Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 19 de Maio de 1999. - República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílio de Estado - Conceito - Crédito fiscal - Recuperação - Impossibilidade absoluta. - Processo C-6/97.
Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-02981
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Atribuição de isenção fiscal a certas empresas pelas autoridades públicas - Inclusão
[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE)]
2 Auxílios concedidos pelos Estados - Violação da concorrência - Isenção fiscal concedida às empresas estabelecidas num Estado-Membro sem compensação efectiva das empresas de outros Estados-Membros
[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE)]
3 Auxílios concedidos pelos Estados - Recuperação de um auxílio ilegal - Obrigação - Inexecução - Justificação - Impossibilidade absoluta de execução - Ausência
[Tratado CE, artigo 93._, n._ 2 (actual artigo 88._, n._ 2, CE)]
1 O conceito de auxílio, na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), abrange não só prestações positivas, como as subvenções, mas também intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos.
Uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas isenções fiscais que, não implicando embora transferência de recursos de Estado, colocam os beneficiários numa situação mais favorável que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado.
2 Um sistema de crédito fiscal a favor dos transportadores rodoviários de mercadorias nacionais de um Estado-Membro tem efeitos negativos para os concorrentes dos beneficiários, a saber, os transportadores rodoviários estabelecidos noutros Estados-Membros, quer por conta própria, quer por conta de outrem, na medida em que, mesmo se a legislação do Estado-Membro em causa prevê a concessão de uma compensação a estes transportadores, estes não podem, na ausência de disposições precisando as modalidades de concessão desta compensação, invocar com êxito o direito a tal compensação.
3 Embora se admita que um Estado-Membro possa invocar a impossibilidade absoluta de executar correctamente uma decisão comunitária que lhe impõe a recuperação de um auxílio ilícito, esta condição não está contudo preenchida quando o Estado-Membro em causa se limita a invocar as dificuldades jurídicas ou práticas que a execução da decisão apresenta, sem efectuar qualquer espécie de diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio.
No processo C-6/97,
República Italiana, representada pelo professor Umberto Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Laura Pignataro, Anders C. Jessen, membros do Serviço Jurídico, e Enrico Altieri, funcionário nacional destacado para este serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
"que tem por objecto a anulação da Decisão 97/270/CE da Comissão, de 22 de Outubro de 1996, relativa ao regime de crédito fiscal instituído pela Itália no sector do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (C 45/95 ex NN 48/95) (JO 1997, L 106, p. 22),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção),
composto por: P. J. G. Kapteyn, presidente de secção, G. Hirsch (relator), G. F. Mancini, H. Ragnemalm e R. Schintgen, juízes,
advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 16 de Julho de 1998, na qual o Governo italiano foi representado por Oscar Fiumara e a Comissão por Laura Pignataro e Dimitrios Triantafyllou, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Setembro de 1998,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Janeiro de 1997, a República Italiana pediu, nos termos do artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), a anulação da Decisão 97/270/CE da Comissão, de 22 de Outubro de 1996, relativa ao regime de crédito fiscal instituído pela Itália no sector do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (C 45/95 ex NN 48/95) (JO 1997, L 106, p. 22, a seguir «decisão controvertida»).
2 A República Italiana instituiu, para os exercícios fiscais de 1993 e 1994, um regime de crédito fiscal aos transportadores rodoviários de mercadorias italianos e uma compensação destinada aos transportadores comunitários não italianos em função do consumo de combustível no trajecto realizado no território italiano, segundo as modalidades definidas nas Leis n._ 162, de 27 de Maio de 1993 (GURI n._ 123, de 28 de Maio de 1993), e n._ 84, de 22 de Março de 1995 (GURI n. 68, de 22 de Março de 1995), bem como no Decreto-Lei n._ 402, de 26 de Setembro de 1995 (GURI n._ 226, de 27 de Setembro de 1995).
3 O crédito fiscal apresentava-se sob a forma de uma bonificação que os transportadores rodoviários italianos podiam deduzir, à escolha, das quantias que deviam a título do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, do imposto local sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), bem como das retenções na fonte sobre os rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem e das compensações sobre o trabalho autónomo. Os transportadores rodoviários de mercadorias italianos aos quais se aplicava este regime de crédito fiscal eram os que se encontravam inscritos no registo regulado pela Lei n._ 298, de 6 de Junho de 1974.
