Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

Advertência jurídica importante

|

61995C0188

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 26 de Junho de 1997. - Fantask A/S e.a. contra Industriministeriet (Erhvervministeriet). - Pedido de decisão prejudicial: Østre Landsret - Dinamarca. - Directiva 69/335/CEE - Direitos de registo das sociedades - Prazos processuais nacionais. - Processo C-188/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-06783


Conclusões do Advogado-Geral


1 O Østre Landsret (Dinamarca) submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (a seguir «directiva») (1), com as últimas alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 (2). A directiva, que introduz uma imposição harmonizada sobre as reuniões de capitais pelas sociedades, proíbe a cobrança de qualquer outra taxa pelo registo das sociedades de capitais. Por força do artigo 12._ da directiva, os Estados-Membros mantêm, no entanto, o poder de cobrar «direitos com carácter remuneratório». O Østre Landsret pretende ser esclarecido sobre o alcance desta expressão e pergunta igualmente ao Tribunal de Justiça se, à luz do acórdão Emmott (3), um Estado-Membro pode invocar a caducidade de uma acção intentada contra ele, mesmo quando não tenha transposto correctamente uma directiva.

Regulamentação comunitária aplicável

2 A directiva tem como objectivo promover a livre circulação de capitais mediante a harmonização dos impostos sobre as entradas de capitais nas sociedades, suprimindo o imposto de selo sobre os títulos bem como outros impostos indirectos que apresentem as mesmas características que o imposto sobre as entradas de capital ou o imposto de selo sobre os títulos. O artigo 3._ da directiva indica as sociedades relativamente às quais deve ser cobrado um imposto sobre as entradas de capital, designadas na directiva como «sociedades de capitais», e o artigo 4._ define as operações que podem estar sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital. Nos termos do artigo 7._ da directiva, que foi alterada, por último, pelo artigo 1._, n._ 2, da Directiva 85/303, os Estados-Membros devem isentar essas operações do imposto sobre as entradas de capital ou submetê-las a uma taxa única que não ultrapasse 1%.

3 Como declara o oitavo considerando da directiva:

«... a manutenção de outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital ou do imposto de selo sobre os títulos pode pôr em causa os fins prosseguidos pelas medidas previstas na presente directiva e... por isso, impõe-se a sua supressão».

4 O artigo 10._ da directiva prevê portanto o seguinte:

«Além do imposto sobre as entradas de capital, os Estados-Membros não cobrarão, no que diz respeito às sociedades, associações ou pessoas colectivas com fins lucrativos, qualquer imposição, seja sob que forma for:

...

c) em relação ao registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica.»

5 Todavia, nos termos do artigo 12._, n._ 1:

«Em derrogação do disposto nos artigos 10._ e 11._, os Estados-Membros podem cobrar:

...

e) direitos com carácter remuneratório;

...»

6 O Tribunal de Justiça teve ocasião de se pronunciar sobre o âmbito de aplicação dos artigos 10._ e 12._, n._ 1, alínea e), no seu acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (4). Neste processo estavam em causa imposições que eram cobradas em Itália uma primeira vez pelo registo da sociedade e depois anualmente. O montante e a estrutura dessas imposições tinham sido modificados várias vezes durante o período considerado. Eram sempre mais elevadas para as sociedades anónimas do que para as sociedades por quotas e, num determinado momento, variaram em função do capital da sociedade anónima. Estas imposições eram consideráveis: para o ano de 1988, por exemplo, foram fixadas em 15 000 000 LIT para as sociedades anónimas e em 3 500 000 LIT para as sociedades por quotas.

7 O Tribunal de Justiça começou por decidir que imposições como as que estavam em causa neste processo se enquadravam no âmbito de aplicação do artigo 10._, ainda que o produto dessa imposição contribuísse para o financiamento do serviço responsável pelo registo em que as sociedades são inscritas. Se os Estados-Membros pudessem criar uma imposição, que não o imposto sobre as entradas de capital, que incidisse sobre as sociedades de capitais por ocasião de uma das formalidades fundamentais à sua constituição, isso estaria em contradição com os objectivos da directiva (5).

8 O Tribunal de Justiça pronunciou-se em seguida sobre o âmbito de aplicação do artigo 12._ da directiva. Traçando uma distinção entre esta hipótese e a sua jurisprudência sobre as disposições do Tratado relativas aos encargos de efeito equivalente, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 12._ autoriza a criação de direitos com carácter remuneratório que sejam «a contrapartida de uma operação imposta pela lei no interesse geral. Pode ser esse precisamente o caso de um direito devido como contrapartida de uma operação, como o registo das sociedades de capitais, que é imposta pela lei nacional, em conformidade com o direito comunitário, tanto no interesse de terceiros como das próprias sociedades» (6).

9 Quanto ao montante dos direitos com carácter remuneratório, o Tribunal de Justiça observou que:

«A distinção entre as imposições proibidas pelo artigo 10._ da directiva e os direitos com carácter remuneratório implica que estes últimos abranjam apenas as retribuições, cobradas na altura do registo ou anualmente, cujo montante é calculado com base no custo do serviço prestado.

Uma retribuição cujo montante não tenha qualquer relação com o custo desse serviço específico, ou cujo montante seja calculado não em função do custo da operação de que é a contrapartida, mas em função do conjunto dos custos de funcionamento e investimento do serviço encarregado dessa operação, devia ser considerada como uma imposição abrangida exclusivamente pela proibição instituída pelo artigo 10._ da directiva.

Pode ser difícil determinar o custo de certas operações, como, por exemplo, o registo de uma sociedade. A avaliação desse custo só pode, em semelhantes casos, ser forfetária e deve ser efectuada de forma razoável, tendo em conta, designadamente, o número e a qualificação dos agentes, bem como as diversas despesas materiais necessárias à realização dessa operação» (7).

10 O Tribunal de Justiça acrescentou que os Estados-Membros podem estabelecer montantes diferentes para o registo das sociedades anónimas e das sociedades por quotas desde que, no entanto, se certifiquem «de que nenhum dos montantes exigidos, para cada um dos tipos de sociedade, excede o custo da operação de registo» (8).

Regulamentação nacional aplicável

11 A Lei n._ 468, de 29 de Setembro de 1917, e, mais recentemente, a Lei n._ 370, de 13 de Junho de 1973, autorizaram o ministro competente, e posteriormente a direcção do comércio e das sociedades da Dinamarca, a cobrar determinados direitos de registo pela constituição de sociedades anónimas e pelos respectivos aumentos de capital. Disposições semelhantes, relativamente às sociedades por quotas, foram aprovadas pela Lei n._ 371, de 13 de Junho de 1973.

12 Até 1 de Maio de 1992, os montantes cobrados eram constituídos por um direito de base e por um direito complementar calculado proporcionalmente ao montante do capital realizado, à taxa de 1 DKR por 1 000 DKR. O montante de base foi variável (segundo uma tabela degressiva em relação ao capital realizado) até 1 de Janeiro de 1974; depois, a partir dessa data, foi substituído por direitos fixos que variavam, de 1 de Janeiro de 1974 a Maio de 1992, entre 500 DKR e 1 700 DKR para o registo de uma nova sociedade anónima ou de uma sociedade por quotas, e entre 200 DKR e 900 DKR para o registo de um aumento de capital de uma sociedade anónima ou de uma sociedade por quotas existente. De 1 de Fevereiro de 1973 a 1 de Maio de 1992, o direito variável elevou-se a 4 por 1 000 do montante do aumento de capital.

13 O Tribunal de Contas dinamarquês (Danmarks Rigsrevision) publicou, em 13 de Maio de 1992, um relatório que concluía no sentido de que os direitos em questão constituíam, segundo era do seu conhecimento, o exemplo mais notável de um excedente de cobertura dos custos de funcionamento de uma autoridade pública. O relatório punha em dúvida o fundamento jurídico nacional para a cobrança de tais direitos.

14 Este relatório, de que havia sido difundido um resumo antes da data de publicação oficial, provocou a supressão do direito complementar calculado em permilagem a partir de 1 de Maio de 1992. No mesmo dia, o direito de base fixado para o registo de novas sociedades passou de 1 700 DKR - montante que era aplicável às sociedades anónimas e às sociedades por quotas - para 2 500 DKR para as sociedades anónimas, por um lado, e para 1 800 DKR para as sociedades por quotas, por outro lado; ao mesmo tempo, o imposto sobre as entradas de capital cobrado por ocasião dos aumentos de capital foi reduzido de 900 DKR para 600 DKR.

A direcção do comércio e das sociedades

15 O registo dinamarquês das sociedades foi fundado em 1918 e mudou de nome em 1 de Janeiro de 1988, passando a designar-se direcção do comércio e das sociedades (a seguir «direcção»). A direcção é constituída por seis serviços responsáveis por diferentes domínios relativos à aplicação e à redacção da legislação em matéria de direito das sociedades e de direito comercial.

16 O despacho de reenvio contém dois quadros que mostram as despesas de funcionamento e as receitas da direcção. O primeiro quadro foi elaborado pelo Tribunal de Contas e indica o montante total das despesas de funcionamento, o montante total das receitas e os saldos positivos para os anos de 1980 a 1990. A direcção considera que os números desse quadro não dão uma imagem fidedigna das suas receitas e despesas relativamente ao sector do direito das sociedades, e apresentou uma série de números diferentes para os anos de 1987 a 1991. O quadro apresentado pelo Tribunal de Contas apresenta saldos positivos que vão de 4,9 milhões de DKR em 1980 a 139,4 milhões de DKR em 1990. O quadro apresentado pela direcção apresenta saldos positivos mais reduzidos, que vão de 12 milhões de DKR em 1987 a 90,2 milhões de DKR em 1991.

17 Os números apresentados pela direcção incluem as suas despesas directas e indirectas respeitantes à aplicação da legislação sobre as sociedades, bem como as despesas de pessoal do Ministério do Comércio relacionadas com a elaboração da legislação sobre as sociedades e a administração da direcção. As despesas da direcção relacionadas com a aplicação da legislação sobre as sociedades abrangem os custos de inscrição no registo das constituições de sociedades, das conversões, dos aumentos de capital, fusões e outras alterações, bem como os custos da fiscalização do respeito dos procedimentos no que toca às informações relativas às participações dos grandes accionistas, e aos prospectos que acompanham as emissões de acções. Estas despesas abrangem igualmente os custos referentes a matérias como trabalhos jurídicos preparatórios sobre a regulamentação do direito das sociedades e sobre as contas anuais; tratamento das reclamações para a comissão de recurso do Ministério do Comércio e as reclamações apresentadas ao ombudsman; aplicação da legislação em matéria de perdas de capital, de empréstimos aos accionistas, de contas anuais (incluindo a fiscalização das contas) e de contabilidade, bem como difusão de informação através de conferências, artigos, brochuras e reuniões com organizações e grupos profissionais. Os números incluem igualmente uma quota-parte das despesas gerais relativas a operações como a gestão financeira e a elaboração do orçamento, a administração do pessoal, o desenvolvimento da informática, a gestão do património imobiliário e dos equipamentos, a biblioteca e a documentação, os serviços de correio, assim como a formação profissional do pessoal.

