual o director de uma sociedade de responsabilidade limitada que detém uma grande parte das quotas da sociedade não pode ser considerado um assalariado, sustentou, a título principal, que, exercendo então nos Países Baixos, da mesma forma que na Bélgica, uma actividade não assalariada, devia estar sujeito apenas à legislação deste último Estado, em que residia, em conformidade com o disposto no artigo 14._-A, n._ 2, do regulamento.

6 A título subsidiário, E. J. M. de Jaeck alegou que, se devesse, no entanto, estar sujeito à legislação neerlandesa pelas suas actividades profissionais nos Países Baixos, o cálculo da sua contribuição deveria ter em conta a circunstância de apenas exercer essas actividades durante dois dias por semana, desenvolvendo nos restantes dias uma actividade não assalariada na Bélgica, pela qual estava sujeito à legislação belga.

7 Entendendo que a solução do litígio dependia da interpretação do regulamento, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Para efeitos de aplicação dos artigos 14._-A e 14._-C do Regulamento n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, deve interpretar-se a expressão `actividade assalariada' no sentido de que abrange a relação de trabalho entre uma sociedade cujo capital está dividido em participações e o seu director que exerce essa actividade contra remuneração e que é também o sócio maioritário da sociedade, pelo que pode exercer o poder efectivo na assembleia geral dos sócios?

2) Caso, para responder à primeira pergunta, seja necessário remeter para o direito interno do Estado-Membro em questão, permite o direito comunitário que, como ocorreria no caso dos autos em aplicação do direito neerlandês, o artigo 14._-C do Regulamento n._ 1408/71 seja aplicado de modo a que uma pessoa que se encontre nas circunstâncias expostas na primeira questão apenas esteja segura relativamente a uma parte dos riscos cobertos pelo sistema de segurança social do Estado-Membro em questão - no caso dos autos, os riscos cobertos pelo regime geral de segurança social (volksverzekeringen) - e não contra os demais riscos cobertos pelo referido sistema - no caso dos autos, os cobertos pelo regime de segurança social dos trabalhadores assalariados (werknemersverzekeringen) - e, por conseguinte, fique obrigada ao pagamento de contribuições?

3) Caso, nos termos do disposto no início e na alínea b) do n._ 1 do artigo 14._-C do Regulamento n._ 1408/71, sejam aplicáveis as legislações de dois Estados-Membros, o direito comunitário impede que um dos referidos Estados-Membros exija, nos termos da sua legislação, o pagamento de contribuições para o regime geral de segurança social geral (volksverzekeringen) em virtude da actividade exercida no seu território - só em certos dias úteis da semana - sem ter em conta que possivelmente o outro Estado-Membro exige também nos termos da sua legislação o pagamento de contribuições em virtude da actividade exercida no seu território - durante os restantes dias úteis da semana - e, em caso de resposta afirmativa a esta questão, em que medida?»

Quanto à primeira questão

8 Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as actividades exercidas nos Países Baixos por uma pessoa na situação de E. J. M. de Jaeck devem ser consideradas actividades assalariadas ou não assalariadas para efeitos de aplicação dos artigos 14._-A e 14._-C do regulamento. Esta questão reconduz-se ao problema, mais lato, da interpretação dos conceitos de «actividade assalariada» e «actividade não assalariada» constantes do título II do regulamento, relativo à determinação da legislação aplicável.

9 O âmbito de aplicação pessoal do regulamento está definido, entre as disposições gerais do título I, no artigo 2._ Nos termos do n._ 1 desta disposição, o regulamento aplica-se, designadamente, «aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros e que sejam nacionais de um dos Estados-Membros».

10 As expressões «trabalhador assalariado» e «trabalhador não assalariado» utilizadas nesta disposição são definidas no artigo 1._, alínea a), do regulamento. Designam qualquer pessoa abrangida por um seguro, como trabalhador assalariado ou não assalariado, no quadro de um dos regimes de segurança social a que se refere o artigo 1._, alínea a).

