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Advertência jurídica importante

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61996C0336

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 20 de Novembro de 1997. - Epoux Robert Gilly contra Directeur des services fiscaux du Bas-Rhin. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal administratif de Strasbourg - França. - Artigos 6.º, 48.º e 220.º do Tratado CE - Obrigação de igualdade de tratamento - Convenção bilateral preventiva da dupla tributação - Trabalhadores fronteiriços. - Processo C-336/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02793


Conclusões do Advogado-Geral


1 O tribunal administratif de Strasbourg submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, diversas questões prejudiciais, em que solicita a interpretação dos artigos 6._, 48._ e 220._ do Tratado para decidir os recursos interpostos por Annette e Robert Gilly contra as decisões do directeur des services fiscaux du Bas-Rhin que lhes imputaram as quotizações suplementares ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (a seguir «IRS») relativamente aos anos de 1986, 1988, 1990, 1991, 1992 e 1993.

2 De acordo com a decisão de reenvio do tribunal administratif, R. Gilly tem a nacionalidade francesa e trabalha como professor do ensino oficial em França. A sua esposa, que tinha originalmente a nacionalidade alemã e adquiriu por casamento a nacionalidade francesa, trabalha como professora primária do ensino oficial na Alemanha. O casal reside em França.

3 A tributação de A. Gilly nos termos do IRS está abrangida pelas disposições da convenção de 21 de Julho de 1959, entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha, para evitar a dupla tributação (1) (a seguir «convenção franco-alemã»), pelos protocolos adicionais a essa convenção, de 9 de Junho de 1969 e 28 de Setembro de 1989, bem como pelas disposições da circular 14-B-2-93 da administração fiscal francesa, contendo modalidades de execução.

4 No processo principal, os rendimentos do trabalho assalariado de A. Gilly, pagos pelo Land do Bade-Wurtemberg, foram tributados na Alemanha, como previsto na primeira frase do n._ 1 do artigo 14._ da convenção franco-alemã, visto tratar-se de remunerações públicas e de o respectivo beneficiário possuir a nacionalidade alemã.

5 Para evitar a dupla tributação, a França, durante a vigência do artigo 20._, alínea a), na redacção dada pelo protocolo adicional de 1969, não incluía os rendimentos de A. Gilly na matéria colectável do casal, a eles atendendo contudo para o cálculo da taxa do imposto aplicável aos rendimentos obtidos em França. Após a modificação daquela disposição pelo protocolo adicional de 1989, tais rendimentos passaram a ser também tributados em França, beneficiando contudo, nos termos do impostos pagos no estrangeiro, de um crédito de imposto igual ao montante do imposto francês correspondente a tais rendimentos.

6 Nos seus recursos, os esposos Gilly sustentam que a aplicação das disposições da convenção franco-alemã implica, no caso deles, uma tributação excessiva, injustificada e discriminatória, incompatível com os artigos 3._, alínea c), 6._, 48._, 73._-D e 220._ do Tratado. Concluem pedindo a liberação das quotizações suplementares que lhes foram aplicadas pela administração fiscal francesa e a atribuição a A. Gilly do estatuto fiscal de trabalhador fronteiriço. Subsidiariamente, pedem que seja ordenado que o crédito de imposto concedido em França em função dos impostos pagos no estrangeiro seja igual ao montante efectivo do imposto pago na Alemanha e, se assim não for, que os rendimentos de A. Gilly neste país não sejam tomados em consideração para o cálculo do imposto do casal em França. Por último, reclamam a restituição do imposto indevidamente cobrado.

Questões prejudiciais

7 Por entender que a solução destes recursos depende da interpretação a dar aos artigos 6._, 48._ e 220._ do Tratado, o tribunal administratif de Strasbourg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) ... se o princípio da livre circulação dos trabalhadores, tal como resulta do Tratado de Roma e dos seus textos de aplicação, é ignorado por um regime fiscal, aplicável a trabalhadores fronteiriços, do tipo do previsto na convenção franco-alemã, na medida em que este prevê condições de tributação diferentes para as pessoas cujas remunerações provêm de pessoas de direito público em relação àquelas que são remuneradas por pessoas privadas, sendo assim susceptível de ter influência sobre o acesso a empregos públicos ou privados em função do local de residência, num ou outro Estado...

2) ... sobre a compatibilidade com o princípio da livre circulação e a abolição de qualquer discriminação fundada na nacionalidade de regras segundo as quais os trabalhadores fronteiriços que recebam remunerações do Estado ou de pessoas colectivas de direito público daquele são tributáveis naquele Estado, mas, se tiverem a nacionalidade do outro Estado, sem serem simultaneamente nacionais do primeiro Estado, a remuneração é tributável no Estado em que os trabalhadores fronteiriços residem.

3) ... sobre a compatibilidade com o artigo 7._ do Tratado [convertido no artigo 6._] (2) de regras de direito fiscal que prevêem para os trabalhadores fronteiriços, empregados por pessoas de direito público e residentes num dos Estados-Membros, um regime de tributação diverso, consoante sejam nacionais exclusivamente de um Estado ou tenham dupla nacionalidade.

4) ... se o princípio da livre circulação dos trabalhadores, tal como resulta do Tratado, é ignorado por regras fiscais susceptíveis de influenciar a opção dos professores dos Estados contraentes de exercer a sua profissão de forma mais ou menos duradoura em outro Estado, tendo em conta as diferenças de regime fiscal dos Estados em causa em função da duração do emprego.

5) ... se o objectivo da eliminação da dupla tributação, fixado no artigo 220._ do Tratado, deve ser considerado, tendo em conta os prazos de que os Estados dispuseram para lhe dar execução, como tendo a natureza de norma directamente aplicável, nos termos da qual terá que deixar de existir dupla tributação, e, por outro, sobre se o objectivo de eliminação da dupla tributação atribuído aos Estados-Membros pelo artigo 220._ é ignorado por uma convenção fiscal nos termos da qual o regime fiscal aplicável aos trabalhadores fronteiriços dos Estados parte na convenção varia segundo a sua nacionalidade e a natureza pública ou privada do emprego exercido, e se um regime fiscal de crédito de imposto aplicável a agregados familiares residentes em dado Estado, que não toma em conta o montante exacto do imposto pago em outro Estado, mas apenas um crédito de imposto que pode ser inferior, satisfaz o objectivo atribuído aos Estados-Membros de evitar a dupla tributação.

6) ... se o artigo 48._ deve ser interpretado no sentido de se opor a que os nacionais de determinado Estado-Membro, trabalhadores fronteiriços em outro Estado-Membro, sejam, devido a um mecanismo de crédito de imposto do tipo do previsto na convenção fiscal franco-alemã, tributados de maneira mais pesada do que pessoas cuja actividade profissional é exercida no Estado de residência.»

As disposições controvertidas da convenção franco-alemã

8 O artigo 13._, n._ 1, estabelece o princípio de base de que os rendimentos do trabalho assalariado apenas são tributáveis no Estado contraente em que é exercida a actividade pessoal que é fonte desses rendimentos. São excluídas desta regra as denominadas remunerações públicas.

9 A alínea a) do n._ 5 do artigo 13._ contém uma derrogação à regra acima referida, uma vez que determina que os rendimentos provenientes do trabalho assalariado de pessoas que trabalham na zona fronteiriça de um dos Estados contraentes e que têm residência permanente na zona fronteiriça do outro Estado, à qual regressam normalmente todos os dias, só são tributáveis neste outro Estado.

10 O artigo 14._, n._ 1, precisa os critérios que regem a sujeição das remunerações públicas ao imposto. A regra geral, que consta da primeira frase, dispõe que as remunerações pagas pelos Estados contraentes, pelos Länder ou por pessoas colectivas de direito público desse Estado, a pessoas singulares residentes no outro Estado em razão de serviços administrativos ou militares só são tributáveis no primeiro Estado.

Esta regra comporta também uma excepção, constante da segunda frase deste parágrafo, nos termos da qual, quando as remunerações são pagas a pessoas que tenham a nacionalidade do outro Estado, sem serem, simultaneamente, nacionais do primeiro Estado, as remunerações só são tributáveis no Estado em que essas pessoas têm residência.