Os factos e as questões do órgão jurisdicional nacional

18 No total, foram intentadas sete acções para o Østre Landsret pelas sociedades Fantask A/S, Norsk Hydro Danmark A/S, Robert Bosch A/S, Uponor A/S e Uponor Holding A/S, pelo grupo Pen-Sam ApS, Tryg-Baltica Forsikring, Skadeforsikringsselskab A/S e Tryg-Baltica Forsikring, Livsforsikringsselskab A/S, Aalborg Portland A/S e Alka Forsikring A/S. As autoras são todas sociedades anónimas registadas na Dinamarca (se bem que o grupo Pen-Sam inclua um certo número de sociedades por quotas).

19 Todas as acções apresentam pedidos de restituição de direitos pagos por ocasião de requerimentos de registo de constituição de sociedades ou de aumentos de capital. Todas as autoras, excepto a sociedade Fantask, limitam as suas pretensões à restituição do direito proporcional. Os montantes reclamados vão de 2 900 DKR (Fantask) até 4 800 000 DKR (grupo Tryg).

20 Segundo o despacho de reenvio, as acções intentadas pelas autoras no processo principal regem-se pelo artigo 1._ da lei dinamarquesa sobre a prescrição, de 22 de Dezembro de 1908, que fixa um prazo de prescrição de cinco anos. O artigo 2._ desta lei determina que o prazo começa a correr, em princípio, a partir da data em que o pagamento poderia ter sido reclamado pelo credor, ou seja, em regra geral, a partir da data em que a dívida se torna exigível. No entanto, por força do artigo 3._, quando o credor ignora a existência do seu crédito sem que tal desconhecimento lhe seja imputável, o prazo só começa a correr a partir do momento em que esse credor esteja ou devesse estar, se procedesse com diligência normal, em condições de reclamar o pagamento do seu crédito.

21 Além destas regras legislativas, o órgão jurisdicional nacional invoca um princípio, conhecido como o princípio das «imposições florestais», desenvolvido pela jurisprudência dos tribunais dinamarqueses, que obsta a que um contribuinte obtenha a restituição de uma imposição indevidamente paga se tiver sido cobrada por força de disposições em vigor há muito tempo que tanto as autoridades como o contribuinte consideraram ser legais. As partes no processo principal estão em desacordo quanto ao âmbito e aos efeitos deste princípio.

22 Foi neste contexto que o órgão jurisdicional nacional decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1) O direito comunitário estabelece exigências quanto à delimitação pelos Estados-Membros do conceito de `carácter remuneratório' do artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE, ou pode cada Estado-Membro decidir livremente o que deve ser considerado `carácter remuneratório relativamente a uma prestação de serviços concreta'?

2) A base de cálculo de imposições que, ao abrigo do artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE, são cobradas por um Estado-Membro pelo registo da constituição ou do aumento de capital das sociedades anónimas ou das sociedades por quotas, pode abranger os seguintes tipos de custos ou apenas um deles:

- despesas com salários e cotizações de reforma de funcionários que não colaboram nas operações de registo, tais como o pessoal administrativo da entidade pública competente para o registo ou o pessoal da mesma ou de outras entidades públicas ocupado em trabalhos preparatórios de natureza jurídica respeitantes ao domínio do direito das sociedades;

- custos das operações de registo de outros factos relativos às sociedades, em relação às quais os Estados-Membros decidiram que não deve ser paga uma contraprestação concreta;

- custos do desempenho de outras funções para além do registo, que são atribuídas à entidade pública competente para o registo nos termos da legislação relativa às sociedades ou legislação conexa, tais como a verificação das contas e a fiscalização da escrituração e contabilidade das sociedades;

- pagamento de juros e amortizações de custos de investimento globais que são considerados pela entidade pública competente para o registo como respeitantes ao domínio jurídico do direito das sociedades ou equiparado;

- custos de prestações de serviços que não têm uma correlação com o trabalho de registo em concreto;

- custos de actividades externas da entidade pública competente para o registo de carácter informativo e didáctico que não têm relação com o trabalho de registo em concreto, tais como conferências, elaboração de artigos e brochuras e realização de encontros com organizações de empresas e outros grupos de interesses.

3) a) O artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro está impedido de estabelecer direitos normalizados através de normas aplicáveis sem limitação temporal?

b) Em caso de resposta negativa, é o Estado-Membro obrigado a proceder todos os anos ou com intervalos regulares ao reajustamento da base percentual da taxa dos direitos?

c) Tem importância para a resposta a dar o facto de os direitos serem estabelecidos proporcionalmente ao montante do capital anunciado para efeitos de registo?

4) O artigo 12._, n._ 1, alínea e), conjugado com o artigo 10._, n._ 1, da Directiva 69/335/CEE, deve ser interpretado no sentido de que o montante que é cobrado como contraprestação de uma prestação de serviços concreta, como, por exemplo, o registo da constituição ou do aumento de capital de uma sociedade anónima ou de uma sociedade por quotas, deve ser calculado com base nos custos efectivos da prestação de serviços concreta - a inscrição no registo - ou pode o encargo relativo a cada registo ser estabelecido por exemplo através de uma taxa de base aumentada de 4_/__ da entrada nominal de capital, de forma a que o maior ou menor valor do encargo é independente do tempo dispendido pela entidade pública competente para o registo e dos demais custos que são necessários para a realização do registo?

5) O artigo 12._, n._ 1, alínea e), conjugado com o artigo 10._, n._ 1, da Directiva 69/335/CEE, deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro, no cálculo do eventual montante a restituir, deve fazê-lo na base de que a imposição deve reflectir os custos da prestação de serviços concreta na altura em que a mesma prestação foi efectuada, ou o Estado-Membro tem o direito de efectuar uma avaliação global dentro de um período mais longo, por exemplo, um ano de exercício, ou dentro do período correspondente em direito nacional ao prazo de caducidade das acções para reembolso das despesas já pagas?

6) No caso de no direito nacional vigorar um princípio geral de que na apreciação da obrigação de restituição de taxas cobradas sem justificação é de atribuir importância ao facto de a cobrança ter tido lugar nos termos de regras que foram aplicáveis durante muito tempo sem que nem a entidade pública nem outras pessoas tenham dado atenção ao facto de a cobrança carecer de fundamento, o direito comunitário opõe-se a que o pedido de restituição das taxas que foram cobradas em violação da Directiva 69/335/CEE seja indeferido por aquele motivo?

7) O direito comunitário obsta a uma situação jurídica nacional segundo a qual as entidades públicas de um Estado-Membro em processos relativos a pedidos de restituição de taxas que foram cobradas em violação da Directiva 69/335/CEE podem requerer - com êxito - que os prazos de prescrição nacionais comecem a correr na data da aplicação ilegal da Directiva 69/335/CEE?

8) O artigo 10._, n._ 1, conjugado com o artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE, tal como interpretado nas anteriores questões, confere direitos que os particulares em cada Estado-Membro podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais?»

Quanto às cinco primeiras questões

23 Com as suas cinco primeiras questões, o órgão jurisdicional nacional pretende ser esclarecido sobre o significado da expressão «carácter remuneratório» empregada no artigo 12._, n._ 1, alínea e), da directiva. Pretende saber se os Estados-Membros podem determinar o sentido a atribuir a essa expressão (primeira questão), se certos tipos de custos podem ser tomados em consideração para fixar o montante desses direitos com carácter remuneratório (segunda questão) e se direitos fixos (incluindo direitos que variam em proporção da entrada de capital), sem qualquer ligação com o custo real dos serviços concretos, podem ser estabelecidos e em que medida devem ser periodicamente reajustados (terceira e quarta questões). A quinta questão do órgão jurisdicional nacional refere-se à avaliação dos montantes a restituir. Trata-se de saber se o cálculo se deve basear no custo do serviço concreto no momento em que foi prestado ou se esse cálculo pode ter por base uma avaliação global efectuada relativamente a um período mais longo, como um ano de exercício contabilístico ou o prazo de caducidade da acção.

24 Relativamente a estas questões, foram apresentadas ao Tribunal de Justiça observações escritas e orais pelas autoras no processo principal, pelo Ministério do Comércio e da Indústria dinamarquês, pelos Governos dinamarquês e sueco e pela Comissão.

25 As autoras no processo principal consideram que o direito complementar que varia em função do montante da entrada nominal de capital é proibido pelo artigo 10._ da directiva e não está abrangido pela noção de direito com carácter remuneratório admitida pelo artigo 12._, n._ 1, alínea e). Este direito não tem relação com as despesas efectuadas pela administração para proceder às formalidades de registo. As autoras no processo principal são apoiadas pela Comissão. Esta última considera que, enquanto o direito de base pode constituir uma remuneração razoável para as operações de registo em causa, o direito complementar ad valorem cria importantes excedentes e não tem relação com o serviço específico prestado às sociedades em matéria de registo.

26 O Governo dinamarquês alega que a directiva tem em vista a harmonização dos impostos indirectos e não das taxas correspondentes a serviços prestados no interesse geral. Referindo-se por analogia ao acórdão Corbeau, proferido pelo Tribunal de Justiça a propósito do artigo 90._ do Tratado (9), afirma que tem o direito de fixar taxas de um montante suficiente para cobrir as despesas, tanto directas como indirectas, não só dos serviços específicos de registo mas também de todas as actividades administrativas no domínio do direito das sociedades. Também tem o direito de introduzir um elemento de solidariedade nas taxas, impondo um encargo mais pesado às sociedades mais importantes. O Governo dinamarquês considera que o seu modo de ver é conforme ao acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni bem como ao princípio da subsidiariedade, que o Tribunal de Justiça tem que tomar em consideração mesmo ao interpretar legislação anterior à entrada em vigor do Tratado da União Europeia. O Governo dinamarquês é apoiado pelo Ministério do Comércio e da Indústria dinamarquês e pelo Governo sueco, que considera que a direcção tinha o direito de tomar em consideração, para fixar o montante dos direitos, todas as rubricas de despesas mencionadas na segunda questão do órgão jurisdicional nacional.