11 O artigo 13._, com que se inicia o título II do regulamento, relativo à determinação da legislação aplicável, dispõe, no n._ 1, que, sem prejuízo do disposto no artigo 14._-C, as pessoas às quais se aplica o regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Assim, nos termos do artigo 14._-A, n._ 2, do regulamento, uma pessoa que normalmente exerça uma actividade não assalariada no território de dois ou mais Estados-Membros está sujeita à legislação do Estado-Membro em cujo território reside.

12 O artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento prevê, porém, que, nos casos mencionados no Anexo VII, uma pessoa que exerça simultaneamente uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro e uma actividade não assalariada no território de outro Estado-Membro está sujeita à legislação de cada um desses Estados no que respeita à actividade exercida no respectivo território. O ponto 1 do Anexo VII é aplicável às pessoas que exercem uma actividade não assalariada na Bélgica e uma actividade assalariada noutro Estado-Membro, com excepção do Luxemburgo.

13 Assim, as disposições do título II, diversamente das do título I, não se referem aos trabalhadores assalariados e aos trabalhadores não assalariados, mas às pessoas que exercem uma actividade assalariada e às pessoas que exercem uma actividade não assalariada. Ora, estes dois últimos conceitos não são definidos pelo regulamento.

14 Segundo a Comissão e o Governo do Reino Unido, deve entender-se que «actividade assalariada» e «actividade não assalariada», na acepção do título II do regulamento, são as actividades como tal consideradas para efeitos de aplicação da legislação da segurança social do Estado-Membro em cujo território essas actividades são exercidas.

15 A Comissão sublinha que esta interpretação, que se inspira nas definições de «trabalhador assalariado» e de «trabalhador não assalariado» do artigo 1._, alínea a), do regulamento, assegura a coerência do disposto no artigo 2._, n._ 1, com o disposto no título II do regulamento, garantindo que as normas de conflitos previstas neste último sejam aplicáveis a qualquer pessoa abrangida pelo seu campo de aplicação.

16 Em contrapartida, baseando-se nas diferenças entre as expressões utilizadas no artigo 2._, n._ 1, e no título II do regulamento, o Governo neerlandês sustenta que as noções de actividade assalariada e de actividade não assalariada deveriam ser objecto de uma interpretação comunitária uniforme, por referência aos artigos 48._ e 52._ do Tratado CE, como o próprio Tribunal de Justiça terá considerado no acórdão de 24 de Março de 1994, Van Poucke (C-71/93, Colect., p. I-1101).

17 Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, devem ser tidos em conta não apenas os termos desta mas também, se necessário for, o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., por exemplo, o acórdão de 17 de Novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n._ 12).

18 O artigo 51._ do Tratado CE, a que o regulamento dá execução, prevê uma coordenação das legislações dos Estados-Membros e não uma harmonização. As diferenças de fundo e de forma entre os regimes de segurança social de cada Estado-Membro e, por conseguinte, entre os direitos das pessoas que neles trabalham, não são portanto afectadas por essa disposição (v., nomeadamente, o acórdão de 15 de Janeiro de 1986, Pinna, 41/84, Colect., p. 1, n._ 20).

19 Portanto, para determinar as pessoas que podem invocar as normas de coordenação dos regimes nacionais de segurança social que institui, o regulamento refere-se às pessoas inscritas nesses regimes. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1._, alínea a), e 2._, n._ 1, o regulamento é aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros, devendo entender-se por trabalhadores assalariados e trabalhadores não assalariados as pessoas inscritas, numa ou noutra dessas qualidades, num regime de segurança social. Como a Comissão justamente salientou, os conceitos de trabalhador assalariado e de trabalhador não assalariado, a que o regulamento se refere, remetem para as definições das legislações dos Estados-Membros em matéria de segurança social e são independentes da natureza que a actividade exercida reveste para efeitos de direito do trabalho.

20 O artigo 13._, n._ 1, do regulamento, relativo à determinação da legislação aplicável prevê, em seguida, que, sem prejuízo do disposto no artigo 14._-C, «as pessoas às quais se aplica o... regulamento» apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro, sendo esta legislação determinada em conformidade com as disposições do título II.