4 O montante do crédito fiscal era fixado em percentagem do custo efectivo dos combustíveis e lubrificantes, sem IVA, mas não podia exceder certos limites, determinados em função do peso dos veículos com carga, consoante este peso fosse inferior a 6 000 kg, compreendido entre 6 000 e 11 500 kg, compreendido entre 11 500 e 24 000 kg e superior a 24 000 kg. Os montantes máximos eram calculados com base na hipótese de que as quatro categorias de veículos podiam percorrer respectivamente 8, 6, 3,5 e 2,2 quilómetros por litro de gasóleo consumido.
5 O regime previa, além disso, para cada período de aplicação, a concessão de uma compensação em favor das empresas de transportes estabelecidas nos outros Estados-Membros, em função do consumo de gasóleo necessário para efectuar o trajecto no território italiano. As verbas orçamentais destinadas a esta compensação eram, respectivamente, para o exercício de 1993 e para os primeiro e segundo semestres de 1994, de 30, 15 e 8 mil milhões de LIT.
6 Por carta de 4 de Dezembro de 1995 (JO 1996, C 3, p. 2), a Comissão informou as autoridades italianas da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 2, CE) em relação a esse regime fiscal. Na mesma carta, a Comissão solicitou à República Italiana, por um lado, que lhe fornecesse todos os documentos e informações necessárias que lhe permitissem examinar a compatibilidade do auxílio e, por outro, que suspendesse imediatamente o pagamento de qualquer novo auxílio assumindo a forma do crédito fiscal.
7 Por carta de 26 de Março de 1996, a República Italiana apresentou as suas observações. Esclareceu, nomeadamente, que os decretos ministeriais, que deviam prever as modalidades de concessão da compensação em favor das empresas estabelecidas nos outros Estados-Membros, ainda não estavam prontos na sua versão definitiva, mas que, de qualquer modo, não seriam adoptados, a fim de agir em conformidade com a intimação da Comissão.
8 No termo do procedimento, a Comissão adoptou, em 22 de Outubro de 1996, a decisão controvertida, cujos artigos 1._, 2._ e 3._ dispõem:
«Artigo 1._
O regime de auxílio instituído pela Itália a favor do sector do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem sob forma de crédito fiscal, segundo as modalidades definidas nas Leis n._ 162, de 27 de Maio de 1993 (GURI n._ 123 de 28.5.1993) e n._ 84, de 22 de Março de 1995 (GURI n._ 68 de 22.3.1995), e no Decreto-Lei n._ 402, de 26 de Setembro de 1995 (GURI n._ 226 de 27.9.1995), é ilegal, na medida em que foi introduzido em violação das regras de procedimento previstas no n._ 3 do artigo 92._ O referido regime é, além disso, incompatível com o mercado comum, nos termos do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado, na medida em que não preenche nenhuma das condições exigidas para a aplicação das derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 92._, nem as condições do Regulamento (CEE) n._ 1107/70.
Artigo 2._
A Itália suprimirá o auxílio a que se refere o artigo 1._, abster-se-á de adoptar novos actos legislativos e regulamentares com vista à introdução de novos auxílios sob a forma descrita no artigo 1._ e recuperará os montantes já pagos. O auxílio será reembolsado de acordo com as regras de procedimento e de aplicação da legislação italiana e será acrescido dos juros correspondentes, calculados com base na taxa de referência utilizada na avaliação dos regimes regionais de auxílio e contados a partir da data do pagamento do auxílio até à data do seu reembolso efectivo.
Artigo 3._
A Itália informará a Comissão das medidas adoptadas para o cumprimento da presente decisão num prazo de dois meses a contar da data da sua notificação.»
9 Em apoio do seu recurso, a República Italiana invoca um fundamento único assente na violação dos artigos 92._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE) e 93._ do Tratado, fundamento dividido em duas partes, uma principal e a outra subsidiária.