27 Quanto à primeira questão do órgão jurisdicional nacional, concordo com o ministério dinamarquês e com o Governo dinamarquês quanto ao facto de a directiva não harmonizar, enquanto tal, os direitos com carácter remuneratório cobrados pela prestação de serviços. Não indica quais são os serviços que podem ser prestados às sociedades tendo como contrapartida uma remuneração nem qual deve ser o montante dessa remuneração. É, porém, claro, à luz do acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (10), que os direitos cobrados pelo registo de uma sociedade de capitais cabem no âmbito da proibição constante do artigo 10._ da directiva e só são lícitos se forem autorizados ao abrigo do artigo 12._ Resulta igualmente deste acórdão (11) que a directiva impõe limites àquilo que um Estado-Membro pode legalmente cobrar a título de «direitos com carácter remuneratório», nos termos do artigo 12._, n._ 1, alínea e). A razão é evidente. Se não impusesse tais limites, a directiva seria ineficaz, visto que os Estados-Membros teriam toda a liberdade para contornar as respectivas disposições, criando outras imposições que não o direito de entrada, sob a forma dissimulada de direitos com carácter remuneratório, em contrapartida da prestação de pretensos serviços.

28 Quanto a isto, a referência do Governo dinamarquês ao princípio da subsidiariedade constante do artigo 3._, alínea b), do Tratado, que foi aditado pelo artigo G, n._ 5, do Tratado da União Europeia, não é pertinente. Não obstante esta disposição, quando a Comunidade decide adoptar uma directiva numa matéria que não é da sua exclusiva competência, o Tribunal de Justiça tem que a interpretar em conformidade com a sua letra e com a sua finalidade, de modo a assegurar o seu efeito útil.

29 Quanto à segunda questão do órgão jurisdicional nacional, relativa aos custos susceptíveis de serem tomados em consideração para a fixação dos direitos em causa, o acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, proferido pelo Tribunal de Justiça, permite formular os seguintes princípios:

- Um Estado-Membro pode cobrar direitos por determinados serviços individualizados que presta às sociedades; esses serviços incluem «uma operação, como o registo das sociedades de capitais, que é imposta pela lei nacional, em conformidade com o direito comunitário, tanto no interesse de terceiros como das próprias sociedades» (12).

- Quaisquer direitos com carácter remuneratório cujo pagamento seja exigido devem ser calculados com base no custo real dos serviços específicos em questão. Não podem ser fixados a um nível tão elevado que cubra «o conjunto dos custos de funcionamento e investimento do serviço encarregado dessa operação» (13).

- Quando for difícil determinar o custo de certas operações, esses custos podem ser avaliados numa base forfetária. Essa avaliação deve ser efectuada de forma razoável, tendo em conta o número e a qualificação dos agentes, o tempo gasto por esses agentes, bem como as diversas despesas materiais necessárias (14).

- Podem ser fixados direitos diferentes para as sociedades anónimas e para as sociedades por quotas, desde que «nenhum dos montantes exigidos, para cada um dos tipos de sociedade, exceda o custo» do serviço.

30 Sou de opinião que o presente processo suscita duas questões principais: em primeiro lugar, quais são os tipos de actividades pelas quais a direcção pode cobrar direitos com carácter remuneratório, na acepção do artigo 12._, n._ 1, alínea e), e, em segundo lugar, quais são os limites que a directiva estabelece no que toca às modalidades de cálculo desses direitos com carácter remuneratório?

Actividades pelas quais podem ser legalmente cobradas imposições

31 Resulta com toda a clareza do acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni que o Reino da Dinamarca tem o direito de cobrar direitos para cobrir as despesas de criação e de acompanhamento dos processos das sociedades no registo das sociedades. Este serviço, que é prestado às sociedades no interesse geral, é expressamente estabelecido pelo artigo 3._, n._ 1, da primeira directiva do Conselho sobre o direito das sociedades (15) e, na verdade, muitas das exigências em matéria de apresentação de documentos e de publicação de informações relativas às sociedades derivam actualmente do direito comunitário. Por força do artigo 3._, n._ 2, desta directiva, os Estados-Membros são obrigados a assegurar que todos os documentos e indicações que devam ser tornados públicos por força do artigo 2._ sejam conservados no processo ou inscritos no registo. O artigo 2._, n._ 1, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (16), determina:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que a publicidade obrigatória relativa às sociedades abranja, pelo menos, os seguintes actos e indicações:

a) o acto constitutivo e os estatutos, se estes forem objecto de um acto separado;

b) as alterações dos actos mencionados na alínea a), nelas compreendendo a prorrogação da sociedade;

c) depois de cada alteração do acto constitutivo ou dos estatutos, o texto integral do acto alterado, na sua redacção actualizada;

d) a nomeação e a cessação de funções, assim como a identidade das pessoas que, na qualidade de órgão legalmente previsto ou de membros de tal órgão:

i) têm o poder de vincular a sociedade para com terceiros e de a representar em juízo,

ii) participam na administração, na vigilância ou na fiscalização da sociedade.

As medidas de publicidade devem precisar se as pessoas que têm o poder de vincular a sociedade podem fazê-lo sozinhas ou devem fazê-lo conjuntamente;

e) uma vez por ano, pelo menos, o montante do capital subscrito, nos casos em que o acto constitutivo ou os estatutos mencionarem um capital autorizado, salvo se o aumento do capital subscrito acarretar uma alteração dos estatutos;

f) o balanço e a conta de ganhos e perdas de cada exercício. O documento que contém o balanço deve indicar a identidade das pessoas a quem, por lei, compete certificá-lo.

...

g) qualquer transferência da sede social.

h) a dissolução da sociedade;

i) a decisão judicial que declare a nulidade da sociedade;

j) a nomeação e a identidade dos liquidatários, bem como os seus poderes respectivos, salvo se estes poderes resultarem expressa e exclusivamente da lei ou dos estatutos;

k) o encerramento da liquidação, assim como o cancelamento do registo nos Estados-Membros em que este cancelamento produza efeitos jurídicos.»

32 Por força do artigo 3._, n._ 4, da primeira directiva, estes actos e indicações serão objecto, no boletim nacional designado pelo Estado-Membro, de publicação; a publicação pode limitar-se a uma menção que assinale o arquivamento do documento.

33 Numerosas outras exigências resultam de directivas posteriores. Por exemplo, o artigo 3._ da segunda directiva sobre o direito das sociedades (17) contém uma lista pormenorizada das indicações que devem figurar nos estatutos das sociedades anónimas ou outros documentos publicados nos termos do artigo 3._ da primeira directiva. Esta directiva determina igualmente a publicação de certas operações, como os aumentos de capital (artigo 25._, n._ 1), as ofertas de subscrição preferencial aos accionistas existentes, bem como as limitações do direito de preferência (artigo 29._, n.os 3 e 4), as reduções do capital subscrito (artigo 30._), a amortização do capital subscrito sem redução deste [artigo 35._, alínea a)], a amortização forçada de acções [artigo 36._, n._ 1, alínea e)] e a remição de acções remíveis [artigo 39._, alínea h)]. A terceira directiva do Conselho sobre o direito das sociedades (18) exige a publicação, nos termos do artigo 3._ da primeira directiva, de diversas operações ligadas a projectos de fusão e de aquisição: v. os artigos 6._ e 18._ A quarta (19) e a sétima (20) directiva exigem a publicação das contas anuais das sociedades e dos grupos de sociedades, assim como do relatório de gestão e do relatório elaborado pela pessoa encarregada do controlo das contas: v. o artigo 47._ da quarta directiva e o artigo 38._ da sétima directiva. O artigo 16._ da sexta directiva (21) exige que sejam publicadas as cisões de sociedades. A décima primeira directiva (22) fixa exigências em matéria de publicidade da sucursal criada num Estado-Membro por uma sociedade regulada pelo direito de outro Estado-Membro. O artigo 3._ da décima segunda directiva (23) sujeita as sociedades unipessoais a publicidade.

34 Parece-me que as operações deste tipo, impostas pelo direito comunitário ou pelo direito nacional, se enquadram no âmbito dos termos do acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, já citados supra no n._ 8. Podem ser consideradas como prestação de serviços às sociedades, no interesse geral, pelas autoridades encarregadas da inscrição no registo.

35 Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional nacional interroga o Tribunal de Justiça acerca de três actividades específicas: as outras tarefas da direcção, como os trabalhos preparatórios em matéria de legislação no âmbito do direito das sociedades; o registo de outros actos relativos às sociedades pelos quais não é cobrado qualquer direito específico; a revisão das contas das sociedades e o controlo da respectiva contabilidade.

36 Não penso que as actividades mais gerais da direcção ou do Ministério do Comércio e da Indústria no âmbito do direito das sociedades, como as tarefas administrativas que vão além da mera actualização do registo das sociedades, do acompanhamento das actividades comunitárias e da realização de trabalhos preparatórios sobre nova legislação, possam ser considerados um serviço pelo qual podem ser cobrados direitos com carácter remuneratório, nos termos do artigo 12._, n._ 1, alínea e). Tais actividades não implicam a prestação de serviços específicos às sociedades individuais, como exige o acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, mas fazem parte, pelo contrário, da actividade geral do governo.

37 Por outro lado, é evidente que os serviços prestados pela direcção às sociedades individuais abrangem uma série de tarefas para as quais não se exige qualquer direito específico. Parece que a direcção só cobra um direito por ocasião do primeiro registo e do registo dos aumentos de capital. Como já vimos acima (24), as autoridades encarregadas da inscrição no registo têm o dever de velar pelo respeito de numerosos outros requisitos em matéria de inscrição no registo e de publicidade. Como explicarei mais adiante (25), considero que um Estado-Membro tem a possibilidade de limitar os direitos que cobra às operações mais importantes e de repercutir os custos de tarefas menores, executadas no âmbito da actualização do registo, sobre os direitos com carácter remuneratório cobrados por tais operações.

38 No que diz respeito, mais em especial, ao controlo das contas e dos documentos contabilísticos, deve recordar-se que o artigo 51._, n._ 1, da quarta directiva sobre o direito das sociedades (26) estabelece uma obrigação de controlo para as sociedades (salvo no que respeita às sociedades de muito reduzida dimensão). A oitava directiva (27) fixa regras relativas à qualificação das pessoas ou empresas que podem ser habilitadas pelos Estados-Membros para efectuar a fiscalização legal das contas. Pode considerar-se que tal fiscalização, que é também parcialmente efectuada no interesse geral e mediante remuneração paga ao revisor, abrange o exame das contas e dos documentos contabilísticos da sociedade, tendo em vista garantir que dão uma imagem fiel do estado dos negócios da sociedade e que estão em conformidade com a prática contabilística em vigor e com as exigências legais ou da Bolsa.