21 Resulta da letra desta disposição que o título II visa, em especial, os trabalhadores assalariados e os trabalhadores não assalariados a que se refere o artigo 2._, n._ 1, do regulamento, tal como definidos pelo artigo 1._, alínea a), do mesmo regulamento.

22 Nestas condições, se é verdade que as disposições do título II do regulamento se referem literalmente às pessoas que exercem uma actividade assalariada ou não assalariada e não aos trabalhadores assalariados ou não assalariados, uma interpretação lógica e coerente do âmbito de aplicação pessoal do regulamento e do sistema de normas de conflitos de leis que institui impõe que se interpretem os conceitos em causa do título II do regulamento à luz das definições constantes do artigo 1._, alínea a).

23 Em consequência, do mesmo modo que a qualificação como assalariado ou não assalariado de um trabalhador, na acepção dos artigos 1._, alínea a), e 2._, n._ 1, do regulamento, resulta do regime nacional de segurança social em que esse trabalhador estiver inscrito, deve entender-se que actividade assalariada e actividade não assalariada, na acepção do título II do regulamento, são as actividades como tal consideradas pela legislação aplicável em matéria de segurança social no Estado-Membro em cujo território essas actividades são exercidas.

24 Os argumentos avançados pelo Governo neerlandês a favor da tese segundo a qual a noção de «pessoa que exerça uma actividade assalariada» do título II do regulamento corresponderia à definição de trabalhador na acepção do artigo 48._ do Tratado, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não são de natureza a pôr em causa a interpretação que precede.

25 A este propósito, há que recordar que o Tribunal de Justiça entendeu que o termo «trabalhador», tal como utilizado no Tratado, nomeadamente no seu artigo 48._, não pode ser definido por remissão para as legislações dos Estados-Membros, mas tem alcance comunitário. Caso contrário, a aplicação das normas comunitárias relativas à livre circulação dos trabalhadores seria posta em causa, pois o conteúdo deste termo poderia ser fixado e modificado unilateralmente, sem controlo das instituições da Comunidade, pelas legislações nacionais, que teriam assim a possibilidade de afastar discricionariamente certas categorias de pessoas dos benefícios decorrentes do Tratado (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Julho de 1985, Danmols Inventar, 105/84, Recueil, p. 2639, n._ 24).

26 O Tribunal de Justiça considerou, por conseguinte, que a noção de trabalhador deve ser definida segundo critérios objectivos que caracterizem a relação de trabalho em consideração dos direitos e dos deveres das pessoas em causa, sendo a característica essencial da relação de trabalho a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., em último lugar, acórdão de 27 de Junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colect., p. I-3089, n._ 25).

27 No caso em apreço, há que observar que as disposições do título II do regulamento não têm por finalidade conferir às pessoas às quais se aplicam direitos especiais de que, em certos casos, poderiam ser privadas pelos Estados-Membros. Como o Tribunal de Justiça declarou em relação ao artigo 13._, n._ 2, alínea a), essas disposições têm por único objectivo determinar a legislação nacional aplicável e não as condições da existência do direito ou da obrigação de se inscrever num regime de segurança social (acórdão de 3 de Maio de 1990, Kits van Heijningen, C-2/89, Colect., p. I-1755, n._ 19).

28 Nestas condições, na falta de qualquer indicação em sentido contrário no regulamento, não pode supor-se que o legislador comunitário, para a aplicação das disposições deste regulamento destinadas a determinar a legislação nacional aplicável, tenha pretendido conferir às noções de actividade assalariada e de actividade não assalariada, que essas disposições utilizam, um significado comunitário autónomo, inspirado, além disso, no direito do trabalho. E é tanto mais assim quanto essas disposições se inscrevem no quadro de um regulamento que se limita a coordenar as legislações em matéria de segurança social dos Estados-Membros.

