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Advertência jurídica importante

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61997C0202

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 28 de Janeiro de 1999. - Fitzwilliam Executive Search Ltd contra Bestuur van het Landelijk instituut sociale verzekeringen. - Pedido de decisão prejudicial: Arrondissementsrechtbank Amsterdam - Países Baixos. - Segurança social dos trabalhadores migrantes - Determinação da legislação aplicável - Trabalhadores temporários destacados noutro Estado-Membro. - Processo C-202/97.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-00883


Conclusões do Advogado-Geral


1 A regra geral prevista no Regulamento (CEE) n._ 1408/71 (1) é a de que o trabalhador está sujeito ao regime de segurança social do Estado no qual exerça uma actividade assalariada [artigo 13._, n._ 2, alínea a)]. Contudo, se «a empresa de que [ele] normalmente depende» o destacar para trabalhar temporariamente noutro Estado-Membro, continua sujeito ao regime da segurança social do primeiro Estado [artigo 14._, n._ 1, alínea a)] (2).

2 O presente processo assenta na interpretação desta última regra («a regra dos trabalhadores destacados»), que suscitou preocupação quanto a abusos do sistema por parte de empregadores que prestam serviços num Estado, mas que decidem estabelecer-se noutro, em que os custos de segurança social são inferiores. A aplicação da regra dos trabalhadores destacados é atestada por um certificado emitido pelo Estado-Membro cuja legislação se mantém aplicável, nos termos do artigo 11._ do Regulamento (CEE) n._ 574/72 (3) (um certificado E 101). Colocaram-se também questões sobre a medida em que tais certificados vinculam outros Estados-Membros.

Os factos

3 A Fitzwilliam Executive Search Ltd (a seguir «Fitzwilliam») é uma empresa de trabalho temporário que coloca pessoal tanto na Irlanda como nos Países Baixos. A empresa estabeleceu-se na Irlanda em 1989. É uma sociedade de direito irlandês. Começou a colocar trabalhadores nos Países Baixos em 1991. De 1993 a 1996 o seu volume de negócios nos Países Baixos ultrapassou o da Irlanda. Parece contudo que apenas coloca trabalhadores irlandeses residentes na Irlanda e não coloca residentes nos Países Baixos.

4 Os escritórios da Fitzwilliam são em Dublin. Esses escritórios incluem um edifício de cinco andares, de aproximadamente 200 m2, com vinte empregados. Apesar de ter dois representantes nos Países Baixos, a Fitzwilliam sustenta que eles apenas servem como pontos de contacto, não tendo qualquer poder para vincular a sociedade.

5 Nos Países Baixos, a Fitzwilliam fornece pessoal essencialmente para os sectores agrícola e hortícola. Na Irlanda actua noutros sectores. A Fitzwilliam afirma que o trabalho levado a cabo em ambos os Estados é semelhante, uma vez que exige pouca qualificação. Acrescenta que o trabalho efectuado nos Países Baixos não parece ser bem aceite pelos nacionais neerlandeses, sendo frequentemente feito por trabalhadores ilegais oriundos de países terceiros. De acordo com a instituição neerlandesa de segurança social, a demandada na presente acção, actualmente denominada Bestuur van het Landelïjk instituut sociale verzekeringen (a seguir «LISV»), o pessoal colocado pela Fitzwilliam na Irlanda trabalha sobretudo na indústria de computadores.

6 O Irish Department of Social Welfare (4) emitiu certificados E 101 comprovativos de que os trabalhadores enviados pela Fitzwilliam para os Países Baixos permaneciam sujeitos à legislação irlandesa sobre segurança social. Contudo, o LISV impugna a validade desses certificados. Na sua opinião, os trabalhadores enviados pela Fitzwilliam não estão abrangidos pela regra dos trabalhadores destacados. Sem consultar o Irish Department of Social Welfare, reclamou o pagamento de contribuições para a segurança social relativas a esses trabalhadores. A Fitzwilliam recorreu dessa decisão e no quadro desta o Arrondissementsrechtbank te Amsterdam submeteu a este Tribunal as questões que adiante se referem:

7 A Fitzwilliam alega que foi molestada pelo número de inspecções e inquéritos feitos pela LISV, e que inspecções sem aviso prévio, feitas pelo LISV a clientes seus, levaram estes a colocar em causa a legalidade do seu procedimento nos negócios. A Fitzwilliam queixou-se desse facto à Comissão.