39 Nestas circunstâncias, parece-me que as autoridades de um Estado-Membro não devem cobrar direitos complementares a uma sociedade por um trabalho que constitua uma duplicação em relação a outro já efectuado por um revisor autorizado por esse mesmo Estado. Isto aplica-se em especial às verificações relativas à contabilidade corrente da sociedade. Estou, porém, disposto a aceitar a ideia de que a administração encarregada da inscrição no registo que, como salienta o Governo dinamarquês, tem a responsabilidade final de velar para que os requisitos em matéria de registo e de publicidade dos actos sejam cumpridos, tenha o direito de fiscalizar as contas já verificadas que lhe sejam apresentadas, de modo a garantir que respeitam as diversas exigências em matéria de publicidade resultantes do direito nacional e do direito comunitário (em especial da quarta e sétima directivas do Conselho) e de cobrar um direito adequado por esse trabalho.

O cálculo do custo dos serviços

40 Resulta com toda a clareza do n._ 41 do acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni que os direitos com carácter remuneratório devem ser calculados com base no custo real dos serviços específicos em causa. No n._ 42, o Tribunal de Justiça acrescentou que um Estado-Membro não pode exigir o pagamento de uma retribuição cujo montante «não tenha qualquer relação com o custo desse serviço específico ou cujo montante seja calculado não em função do custo da operação de que é a contrapartida, mas em função do conjunto dos custos de funcionamento e investimento do serviço encarregado dessa operação».

41 Decorre com toda a clareza deste excerto que os direitos devem reflectir os custos dos serviços específicos e não podem ser utilizados para financiar as despesas gerais administrativas do serviço em questão. A este respeito, a referência do Governo dinamarquês ao acórdão Corbeau (28) não é pertinente. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça tinha admitido, no âmbito do artigo 90._ do Tratado, que era legítimo proteger o titular de certas missões de interesse geral, como a prestação de serviços postais, da concorrência nos sectores economicamente rentáveis do seu domínio de actividade a fim de lhe permitir alcançar um equilíbrio económico, mediante uma compensação entre os sectores de actividade rentáveis e os sectores menos rentáveis (29). A razão de ser desse princípio é evidente. Se não houvesse restrições à concorrência, os empresários privados, que não estão sujeitos às mesmas obrigações que o titular da missão de serviço público, estariam em condições de oferecer tarifas mais vantajosas do que as praticadas por este último nos sectores rentáveis, apenas lhe deixando as actividades menos rentáveis (30). Esta regra, que toma em consideração as diversas estruturas de custos dos diferentes sectores de actividade económica do titular de uma missão de serviço público, não se aplica às actividades da direcção. Os eventuais lucros que esta obtenha com o registo das sociedades não devem ser utilizados para subsidiar outros sectores menos rentáveis da actividade económica, mas sim para financiar despesas da administração. Na medida em que sejam superiores aos custos de inscrição no registo, os direitos cobrados pela direcção têm, por conseguinte, uma natureza mais próxima de uma taxa do que de um direito com carácter remuneratório que corresponda a determinados serviços específicos.

42 A afirmação do Tribunal de Justiça, já citada, proferida no acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, segundo a qual os direitos não deveriam basear-se «no conjunto dos custos de funcionamento e investimento do serviço [em causa]» foi talvez formulada a propósito de uma sugestão do Governo italiano de que os direitos poderiam ser fixados a um nível que permitisse financiar a totalidade do mecanismo de publicidade dos documentos. Como assinalei nas conclusões que apresentei nesse processo, os únicos custos que podem ser tomados em consideração aquando da fixação do nível dos direitos são os custos administrativos originados pelos registos em questão (incluindo, acrescente-se, a publicação no boletim nacional designado). Os outros custos do sistema, em especial os que decorrem do fornecimento de cópias de documentos aos particulares, não podem ser cobrados enquanto tais às sociedades, mas devem ser financiados através de outros meios, como, por exemplo, através de um encargo a suportar pelos beneficiários dessas informações, como é expressamente permitido pelo artigo 3._, n._ 3, da directiva (31).

43 O presente caso, em especial a segunda questão do órgão jurisdicional nacional, exige que o Tribunal de Justiça vá um pouco mais além do que no acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni e dê orientações mais pormenorizadas sobre o modo como os custos da administração encarregada do registo devem ser calculados. Convém, a meu ver, basear o cálculo dos custos relevantes nos princípios geralmente admitidos em matéria de contabilidade analítica. Por outras palavras, os direitos remuneratórios devem reflectir os custos directos e os encargos gerais da administração imputáveis aos serviços em causa. Assim, esses custos podem incluir, além dos custos materiais directos e dos custos relativos aos salários e às contribuições para a segurança social do pessoal que executa tais operações, uma parte dos encargos gerais da administração, como as despesas de iluminação e de aquecimento, as despesas de gestão do pessoal, de funcionamento e desenvolvimento da informática, as rendas das instalações ou a respectiva amortização, a amortização de outros activos fixos, como o mobiliário e os equipamentos, etc. A quota-parte desses custos que é imputável às operações de inscrição no registo deveria, sempre que possível, ser determinada por afectação directa, por exemplo, mediante a identificação da renda devida pelas instalações utilizadas especificamente pelos serviços em questão. Quando os custos se referem aos serviços de registo ou a outras actividades, como os trabalhos preparatórios em matéria de legislação, será necessário proceder a um cálculo proporcional com base em critérios apropriados, como o do pessoal empregado nos diferentes tipos de actividades, da dimensão das instalações utilizadas, do tempo de utilização dos computadores, etc.

44 As rubricas mais específicas que foram mencionadas pelo órgão jurisdicional nacional na sua segunda questão, como as missões oficiais, o pagamento de juros e de amortizações, os custos de actividades externas de carácter informativo em matéria de direito das sociedades, devem ser excluídas do cálculo, na medida em que não estejam directamente relacionadas com o trabalho específico de inscrição no registo ou de arquivo. Por outro lado, as imposições cobradas poderiam, segundo penso, incluir legitimamente o custo das publicações directamente ligadas aos serviços de inscrição no registo e de arquivo, como, por exemplo, os guias relativos às formalidades de publicidade necessárias que são destinados aos dirigentes das sociedades.

45 Aceito a ideia do Governo dinamarquês segundo a qual, no interesse de uma gestão simples, a direcção deveria ter a faculdade de limitar os direitos cobrados às operações mais importantes e de repercutir os custos dos serviços comparativamente menos importantes (como as alterações no registo das inscrições relativas à sede social ou à administração) sobre os direitos que cobra pelos registos principais. A opinião contrária exigiria que a direcção cobrasse direitos individuais por cada serviço executado, por mais ínfimo que fosse.

46 Contrariamente ao que afirmam as autoras no processo principal, bem como a Comissão, não penso, no puro plano dos princípios, que um direito proporcional ao aumento do capital tenha necessariamente menos relação com os custos de cada um dos serviços do que um direito de taxa fixa. Se se demonstrasse que, em média, os custos do registo aumentam, até certo ponto, em proporção do aumento do capital, a introdução de um elemento proporcional nos direitos totais poderia redundar numa tabela de taxas mais justa.

47 No entanto, embora esteja disposto a aceitar que o registo da constituição das grandes sociedades anónimas e das grandes emissões de acções, eventualmente ligados a uma fusão ou a uma reestruturação, podem exigir mais do que a média de tempo necessário para os registos em geral, duvido que o custo dessas operações e o montante do capital subscrito aumentem em proporção directa. O Governo dinamarquês reconhece-o implicitamente, quando dá a entender que a sua tabela de taxas introduz um certo grau de solidariedade entre as grandes e as pequenas sociedades. Como a Norsk Hydro e a Tryg-Baltica Forsikring salientaram na audiência, esta solidariedade é dificilmente conciliável com a afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni segundo a qual, embora os Estados-Membros possam estabelecer montantes diferentes para o registo das sociedades anónimas e das sociedades por quotas, «nenhum dos montantes exigidos, para cada um dos tipos de sociedade [deveria exceder] o custo da operação de registo». Contrariamente ao que sugere o Ministério dinamarquês, não penso que a decisão proferida no acórdão Corbeau, já citado, tenha relevância para aqui. Diferentemente, por exemplo, de uma estação de correios, que tem de prestar serviços não rentáveis à população das redondezas, não existe nenhuma razão especial que impeça a direcção de fixar as suas taxas de modo a cobrir os custos dos diferentes serviços oferecidos às empresas de diferentes dimensões. Isso deve, porém, ser ponderado por oposição ao direito de uma conservatória de registo de fixar as suas taxas de modo razoável com base nos custos médios.

48 Seja como for, é claro, no presente caso, que o direito proporcional vai além da aplicação de um princípio de solidariedade. A inexistência de uma relação directa entre os custos do registo e o montante do capital subscrito, o elevado nível do direito proporcional (4 DKR por 1 000 DKR) e a ausência de qualquer limite máximo para esses direitos conduziram inevitavelmente, durante o período em causa, à cobrança de direitos que, no total, foram superiores aos custos totais dos serviços prestados às sociedades. Isto é confirmado pelos excedentes apresentados nos quadros que constam do despacho de reenvio. Se posso admitir que excedentes reduzidos ou excepcionais podem ser necessários para cobrir eventuais encargos futuros em matéria de pensões de reforma (consoante o sistema de financiamento das pensões), revalorizar as reservas de amortização, substituir activos fixos ou cobrir défices em outros exercícios, os importantes e repetidos excedentes apresentados nos quadros do Tribunal de Contas ou da direcção são dificilmente compatíveis com a afirmação de que a direcção se limitava simplesmente a cobrir as suas despesas. Além disso, resulta do despacho de reenvio que o Tribunal de Contas chegou à conclusão de que os direitos cobrados pela direcção ultrapassavam de longe os seus custos (que incluem, na realidade, o custo de certas actividades que não podem ser consideradas serviços prestados às sociedades).

49 No entanto, é ao órgão jurisdicional nacional que cabe, em última análise, à luz dos critérios acima expostos e dos números de que dispõe, determinar o montante dos custos da direcção que podem ser legalmente repercutidos sobre as autoras no processo principal, bem como o montante de qualquer restituição que seja devida.

50 No que respeita à terceira questão do órgão jurisdicional nacional, é claro, à luz do acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, que um Estado-Membro tem o direito de cobrar direitos de taxa fixa quando o custo de certos serviços específicos for difícil de determinar. Parece-me que assim acontece normalmente, já que a fixação individual dos custos será dificilmente praticável no caso de um registo das sociedades responsável pelo tratamento de um grande número de operações relativamente diminutas. Os Estados-Membros têm, no entanto, o dever de rever as suas taxas periodicamente, talvez mesmo de dois em dois ou de três em três anos, a fim de garantirem que reflectem os custos das operações em causa.