29 A este propósito, importa acrescentar que, como a Comissão sublinhou com razão, a interpretação defendida pelo Governo neerlandês apresentaria o inconveniente de, em certos casos, não poderem aplicar-se a pessoas inscritas como trabalhador assalariado ou não assalariado num regime de segurança social e abrangidas, por essa razão, pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento, as normas de conflitos do seu título II, pelo facto de essas pessoas não serem abrangidas pelo âmbito de aplicação dos artigos 48._ ou 52._ do Tratado CE. Assim aconteceria, por exemplo, com um segurado que exercesse apenas actividades profissionais de tal forma reduzidas que se apresentassem como meramente marginais e acessórias (acórdãos de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p. 1035, n._ 17, e Asscher, já referido, n._ 25).

30 É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as disposições do título II do regulamento regem apenas as situações às quais se referem e que uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do regulamento pode não se encontrar numa dessas situações (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Daalmeijer, C-245/88, Colect., p. I-555, n.os 11 e 12). No entanto, para uma correcta aplicação do regulamento, é exigível que, na medida do possível, se interpretem de maneira coerente as disposições respeitantes ao seu âmbito de aplicação pessoal e as relativas à determinação da legislação aplicável.

31 O Governo neerlandês alegou ainda que o facto de os termos utilizados serem diferentes obstaria a uma interpretação por analogia das noções que figuram no artigo 1._, alínea a), e das utilizadas pelo título II do regulamento. Resultaria, além disso, do acórdão Van Poucke, já referido, que as pessoas às quais se refere o título II correspondem necessariamente às pessoas visadas pelos artigos 48._ e 52._ do Tratado CE.

32 Quanto ao primeiro ponto, a Comissão indicou com razão, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Justiça, que a qualidade de trabalhador assalariado ou não assalariado, para efeitos de aplicação do regulamento, só pode ser definitivamente reconhecida uma vez determinada a legislação aplicável. É portanto lógico que o título II do regulamento, que tem precisamente por objecto determinar essa legislação, evite utilizar essas noções e se refira, mais genericamente, às pessoas que exercem uma actividade assalariada ou não assalariada. A este propósito, se é verdade que essas fórmulas podem, eventualmente, como no caso em apreço, prestar-se a confusão, não é menos verdade que, na maior parte dos casos, há uma correspondência entre a natureza da actividade exercida por um segurado e a sua sujeição a um regime de segurança social na qualidade de assalariado ou de não assalariado.

33 Quanto ao segundo ponto, é verdade que, no acórdão Van Poucke, o Tribunal de Justiça recorreu à noção de trabalhador na acepção do artigo 48._ do Tratado, para decidir se a actividade exercida na qualidade de funcionário por uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento é uma actividade assalariada na acepção do artigo 14._-C desse regulamento. No entanto, deve recordar-se que, nesse processo, o Tribunal de Justiça era confrontado com uma dificuldade de interpretação própria ao título II do regulamento. Com efeito, G. Van Poucke, exercia simultaneamente uma actividade como funcionário num Estado-Membro e uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro. Ora, enquanto o artigo 13._, n._ 2, do regulamento, aplicável em caso de exercício de uma só actividade profissional, estabelece uma distinção entre os funcionários e as pessoas que exercem uma actividade assalariada ou não assalariada, o artigo 14._-C, aplicável em caso de cumulação de actividades de naturezas diferentes, abrange somente as pessoas que exercem uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro e uma actividade não assalariada no território de outro Estado-Membro, sem referência expressa aos funcionários. Foi nestas condições específicas que o Tribunal de Justiça foi levado a julgar que, no sistema do Tratado, os funcionários são considerados assalariados. De qualquer forma, apenas adoptou essa solução após ter verificado se não era contrariada pelas próprias disposições dos artigos 13._ e 14._ do regulamento.

34 Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à primeira questão que, para efeitos de aplicação dos artigos 14._-A e 14._-C do regulamento, deve entender-se que «actividade assalariada» e «actividade não assalariada» são as actividades como tal consideradas para efeitos de aplicação da legislação de segurança social do Estado-Membro em cujo território essas actividades são exercidas.