11 O artigo 16._ contém uma regra especial aplicável aos professores que se deslocam de um Estado para o outro para aí trabalhar durante um período limitado, caso em que continuam a ser tributados no Estado de residência habitual. De acordo com esta disposição, os professores com residência habitual num dos Estados contraentes e que, no decurso de uma estada de um máximo de dois anos noutro Estado, recebam uma remuneração por actividades pedagógicas exercidas em universidades, escolas superiores, escolas ou outros estabelecimentos de ensino, apenas são tributáveis no que respeita a essa remuneração no primeiro Estado.

12 O artigo 20._, n._ 2, estabelece as modalidades para evitar a dupla tributação dos residentes em França; na redacção dada pelo protocolo adicional de 9 de Junho de 1969, determinava:

«a) Sob reserva das disposições das alíneas b) e c), são excluídos da matéria colectável francesa os rendimentos provenientes da República Federal da Alemanha, que, nos termos da presente convenção, sejam aí tributáveis. Esta regra não limita, contudo, o direito de a França atender, na determinação da taxa desses impostos, aos rendimentos assim excluídos.»

Depois da entrada em vigor do protocolo adicional assinado em 28 de Setembro de 1989, o texto aplicável para evitar a dupla tributação dos residentes em França passou a ter o seguinte teor:

«a) Os lucros e outros rendimentos positivos provenientes da República Federal da Alemanha, aí tributáveis em conformidade com as disposições da presente convenção, também são tributáveis em França se o seu beneficiário residir em França. O imposto alemão não é dedutível no cálculo do rendimento colectável em França. Mas o beneficiário tem direito a um crédito de imposto imputável no imposto francês em cuja matéria colectável tais rendimentos sejam integrados. Esse crédito de imposto é igual:

...

cc) para todos os outros rendimentos, ao montante do imposto francês correspondente àqueles rendimentos. Esta disposição é aplicável, nomeadamente, aos rendimentos referidos nos artigos... 13._, n.os 1 e 2, e 14._»

13 O n._ 1 do artigo 21._ consigna a igualdade de tratamento entre contribuintes; de acordo com este artigo, os nacionais de um Estado contraente não estão sujeitos no outro Estado contraente a qualquer imposição ou obrigação a ele relativa, que seja diversa ou mais gravosa do que as imposições ou obrigações a que aí estão ou podem estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem em idêntica situação.

A legislação comunitária

14 As disposições cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, todas elas do Tratado CE, são as seguintes:

«Artigo 6._

No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

...»

«Artigo 48._

...

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

...»

«Artigo 220._

Os Estados-Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais:

...

- a eliminação da dupla tributação na Comunidade;

...»

15 Além disso, o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 (3) (a seguir «Regulamento n._ 1612/68») estabelece:

«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

...»

As várias teses sustentadas no decurso do processo de reenvio prejudicial

16 Foram apresentadas observações escritas, no prazo para esse efeito estabelecido no artigo 20._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, pelos demandantes no processo principal, pelos Governos belga, dinamarquês, alemão, francês, italiano, finlandês, sueco e britânico e pela Comissão. Durante a audiência, foram apresentadas alegações pelos demandantes no processo principal, pelos representantes dos Governos dinamarquês, francês, italiano, neerlandês e britânico e pela Comissão.

17 Os demandantes qualificam a situação fiscal de A. Gilly de discriminatória, por três razões: em primeiro lugar, o n._ 1 do artigo 14._ da convenção franco-alemã prevê tratamento diferente em função da nacionalidade do contribuinte, na medida em que desta dependa a questão de saber se os rendimentos do trabalho assalariado pagos por um organismo público são tributáveis no Estado pagador ou no Estado de residência; em segundo lugar, esta mesma disposição estabelece uma diferença entre os trabalhadores fronteiriços, consoante estejam abrangidos no sector público ou no sector privado; por fim, em terceiro lugar, o artigo 16._ da convenção franco-alemã consigna uma diferença entre os professores residentes em França, consoante se desloquem à Alemanha para aí ensinar durante um período inferior ou superior a dois anos.

Além disso, afirmam que A. Gilly é objecto de dupla tributação na medida em que, por aplicação da convenção franco-alemã, os seus rendimentos de trabalho assalariado são tributáveis uma primeira vez na Alemanha, Estado em que é considerada contribuinte celibatário sem filhos - sendo que, na realidade, é casada e tem dois filhos a cargo -, e uma segunda vez em França, Estado em que os rendimentos que obteve na Alemanha acrescem aos do seu marido para efeitos de cálculo do rendimento total tributável do casal. Acrescentam, a este respeito, que o crédito de imposto em função da tributação efectuada no estrangeiro, previsto na convenção relativamente aos rendimentos do trabalho assalariado, apenas reduz ligeiramente a dupla tributação, sem contudo a eliminar.

18 Todos os Estados-Membros que apresentaram observações estão de acordo em sublinhar que as disposições da convenção franco-alemã, consideradas discriminatórias e contrárias ao artigo 48._ do Tratado pelos demandantes no processo principal, são, na realidade, perfeitamente compatíveis com este, afirmando também que o artigo 220._ não goza de efeito directo.

19 Concretamente, afirmam, no que se refere ao artigo 48._, que este não obsta a que dois Estados-Membros apliquem, para eliminar a dupla tributação sobre os rendimentos do trabalho assalariado em favor das pessoas que residem num dos dois Estados e exercem uma actividade remunerada no outro, critérios de tributação diversos, consoante os contribuintes estejam abrangidos no sector público ou no sector privado, nem a que esses Estados apliquem, no mesmo intuito, aos empregados do sector público de um desses Estados, critérios de tributação diversos, consoante o contribuinte detenha ou não a nacionalidade desse Estado ou consoante os professores que residem num dos Estados se desloquem ao outro para aí trabalhar por um período superior ou não a dois anos.

O artigo 48._ não se opõe também a que, no âmbito de uma convenção entre dois Estados-Membros para eliminar a dupla tributação entre eles, o Estado em que o contribuinte reside tribute a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos no outro Estado-Membro, e lhe conceda, no que se refere a estes últimos, um crédito de imposto pelos impostos pagos no estrangeiro igual ao montante do imposto nacional correspondente a esses rendimentos.

Alguns dos referidos Estados observam que o problema com que os demandantes no processo principal são confrontados não tem origem no tratamento discriminatório aplicado pela legislação fiscal francesa, mas na diferença entre as taxas de imposto em ambos os Estados, que são maiores na Alemanha do que em França. Alguns dos referidos Estados chamam a atenção do Tribunal de Justiça para as consequências que teria um acórdão que interpretasse o artigo 48._ no sentido de se opor às disposições controvertidas da convenção franco-alemã, visto todas essas disposições serem conformes com o modelo de convenção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (a seguir «OCDE») para evitar duplas tributações, em que se baseia a maioria das convenções bilaterais celebradas entre Estados-Membros.

No que se refere ao artigo 220._, os referidos Estados entendem tratar-se de uma norma desprovida de efeito directo, visto não ser suficientemente clara e incondicional e não atribuir aos particulares o direito à supressão de toda e qualquer dupla tributação na Comunidade.

20 A Comissão procede, antes de mais, ao exame pormenorizado das consequências da aplicação da convenção franco-alemã sobre a situação fiscal dos esposos Gilly.

Em França, país em que residem, a totalidade dos rendimentos do casal, que constitui um casal em termos fiscais, está sujeito ao IRS, independentemente do local em que foram obtidos, através da aplicação da tabela de taxas de imposto e da progressividade do imposto francês, não dispondo os esposos da possibilidade de optar pela tributação individual. Para a concessão de abatimentos e de deduções por encargos familiares, atende-se à matéria colectável em França, ou seja, à totalidade dos rendimentos do casal. No caso vertente, uma vez que os rendimentos obtidos em França são inferiores a metade do rendimento total - os rendimentos obtidos por R. Gilly representam 45% -, este acaba por pagar de IRS mais do que se fosse tributado individualmente.

Na Alemanha, A. Gilly, cujos rendimentos representam cerca de 55% do rendimento total do casal, não pode beneficiar da tabela preferencial reservada aos casais, designada «Splittingtarif» (4), sendo automaticamente considerada celibatária por o seu marido não residir na Alemanha. No seu caso, a aplicação da tabela preferencial teria implicado a diminuição do seu encargo fiscal neste Estado, visto os seus rendimentos representarem mais de metade dos rendimentos totais do casal.