10 A título principal, a República Italiana sustenta que o regime de bonificação fiscal não constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, porque não há atribuição - directa ou indirecta - de recursos estatais que falseie ou ameace falsear a concorrência afectando o comércio intracomunitário. A título subsidiário, alega que a recuperação do auxílio, prevista no artigo 2._ da decisão controvertida, é absolutamente impossível.
Quanto à natureza de auxílio de Estado na acepção do artigo 92._ do Tratado CE
11 Partindo da verificação, no primeiro considerando da parte IV da decisão controvertida, de que «O artigo 92._ não estabelece uma distinção em função da forma, da causa ou dos objectivos das intervenções previstas, mas sim em função dos seus efeitos», a República Italiana salienta que podia ter legalmente obtido o mesmo efeito que obteve com o crédito fiscal diminuindo o montante do imposto específico sobre o combustível, o que teria implicado uma diminuição proporcional do IVA e do preço de venda ao público do gasóleo. Todavia, não se instaurou esse regime porque, se o mesmo tivesse sido alargado a todos os consumidores que utilizam gasóleo - empresas e particulares -, teria provocado uma diminuição global inaceitável das receitas fiscais, ao passo que, se tivesse sido efectuada uma diferenciação ao nível da venda do gasóleo entre os transportadores rodoviários e os outros utilizadores (nomeadamente os proprietários de veículos automóveis), não teria podido encontrar-se nenhuma solução satisfatória a fim de evitar as fraudes, em razão da impossibilidade de estabelecer uma distinção entre os recursos concedidos a uns e os concedidos aos outros.
12 Em seguida, a República Italiana assinala que, diferentemente da verificação consignada no segundo considerando da parte IV da decisão controvertida, o crédito fiscal em favor dos transportadores rodoviários italianos não constitui nem uma derrogação temporária nem um derrogação definitiva à aplicação de um regime fiscal geral. Com efeito, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ou colectivas, o imposto bruto sobre os rendimentos e o IVA, bem como as retenções na fonte sobre os rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem e as compensações sobre o trabalho autónomo permanecem inalterados, tanto quanto à forma como quanto à essência. A dedução da bonificação fiscal, estritamente ligada à quantidade de gasóleo e de óleo mineral adquirida em Itália, constitui com efeito apenas uma operação contabilística sob a forma de «compensação de caixa» ou seja, um reembolso indirecto das imposições pagas sobre o combustível.
13 Segundo a Comissão, o conceito de auxílio, previsto pelo Tratado e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que é extremamente lato, retira qualquer interesse a uma investigação quanto à própria natureza da medida em direito nacional ou segundo os princípios de contabilidade da empresa em causa, dado que é pacífico que esta medida implica uma diminuição das receitas do orçamento do Estado (no caso em apreço, trata-se precisamente de receitas fiscais) e traduz-se numa vantagem correspondente para certas empresas.
14 A este respeito, recorde-se que, segundo o artigo 92._, n._ 1, do Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
15 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o conceito de auxílio abrange não só prestações positivas, como as subvenções, mas também intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954-1961, p. 551, n._ 39, e de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, Colect., p. I-0000, n._ 34).
16 Ora, uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas isenções fiscais que, não implicando embora transferência de recursos de Estado, colocam os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado (acórdão de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n._ 14).
17 Basta aqui verificar que a regulamentação nacional objecto da decisão controvertida se destinava a reduzir a carga fiscal dos transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem. Preenchendo a condição de especificidade que constitui uma das características do conceito de auxílio de Estado (v. acórdão Ecotrade, já referido, n._ 40), é supérfluo determinar se outras regulamentações fiscais de que teria igualmente beneficiado o sector em causa escapariam à qualificação de auxílio na acepção do artigo 92._ do Tratado.
18 A República Italiana sublinha ainda que, em Itália, os impostos especiais sobre o gasóleo, tal como os impostos especiais sobre os outros óleos minerais, sempre foram uma componente importante das receitas do Estado e foram portanto sempre fixados a um nível elevado, e até mesmo, em termos absolutos, ao nível mais elevado de toda a Comunidade. A este respeito, remete para os números reproduzidos no quinto considerando da parte IV da decisão controvertida, dos quais resulta que os impostos especiais sobre o gasóleo aplicados nos Estados limítrofes são todos claramente inferiores aos existentes em Itália.