51 Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se as restituições, eventualmente a efectuar, devem ser calculadas partindo do princípio de que a taxa deve reflectir o custo do serviço específico no momento em que foi prestado, ou se o cálculo se deve basear numa avaliação global relativa a um período mais longo, por exemplo um ano de exercício contabilístico ou o período dentro do qual é possível, segundo o direito nacional, intentar uma acção de repetição do indevido.

52 Em meu entender, é adequado deixar ao órgão jurisdicional nacional a incumbência de apreciar da melhor maneira possível o montante de qualquer eventual restituição que seja devida à luz dos números de que disponha. O órgão jurisdicional nacional pode basear o seu cálculo no custo real, para a autoridade encarregada do registo, dos serviços específicos prestados a cada sociedade, ou, se isso não for possível, no custo médio dos serviços na - ou perto da - data relevante ou, se necessário, ao longo de um período mais longo. Se a restituição se basear no custo médio, pode ser conveniente que o órgão jurisdicional nacional, se o puder fazer, reajuste os números, de modo a tomar em consideração as diferenças de custos existentes entre as operações de maior e de menor valor.

Quanto às sexta e sétima questões

53 Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o direito comunitário o impede de indeferir os pedidos de restituição com base no facto de a cobrança ter tido lugar em aplicação de regras que estiveram em vigor durante muito tempo e que todos os interessados tinham considerado legítimas. A sétima questão do órgão jurisdicional nacional tem por finalidade determinar se o prazo de caducidade para intentar a acção pode começar a correr antes de a directiva ter sido devidamente transposta.

54 Esta última questão é inspirada pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo Emmott (32), que tinha por objecto a directiva relativa à igualdade de tratamento (33). Nesse processo, as autoridades irlandesas recusaram conceder à Sr.a Emmott prestações uniformes nos termos da directiva antes de 28 de Janeiro de 1988, embora esta devesse ter sido transposta o mais tardar em 23 de Dezembro de 1984. A Sr.a Emmott intentou uma acção judicial para obter prestações uniformes a partir de 23 de Dezembro de 1984. As autoridades irlandesas contestaram afirmando que a demandante não havia apresentado o seu pedido no prazo de três meses a partir da data em que os fundamentos do pedido se tinham concretizado, como exigia o direito irlandês. O Tribunal de Justiça decidiu, no entanto, que:

«Efectivamente, enquanto a directiva não for correctamente transposta para direito nacional, os cidadãos não têm possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos. Essa situação de incerteza para os particulares subsiste mesmo após um acórdão no qual o Tribunal de Justiça tenha considerado que o Estado-Membro em causa não cumpriu as obrigações decorrentes da directiva e mesmo que este Tribunal tenha reconhecido que alguma ou algumas disposições da directiva são suficientemente precisas e incondicionais para poderem ser invocadas perante um órgão jurisdicional nacional.

Só a transposição correcta da directiva porá fim a esse estado de incerteza e só no momento dessa transposição é que fica criada a segurança jurídica necessária para exigir aos cidadãos que façam valer os seus direitos.

Daqui decorre que, enquanto a directiva não estiver correctamente transposta, o Estado-Membro não pode invocar a extemporaneidade de um pedido apresentado por um particular com vista à protecção dos direitos que lhe são reconhecidos pelas disposições da directiva e que um prazo processual nacional só pode começar a correr a partir desse momento» (34).

55 Os Governos dinamarquês, francês, italiano e do Reino Unido consideram que o princípio acima formulado é demasiado amplo, na medida em que tem como consequência impor aos Estados-Membros uma responsabilidade retroactiva quase ilimitada. A Norsk Hydro e Tryg-Baltica, a Alka Forsikring e o., bem como a Comissão, defendem que o Tribunal de Justiça se deve ater à doutrina do seu acórdão Emmott, de modo que o prazo de prescrição de cinco anos só começou a correr em 1 de Maio de 1992, data em que o Reino da Dinamarca deu execução à directiva, abolindo o direito complementar. Alegam que autorizar um Estado-Membro a invocar os prazos de prescrição num caso como o presente permitir-lhe-ia escapar às consequências da sua própria conduta ilícita e dissuadi-lo-ia de tomar medidas para corrigir as imperfeições da sua legislação.

56 Nas considerações que se seguem explicarei por que razão considero que as críticas dos governos relativamente ao acórdão Emmott são fundadas e demonstrarei que uma interpretação ampla do acórdão Emmott não pode, de modo algum, ser compatível com a jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça. No entanto, mostrarei igualmente, à luz de outras evoluções posteriores na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de propositura de acções judiciais nos órgãos jurisdicionais nacionais, que as preocupações que levaram a Comissão a preferir uma interpretação ampla do acórdão Emmott podem ser inseridas num sistema coerente de acções judiciais que permita estabelecer um justo equilíbrio entre a necessidade de protecção efectiva dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária, incluindo os que resultem das directivas, e os princípios do respeito da autonomia processual nacional e da segurança jurídica. Neste contexto, examinarei, finalmente, as regras dinamarquesas aqui em causa.

As críticas à luz do acórdão Emmott

57 Todos os governos salientaram as vastíssimas consequências financeiras da doutrina do acórdão Emmott. Por exemplo, na audiência o Governo italiano afirmou que, após o acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni, os órgãos jurisdicionais italianos, ao aplicarem a doutrina do acórdão Emmott, tinham afastado a prescrição de três anos estabelecida no direito nacional, expondo o Estado italiano a pedidos de reembolso de montantes muito elevados. Da mesma maneira, o Governo francês chamou a atenção para um acórdão de 9 de Julho de 1996, proferido pela Cour de cassation francesa, que se referiu ao acórdão Emmott e que determinou que a administração fiscal não podia invocar os prazos de prescrição fixados pela lei francesa para obter o indeferimento de pedidos que datavam dos anos 70 baseados no acórdão Bautiaa e Société française maritime (35) do Tribunal de Justiça, do qual resultava que o imposto de registo de 1,2 %, cobrado em França sobre as entradas em bens móveis efectuadas no âmbito de uma fusão, era ilícito.

58 O Governo francês assinalou igualmente que a doutrina do acórdão Emmott, que se baseia nas características específicas das directivas em direito comunitário, tem como resultado paradoxal a concessão de uma maior protecção aos direitos resultantes de directivas do que aos que são conferidos por regulamentos e pelo próprio Tratado.

59 Quanto à fundamentação subjacente ao acórdão Emmott, o Governo francês observa que a afirmação do Tribunal de Justiça, segundo a qual, enquanto uma directiva não for correctamente transposta para direito nacional, os cidadãos não têm possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos, não foi objecto de qualquer fundamentação no acórdão. O Governo francês citou, no entanto, um excerto das conclusões do advogado-geral J. Mischo, em que este alegava que a própria natureza da directiva se opunha à tomada em consideração da data do termo do prazo de transposição como início do prazo de caducidade de três anos aplicável à acção. Afirmou que:

«O princípio de que `o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém' não pode ser oposto aos particulares, tratando-se de uma directiva ainda não transposta. Uma directiva apenas vincula o Estado-Membro; não se dirige aos particulares. Por conseguinte, da directiva enquanto tal não podem resultar obrigações para os particulares (36). Assim, a directiva não pode igualmente servir de ponto de partida para um prazo oponível a estes últimos.

Pode-se igualmente recordar a este propósito que a publicação das directivas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, invocada na audiência pelos requeridos, é fundamentalmente diferente da que se utiliza em relação aos actos obrigatórios para os particulares. Não se trata de uma `publicação legal', com efeitos jurídicos, como no caso dos regulamentos, mas unicamente de uma publicação para informação.

Será aliás interessante assinalar que o texto da directiva publicada não permite aos particulares conhecer exactamente a data-limite para a respectiva transposição. Efectivamente, esse texto apenas menciona a existência de um prazo antes de cujo termo o Estado-Membro, destinatário da directiva, a deverá transpor, bem como o facto de que esse prazo começa a correr na data da notificação da directiva ao Estado-Membro. Ora, essa data não figura na presente directiva e não existe qualquer razão para supor que ela é do conhecimento dos particulares.

Além disso, se é certo que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça num acórdão prejudicial tem efeitos retroactivos uma vez que determina como é que a norma interpretada deveria ter sido entendida desde o início, é igualmente indiscutível que, antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre a questão, não é certo que a directiva, ou um ou outro dos seus artigos, tenha efeito directo» (37).

60 O Governo francês critica a argumentação do advogado-geral por várias razões. Em primeiro lugar, o facto de a directiva não se dirigir aos particulares não impede, segundo o Governo francês, que a sua publicação marque o início do decurso de um prazo de prescrição. O Governo francês refere-se por analogia às decisões da Comissão em matéria de auxílios de Estado, as quais, embora dirigidas aos Estados-Membros, devem ser impugnadas no Tribunal de Primeira Instância pela empresa beneficiária do auxílio ou pelos seus concorrentes no prazo de dois meses após a sua publicação.

61 Em segundo lugar, defende que não tem qualquer interesse saber se a publicação de uma directiva corresponde a uma obrigação jurídica imposta pelo Tratado. O que importa é saber se ela foi efectivamente publicada. As directivas são, na prática, sistematicamente publicadas há muitos anos, e o artigo 191._ do Tratado, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Tratado da União Europeia, exige agora a publicação da maior parte das directivas.

62 Em terceiro lugar, o Governo francês não ficou convencido com o argumento segundo o qual nem sempre uma directiva dá a conhecer com toda a clareza em que momento é que o prazo de transposição, que começa a correr a partir da data de notificação ao Estado-Membro, chega ao seu termo. O Governo francês sustenta que, nessas hipóteses, que são raras, a data de adopção da directiva constituirá um indício que se pode considerar razoavelmente adequado e que um órgão jurisdicional nacional, ao aplicar um prazo de caducidade, pode tomar em consideração qualquer incerteza que exista quanto a esta questão.

63 Finalmente, o Governo francês considera que o facto de não haver certeza sobre a questão de saber se uma disposição tem ou não efeito directo não isenta um particular da obrigação de dar mostras de diligência e de tomar as medidas necessárias para a salvaguarda dos seus direitos. O Governo francês observa, além disso, que a mesma dúvida pode existir no que diz respeito a uma disposição do Tratado.

64 Embora pense, como explicarei mais adiante, que a solução do acórdão Emmott pode ter justificação, faço minhas as reservas dos governos quanto à formulação ampla da decisão em causa.