Com base nesta análise, a Comissão entende que, na Alemanha, a tributação de A. Gilly deveria ser efectuada tendo em conta o seu estado civil, o que implicaria tomar em consideração os rendimentos obtidos pelo seu marido em França. Desta forma, existiria verdadeira coerência em ambos os Estados no que se refere à aplicação da tabela de progressividade do imposto.

21 A Comissão examina em seguida a disposição do artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção franco-alemã, à luz do artigo 220._ do Tratado. Afirma, a este respeito, que o artigo 220._ impõe aos Estados-Membros uma obrigação de meios e não de resultado, a saber, a de estabelecer negociações na medida do necessário, e que as convenções fiscais bilaterais celebradas para eliminar a dupla tributação correspondem ao objectivo visado por tal artigo. Observa que, em sua opinião, o mecanismo instituído pela convenção franco-alemã evita a dupla tributação e que o direito comunitário não se opõe a que os esposos Gilly suportem encargos fiscais mais pesados, na medida em que tal se deve à taxa de imposto mais alta em vigor na Alemanha.

22 A Comissão conclui a sua argumentação pela afirmação de que a aplicação da lei francesa à totalidade dos rendimentos do casal, por um lado, e a aplicação da lei alemã aos rendimentos obtidos por A. Gilly na Alemanha, por outro, constituem, em virtude das consequências daí decorrentes quanto à tomada em consideração da respectiva situação familiar, um obstáculo incompatível com os princípios que regem a livre circulação dos trabalhadores.

Observações preliminares

23 Antes de passar à análise das questões prejudiciais submetidas pelo tribunal administratif de Strasbourg, considero necessário tomar posição, a título liminar, sobre os seguintes pontos:

a) a competência do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo instituído pelo artigo 177._, para se pronunciar sobre a compatibilidade da convenção franco-alemã com o direito comunitário;

b) a admissibilidade da quarta questão prejudicial, em que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio da livre circulação dos trabalhadores, tal como decorre do Tratado, é violado por normas fiscais susceptíveis de influenciar a decisão de os professores dos Estados contraentes exercerem de forma mais ou menos duradoura a respectiva actividade noutro Estado;

c) as disposições comunitárias, aplicáveis ao processo principal, relativas à proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no domínio da livre circulação dos trabalhadores.

24 Abordarei estas questões pela ordem apresentada.

A - Competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, no âmbito do processo do artigo 177._ do Tratado, sobre a compatibilidade da convenção franco-alemã com o direito comunitário

25 A este respeito, sou de parecer que, tal como não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito de tal processo, pronunciar-se sobre a compatibilidade das normas de direito interno com as disposições do direito comunitário (5), não lhe compete também pronunciar-se sobre a compatibilidade com o direito comunitário de normas contidas num tratado internacional celebrado entre dois Estados-Membros para evitar a dupla tributação.

Além disso, tratando-se de uma convenção bilateral celebrada numa matéria como a da fiscalidade directa, subtraída à competência da Comunidade e cuja regulamentação compete exclusivamente aos Estados-Membros, o Tribunal de Justiça não pode sequer proceder à respectiva interpretação.

Dito isto, a regulamentação que rege o direito de livre circulação dos trabalhadores cai sob a alçada do direito comunitário e o litígio no processo principal opõe a administração fiscal de um dos Estados-Membros a um nacional comunitário que exerceu o seu direito de livre circulação e se considera vítima de discriminação em consequência da aplicação das disposições de uma convenção bilateral para evitar a dupla tributação. Em tais circunstâncias, o Tribunal de Justiça pode perfeitamente fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação do foro do direito comunitário que lhe permitam solucionar o litígio no processo principal (6).

É esta a razão que nos conduz a propor ao Tribunal de Justiça a reformulação das questões prejudiciais.

B - Admissibilidade da quarta questão prejudicial, em que o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 48._ obsta a uma disposição do tipo da contida no artigo 16._ da convenção franco-alemã

26 Nos termos desta disposição, os professores ou professores primários que residam habitualmente num dos Estados contraentes e que, no decurso de uma estada de um máximo de dois anos noutro Estado, recebam remuneração por actividades pedagógicas exercidas em universidades, escolas superiores, escolas ou outros estabelecimentos de ensino, só são tributáveis por essa remuneração no primeiro Estado.

Os esposos Gilly entendem que esta disposição cria uma discriminação em matéria fiscal entre os professores, contrária à livre circulação entre a França e a Alemanha, visto que os professores que residem num dos Estados e que ensinem no outro Estado durante um período limitado suportam, por beneficiarem do estatuto de trabalhadores fronteiriços sem estarem sujeitos à obrigação de residir ou de exercer a respectiva actividade na zona fronteiriça, uma carga fiscal menos gravosa do que a que incide sobre os professores que, como A. Gilly, residem em França e decidiram exercer a respectiva profissão durante mais de dois anos na Alemanha.

27 Em minha opinião, aquilo que os demandantes no processo principal pretendem ao apresentar este argumento, de que o órgão jurisdicional nacional se fez eco na decisão de reenvio ao observar que tal disposição fiscal é susceptível de influenciar a decisão de os professores dos Estados contraentes exercerem mais ou menos duradouramente o respectivo trabalho noutro Estado, não é tanto defender uma ou outra interpretação do princípio da livre circulação dos trabalhadores na Comunidade mas obter do Tribunal de Justiça a condenação do artigo 16._ da convenção franco-alemã, que lhes não foi aplicado.

28 Com efeito, não resulta da decisão de reenvio que os esposos Gilly se tenham encontrado na situação referida nesse artigo: de acordo com as indicações dadas pelo órgão jurisdicional nacional, R. Gilly é professor do ensino público em França, nada indiciando que tenha ensinado na Alemanha por período inferior ou superior a dois anos. A sua esposa é professora primária do ensino público na Alemanha, trabalho que exerceu sem interrupção durante mais de dois anos, também não constando que tenha antes ensinado em França, por período inferior a dois anos, enquanto residente na Alemanha. Na audiência, em resposta a uma questão por mim formulada, os demandantes no processo principal confirmaram estes dados.

29 Existe jurisprudência constante sobre o papel respectivamente atribuído aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça no âmbito do processo de cooperação previsto no artigo 177._ do Tratado. De acordo com tal jurisprudência, o órgão jurisdicional nacional, único a ter conhecimento directo dos factos do processo, é quem está melhor colocado para julgar, à luz das especificidades deste, da necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua própria decisão, bem como da pertinência das questões a submeter ao Tribunal de Justiça (7), sendo que a este último compete, para verificar a sua própria competência, examinar as condições em que foi demandado pelo órgão jurisdicional nacional. O espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica igualmente que, por seu lado, o juiz nacional tenha em atenção a missão confiada ao Tribunal de Justiça, que é a de contribuir para a administração da Justiça nos Estados-Membros e não a de dar opiniões sobre questões gerais ou hipotéticas (8).

30 Tendo em conta esta missão, o Tribunal de Justiça entendeu não poder decidir as questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais quando a interpretação ou o exame da validade das normas comunitárias por estes solicitadas não tenham qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal (9), ou quando seja chamado a pronunciar-se sobre um problema de carácter hipotético sem dispor dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente (10).

O Tribunal de Justiça considerou «não ser competente para responder a questões de interpretação que lhe sejam colocadas no âmbito de construções processuais fabricadas pelas partes para [o conduzir] a tomar posição sobre determinados problemas de direito comunitário que não correspondem a uma necessidade objectiva inerente à resolução de um contencioso» (11).

A este respeito, o Tribunal de Justiça acrescentou ser indispensável que o órgão jurisdicional nacional explique as razões por que considera que uma resposta às suas questões é necessária para a solução do litígio, o que permitirá ao Tribunal de Justiça verificar se a interpretação do direito comunitário que lhe é solicitada tem alguma relação com a realidade e com o objecto do litígio no processo principal. Se se concluir que a questão submetida não é pertinente para a solução do litígio, o Tribunal de Justiça não poderá pronunciar-se sobre as questões prejudiciais (12).