19 Segundo a República Italiana, contrariamente à afirmação do sétimo considerando, segundo a qual a existência de disparidades legislativas provocando distorções de concorrência não justifica a concessão de auxílios de Estado compensatórios, o regime introduzido restabelecia uma paridade legislativa (por um sistema de reembolso mais flexível que uma redução da pressão fiscal, mas com efeitos inteiramente equivalentes) indispensável para todo o sector em questão.
20 A Comissão alega que uma diferença de carga fiscal sobre uma actividade não pode, por si só, justificar a concessão de um auxílio de Estado. No caso em apreço, o regime de crédito fiscal traduz-se num aumento da margem bruta de autofinanciamento de um único sector económico, a saber, o dos transportadores italianos rodoviários de mercadorias por conta de outrem, pela concessão de uma derrogação temporária à aplicação de um regime fiscal geral. Não se trata portanto de uma isenção justificada pela natureza ou pela sistemática do regime.
21 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a circunstância de um Estado-Membro procurar aproximar, através de medidas unilaterais, as condições de concorrência de um determinado sector económico das existentes noutros Estados-Membros não retira a estas medidas a natureza de auxílios (v., neste sentido, acórdão de 10 de Dezembro de 1969, Comissão/França, 6/69 e 11/69, Colect., 1969-1970, p. 205, n._ 21). Assim, há que examinar se o crédito fiscal tem efeitos negativos para os concorrentes dos beneficiários, a saber, os transportadores rodoviários estabelecidos noutros Estados-Membros, quer por conta própria, quer por conta de outrem.
22 A este respeito, a República Italiana alega que não se encontra previsto qualquer reembolso em favor de empresas que efectuam transportes por conta própria, de modo que o preço do gasóleo é totalmente repercutido sobre os custos de distribuição dos produtos. Todavia, esta parte do custo global tem uma incidência marginal na medida em que é apenas uma modesta componente acessória no quadro mais geral dos custos globais da actividade principal da empresa e é incontestável que não está directamente ligada aos custos de produção a cargo das outras empresas concorrentes no âmbito do mercado comum. Perante a ausência de carácter homogéneo das actividades em causa, não é aceitável, como a Comissão faz no décimo sexto considerando da parte IV da decisão controvertida, comparar as condições de exercício das actividades concorrentes sem ter em conta as outras actividades que podem ser exercidas pelas empresas.
23 Quanto à incidência da bonificação fiscal no âmbito da concorrência entre empresas de transportes ao nível comunitário, a República Italiana sublinha que, contrariamente ao nono considerando, o mecanismo de cálculo do montante do crédito fiscal, nomeadamente atendendo aos máximos previstos para cada uma das categorias de veículos, não favorece os veículos com maior capacidade de carga, ou seja, os que se encontram a maior parte das vezes em concorrência nos mercados internacionais. Esclarece que os transportadores italianos que se deslocam ao exterior do país não operam apenas no território a que se deslocam com o combustível adquirido localmente a preço inferior; à semelhança dos transportadores não italianos, regressam a Itália depois de terem atestado os depósitos e o gasóleo adquirido no estrangeiro não intervém na determinação da bonificação fiscal. Os maiores beneficiários do sistema são portanto os transportadores italianos que não efectuem transportes no estrangeiro.
24 A Comissão assinala que o equilíbrio no plano da concorrência entre os transportadores por conta própria e os por conta de outrem pode ser rompido por um auxílio que reduz, para uma destas categorias, um custo que caso contrário todas deviam tomar em consideração de igual modo no cálculo do seu lucro. Tal vale evidentemente tanto para a discriminação entre as actividades de empresas de transportes realizadas por conta própria ou por conta de outrem como para a discriminação entre grandes e pequenas empresas de transportes (tendo em conta o número máximo de veículos relativamente aos quais a lei italiana autoriza o crédito fiscal).
25 Recorde-se que resulta dos termos do décimo quarto considerando da parte IV da decisão controvertida que «Os transportadores rodoviários de mercadorias italianos por conta de outrem estão em concorrência tanto com os transportadores rodoviários de outras nacionalidades como com os transportadores de mercadorias por conta própria».