65 Como afirma o Governo francês, não resulta claramente do acórdão quais foram os motivos exactos que levaram o Tribunal de Justiça a considerar que enquanto uma directiva não for correctamente transposta os cidadãos não têm possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos. Pelas razões que foram expostas pelo Governo francês, não penso, em primeiro lugar, que se possa considerar que um particular ignora a existência de uma directiva tão-somente por ela não ter sido transposta para o direito nacional. As anomalias salientadas pelo advogado-geral J. Mischo, nomeadamente a inexistência de uma obrigação de publicação e o facto de a data final de execução de uma directiva nem sempre resultar inteiramente claro da própria directiva, provinham do facto de as normas relevantes do Tratado e de a prática do legislador comunitário não reflectirem, nessa altura, o valor eminente que o Tribunal de Justiça atribuía às directivas na sua jurisprudência, ou seja, o de instrumentos que conferem direitos que os particulares podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Seria algo paradoxal invocar tais anomalias - que, de qualquer modo, estão actualmente corrigidas (38) - para apoiar a conclusão - em si mesma paradoxal - de que os direitos decorrentes das directivas deveriam ser objecto de maior protecção do que aqueles que derivam do próprio Tratado ou de actos directamente aplicáveis por força do Tratado.

66 Além disso, a ideia de que enquanto uma directiva não for correctamente transposta os cidadãos não têm nunca possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos, é, em meu entender, difícil de conciliar com os requisitos do efeito directo das directivas. O efeito directo de uma disposição de uma directiva pressupõe que o conteúdo fundamental do direito conferido seja suficientemente claro (ou, pelo menos, determinável em juízo) para ser protegido pela ordem jurídica nacional. É incoerente admitir que uma disposição é suficientemente clara para criar direitos a favor dos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais e, ao mesmo tempo, isentar os mesmos particulares dos prazos fixados no direito interno para o exercício de tais direitos, com o fundamento de que os direitos que lhes são conferidos são insuficientemente claros. Isto conduz ao resultado inevitável e totalmente anormal que já mencionei, que consiste em atribuir um estatuto privilegiado às directivas em comparação com outras regras comunitárias, mesmo de nível hierárquico superior. O reconhecimento do efeito directo das directivas tinha certamente em vista assegurar que, não obstante uma transposição deficiente desses actos, os direitos que pretendiam atribuir beneficiassem do mesmo grau de protecção perante os órgãos jurisdicionais nacionais que os que resultam do direito comunitário directamente aplicável.

67 Como quer que seja, tenho dúvidas que um particular esteja menos seguro quanto aos seus direitos no caso de uma directiva não transposta do que no caso de uma disposição do Tratado. Embora não careçam de transposição para direito interno, as disposições do Tratado, que, por natureza, estão formuladas em termos amplos, deixam muitas vezes uma margem considerável de incerteza quanto à extensão dos direitos que conferem, eventualmente, aos particulares.

68 Os argumentos dos governos relativos às consequências financeiras do acórdão Emmott suscitam igualmente uma importante questão de princípio. Como sublinham com razão, a doutrina do acórdão Emmott, se fosse tomada à letra, exporia os Estados-Membros ao risco de reclamações a partir da data-limite para a transposição da directiva. Por exemplo, tornaria possível intentar acções com fundamento na Directiva 69/335, que deveria ter sido transposta o mais tardar em 1 de Janeiro de 1972, relativamente aos últimos 25 anos, não obstante os prazos de prescrição fixados pelos direitos nacionais.

69 Além disso, esta responsabilidade existe mesmo em caso de violação mínima ou negligente. Esta solução ignora totalmente o equilíbrio que deve ser mantido em qualquer ordem jurídica entre os direitos dos particulares, por um lado, e o interesse geral, que pressupõe uma certa segurança jurídica para o Estado, por outro lado. Isto aplica-se em especial em matéria de fiscalidade e de segurança social, em que as autoridades públicas assumem a responsabilidade especial de aplicar dia a dia a legislação fiscal e de segurança social a um grande número de casos.

70 A margem de erro na aplicação desta legislação é considerável. Infelizmente, isto acontece em especial no caso da legislação comunitária, que está muitas vezes redigida de maneira bastante imprecisa. Por exemplo, a disposição em causa no processo Ponente Carni e Cispadana Costruzioni e no presente processo dificilmente pode considerar-se um modelo de clareza: a directiva não dá nenhuma indicação quanto ao sentido da expressão «direitos com carácter remuneratório» nem quanto ao modo como devem ser calculados. Os recentes processos Argos (39) e Elida Gibbs (40) fornecem outro exemplo de pedidos de restituição de montantes consideráveis que podem ser causados por um erro relativamente mínimo (41) na transposição de uma directiva fiscal comunitária. Nesses processos, o Tribunal de Justiça considerou que o tratamento fiscal concedido no Reino Unido às transacções através de vales - amplamente utilizadas neste Estado-Membro como técnica de promoção comercial - não era conforme à Sexta Directiva IVA. Os pedidos de restituição que daqui resultam são, ao que se diz, da ordem de 200 a 400 milhões de UKL (42).

71 Poderia objectar-se que não é insensato exigir que os Estados-Membros restituam os encargos indevidamente cobrados, dado que originariamente não tinham o direito de os cobrar. Todavia, esta posição não toma em consideração a necessidade de os Estados e os organismos públicos planificarem as suas receitas e despesas e velarem para que os seus orçamentos não sejam perturbados por importantes dívidas não previstas. Esta necessidade era especialmente nítida no processo Denkavit e o. (43), no qual estavam em causa pedidos de restituição de contribuições anuais instituídas pelas Câmaras de Comércio e Indústria neerlandesas para o financiamento das suas actividades. Como assinalei nas conclusões que apresentei nesse processo, os pedidos de restituição das contribuições pagas durante os últimos vinte anos teriam consequências muito graves para as finanças das Câmaras de Comércio e Indústria (44).

72 Em resumo, por conseguinte, as minhas principais reticências quanto a uma interpretação ampla do acórdão Emmott residem no facto de ela ignorar a necessidade, reconhecida por todos os sistemas jurídicos, de uma certa segurança jurídica para o Estado, em especial quando se trata de infracções relativamente menores ou simplesmente negligentes; essa interpretação vai além do que é necessário para conceder uma protecção eficaz às directivas; e coloca os direitos resultantes das directivas numa situação indevidamente privilegiada em comparação com as outras fontes de direito comunitário. Além disso, uma interpretação ampla não é compatível com a jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça em matéria de prazos.

Jurisprudência posterior em matéria de prazos

73 Resulta dos acórdãos Steenhorst-Neerings (45) e Johnson (46) que a doutrina do acórdão Emmott não impede que sejam invocadas as regras que limitam o efeito retroactivo das acções. Poder-se-ia pensar que esses prazos se distinguem dos prazos de procedimento judicial, como o prazo de três meses para apresentar uma «judicial review» (fiscalização jurisdicional) no processo Emmott; estes últimos constituem uma causa absoluta de caducidade, ao passo que os primeiros mais não fazem do que limitar o âmbito do pedido: v. o n._ 21 do acórdão Steenhorst-Neerings.

74 Como explicarei mais adiante (47), os acórdãos proferidos nos processos Steenhorst-Neerings e, em especial, Johnson sugerem, no entanto, que, no acórdão Emmott, era a aplicação do prazo nas circunstâncias específicas desse caso que privava a Sr.a Emmott da oportunidade de fazer vingar em juízo os direitos resultantes da directiva. Além disso, tenho dúvidas sobre se é ou não possível traçar uma distinção geral do tipo mencionado entre as duas espécies de prazos. Por exemplo, um prazo de cinco anos para intentar uma acção, se aplicado em matéria de taxas ou de prestações periódicas, poderia ser igualmente considerado como uma regra que limita o efeito retroactivo da acção a cinco anos. Inversamente, uma regra como a que estava em causa no processo Johnson, que limita o direito às prestações a um período que não pode exceder doze meses antes da propositura da acção, pode ser igualmente considerado um prazo de caducidade que impede a propositura de uma acção relativa a um determinado período passados que sejam doze meses sobre esse período; embora, na maioria dos casos, a aplicação desse prazo reduza somente o montante das prestações pagas, levará ao indeferimento total do pedido sempre que o direito à prestação se tenha extinguido doze meses antes da propositura da acção.

75 Certos prazos têm uma natureza híbrida. Por exemplo, o direito do Reino Unido fixa em geral prazos relativamente curtos para recorrer dos avisos de cobrança e de liquidação de impostos actuais, ao passo que autoriza paralelamente o contribuinte a intentar uma acção relativamente a exercícios anuais anteriores com fundamentos mais limitados (48). Este último tipo de prazo, embora formulado como um prazo que limita o efeito retroactivo das acções, pode ser igualmente considerado como uma extensão do prazo de procedimento judicial, mas com fundamentos mais limitados.

76 Seja como for, como sublinhei nas conclusões que apresentei no processo Denkavit e o., a fundamentação do Tribunal de Justiça no acórdão Emmott, em especial a ideia de que enquanto uma directiva não for correctamente transposta os cidadãos não têm nunca possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos, impediria, se fosse entendido sem qualquer limitação, que os Estados-Membros fizessem jogar qualquer dos dois tipos de prazos referidos. Ambos permitem que um Estado-Membro, não obstante a incerteza para o particular, indefira pedidos relativos a períodos em que uma directiva não tenha sido correctamente transposta.

77 Além disso, o processo BP Supergas (49) dizia respeito a um tipo de prazo semelhante ao que estava em causa no processo Emmott, ou seja, um prazo de procedimento judicial de três anos fixado pelo direito grego e, no entanto, o Tribunal de Justiça, embora referindo o acórdão Emmott, não deu a entender que a decisão proferida nesse acórdão impedia que se invocasse um prazo na falta de transposição correcta da Sexta Directiva IVA.

Jurisprudência recente em matéria de responsabilidades dos Estados

78 As questões suscitadas pelo acórdão Emmott não podem, porém, ser apreciadas de maneira isolada. É necessário, para averiguar da adequação da protecção dos direitos comunitários, em especial dos que resultam das directivas, tomar igualmente em consideração as evoluções mais recentes da jurisprudência, em especial a série de processos que começou com o acórdão Francovich e o. (50), no qual o Tribunal de Justiça reconheceu aos particulares o direito de pedirem a reparação a um Estado-Membro dos prejuízos causados pela não transposição de uma directiva. Durante os últimos meses, o Tribunal de Justiça proferiu dois outros acórdãos em matéria de responsabilidade que têm uma relevância especial para o presente processo.