31 À luz desta jurisprudência, e sendo que não se verifica que qualquer dos demandantes no órgão jurisdicional nacional tenha estado na situação a que se refere o artigo 16._ da convenção franco-alemã - visto nenhum deles ter trabalhado por período inferior a dois anos no Estado contraente que não o da respectiva residência -, sou de parecer que uma resposta do Tribunal de Justiça, interpretando o direito comunitário aplicável em matéria de livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, não seria de qualquer utilidade para a solução pelo órgão jurisdicional nacional do litígio que lhe foi submetido. Por esta razão, proponho que o Tribunal de Justiça declare inadmissível a quarta questão prejudicial.

C - Proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no domínio da livre circulação dos trabalhadores

32 O órgão jurisdicional nacional solicita a interpretação do artigo 6._ do Tratado, que proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. Recorde-se, a este respeito, que existe jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, nos termos da qual tal princípio apenas tem vocação para se aplicar de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (13).

Ora, no domínio da livre circulação dos trabalhadores, o princípio da igualdade de tratamento foi aplicado e concretizado pelo n._ 2 do artigo 48._ do Tratado, que prevê a abolição de toda e qualquer discriminação no que diz respeito ao emprego, à remuneração e às demais condições de trabalho. Além disso, o artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 dispõe que o trabalhador nacional de um Estado-Membro beneficia, no território dos outros Estados-Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais; esta disposição constitui a expressão concreta do princípio geral da não discriminação dos trabalhadores através de medidas fiscais.

Verifica-se, em consequência, ser inútil, no presente processo, recorrer ao artigo 6._ do Tratado para dar resposta às questões prejudiciais submetidas pelo tribunal administratif de Strasbourg.

Reformulação e análise das questões prejudiciais

33 No que se refere às demais questões colocadas, deduzo da exposição feita, na decisão de reenvio, pelo órgão jurisdicional nacional, que este pretende, ao demandar o Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177._, que este esclareça:

1) em primeiro lugar, se o artigo 220._ é directamente aplicável;

2) em segundo lugar, se o artigo 48._ do Tratado e o n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68 se opõem às disposições dos artigos 13._, n.os 1 e 5, e 14._ da convenção franco-alemã, na medida em que tais disposições estabelecem critérios de tributação dos rendimentos do trabalho assalariado num ou noutro dos Estados:

- em função do local de exercício da actividade;

- em função da reunião, na esfera do trabalhador, das condições para poder ser considerado trabalhador fronteiriço, para efeitos da convenção;

- em função da questão de saber se o trabalhador recebe remunerações públicas e, neste último caso, em função da questão de saber se o trabalhador possui a nacionalidade de um Estado diverso daquele que lhe paga o salário, sem ao mesmo tempo ter a nacionalidade deste;

3) em terceiro lugar, se os artigos 48._ e 220._ do Tratado e 7._, n._ 2, do Regulamento n._ 1612/68 se opõem à disposição do artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção franco-alemã, na medida em que esta institui, para evitar que os residentes de um dos Estados contraentes sejam sujeitos a uma segunda tributação dos rendimentos do trabalho assalariado tributados noutro Estado, um mecanismo que consiste em conceder um crédito de imposto igual ao montante do imposto nacional correspondente a tais rendimentos, independentemente do montante do imposto pago no outro Estado, o que, em determinadas circunstâncias, pode conduzir a que o contribuinte pague uma soma mais elevada de IRS do que aquela que deveria pagar se esses rendimentos tivessem sido obtidos no Estado de residência, ou mais elevada do que a que pagaria se tais rendimentos tivessem sido obtidos noutro Estado contraente, mas apenas tributados no Estado de residência.

Primeira questão: eventual efeito directo da disposição do artigo 220._, segundo travessão, do Tratado

34 Por esta questão, o órgão jurisdicional nacional interroga-se sobre a aplicabilidade directa desta disposição, de acordo com a qual os Estados-Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a eliminação da dupla tributação na Comunidade.

Parece-me decorrer do próprio texto desta disposição que ela não é suficientemente precisa e incondicional para que se lhe possa atribuir efeito directo e que, em consequência, dela não podem resultar para os particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais estejam obrigados a proteger. Estou de acordo com a Comissão quando afirma que o segundo travessão do artigo 220._ do Tratado impõe aos Estados-Membros uma obrigação de meios e não de resultado, a saber, a de entabular negociações, sempre que necessário.

35 Entendo dever ser aplicada ao segundo travessão do artigo 220._ a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça para o primeiro travessão, que impõe aos Estados-Membros a obrigação de entabularem entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a protecção das pessoas, bem como o gozo e a protecção dos direitos, nas mesmas condições que as concedidas por cada Estado aos seus próprios nacionais. A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 220._ não visa estabelecer uma norma jurídica como tal operacional, limitando-se a definir o contexto de uma negociação que os Estados-Membros entabularão entre si, sempre que necessário (14).

Além disso, tal como formulada, a referida disposição não estabelece uma obrigação absoluta, deixando aos Estados-Membros um amplo poder de apreciação para decidir se é necessário entabular negociações. No exercício desse poder de apreciação, a França e a Alemanha assinaram, em 1959, a dita convenção para evitar a dupla tributação, a qual revogou a de 1934 celebrada para o mesmo efeito, tendo-a modificado através de sucessivos protocolos adicionais ocorridos em 1969 e 1989. Pela assinatura dessa convenção de dupla tributação, a França e a Alemanha repartiram entre si a competência para tributar os rendimentos dos respectivos residentes obtidos no outro Estado contraente ou pagos por este.

Segunda questão: igualdade de tratamento dos trabalhadores em matéria fiscal e disposições da convenção franco-alemã que estabelecem critérios de tributação dos rendimentos do trabalho assalariado

36 Para dar resposta a esta questão, é necessário proceder a uma análise relativamente detalhada dos artigos 13._, n.os 1 e 5, e 14._ da convenção franco-alemã, que estabelecem os critérios de tributação dos rendimentos do trabalho assalariado susceptíveis de afectar, directa ou indirectamente, a situação fiscal de A. Gilly e, por extensão, a dos membros do seu agregado familiar na medida em que, residindo estes em França, se atende globalmente, em aplicação do direito fiscal francês, ao conjunto dos respectivos rendimentos, sem possibilidade de tributação separada.

37 O órgão jurisdicional a quo parece considerar adquirido, ao colocar as questões prejudiciais, dever atribuir-se a A. Gilly o estatuto de trabalhador fronteiriço, visto o seu domicílio se situar na zona fronteiriça francesa e o seu local de trabalho na zona fronteiriça alemã.

De acordo com a alínea a) do n._ 5 do artigo 13._, entende-se por trabalhador fronteiriço a pessoa que trabalhe na zona fronteiriça de um Estado contraente e resida na zona fronteiriça do outro Estado contraente, ao qual normalmente regressa todos os dias. O conceito de zona fronteiriça é definido no mesmo número, alíneas b) e c).

Por força das disposições do referido n._ 5, alínea a), os rendimentos obtidos pelo trabalhador fronteiriço no Estado de emprego apenas são tributáveis no Estado de residência. A. Gilly solicita o reconhecimento do estatuto fiscal de trabalhador fronteiriço; em tal caso, o seu salário não seria tributado na Alemanha, mas em França, país em que as taxas de imposto são menos elevadas.

38 Ora, efectuando a interpretação sistemática das disposições controvertidas da convenção, verifico que se está, por um lado, em presença da norma geral do n._ 1 do artigo 13._, aplicável aos rendimentos do trabalhador assalariado, tributáveis no Estado em que exerce a sua actividade, e, por outro, que a tributação do salário dos trabalhadores fronteiriços exclusivamente no Estado de residência constitui excepção a essa regra geral.

Por outro lado, o n._ 1 do artigo 14._ da convenção estabelece uma lex specialis, aplicável às assim designadas remunerações públicas, que são as remunerações pagas pelo Estado, por uma das suas autarquias locais ou por um organismo público. Esta lex specialis compõe-se, por seu lado, de uma regra geral e de uma excepção. A regra geral é enunciada na primeira frase deste número, dispondo que, se o empregador for pessoa de direito público e se o trabalhador residir noutro Estado, as remunerações e as pensões de reforma pagas por serviços administrativos ou militares são tributáveis no Estado que as paga. A excepção consta da segunda frase, de acordo com a qual a disposição não é aplicável quando as remunerações forem pagas a pessoas que tenham a nacionalidade do outro Estado, sem serem ao mesmo tempo nacionais do primeiro Estado, caso em que tais remunerações apenas são tributáveis no Estado de residência dessas pessoas.