26 No que respeita ao transporte por conta própria, o décimo quinto considerando precisa que este representava, em 1992, 19,2% do transporte nacional e 3,8% do transporte internacional efectuado por transportadores italianos. Quanto à concorrência com outras empresas comunitárias de transportes por conta de outrem, o décimo sétimo considerando indica que, em 1992, o transporte internacional representava cerca de 16,2% da actividade dos transportes rodoviários por conta de outrem italianos, em termos de toneladas-quilómetro.
27 A República Italiana admite que o sistema de crédito fiscal em causa tem efeitos negativos na concorrência entre transportadores rodoviários italianos e estrangeiros. Quanto à tese segundo a qual os veículos com maior capacidade de carga, ou seja, os mais susceptíveis de estar em concorrência no mercado internacional, não beneficiam mais do sistema, dado que operam no território italiano com o gasóleo adquirido no estrangeiro, que não intervém na determinação da bonificação fiscal, basta verificar que esta tese não é corroborada por nenhum dado.
28 Por fim, a República Italiana sustenta que, no que se refere à verificação do décimo primeiro considerando, segundo o qual as modalidades da compensação não foram definidas nem aplicadas, a adopção do decreto de execução para o pagamento da contribuição aos transportadores não italianos foi bloqueada pelo início do procedimento de infracção. Todavia, a não adopção tempestiva da regulamentação organizando tal mecanismo não impede os interessados de apresentar ainda hoje o seu pedido de reembolso com base na regulamentação em vigor. A ausência, até agora, de qualquer pedido neste sentido demonstra que os operadores não nacionais não manifestam no fundo nenhum interesse pelo sistema, podendo operar em Itália com o depósito cheio de combustível adquirido a preço inferior no território de proveniência.
29 A Comissão observa que, se é verdade que os referidos decretos não foram adoptados, o crédito fiscal foi no entanto concedido aos transportadores rodoviários italianos por força dos actos legislativos em vigor. O Governo italiano contentou-se assim em não adoptar outras disposições, respeitando a intimação feita no artigo 2._ da decisão controvertida limitando-se ao regime discriminatório em vigor, operando assim uma «escolha» entre as disposições e aplicando de facto o regime a propósito do qual a Comissão já tinha iniciado o procedimento de infracção. A atitude dos transportadores não italianos que não apresentaram qualquer pedido de reembolso explica-se portanto precisamente pela ausência de uma regulamentação.
30 A este respeito, saliente-se que, na ausência de disposições precisando as modalidades de concessão da compensação anunciada, os transportadores rodoviários dos outros Estados-Membros não podiam, de qualquer modo, invocar com êxito o direito a tal compensação.
31 Assim, há que rejeitar os argumentos assentes na ausência da natureza de auxílio do regime de crédito fiscal em causa.
Quanto à impossibilidade de recuperação do auxílio
32 No que respeita à obrigação, prevista no artigo 2._ da decisão controvertida, de recuperar o auxílio concedido, a República Italiana alega que, por um lado, um pedido de reembolso das quantias aos transportadores, seja sob que forma for, provocaria um conflito social de que o Estado sairia a perder e, por outro, as operações técnicas necessárias para a recuperação das quantias em causa colocariam dificuldades que razoavelmente se podem considerar insuperáveis devido ao grande número de pessoas em causa e à necessidade de repartir a bonificação fiscal entre diversos impostos e diversas taxas de imposição.
33 No que respeita, em primeiro lugar, a este último argumento, o representante do Governo italiano admitiu na audiência que a administração dos impostos italiana pode identificar os diferentes transportadores italianos que beneficiaram da bonificação e pedir-lhes, por via normal ou judicial, o reembolso.
34 No que respeita, em segundo lugar, ao primeiro argumento, recorde-se que, não tendo o Governo italiano feito qualquer tentativa para recuperar o crédito fiscal em questão, não fica demonstrada a impossibilidade de executar a decisão de recuperação (v. acórdão de 29 de Janeiro de 1998, Comissão/Itália, C-280/95, Colect., p. I-259, n._ 15).
35 Nestas condições, há que negar provimento ao recurso.
Quanto às despesas
36 Por força do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Italiana sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção)
decide:
37 É negado provimento ao recurso.
38 A República Italiana é condenada nas despesas.