Quanto à segunda questão

35 Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, na hipótese de o artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento ser aplicável, o direito comunitário se opõe a que a legislação de um dos Estados-Membros apenas considere a pessoa em causa segura contra uma parte dos riscos cobertos pelo seu regime de segurança social.

36 Em conformidade com uma jurisprudência constante, compete à legislação de cada Estado-Membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, ou em tal ou tal ramo desse regime, desde que não haja discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-Membros (v., nomeadamente, acórdãos de 24 de Abril de 1980, Coonan, 110/79, Recueil, p. 1445, n._ 12, e Daalmeijer, já referido, n._ 15).

37 Assim, há que responder à segunda questão que, na hipótese de o artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento ser aplicável, o direito comunitário não se opõe a que a legislação de um dos dois Estados-Membros apenas considere a pessoa em causa segura contra uma parte dos riscos cobertos pelo seu regime de segurança social, desde que não haja discriminação entre os nacionais desse Estado e os cidadãos de outros Estados-Membros.

Quanto à terceira questão

38 Através da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em caso de aplicação do artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento, o direito comunitário se opõe a que um dos dois Estados-Membros determine o montante das contribuições a pagar por um segurado, que apenas exerce uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana, sem ter em conta as contribuições eventualmente pagas por esse segurado no outro Estado-Membro a título da actividade que exerce nos restantes dias.

39 Como o Tribunal de Justiça salientou no n._ 12 do presente acórdão, resulta do artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento que, nos casos referidos pelo Anexo VII, a pessoa que exerça ao mesmo tempo uma actividade assalariada num Estado-Membro e uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro está sujeita simultaneamente à legislação de cada um desses Estados. Essa pessoa é, portanto, obrigada a pagar as contribuições que lhe sejam eventualmente impostas por uma e outra dessas legislações.

40 Como o Governo neerlandês e a Comissão salientaram com razão, cada um dos Estados-Membros em causa só pode, no entanto, cobrar contribuições sobre a parte dos rendimentos adquiridos no seu território. Com efeito, o artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento prevê, nos casos mencionados no Anexo VII, a aplicação da legislação de cada um desses Estados apenas no que respeita à actividade exercida no respectivo território.

41 Dito isto, nenhuma disposição do regulamento obriga um Estado-Membro a ter em conta, para o cálculo das contribuições que cobra sobre a parte dos rendimentos adquiridos por um segurado no seu território, a circunstância de essa pessoa apenas exercer uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana.

42 Por conseguinte, há que responder à terceira questão que, em caso de aplicação do artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do regulamento, o direito comunitário não se opõe a que um dos dois Estados-Membros determine o montante das contribuições a pagar por um segurado, que apenas exerce uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana, sem ter em conta as contribuições eventualmente pagas por esse segurado no outro Estado-Membro a título da actividade que aí exerce nos restantes dias.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

43 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por acórdão de 21 de Dezembro de 1994, declara:

44 Para efeitos de aplicação dos artigos 14._-A e 14._-C do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, deve entender-se que «actividade assalariada» e «actividade não assalariada» são as actividades como tal consideradas para efeitos de aplicação da legislação de segurança social do Estado-Membro em cujo território essas actividades são exercidas.

45 Na hipótese de o artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do referido regulamento ser aplicável, o direito comunitário não se opõe a que a legislação de um dos dois Estados-Membros apenas considere a pessoa em causa segura contra uma parte dos riscos cobertos pelo seu regime de segurança social, desde que não haja discriminação entre os nacionais desse Estado e os cidadãos de outros Estados-Membros.

46 Em caso de aplicação do artigo 14._-C, n._ 1, alínea b), do referido regulamento, o direito comunitário não se opõe a que um dos dois Estados-Membros determine o montante das contribuições a pagar por um segurado, que apenas exerce uma actividade no seu território durante certos dias úteis da semana, sem ter em conta as contribuições eventualmente pagas por esse segurado no outro Estado-Membro a título da actividade que exerce nos restantes dias.