A título de exemplo, a remuneração paga pelo Estado alemão a uma pessoa que resida em França é tributável na Alemanha. Se, nesse mesmo caso, o beneficiário for de nacionalidade francesa, a remuneração será tributável em França. Se, como sucede com A. Gilly, tal pessoa tiver ambas as nacionalidades, o Estado que paga a remuneração recupera o direito de tributar.

39 A aceitação de um critério de tributação dos rendimentos do trabalho assalariado dos trabalhadores fronteiriços, diverso do aplicável aos demais trabalhadores assalariados e aos agentes do Estado e equiparados, não é uma obrigação imposta aos Estados-Membros pelo direito comunitário; também não se trata de um uso generalizado entre estes aquando da celebração de convenções bilaterais para evitar a dupla tributação (15). Além disso, um estudo comparativo recente das convenções fiscais bilaterais celebradas pela França revela que, se existem cláusulas contendo um regime de tributação específico para os trabalhadores fronteiriços, a tributação da remuneração nem sempre é efectuada no Estado de residência do trabalhador (16).

40 Da mesma forma que não impõe, o direito comunitário também não proíbe a adopção pelos Estados-Membros de disposições aplicáveis aos trabalhadores fronteiriços diversas das que se aplicam tanto aos trabalhadores em geral como aos agentes da administração pública e equiparados, desde que daí não resulte discriminação dos trabalhadores dos outros Estados-Membros relativamente aos trabalhadores nacionais. Acresce que o próprio direito comunitário não é alheio a tal prática.

Por exemplo, no Regulamento (CEE) n._ 1408/71 (17), adoptado pelo Conselho para dar execução à obrigação decorrente do artigo 51._ do Tratado, os trabalhadores em geral estão, sob reserva de algumas excepções, sujeitos à legislação da segurança social do Estado em que exercem a respectiva actividade, enquanto os funcionários e agentes equiparados estão sujeitos à legislação da segurança social do Estado a que pertence a administração em que trabalham. Relativamente aos trabalhadores fronteiriços, este regulamento prevê um conjunto de disposições específicas em matérias como o seguro de doença, acidentes de trabalho e doenças profissionais, desemprego e prestações familiares.

41 A aceitação de um critério específico de tributação aplicável às remunerações públicas consta do artigo 19._ do modelo de convenção fiscal relativa ao rendimento e à fortuna, elaborado pela OCDE, na versão de 1992 (a seguir «modelo»), em que se inspiram as convenções bilaterais para evitar a dupla tributação celebradas entre os Estados-Membros (18).

Os Estados-Membros que apresentaram observações escritas no presente processo afirmam tratar-se de uma disposição baseada nas regras da cortesia internacional e do respeito mútuo da soberania de cada Estado-Membro. Os comentários ao artigo 19._ do modelo indicam que o princípio de que o Estado que paga as remunerações goza do direito exclusivo de as tributar consta de um tal número de convenções em vigor entre Estados-Membros da OCDE que se tornou num princípio internacionalmente aceite. No que se refere à excepção, tais comentários acrescentam que tem origem na convenção de Viena relativa às relações diplomáticas, de 18 de Abril de 1961, e na convenção de Viena relativa às relações consulares, de 24 de Abril de 1961, nos termos das quais o Estado de acolhimento goza da faculdade de tributar as remunerações pagas aos membros de determinadas categorias de pessoal das representações diplomáticas e consulares estrangeiras que tenham residência permanente nesse Estado ou se prevaleçam da sua nacionalidade.

42 É pacífico que, no estádio actual, o direito comunitário não regula a fiscalidade directa. As disposições fiscais contidas no Tratado CEE, que constam dos artigos 95._ a 99._, dizem exclusivamente respeito à fiscalidade indirecta. No direito derivado, raras são as disposições legislativas comunitárias em matéria de fiscalidade directa, aplicáveis às pessoas singulares, até hoje adoptadas. De entre estas, a única que assume natureza vinculativa é a Directiva 77/799/CEE (19). As demais limitam-se a uma proposta de directiva apresentada pela Comissão ao Conselho, em 21 de Dezembro de 1979 (20), e à Recomendação 94/79/CE (21).

43 A fiscalidade directa continua, pois, reservada à competência dos Estados-Membros, o que o Tribunal de Justiça reconheceu nos acórdãos até à data proferidos na matéria. Contudo, os Estados-Membros devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário e, portanto, abster-se de qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada em razão da nacionalidade (22). No presente processo, trata-se de verificar se, ao celebrar a convenção, os Estados-Membros exerceram essa competência com respeito do direito comunitário e, concretamente, das disposições que regem a livre circulação dos trabalhadores na Comunidade.

44 Ao assinarem uma convenção bilateral para evitar a dupla tributação, os dois Estados em causa põem-se de acordo em limitar a respectiva soberania fiscal, renunciando a uma parte desta. Não surpreende que, ao repartirem a competência para tributar os rendimentos obtidos pelos respectivos residentes em função do exercício de uma actividade assalariada no território de outro Estado, os Estados signatários se socorram de critérios como os que constam dos artigos 13._, n.os 1 e 5, e 14._ da convenção franco-alemã, a saber, o local de exercício da actividade, a reunião das condições necessárias para se ser considerado trabalhador fronteiriço, a natureza pública do empregador e, neste último caso, a posse da nacionalidade de um ou de outro dos Estados. Não têm, aliás, muitas possibilidades de utilizarem outros critérios.

Tais critérios, que têm por único objectivo conferir competência para tributar determinados rendimentos, são, em minha opinião, neutros relativamente à livre circulação dos trabalhadores, visto não preverem, em ambos os Estados em causa, um tratamento menos favorável ou diferente dos trabalhadores dos outros Estados-Membros relativamente ao reservado, em matéria fiscal, aos seus próprios nacionais que se encontrem em situação idêntica.

45 Com efeito, não é possível classificar de discriminatório o facto de se prever que a remuneração de um trabalhador assalariado seja tributada no Estado em que exerce a sua actividade ou no Estado em que reside, ou pelo Estado que lhe paga a remuneração, mesmo quando, para decidir, na hipótese de remuneração pública, qual dos dois Estados a tributará, se recorra, em última análise, ao critério da nacionalidade do beneficiário, visto que, para esse efeito, tal critério é tão neutro como os anteriores. Na fase de aplicação dos critérios de tributação, trata-se apenas de decidir, em cada caso, qual dos dois Estados tributará os rendimentos. Em seguida, o Estado de residência do contribuinte, ao qual compete a tributação do conjunto dos respectivos rendimentos, aplicará o mecanismo jurídico acordado com o outro Estado para evitar que, quando do cálculo da dívida fiscal de acordo com a sua própria lei, os rendimentos do trabalho assalariado já tributados no outro Estado sejam objecto de nova tributação. Examinarei de forma mais detalhada o mecanismo jurídico aplicado pela França, no decurso da análise da terceira questão.

46 É certo que, uma vez determinado o Estado que tributará os rendimentos do trabalho assalariado, a dívida fiscal do contribuinte variará consoante se trate de um ou de outro Estado. No caso de A. Gilly, o imposto que paga na Alemanha sobre os rendimentos do respectivo trabalho assalariado é superior ao que pagaria se obtivesse tais rendimentos em França ou se, ainda que obtidos na Alemanha, fossem tributados em França.

47 Contudo, tal diferença não provém dos critérios de tributação constantes da convenção franco-alemã, mas da aplicação da lei fiscal alemã, que prevê uma taxa de tributação de tais rendimentos superior à aplicada em França, sendo aliás os sistemas fiscais e a progressividade do imposto muito diferentes nesses dois Estados.

Tais divergências subsistirão enquanto o Conselho não adoptar directivas de harmonização das disposições fiscais aplicáveis aos impostos directos. Dado que o n._ 2 do artigo 100._-A do Tratado estabelece que o n._ 1, que rege a adopção de actos por maioria qualificada, não é aplicável, entre outras matérias, às disposições fiscais, é pouco provável que tal venha a suceder a curto ou médio prazo.