8 As questões submetidas pelo Arrondissementsrechtbank são as seguintes:

«1) a) Pode o conceito `empresa de que normalmente depende', referido no artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 1408/71, ser interpretado no sentido de que podem ser exigidos requisitos ou condições suplementares não expressamente previstos nesta disposição?

b) Em caso de resposta afirmativa,

i) As autoridades de um Estado-Membro podem elas próprias fixar esses requisitos ou condições?

ii) Podem, na interpretação do conceito `empresa de que normalmente depende', referido no artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 - baseados ou não na decisão n._ 128 - ser fixados requisitos quantitativos relativos às actividades desenvolvidas nos diferentes Estados-Membros, volume de negócios realizado e pessoal ocupado?

iii) Pode a este respeito ser exigido que as actividades desenvolvidas pelo empregador nos diferentes Estados-Membros sejam exactamente as mesmas?

iv) Se os requisitos mencionados em ii) e iii) não puderem ser exigidos, então que (tipo de) requisitos o podem ser?

v) Devem estes - eventuais - requisitos a exigir ser comunicados ao empregador antes do início da actividade?

c) Em caso de resposta negativa à questão 1, alínea a),

i) Os órgãos de execução dispõem, atendendo aos acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos C-19/67 (Van der Vecht) e C-35/70 (Manpower), ainda de alguma margem de apreciação relativamente ao conceito `empresa de que normalmente depende', referido no artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 1408/71?

ii) Em caso de resposta afirmativa, de que margem de interpretação dispõem elas?

2) a) Um certificado emitido pela instituição competente de um Estado-Membro, na acepção do artigo 11._, n._ 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 574/72, é sempre, no que diz respeito aos seus efeitos jurídicos, vinculativo para as autoridades de um outro Estado-Membro?

b) Em caso de resposta negativa,

i) Em que circunstâncias tal não se verifica?

ii) Pode o valor probatório do certificado emitido pelas autoridades de um Estado-Membro ser afastado sem a intervenção da instituição que emitiu a declaração?

iii) Se a resposta a esta questão for negativa, que forma deve assumir a intervenção da instituição que emitiu o certificado?»

9 Foram apresentadas observações escritas pelas partes, pelos Governos belga, francês, alemão, irlandês, neerlandês e do Reino Unido e ainda pela Comissão. Com excepção do Governo belga, todos os que apresentaram observações escritas fizeram-se representar na audiência.

As disposições comunitárias

10 O artigo 13._, n._ 1 do Regulamento n._ 1408/71 estabelece a regra de acordo com a qual as pessoas a quem o mesmo se aplique só estão sujeitas à legislação de um único Estado-Membro. A legislação aplicável é determinada nos termos do título II do referido regulamento.

11 A regra geral estabelecida no Regulamento n._ 1408/71, no que respeita à determinação da legislação da segurança social aplicável aos trabalhadores migrantes, consta do artigo 13._, n._ 2, alínea a). Tal preceito dispõe da seguinte forma:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 14._ a 17._:

a) A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação deste Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-Membro;

...»

12 Assim, a legislação aplicável é normalmente a do Estado do emprego. Contudo, o artigo 14._ estabelece «regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma actividade assalariada, não sendo pessoal do mar». O n._ 1, alínea a) desse artigo, em apreço no caso presente, fixa regras para trabalhadores destacados. Esse preceito dispõe o seguinte:

«A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro, ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado-Membro a fim de aí efectuar um trabalho por conta desta última, continua sujeita à legislação do primeiro Estado-Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o seu período de destacamento.»

13 O debate suscita-se em particular sobre a expressão «empresa de que normalmente depende».

14 O diploma anterior ao Regulamento n._ 1408/71, o Regulamento n._ 3 (5) continha disposições semelhantes. Importa levar em conta a redacção dessa disposição, uma vez que os principais acórdãos do Tribunal de Justiça, neste tema, foram proferidos mais com referência ao Regulamento n._ 3 do que ao Regulamento n._ 1408/71. O artigo 13._, alínea a) do Regulamento n._ 3 tinha a seguinte redacção:

«Os trabalhadores assalariados e assimilados, cuja residência permanente seja no território de um Estado-Membro e cujo local de emprego seja no território de outro Estado, ao serviço de uma empresa que tenha no território do primeiro Estado um estabelecimento, no qual exerça normalmente a sua actividade, estão sujeitos à legislação do primeiro como se nele estivessem empregados, desde que a duração provável do seu trabalho no segundo Estado não exceda doze meses.»