79 No acórdão Comateb e o. (51), o Tribunal de Justiça decidiu que um Estado-Membro podia, sob certas condições, recusar-se a restituir impostos cobrados em violação do direito comunitário com o fundamento de que essa restituição implicaria para o operador económico um enriquecimento sem causa. No âmbito de acções de restituição, um órgão jurisdicional nacional pode, se as normas do direito interno o permitirem, tomar em consideração o prejuízo sofrido pelo operador sob a forma de lucro cessante, de modo a excluir, no todo ou em parte, o enriquecimento sem causa. O Tribunal de Justiça reconheceu igualmente o direito de o operador intentar uma acção de indemnização distinta, sem prejuízo das condições estabelecidas no acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame (52), nos órgãos jurisdicionais competentes, de acordo com as vias processuais adequadas de direito nacional, a fim de obter a reparação dos prejuízos sofridos devido à cobrança do imposto indevido, e isto independentemente da questão da repercussão ou não do mesmo imposto.

80 No processo Sutton (53), o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 6._ da directiva relativa à igualdade de tratamento não impõe a um Estado-Membro o pagamento de juros sobre quantias pagas a título de retroactivos de prestações de segurança social, como um subsídio de invalidez, quando o atraso no pagamento das prestações for devido a uma discriminação proibida pela directiva. O Tribunal de Justiça distinguiu esta hipótese do seu acórdão Marshall II (54), no qual julgou que a indemnização por despedimento discriminatório não podia excluir factores, como o tempo decorrido, que poderiam reduzir o seu valor; em tal caso, os juros constituíam um elemento essencial da indemnização. Em contrapartida, as importâncias a pagar sob a forma de retroactivos de prestações de segurança social não constituíam de modo algum a indemnização de uma perda ou de um dano do tipo dos que estavam em causa no acórdão Marshall II. No entanto, o Tribunal de Justiça salientou que a Sr.a Sutton poderia ter intentado uma acção de indemnização se as condições estabelecidas no acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame estivessem preenchidas. Era ao órgão jurisdicional nacional que cabia verificar se assim era e fixar o montante dos prejuízos.

81 Assim, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça admitiu que as acções de restituição ou reintegração do direito intentadas contra as autoridades do Estado, por um lado, e as acções de indemnização contra o Estado, por outro, podem coexistir como vias processuais independentes em matéria fiscal e de segurança social. As acções de restituição ou de reintegração do direito e as acções de indemnização são acções de natureza distinta, e aquilo que se pode obter através de cada acção pode ser diferente. Por exemplo, os juros dos retroactivos de prestações, que não podem ser obtidos no âmbito de uma acção de reintegração do direito, podem ser obtidos numa acção de indemnização.

82 Parece-me que, em matéria fiscal e de segurança social, um particular deveria poder, quando as condições estabelecidas no acórdão Francovich e o. para uma acção de indemnização estão preenchidas, obter a reparação integral da perda ou do dano sofrido, incluindo o montante do imposto indevidamente pago ou do benefício social recusado (sem prejuízo da dedução de importâncias efectivamente recebidas através de outras acções). A obrigação de limitar a perda ou o dano utilizando outras vias processuais, reconhecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame (55), não tem qualquer relevância no que toca aos aspectos da acção relativos à restituição ou à reintegração do direito, ou seja, quanto ao montante do imposto que foi pago indevidamente ou do benefício recusado. Enquanto a obrigação de limitar o prejuízo se aplica em caso de lucro cessante, a perda correspondente ao imposto indevidamente pago ou ao benefício recusado não pode ser agravada pelo atraso na propositura da acção (56).

83 A existência de uma acção de indemnização totalmente independente, sujeita a um prazo mais longo do que os prazos, relativamente mais curtos, estabelecidos em muitos Estados-Membros para as acções de restituição ou de reintegração, é compatível com a diferente natureza da acção. O seu fundamento não é apenas o enriquecimento sem causa do Estado, em virtude de um simples erro na aplicação diária de uma regulamentação técnica, mas sim uma violação grave dos direitos individuais, que exige que se proceda a uma reapreciação do equilíbrio entre esses direitos e o interesse geral de uma certa segurança jurídica para o Estado.

84 Este modo de proceder apresenta uma série de vantagens. Garante uma ampla protecção dos direitos individuais no âmbito das vias processuais e dos prazos existentes, e torna desnecessário afastar os prazos prescritos pelos direitos nacionais para as acções de restituição ou de reintegração. Estabelece um justo equilíbrio entre os direitos individuais e o interesse geral na segurança jurídica; em especial, toma devidamente em consideração o grau de culpa do Estado na não execução correcta de uma directiva e permite que as acções sejam devidamente diferenciadas e intentadas perante os órgãos jurisdicionais apropriados, em conformidade com os requisitos substantivos e processuais aplicáveis, em especial no que toca aos prazos. Além disso, além de não conceder um tratamento injustamente privilegiado aos direitos resultantes das directivas comunitárias, este modo de proceder constitui, no entanto, um importante incentivo para que os Estados-Membros transponham as directivas a tempo e desenvolvam todos os esforços para o fazer correctamente; também os encoraja a reparar sem demora qualquer inexactidão que se possa revelar, por exemplo, em virtude de um acórdão do Tribunal de Justiça.

O alcance do acórdão Emmott

85 Um elemento importante no processo Emmott era que se afiguraria injusto, nas circunstâncias específicas do caso concreto, permitir que as autoridades irlandesas invocassem o prazo fixado pelo direito nacional. Como assinalei nas conclusões que apresentei no processo Denkavit e o. (57), o Tribunal de Justiça, nos acórdãos Steenhorst-Neerings e Johnson, insistiu nas circunstâncias seguintes: a Sr.a Emmott tinha reclamado o pagamento das prestações em questão baseando-se no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo McDermott e Cotter (58). As autoridades administrativas tinham recusado pronunciar-se sobre o seu pedido até ser proferida decisão no litígio respeitante à directiva, que estava pendente nos tribunais nacionais; e as autoridades tinham procurado invocar o prazo não obstante a directiva não ter sido correctamente transposta.

86 Por conseguinte, como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão Johnson (59), «a solução prevista no acórdão Emmott era justificada pelas circunstâncias específicas desse processo, nas quais a caducidade levava a privar totalmente a recorrente no processo principal da possibilidade de alegar o seu direito à igualdade de tratamento por força da directiva».

87 Encontram-se decisões semelhantes, baseadas nos princípios da equidade e da boa fé, na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais nacionais (60). Não penso, realmente, que seja necessário elaborar qualquer novo princípio de direito comunitário para explicar a solução do acórdão Emmott. Como sugeri nas conclusões que apresentei no processo Denkavit e o., o acórdão Emmott pode ser considerado uma aplicação, embora nova, dos princípios bem assentes enunciados no acórdão Rewe e na jurisprudência posterior (61), em especial o princípio segundo o qual o exercício de direitos comunitários não deve tornar-se excessiva ou indevidamente difícil. Pode considerar-se que o acórdão estabelece o princípio de que um Estado-Membro não pode invocar um prazo de prescrição quando está em falta porque não transpôs a directiva e porque cria entraves ao exercício de uma via processual baseada nesta directiva, ou talvez quando o atraso com que a via processual foi exercida foi de certa forma causado pelo comportamento das autoridades nacionais. Um elemento adicional no acórdão Emmott, além da falta do Estado-Membro que criava obstáculos ao processo, era que a recorrente se encontrava na posição particularmente desprotegida de uma pessoa dependente de prestações da segurança social.

88 Parece-me que, se for entendido desta maneira, o princípio do acórdão Emmott, se bem que circunscrito a circunstâncias absolutamente excepcionais, continua a constituir uma garantia importante, apesar das últimas evoluções jurisprudenciais que expus acima. Um particular deve poder utilizar todas as vias processuais que estão à sua disposição. A existência de outra acção, como uma acção de indemnização, a intentar nos órgãos jurisdicionais competentes, não pode justificar a obstrução a uma acção de restituição ou de reintegração do direito que um particular procura exercer.

O presente caso

89 No que diz respeito à sétima questão do órgão jurisdicional nacional, sou portanto de opinião que um Estado-Membro tem o direito de invocar um prazo razoável de caducidade fixado pelo direito nacional para se opor a acções judiciais baseadas na directiva comunitária, apesar de não ter havido uma transposição correcta desta. O prazo de caducidade de cinco anos, fixado pelo direito dinamarquês para impugnar as decisões da direcção, parece ser inteiramente razoável e não parece tornar impossível nem indevidamente difícil o exercício dos direitos resultantes da directiva. Também não parece existirem, no presente processo, circunstâncias especiais como as que existiam no acórdão Emmott.

90 O que parece, no entanto, ser mais contestável é o chamado princípio das «imposições florestais», a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere na sua sexta questão, que foi enunciado pelo Højesteret no seu acórdão de 17 de Janeiro de 1899, e cujo nome deriva das imposições controvertidas nesse processo. Este princípio, tal como descrito no despacho de reenvio (as partes estão em desacordo quanto ao seu alcance e efeitos), exige que o órgão jurisdicional nacional, quando decide em matéria de pedidos de restituição de imposições sem a necessária autorização, tome em consideração o facto de a imposição ter sido cobrada por força de regras que estavam em vigor há muito tempo sem que nem as autoridades nem as outras partes se tenham apercebido de que as ditas imposições não tinham sido objecto da necessária autorização.

91 Na medida em que o princípio tem como efeito anular o prazo razoável normalmente fixado pelo direito dinamarquês para impugnar as imposições, torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela directiva, contrariamente aos requisitos enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Rewe e na jurisprudência posterior. O princípio é comparável à regra do Reino Unido, que o Tribunal de Justiça considerou ilícita no acórdão FMC e o. (62). O Tribunal de Justiça declarou que uma norma nacional, segundo a qual uma soma paga a uma autoridade pública na sequência de erro de direito apenas pode ser repetida se esse pagamento tiver sido efectuado sob reserva, não preenche manifestamente essas condições, na medida em que é susceptível de afectar a efectiva protecção dos direitos decorrentes para os operadores interessados da ordem jurídica comunitária (63).

Quanto à oitava questão

92 A última questão consiste em saber se o artigo 10._, alínea c), conjugado com o artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335 confere direitos que os particulares podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais. É claro que esta questão deve receber resposta afirmativa, pois as disposições em causa são incondicionais e suficientemente precisas. Esta resposta está implicitamente contida no acórdão Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (64).