Terceira questão: opor-se-ão os artigos 48._ e 220._ do Tratado e o artigo 7._, n._ 2, do Regulamento n._ 1612/68 às disposições do artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção franco-alemã?

48 Esta questão diz respeito ao mecanismo previsto na convenção, através do qual a França evita que os salários de origem alemã recebidos pelos seus residentes e já tributados na Alemanha sejam de novo tributados. Este mecanismo é aplicável, entre outras, às remunerações abrangidas pela disposição geral que prevê a tributação no Estado de exercício de actividade, de acordo com o artigo 13._, n._ 1, e às remunerações públicas, na acepção do artigo 14._ Nos termos do artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), tal mecanismo consiste, numa primeira fase, em integrar os rendimentos do trabalho obtidos na Alemanha na matéria colectável calculada de acordo com a legislação fiscal francesa, para, em seguida, conceder um crédito de imposto, a título de imposto pago no estrangeiro, igual ao montante do imposto francês correspondente a tais rendimentos.

49 A. Gilly sustenta que a aplicação desta disposição às circunstâncias específicas do seu caso particular dá lugar a uma discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 48._ do Tratado e ao n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, pelo facto de a soma que deve pagar a título de IRS em França, país em que é tributado o conjunto dos rendimentos do agregado familiar, ser mais elevada do que a que pagaria se competisse à França tributar os seus rendimentos obtidos na Alemanha.

Tal sucederia, por exemplo, se beneficiasse do estatuto de trabalhador fronteiriço ou se possuísse exclusivamente nacionalidade francesa e não a dupla nacionalidade. A. Gilly considera que tais disposições se opõem a que um trabalhador que faça uso do seu direito de livre circulação seja penalizado com uma carga fiscal mais gravosa do que se não fizesse uso desse direito.

50 Como o Tribunal de Justiça afirmou já, nos termos do artigo 48._, n._ 2, do Tratado, a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de qualquer discriminação fundada na nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados-Membros, nomeadamente no que diz respeito à remuneração. O princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração seria desprovido de efeito se pudesse ser violado por disposições nacionais discriminatórias em matéria de imposto sobre o rendimento. Foi por isso que o Conselho determinou, no artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, que os trabalhadores nacionais de um Estado-Membro devem beneficiar, no território de outro Estado-Membro, das mesmas vantagens fiscais que os trabalhadores nacionais (23).

De igual modo, de acordo com jurisprudência constante, o artigo 48._ do Tratado proíbe não só as discriminações ostensivas, em razão da nacionalidade, mas ainda qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efectivamente ao mesmo resultado (24).

51 Para se poder concluir pela existência de discriminação, na acepção do direito comunitário, no caso de A. Gilly, seria necessário demonstrar que a França, país em que reside e em que é tributada a globalidade dos seus rendimentos conjuntamente com os do seu marido, a submete, por aplicação da disposição controvertida, a um tratamento fiscal menos favorável do que aquele de que é objecto um trabalhador de nacionalidade francesa que se encontre em idêntica situação. A este respeito, é irrelevante o facto de A. Gilly ser também titular da nacionalidade do Estado a que imputa tal tratamento discriminatório, visto que, como o Tribunal de Justiça declarou, qualquer nacional comunitário, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha usado do direito da livre circulação dos trabalhadores e que tenha exercido uma actividade profissional noutro Estado-Membro, é abrangido pelo âmbito do artigo 48._ do Tratado (25).

52 De igual forma, será necessário ter em consideração o facto de que, nos termos da definição estabelecida pelo Tribunal de Justiça, a discriminação só pode consistir na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou da mesma regra a situações diferentes (26).

53 Quando deverá entender-se que um trabalhador de nacionalidade francesa se encontra em situação comparável, do ponto de vista fiscal, à de A. Gilly? Tudo depende do que se entenda por «situação comparável». Pode recorrer-se, naturalmente, ao método que consiste em manter todas as circunstâncias iguais e alterar apenas a nacionalidade da pessoa pretensamente vítima de discriminação. Procedendo assim, o termo de comparação, no que se refere a A. Gilly, será um trabalhador francês que não possua ao mesmo tempo a nacionalidade alemã, que receba uma remuneração do Estado alemão por uma actividade exercida na Alemanha, que resida em França, seja casado e contribua com o seu cônjuge para o rendimento familiar na mesma proporção que os esposos Gilly. Na prática, a remuneração pública desse trabalhador será tributável em França; não existirá razão para aplicar um mecanismo destinado a evitar a dupla tributação e o montante que o casal pagará a título de IRS em França será inferior ao total dos impostos pagos por A. Gilly na Alemanha e pelo agregado familiar em França. Este é o raciocínio utilizado pelos demandantes no processo principal para demonstrar que A. Gilly é vítima de discriminação.

54 Existe contudo outro método, que consiste em efectuar a comparação com um trabalhador de nacionalidade francesa cuja remuneração tenha sido tributada na Alemanha por força do n._ 1 do artigo 13._ da convenção franco-alemã, e que resida em França, local em que paga IRS pelo conjunto dos seus rendimentos. Será esse, por exemplo, o caso de um trabalhador assalariado, casado, empregado numa empresa privada na Alemanha, residente em França, cujo cônjuge resida e trabalhe em França, na condição de ambos os cônjuges contribuírem para o rendimento familiar na mesma proporção que os esposos Gilly. Nesta situação, após serem tributados na Alemanha, os rendimentos do trabalho assalariado serão englobados na matéria colectável francesa, para, em seguida, serem objecto de dedução a título do imposto já pago na Alemanha, em valor equivalente ao montante do imposto francês correspondente a tais rendimentos.

55 Em minha opinião, cabe aplicar o segundo método para determinar se o artigo 48._ do Tratado se opõe a uma solução como a que está em análise, e isto por diversas razões:

a) Em primeiro lugar, antes de aplicar o artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção, que define o mecanismo pelo qual a França, enquanto Estado a quem compete tributar os rendimentos globais dos seus residentes, evita a dupla tributação dos rendimentos já tributados na Alemanha, cabe proceder, a título de condição prévia obrigatória, à determinação, através da aplicação dos critérios de tributação estabelecidos na convenção, do Estado a quem compete tributar os rendimentos do trabalho assalariado. Como já referi durante a análise da segunda questão prejudicial, tais critérios, que consistem no local do exercício da actividade, na reunião das condições para se ser considerado trabalhador fronteiriço, na natureza pública da remuneração percebida e, neste último caso, na posse de uma ou outra nacionalidade, são neutros do ponto de vista das disposições do direito comunitário relativas à livre circulação dos trabalhadores.

b) Em segundo lugar, uma vez tributados num ou noutro Estado os diversos rendimentos obtidos pelo contribuinte, compete ao Estado de residência aplicar o mecanismo acordado com o outro Estado para evitar nova tributação dos rendimentos. O resultado será mais ou menos favorável ao trabalhador, em função das leis fiscais nacionais e da situação pessoal e familiar de cada contribuinte.

56 Se nos socorrermos do segundo método, obter-se-á um paralelismo perfeito desde o início: rendimentos do trabalho assalariado obtidos, por um residente em França, na Alemanha, tributados neste Estado, tendo o interessado a mesma situação familiar de A. Gilly. Isto permite verificar que o tratamento fiscal que lhe é aplicado em França é idêntico ao aplicado a um francês que se encontre na mesma situação.

Pelo contrário, se nos socorrermos do primeiro método, a hipótese de partida situa-se ao nível do resultado a que se chega após a aplicação do sistema que visa evitar a dupla tributação; dito por outras palavras, A. Gilly paga um montante de imposto mais elevado em França, a título de IRS, do que, mantendo-se constantes todas as demais condições, se possuísse nacionalidade francesa, e, a partir desta constatação, regressa-se ao ponto de partida.

57 Será A. Gilly objecto de discriminação dissimulada por, como afirma a Comissão, a sua situação familiar não ser tomada em consideração na Alemanha, visto que o seu esposo aí não reside e que, assim sendo, não é possível aplicar-lhe a tabela preferencial prevista para os casais, nem em França, visto que, neste país, a tomada em consideração da situação familiar do casal não tem reflexos sobre os rendimentos de R. Gilly?