15 Posteriormente essa disposição foi alterada pelo Regulamento n._ 24/64/CEE (6), tendo-se tornado no artigo 13._, n._ 1, alínea a) do Regulamento n._ 3. A nova redacção era a seguinte:

«Um assalariado ou trabalhador assimilado que, estando ao serviço de uma empresa que tenha no território de um Estado-Membro um estabelecimento em que normalmente exerça a sua actividade, seja destacado pela empresa para o território de outro Estado-Membro, para aí trabalhar ao serviço dessa mesma empresa, continua sujeito à legislação do primeiro Estado-Membro como se estivesse a trabalhar no seu território, desde que a duração previsível do trabalho que ele irá realizar não exceda doze meses e que esse trabalhador não seja enviado em substituição de outro que tenha chegado ao fim do período do seu destacamento.»

16 O artigo 14._, n._ 1, alínea a) do Regulamento n._ 1408/71 tem sido o objecto de decisões interpretativas adoptadas pela comissão administrativa das Comunidades Europeias para a segurança social dos trabalhadores migrantes (a seguir «comissão administrativa»). Essas decisões são tomadas nos termos do artigo 81._ do Regulamento n._ 1408/71 (anteriormente, artigo 43._ do Regulamento n._ 3). O n._ 1 da decisão n._ 128 (7) da comissão administrativa, em vigor na altura que importa para o caso, dispunha que:

«O disposto no n._ 1, alínea a), do artigo 14._, do Regulamento (CEE) n._ 1408/71, aplica-se igualmente a um trabalhador sujeito à legislação de um Estado-Membro que seja contratado no Estado-Membro em que a empresa tenha a sua sede ou estabelecimento para ser destacado... para o território de outro Estado-Membro... desde que:

a) Subsista um vínculo orgânico entre essa empresa e o trabalhador durante o período do seu destacamento.

b) Essa empresa exerça normalmente a sua actividade no território do primeiro Estado-Membro, ou seja, no caso em que uma empresa, cuja actividade consista em colocar temporariamente pessoal à disposição de outras empresas (8), coloque habitualmente pessoal à disposição de utilizadores estabelecidos no território desse Estado a fim de ser empregado nesse território.»

17 Essa decisão foi substituída pela decisão n._ 162 (9). Esta última tem uma redacção semelhante, apesar de ser digno de nota que, na versão inglesa, a expressão «normally makes staff available» (coloque normalmente pessoal à disposição) tenha sido substituída pela expressão «usually makes staff available» (coloque habitualmente pessoal à disposição). Dispõe também que, no caso de uma empresa cuja actividade não consista em colocar pessoal temporariamente à disposição de outras empresas, a empresa deve exercer «uma parte substancial da sua actividade» no território do primeiro Estado-Membro e aí empregar «habitualmente» o seu pessoal.

18 Pode-se referir nesta fase, de acordo com a jurisprudência assente, que essas decisões, apesar de poderem prestar uma ajuda às instituições de segurança social responsáveis pela aplicação do direito comunitário, não são susceptíveis de vincular essas instituições na utilização de determinados métodos ou adoptar determinadas interpretações na aplicação do direito comunitário (acórdão Van der Vecht (10) e Romano (11)).

19 Tal como acima referido, a possibilidade de aplicação da regra dos trabalhadores destacados a um trabalhador em particular é comprovada por um certificado emitido nos termos do artigo 11._ do Regulamento n._ 574/72. Esse artigo dispõe que, a pedido do trabalhador ou da sua entidade patronal, a «instituição designada pela autoridade competente do Estado-Membro cuja legislação continua a ser aplicável emitirá um certificado comprovativo de que o trabalhador assalariado continua sujeito a essa legislação, certificado que indicará também até que data essa situação se manterá».

Primeira questão

20 Na primeira parte da primeira questão, o tribunal nacional pergunta se o conceito «empresa de que normalmente depende», referido no artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71, pode ser interpretado impondo outros requisitos ou condições, não expressamente previstos nessa disposição.