Conclusão

93 Nestas circunstâncias, considero que as questões submetidas pelo Østre Landsret devem obter as seguintes respostas:

«1) A expressão `direitos com carácter remuneratório', que consta do artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designa os direitos com carácter remuneratório que são cobrados para cobrir o custo dos serviços específicos prestados às sociedades pelas autoridades públicas de um Estado-Membro, incluindo certos serviços obrigatórios prestados no interesse geral. Esses serviços incluem a actualização do processo das sociedades no âmbito do registo das sociedades previsto por lei, e a verificação do respeito dos requisitos em matéria de depósito e de publicidade estabelecidos pelo direito comunitário e pelo direito nacional. No que diz respeito mais especificamente à revisão das contas e à fiscalização da contabilidade, um Estado-Membro tem o direito de cobrar direitos para verificar se as contas arquivadas estão em conformidade com as exigências legais ou da Bolsa, mas não tem o direito de cobrar direitos por outras tarefas já efectuadas pelos revisores oficiais. Os serviços em que podem ser cobrados direitos não abrangem as actividades mais gerais, como os trabalhos preparatórios de natureza legislativa no domínio do direito das sociedades.

2) Para calcular o montante dos direitos com carácter remuneratório cobrados como contrapartida desses serviços, o Estado-Membro tem o direito de tomar em consideração todos os custos, incluindo as despesas gerais, que estejam directamente ligados a esses serviços. A afectação dos custos deve fazer-se em conformidade com os princípios geralmente aceites em matéria de contabilidade analítica. Em especial, quando os custos só em parte se relacionem com os serviços em causa, deve ser efectuada uma ponderação razoável, com base em critérios adequados. Os custos relativos aos juros e à amortização, às missões oficiais e à difusão externa de informação só podem ser tomados em consideração na medida em que estejam directamente ligados aos serviços já referidos. Um Estado-Membro pode limitar os direitos às operações importantes e integrar nesses direitos os custos dos serviços relativamente diminutos.

3) Um Estado-Membro tem o direito de estabelecer direitos fixos quando não seja possível proceder à avaliação dos custos individuais dos serviços. Deve, no entanto, rever periodicamente tais direitos, quer sejam fixados numa base forfetária ou contenham um elemento proporcional, a fim de garantir que não ultrapassam os custos médios dos serviços prestados. Um Estado-Membro não pode cobrar, além de um direito forfetário, um direito sem limite máximo que aumente de maneira directamente proporcional ao capital subscrito, quando tal redundar em direitos médios totais que ultrapassem o custo médio dos serviços prestados e em direitos de nível anormalmente elevado para certas sociedades.

4) É adequado deixar ao órgão jurisdicional nacional a incumbência de apreciar da melhor maneira possível o montante de qualquer eventual restituição que seja devida à luz dos números de que disponha. Pode basear o seu cálculo no custo real, para a autoridade encarregada do registo, dos serviços específicos prestados a cada sociedade, ou, se isso não for possível, no custo médio dos serviços na - ou perto da - data relevante ou, se necessário, sobre um período mais longo. Se a restituição se basear no custo médio, pode ser conveniente que o órgão jurisdicional nacional, se o puder fazer, reajuste os números, de modo a tomar em consideração as diferenças de custos existentes entre as operações de maior e de menor valor.

5) O direito comunitário opõe-se ao indeferimento de uma acção de restituição de imposições cobradas em violação da Directiva 69/335, com o fundamento de que a imposição foi cobrada por força de regras que estavam em vigor há muito tempo, sem que nem as autoridades nem as outras partes se tenham apercebido de que as ditas imposições não tinham sido objecto da necessária autorização.

6) O direito comunitário não impede que um prazo de prescrição fixado pelo direito nacional comece a correr antes de um Estado-Membro ter procedido à transposição correcta de uma directiva.

7) O artigo 10._, alínea c), conjugado com o artigo 12._, n._ 1, alínea e), da Directiva 69/335, confere direitos que os particulares podem invocar perante os respectivos órgãos jurisdicionais nacionais ainda que não tenha sido efectuada a transposição correcta da directiva.»

(1) - JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22.

(2) - JO L 156, p. 23; EE 09 F1 p. 171.

(3) - Acórdão de 25 de Julho de 1991 (C-208/90, Colect., p. I-4269).

(4) - Acórdão de 20 de Abril de 1993 (C-71/91 e C-178/91, Colect., p. I-1915).

(5) - N._ 30 do acórdão.

(6) - N.os 37 e 38 do acórdão.

(7) - N.os 41 a 43 do acórdão.

(8) - N._ 44 do acórdão.

(9) - Acórdão de 19 de Maio de 1993 (C-320/91, Colect., p. I-2533).

(10) - Já referido, na nota 4; v., em especial, o n._ 30 do acórdão, resumido supra no n._ 7.

(11) - V., em especial, os n.os 41 a 43 do acórdão, já referidos no n._ 9.

(12) - N.os 37 e 38 do acórdão.

(13) - N.os 41 e 42 do acórdão.

(14) - N._ 43 do acórdão.

(15) - Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3).

(16) - JO 1985, L 302, p. 23.

(17) - Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44).

(18) - Directiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de Outubro de 1978, fundada na alínea g) do n._ 3, do artigo 54._, do Tratado e relativa à fusão das sociedades anónimas (JO L 295, p. 36; EE 17 F1 p. 76).

(19) - Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55).

(20) - Directiva 83/349/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1983, baseada no n._ 3, alínea g), do artigo 54._ do Tratado e relativa às contas consolidadas (JO L 193, p. 1; EE 17 F1 p. 119).

(21) - Directiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1982, fundada no n._ 3, alínea g), do artigo 54._ do Tratado, relativa às cisões de sociedades anónimas (JO L 378, p. 47; EE 17 F1 p. 111).

(22) - Directiva 89/666/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativa à publicidade das sucursais criadas num Estado-Membro por certas formas de sociedades reguladas pelo direito de outro Estado (JO L 395, p. 36).

(23) - Directiva 89/667/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, em matéria de direito das sociedades relativa às sociedades de responsabilidade limitada com um único sócio (JO L 395, p. 40).

(24) - Nos n.os 31 a 35.

(25) - No n._ 45.

(26) - Já referida na nota 19.

(27) - Directiva 84/253/CEE do Conselho, de 10 de Abril de 1984, fundada no n._ 3, alínea g), do artigo 54._ do Tratado CEE, relativa à aprovação das pessoas encarregadas da fiscalização legal dos documentos contabilísticos (JO L 126, p. 20; EE 17 F1 p. 136).

(28) - Já referido na nota 9.

(29) - N._ 17 do acórdão.

(30) - N._ 18 do acórdão.

(31) - N._ 32 das conclusões.

(32) - Já referido na nota 3.

(33) - Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174).

(34) - N.os 21 a 23 do acórdão.

(35) - Acórdão de 13 de Fevereiro de 1996 (C-197/94 e C-252/94, Colect., p. I-505).

(36) - V. o acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colect., p. 723).

(37) - N.os 26 a 29 das conclusões.

(38) - As directivas devem agora ser publicadas, em regra geral, por força do artigo 191._ do Tratado, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo G, n._ 63, do Tratado da União Europeia. A data-limite para a transposição das directivas parece actualmente ser expressamente mencionada ou então ser fixada com referência à data de publicação.

(39) - Acórdão de 24 de Outubro de 1996 (C-288/94, Colect., p. I-5311).

(40) - Acórdão de 24 de Outubro de 1996 (C-317/94, Colect., p. I-5339).

(41) - Pode notar-se que, nas suas conclusões de 27 de Junho de 1996, relativas a estes dois processos, o advogado-geral Fennelly tomou uma posição diferente da que foi adoptada pelo Tribunal de Justiça.

(42) - The Times, 25 de Outubro de 1996.

(43) - Acórdão de 11 de Junho de 1996 (C-2/94, Colect., p. I-2827).

(44) - N._ 64 das minhas conclusões.

(45) - Acórdão de 27 de Outubro de 1993 (C-338/91, Colect., p. I-5475).

(46) - Acórdão de 6 de Dezembro de 1994 (C-410/92, Colect., p. I-5483).

(47) - V. n.os 85 e 86.

(48) - V., por exemplo, a secção 33 do Taxes Management Act 1970.

(49) - Acórdão de 6 de Julho de 1995 (C-62/93, Colect., p. I-1883).

(50) - Acórdão de 19 de Novembro de 1991 (C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357).

(51) - Acórdão de 14 de Janeiro de 1997 (C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165).

(52) - Acórdão de 5 de Março de 1996 (C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029).

(53) - Acórdão de 22 de Abril de 1997 (C-66/95, Colect., p. I-2163).

(54) - Acórdão de 2 de Agosto de 1993 (C-271/91, Colect., p. I-4367).

(55) - N._ 84 do acórdão.

(56) - Os juros relativos ao montante principal traduzem unicamente o facto de o Estado, e não o particular, ter utilizado o dinheiro durante o período em causa; não podem ser considerados um agravamento da perda.

(57) - Já referido na nota 43.

(58) - Acórdão de 24 de Março de 1987 (C-286/85, Colect., p. 1453).

(59) - N._ 26 do acórdão.

(60) - V., em sentido análogo, a sentença do Baden-Württembergischer Verwaltungsgerichtshof de 21 de Outubro de 1992 (Verwaltungsblätter für Baden-Württemberg 1993, 220). O órgão jurisdicional nacional, invocando o princípio da boa fé, aplicável em direito administrativo alemão, afastou o prazo de caducidade fixado pelo direito nacional para interpor recursos de anulação dos actos administrativos, porque a autoridade em causa tinha feito crer aos particulares que estava a reexaminar o processo. V. igualmente, no direito inglês, o acórdão da English Court of Appeal no caso Unilever [1996] COD 421 (no qual foi decidido que constituiria abuso de poder a invocação pelas autoridades fiscais de um prazo de prescrição de dois anos para a reparação de perdas, quando o não tivessem feito antes) e a Order 53 das Rules of the Supreme Court que autoriza uma prorrogação do prazo de três meses para intentar uma acção em caso de «justo motivo» que justifique o atraso do demandante.

(61) - V. os acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe (33/76, Colect., p. 813, n._ 5); de 16 de Dezembro de 1976, Comet (45/76, Recueil, p. 2043, n._ 13, Colect., p. 835); de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n._ 12); Emmott, já referido na nota 3, n._ 16; Francovich e o., já referido na nota 50, n._ 43; Steenhorst-Neerings, já referido na nota 45, n._ 15; Johnson, já referido na nota 46, n._ 21; de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck (C-312/93, Colect., p. I-4599, n._ 12); de 14 de Dezembro de 1995, Van Schijndel e Van Veen (C-430/93 e C-431/93, Colect., p. I-4705, n._ 17), e de 8 de Fevereiro de 1996, FMC e o. (C-212/94, Colect., p. I-389, n._ 71).

(62) - Já referido na nota 61.

(63) - N._ 72 do acórdão.

(64) - V. o n._ 38 das conclusões que apresentei nesse processo, e sobre o artigo 4._, n._ 2, alínea b), da directiva, v. o acórdão de 28 de Março de 1990, Siegen (C-38/88, Colect., p. I-1447).