58 Entendo não dever ser dada resposta afirmativa neste caso. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já afirmou, em matéria de impostos directos, as situações dos residentes e não residentes não são, de forma geral, comparáveis, e o facto de um Estado-Membro não permitir que um não residente beneficie de determinadas vantagens fiscais que concede aos residentes não é, em princípio, discriminatório, visto que essas duas categorias de contribuintes não se encontram em situação comparável. Nestas condições, o artigo 48._ do Tratado não se opõe, em princípio, à aplicação da regulamentação de um Estado-Membro que tribute os rendimentos de um não residente que exerça trabalho assalariado nesse Estado de forma mais gravosa do que os de um residente que exerça o mesmo trabalho.

Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça considera que «O rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da residência. Por outro lado, a capacidade contributiva pessoal do não residente, resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais. Tal lugar corresponde, geralmente, à residência habitual da pessoa em causa. Assim, o direito fiscal internacional, nomeadamente o modelo de convenção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria de dupla tributação, admite que compete, em princípio, ao Estado da residência tributar o contribuinte de maneira global, tomando em consideração os elementos inerentes à sua situação pessoal e familiar.» O Tribunal de Justiça acrescenta que «A situação dos residentes é diferente, na medida em que o essencial dos seus rendimentos é normalmente centralizado no Estado de residência. Por outro lado, este Estado dispõe geralmente de todas as informações necessárias para apreciar a capacidade contributiva global do contribuinte, tendo em conta a sua situação pessoal e familiar» (27).

59 O Tribunal de Justiça apenas se afastou desta doutrina no caso de trabalhadores que não tinham rendimentos significativos no respectivo Estado de residência, suportando, em consequência, nesse país, um encargo fiscal insuficiente para a tomada em consideração da respectiva situação pessoal e familiar, e que recebiam, noutro Estado-Membro, o essencial dos respectivos rendimentos e a quase totalidade dos rendimentos familiares. Em tais casos, está-se em presença de uma discriminação relativamente ao trabalhador, consistente em a sua situação pessoal e familiar não ser tomada em consideração no Estado de residência nem no Estado de emprego (28).

Ora, não pode afirmar-se ser esse o caso de A. Gilly, a qual, obtendo a título individual, através do seu salário, a quase totalidade dos rendimentos na Alemanha, vê a sua situação pessoal e familiar tomada em consideração em França, onde os seus rendimentos salariais são englobados na matéria colectável do IRS do seu agregado familiar e onde beneficia das vantagens fiscais, abatimentos e deduções previstas na lei fiscal francesa.

60 Falta apenas verificar se o mecanismo jurídico aplicado pela França para evitar a dupla tributação, previsto no artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção franco-alemã, constitui obstáculo à livre circulação dos trabalhadores, proibido pelo artigo 48._ do Tratado. Para este efeito, há que examinar se tal mecanismo, embora aplicável independentemente da nacionalidade, prejudica de facto as pessoas que fazem uso da liberdade de circulação, tratando-as de forma menos favorável do que as que não exerceram tal direito.

O Tribunal de Justiça afirmou, para esse efeito, que «o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos nacionais comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade e opõem-se a qualquer regulamentação nacional que possa desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma actividade económica no território de outro Estado-Membro» (29).

61 Também, quanto a este ponto, a resposta deve ser negativa, visto que bastaria que a Alemanha diminuísse, na medida do necessário, a taxa de imposto que aplica às remunerações das actividades assalariadas, para que o mecanismo actualmente criticado por prejudicar um trabalhador que exerceu o direito de livre circulação produzisse o efeito contrário. Com efeito, se a taxa de imposto alemã fosse inferior à aplicada pela França aos mesmos rendimentos, e uma vez que é concedido a A. Gilly, a título de imposto pago no estrangeiro, um crédito de imposto igual ao montante do imposto francês correspondente a tais rendimentos, tal crédito de imposto seria superior ao imposto já pago na Alemanha e, afinal, A. Gilly seria tributada de forma menos gravosa por esses rendimentos do que se os tivesse obtido em França ou se tais rendimentos, obtidos na Alemanha, tivessem sido tributados em França por aplicação dos critérios de tributação já examinados. Tal hipótese pode vir a concretizar-se se a França decidir aumentar a taxa de imposto que aplica a tais rendimentos, por forma a torná-la superior à que está em vigor na Alemanha.

As consequências desfavoráveis, para os trabalhadores, de uma disposição do tipo da que se encontra em análise dependem, em última análise, das taxas de imposto que cada Estado-Membro interessado aplica a determinados rendimentos; considero, assim, que tais consequências são demasiado aleatórias e indirectas para que tal disposição possa ser considerada susceptível de dissuadir um trabalhador de exercer o direito de livre circulação entre esses dois Estados (30).

62 Por último, A. Gilly afirma que a disposição contida no segundo travessão do artigo 220._ do Tratado se opõe a que sejam tomados em consideração, em França, para o cálculo da matéria colectável do seu agregado familiar a título de IRS, os rendimentos que obteve na Alemanha e que foram já tributados por este Estado, em virtude de o crédito de imposto aplicado pela França em função do imposto pago no estrangeiro não atender ao montante exacto do imposto pago na Alemanha, o que faz com que o mecanismo não evite a dupla tributação, mas se limite a reduzi-la.

63 Os artigos 23._-A e 23._-B do modelo da convenção que visa evitar a dupla tributação prevêem, para se obter tal resultado, dois métodos que, em minha opinião, num intuito de clareza, vale a pena aprofundar um pouco.

64 O artigo 23._-A regulamenta o que se designa por método de isenção com progressividade: quando o residente de um Estado contraente obtém rendimentos que, nos termos das disposições da convenção, são tributáveis noutro Estado, o primeiro Estado isenta tais rendimentos de imposto. Pode, contudo, atender a tais rendimentos para fixar a taxa aplicável aos rendimentos obtidos no Estado de residência. Por outras palavras, se os rendimentos obtidos no Estado de origem não fizerem parte da matéria colectável do imposto a pagar no Estado de residência, o total do imposto a pagar neste Estado é aumentado pelo jogo da progressividade da tabela de tributação no país de residência.

O artigo 23._-B regulamenta o que se designa por método de imputação parcial ou limitada, o qual, diversamente do método acima referido, engloba na matéria colectável do Estado de residência a totalidade dos rendimentos, de origem nacional ou não, obtidos pelo contribuinte. Concretamente, tal método consiste em que, quando o residente de um Estado obtém rendimentos que, nos termos das disposições da convenção, são tributáveis no outro Estado, o primeiro Estado concede, relativamente ao imposto que cobra sobre os rendimentos desse residente, uma dedução de montante igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado. Essa dedução não pode, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributáveis nesse outro Estado.

65 O mecanismo jurídico aplicado pela França, desde a entrada em vigor da alteração de 1989, para evitar que os rendimentos do trabalho assalariado, já tributados na Alemanha por força da convenção, sejam de novo tributados em França, consiste em conceder um crédito de imposto igual ao montante do imposto correspondente a tais rendimentos. O mecanismo que a França aplicava anteriormente consistia em isentar os rendimentos já tributados na Alemanha, embora os tomasse em consideração para a determinação da taxa aplicável aos rendimentos obtidos em França. Em última análise, esses dois métodos, aparentemente diferentes, permitem atingir o mesmo resultado.

66 O objecto de uma convenção bilateral de dupla tributação reside em evitar que os rendimentos já tributados por um dos Estados o sejam de novo no outro. Não é, naturalmente, garantir que, seja onde for que tais rendimentos foram obtidos e seja qual for a sua origem, a tributação de que o contribuinte é objecto num dos Estados não será superior à que lhe seria aplicada no outro. Com efeito, as convenções bilaterais de dupla tributação, conformemente ao artigo 24._ do modelo, estabelecem a regra da igualdade de tratamento dos nacionais com os nacionais do outro Estado.