21 É claro que as disposições de um regulamento apenas podem ser complementadas por outra legislação comunitária. Se um Estado-Membro tivesse a liberdade de impor outros requisitos ou condições, tal facto impediria a aplicação uniforme do regulamento em questão e colocaria em causa os próprios fins do regulamento. Isto é particularmente claro em relação ao título II do Regulamento n._ 1408/71, em apreço no caso presente. O Tribunal de Justiça tem constantemente declarado que as disposições do título II constituem um sistema completo e uniforme de regras de conflito de leis, cujo objectivo é o de assegurar que os trabalhadores que se deslocam no interior da Comunidade apenas estarão sujeitos ao regime de segurança social de um Estado-Membro, de modo a evitar que seja aplicável mais de um sistema legislativo e a evitar as complicações que daí podem advir (12). O caso presente fornece um exemplo do modo como esse objectivo poderia ser frustrado se um Estado-Membro pudesse impor condições suplementares: não sendo tais condições conformes ao regulamento, isso poderia conduzir ao resultado de um trabalhador estar sujeito simultaneamente a mais de um sistema de segurança social.

22 Nem mesmo a própria comissão administrativa (13) pode impor outros requisitos ou condições, uma vez que a sua competência se esgota nas questões de interpretação emergentes das disposições do Regulamento n._ 1408/71.

23 Contudo, tal como refere a Fitzwilliam, a primeira questão, tomada no seu conjunto, pode ser considerada como visando, em substância, como deve ser interpretado o artigo 14._, n._ 1, alínea a), isto é, que critérios se devem aplicar, a fim de determinar se um trabalhador depende normalmente de uma empresa. Em face disso, tratar-se-á o restante da primeira questão nessa base.

24 Na resposta a essa questão poderá obter-se o auxílio de anterior jurisprudência do Tribunal de Justiça.

25 O Tribunal de Justiça já fixou em dois anteriores acórdãos (Van der Vecht (14) e Manpower (15)) determinados princípios relevantes para a situação factual do caso presente. É certo que estes acórdãos foram proferidos há muitos anos e respeitavam ao Regulamento n._ 3, antecessor do Regulamento n._ 1408/71 (na realidade, as disposições em causa eram ligeiramente diferentes entre si, uma vez que o caso Manpower respeitava ao Regulamento n._ 3 com a redacção dada pelo Regulamento n._ 24/64). Contudo, as disposições relevantes do Regulamento n._ 3 eram semelhantes ao artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71.

26 A versão original do Regulamento n._ 3 não incluía o termo «destacado». De acordo com o advogado-geral Dutheillet de Lamothe, nas suas conclusões no processo Manpower, essa expressão foi incluída a fim de evitar abusos do sistema. Aí expôs que certas empresas «contrataram obras fora do seu país de origem, fazendo as rotações necessárias do seu pessoal destacado para que este continuasse sujeito à legislação do seu país de origem, onde os encargos sociais eram menos elevados do que no país onde esse pessoal trabalhava. Essas práticas foram verificadas nomeadamente em França, na indústria da construção civil e madeireira» (16). Pode-se ainda acrescentar que a versão alterada do Regulamento n._ 3 também aditou a disposição segundo a qual o artigo 13._, n._ 1, alínea a), não era aplicável no caso de o trabalhador ter sido enviado para substituir outro trabalhador que tivesse atingido o fim do seu período de destacamento.

27 A versão original do Regulamento n._ 3 estava redigida em termos conducentes à aplicação do sistema de segurança social decorrente da lei do Estado em que a empresa tivesse um estabelecimento do qual o trabalhador normalmente dependesse e no qual o trabalhador tivesse a sua residência permanente, se o trabalhador estivesse a trabalhar ao serviço dessa empresa, no território de outro Estado-Membro, desde que a duração provável do trabalho nesse outro Estado não excedesse doze meses. A nova versão desse regulamento dispunha que o trabalhador continuava sujeito ao sistema de segurança social do Estado no qual a empresa tivesse um estabelecimento do qual ele normalmente dependesse, tal como se estivesse ainda a trabalhar no seu território, se fosse destacado por essa empresa para outro Estado-Membro para aí trabalhar ao seu serviço, desde que a duração previsível do trabalho não excedesse doze meses e que o trabalhador não fosse enviado para substituir outro trabalhador que tivesse atingido o fim do seu período de destacamento.

28 O artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71 dispõe que continua a aplicar-se a lei do Estado-Membro no qual a pessoa que exerça uma actividade assalariada... ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, quando é destacada por essa empresa para o território de outro Estado-Membro, desde que a duração previsível do trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada para substituir outra pessoa que tenha terminado o seu período de destacamento.

29 A jurisprudência acima referida estabeleceu que a regra dos trabalhadores destacados se aplica igualmente:

- se o trabalhador for enviado para outro Estado-Membro por uma empresa de trabalho temporário que fornece pessoal temporário (acórdão Manpower, n.os 13 a 15);

- se o trabalhador tiver sido contratado para trabalhar no território de um Estado-Membro diferente daquele em que a empresa que o contratou tem a sua sede (acórdão Van der Vecht, p. 354; acórdão Manpower, n._ 14); ou

- se o trabalho em causa for diferente do normalmente prosseguido pela empresa em questão (acórdão Van der Vecht, Recueil, p. 457).

30 O Tribunal de Justiça declarou que a regra dos trabalhadores destacados visa «superar os obstáculos susceptíveis de constituir um entrave à livre circulação dos trabalhadores e facilitar a interpenetração económica, evitando ao mesmo tempo complicações administrativas aos trabalhadores, empresas e organismos de segurança social» (acórdão Manpower, n._ 10). O Tribunal de Justiça observou ainda que, a ser necessário aplicar o regime de segurança social do Estado em que fossem levados a cabo curtos períodos de trabalho pelo trabalhador destacado, o trabalhador seria mais lesado, uma vez que, geralmente, os regimes legislativos nacionais excluem os curtos períodos do benefício de certas prestações sociais (acórdão Manpower, n.os 11 e 12).

31 À luz dessas afirmações do Tribunal de Justiça, não me parece que as disposições do artigo 14._, n._ 1, alínea a), devam ser interpretadas restritivamente pelo facto de, como é alegado pelos Governos belga e alemão, constituírem uma excepção à regra geral fixada pelo regulamento (o direito do Estado do local de trabalho). Parece-me que o artigo 14._, n._ 1, alínea a), constitui uma lex specialis, totalmente consistente com os objectivos básicos do regulamento e que se destina a aumentar a livre circulação dos trabalhadores e, na realidade, outra liberdade fundamental do Tratado, a livre prestação de serviços. Assim, os termos do artigo 14._, n._ 1, alínea a), não devem ser interpretados restritivamente, devendo ser-lhes dado o seu sentido normal.

32 O Tribunal de Justiça tem fornecido uma orientação sobre o significado da expressão «empresa de que normalmente depende», constante do artigo 14._, n._ 1, alínea a). A fim de determinar se o trabalhador foi destacado para o Estado de colocação por uma empresa de que normalmente depende, é necessário verificar do conjunto das circunstâncias do seu emprego se ele permanece sob o poder de direcção dessa empresa durante o período do seu destacamento (acórdão Van der Vecht, Recueil, p. 457). O facto de um trabalhador destacado no estrangeiro manter a sua relação com a sua entidade patronal pode ser provado, em particular, pelo facto de ser esse empregador quem paga o salário e quem o pode despedir por comportamento incorrecto na execução do trabalho junto da empresa cliente. É também relevante que a empresa utilizadora deva pagar não ao trabalhador, mas apenas à sua entidade patronal (acórdão Manpower, n.os 18 e 19). A Fitzwilliam conclui da ênfase dada à ligação entre o trabalhador destacado e a empresa no primeiro Estado que a natureza da ligação da empresa com o primeiro Estado não é relevante.

33 Contudo, o Tribunal de Justiça também declarou, no contexto do Regulamento n._ 3, que a regra dos trabalhadores destacados é limitada a trabalhadores contratados por «empresas que exercem normalmente a sua actividade no território do Estado em que estão estabelecidas» (acórdão Manpower, n._ 16). Note-se que o requisito de que a empresa deve ter actividade no Estado-Membro em causa foi declarado pelo Tribunal de Justiça com base no requisito do Regulamento n._ 3, de que a empresa devia ter um estabelecimento nesse Estado-Membro. Apesar de tudo, parece-me que, por essa condição, o Tribunal de Justiça procurou, tal como assinala a Comissão, excluir da regra dos trabalhadores destacados os casos em que a empresa tivesse uma presença puramente formal no primeiro Estado. Daí o requisito de que a empresa devesse prosseguir «normalmente» uma actividade no Estado de estabelecimento. O uso da expressão «normalmente» não parece pretender significar que o primeiro Estado seja o principal lugar de actividade da empresa. Nem mesmo existe qualquer requisito quantitativo respeitante, por exemplo, a uma parte proporcional ao volume de negócios gerado num Estado-Membro em particular. Tudo o que se exige é que exista uma actividade económica genuína no primeiro Estado.