67 Em qualquer caso, o direito de livre circulação dos trabalhadores não lhes confere, como é evidente, a possibilidade de obterem no Estado de residência o estatuto fiscal mais favorável ao seu caso. Apenas gozam do direito de tratamento fiscal idêntico aos nacionais desse Estado. Considero, além disso, ser esse o resultado obtido pela aplicação do mecanismo previsto na disposição controvertida.

Conclusão

68 À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1) Declare inadmissível a quarta questão prejudicial colocada pelo tribunal administratif de Strasbourg.

2) Responda às demais questões da seguinte forma:

«a) o artigo 220._, segundo travessão, do Tratado CE é desprovido de efeito directo;

b) os artigos 48._ e 220._ do Tratado CE e o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma convenção que vise evitar a dupla tributação, celebrada entre dois Estados-Membros, fixe os critérios de tributação dos rendimentos do trabalho assalariado num ou noutro desses Estados:

- em função do local de exercício da actividade;

- em função da reunião, na esfera do trabalhador, das condições para poder ser considerado trabalhador fronteiriço;

- em função da natureza pública das remunerações recebidas pelo trabalhador e, neste último caso, em função da questão de saber se o trabalhador possui a nacionalidade do Estado que não aquele que lhe paga o salário, sem deter ao mesmo tempo a nacionalidade deste;

c) os artigos 48._ e 220._ do Tratado CE e o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 devem ser interpretados no sentido de não se oporem a que uma convenção que vise evitar a dupla tributação, celebrada entre dois Estados-Membros, disponha que, num destes, a dupla tributação seja evitada através de um mecanismo do tipo do estabelecido no artigo 20._, n._ 2, alínea a), subalínea cc), da convenção franco-alemã, nos termos do qual os rendimentos obtidos na Alemanha por um residente em França, que já tenham sido tributados no primeiro Estado, são tomados em consideração para efeitos do cálculo da matéria colectável do contribuinte em França, beneficiando este de um crédito de imposto, em função do imposto pago no estrangeiro, igual ao montante do imposto francês correspondente a tais rendimentos.»

(1) - Convenção assinada em Paris, em 21 de Julho de 1959, entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha, para evitar a dupla tributação e que estabelece regras de assistência administrativa e jurídica recíproca em matéria do imposto sobre o rendimento e sobre a fortuna bem como em matéria de imposto sobre comércio e indústria e de impostos sobre bens imóveis.

(2) - Alterado pelo artigo G, n._ 8, do Tratado da União Europeia.

(3) - Regulamento do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

(4) - O «splitting» consiste em tomar em consideração o total do rendimento do casal para o imputar ficticiamente a cada um deles na percentagem de 50%. No caso de os rendimentos de um dos cônjuges serem mais elevados do que os do outro, este sistema nivela a matéria colectável e atenua a progressividade da tabela do imposto.

(5) - Acórdão de 16 de Janeiro de 1997, USSL n._ 47 di Biella (C-134/95, Colect., p. I-195, n._ 17).

(6) - Acórdão de 27 de Setembro de 1988, Matteucci (235/87, Colect., p. 5589, n._ 14).

(7) - Acórdãos de 29 de Novembro de 1978, Pigs Marketing Board (83/78, Colect., p. 821, n._ 25); de 28 de Novembro de 1991, Durighello (C-186/90, Colect., p. I-5773, n._ 8); e de 16 de Julho de 1992, Lourenço Dias (C-343/90, Colect., p. I-4673, n._ 15).

(8) - Acórdãos de 3 de Fevereiro de 1983, Robards (149/82, Recueil, p. 171, n._ 19), e Lourenço Dias (já referido na nota 7, n._ 17).

(9) - Acórdãos de 16 de Junho de 1981, Salonia (126/80, Recueil, p. 1563, n._ 6); Durighello (já referido na nota 7, n._ 9); de 28 de Março de 1996, Ruiz Bernáldez (C-129/94, Colect., p. I-1829, n._ 7); e de 12 de Dezembro de 1996, Kontogeorgas (C-104/95, Colect., p. I-6643, n._ 11).

(10) - Acórdão de 16 de Julho de 1992, Meilicke (C-83/91, Colect., p. I-4871, n.os 32 e 33).

(11) - Acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045, n._ 18).

(12) - Acórdão Lourenço Dias (já referido na nota 7, n.os 19 e 20).

(13) - Acórdãos de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz (C-419/92, Colect., p. I-505, n._ 6); e de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos (C-193/94, Colect., p. I-929, n._ 20).

(14) - Acórdão de 11 de Julho de 1985, Mutsch (137/84, Recueil, p. 2681, n._ 11).

(15) - De acordo com as informações constantes do relatório sobre os trabalhadores fronteiriços, apresentado à Assembleia Nacional francesa pelo deputado D. Jacquat, em nome da Comissão dos Assuntos Culturais, Familiares e Sociais, em 22 de Janeiro de 1997 (rapport d'information n._ 3307), com excepção da Grécia, que não tem fronteiras comuns com outros Estados-Membros, e da França, só seis convenções celebradas entre os outros Estados-Membros contêm cláusulas sobre a remuneração dos trabalhadores fronteiriços. Trata-se das convenções entre a República Federal da Alemanha e o Reino da Bélgica, de 11 de Abril de 1967, entre a República Federal da Alemanha e a República da Áustria, de 4 de Outubro de 1954, entre a República da Áustria e a República Italiana, de 29 de Junho de 1981, entre o Reino de Espanha e a República Portuguesa, de 26 de Outubro de 1993, entre os Reinos da Suécia e da Dinamarca, de 16 de Novembro de 1973, e entre o Reino da Suécia e a República da Finlândia, de 27 de Junho de 1993.

(16) - Ibidem, p. 31. Das convenções fiscais bilaterais celebradas pela França, só cinco contêm cláusulas específicas aplicáveis aos trabalhadores fronteiriços. Trata-se das convenções celebradas com a Alemanha, a Bélgica, a Espanha, a Itália e a Suíça. As quatro primeiras prevêem que o salário seja tributável no Estado de residência, sendo que, no caso da Suíça, no que se refere ao cantão de Genebra, em que não foi definida zona fronteiriça, os salários são tributados no local de exercício da actividade, e, no que se refere aos outros cantões, no local de residência.

(17) - Regulamento do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão codificada do Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53).

(18) - Como exemplo recente, posso referir que o artigo 19._ da Convenção entre o Reino de Espanha e a República Francesa para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão e a fraude fiscais em matéria de impostos sobre o rendimento e a fortuna, assinada em Madrid, em 10 de Outubro de 1995 (Journal officiel de la République française, n._ 160, de 11 de Julho de 1997, p. 10511), contém um critério de tributação das remunerações públicas idêntico ao constante do artigo 14._ da convenção franco-alemã em causa.

(19) - Directiva do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94).

(20) - Proposta de directiva do Conselho relativa à harmonização das disposições sobre a tributação dos rendimentos em relação com a livre circulação dos trabalhadores da Comunidade (JO 1980, C 21, p. 6).

(21) - Recomendação da Comissão, de 21 de Dezembro de 1993, relativa à tributação de certos rendimentos auferidos por não residentes num Estado-Membro diferente do da sua residência (JO 1994, L 39, p. 22).

(22) - Acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Colect., p. 273, n._ 24); de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n._ 21); de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, Colect., p. I-2493, n._ 16); de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089, n._ 36); e de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer (C-250/95, Colect., p. I-2471, n._ 19).

(23) - Acórdão de 8 de Maio de 1990, Biehl (C-175/88, Colect., p. I-1779, n.os 11 e 12).

(24) - Acórdãos de 10 de Março de 1993, Comissão/Luxemburgo (C-111/91, Colect., p. I-817, n._ 9), e Scholz (já referido na nota 13, n._ 7).

(25) - Acórdão Scholz (já referido na nota 13, n._ 9).

(26) - Acórdão Schumacker (já referido na nota 22, n._ 30).

(27) - Acórdão Schumacker (já referido na nota 22, n.os 31 a 35).

(28) - O Tribunal de Justiça constatou discriminações desse tipo nos acórdãos Schumacker, Wielockx e Asscher (já referidos na nota 22).

(29) - Acórdão de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C-415/93, Colect., p. I-4921, n._ 94).

(30) - Acórdão de 30 de Novembro de 1995, Esso Española (C-134/94, Colect., p. I-4233, n._ 24).