34 Claramente não existe base para condições mais exigentes no caso do Regulamento n._ 1408/71, uma vez que o artigo 14._, n._ 1, alínea a), não impõe condições a esse respeito e, ao contrário do artigo 13._ do Regulamento n._ 3, nem mesmo exige que a empresa «tenha um estabelecimento» no Estado-Membro em causa. Contudo, uma vez que o artigo 14._, n._ 1, alínea a), deve ser encarado como pretendendo cobrir apenas os casos de destacamento bona fide, deve ser interpretado, particularmente devido à expressão «empresa de que normalmente depende», no sentido de que exige que a empresa exerça uma actividade no primeiro Estado. O requisito de que a empresa prossiga uma actividade comercial genuína no Estado em causa pode justificar-se, em minha opinião, pelo objectivo de prevenir os riscos de abusos e de excluir empresas que não tenham uma presença genuína. Mas não deve ir mais longe.

35 Foi defendido que, a fim de evitar o risco de abusos, são necessários requisitos quantitativos, por exemplo, relativos ao valor das actividades prosseguidas pela empresa de trabalho temporário nos diferentes Estados-Membros e particularmente à proporção do volume de negócios e ao número de empregados contratados no Estado-Membro em causa.

36 Na realidade, tais critérios são aplicados pelo LISV. Numa decisão de 13 de Junho de 1997, o LISV declarou interpretar a decisão n._ 162 da comissão administrativa (17), nos seguintes termos. A expressão «exerça normalmente a sua actividade» significa que o centro de gravidade da actividade da empresa deve ser no Estado de envio. Se isso é ou não assim, deve ser respondido à luz dos factos e circunstâncias de cada caso. Entre outros, podem ser levados em conta os seguintes factos e circunstâncias: onde e por quem foi fundada a empresa; desde quando a empresa tem actividade no Estado de envio; que actividades são exercidas, respectivamente, no Estado de envio e nos Países Baixos; o volume de negócios nos Países Baixos comparado com o volume de negócios no Estado de envio considerados anualmente; o número de trabalhadores temporários no Estado de envio, comparado com o número de trabalhadores temporários destacados para os Países Baixos, numa base anual, se a empresa tem estabelecimento e direcção próprios no Estado de envio, se existem estabelecimentos, representação permanente ou escritórios nos Países Baixos, se o pessoal foi contratado nos Países Baixos ou no Estado de envio, e se a empresa paga as contribuições de segurança social no Estado de envio.

37 Apesar de a decisão de política geral ser posterior à decisão específica tomada em relação à Fitzwilliam, em apreço neste caso, parece que o LISV aplicou critérios semelhantes para chegar à decisão relativa à Fitzwilliam, pelo menos no que respeita à proporção do volume de negócios da Fitzwilliam nos Países Baixos em relação ao seu volume de negócios global, ao número de trabalhadores colocados à disposição e ao tipo de emprego nos Países Baixos.

38 A aplicabilidade destes critérios é sustentada, em diferentes graus, pelos Governos neerlandês, alemão e belga. Contudo, em minha opinião, é impossível discernir tais requisitos na redacção do artigo 14._, n._ 1, alínea a).

39 De qualquer modo, tal como observa a Fitzwilliam, o número relativo de pessoal empregado em cada um dos dois Estados e/ou o montante do volume de negócios podem variar consideravelmente de uma parte do ano para outra, sendo inaceitável que o estatuto do trabalhador se alternasse nessa base. Como observa o Governo irlandês, isso colocaria em causa o objectivo da regra dos trabalhadores destacados, que é o de evitar complicações administrativas que emergiriam se fosse necessário passar do sistema de segurança social de um Estado-Membro para o de outro com base em períodos curtos (18).

40 Do mesmo modo, a natureza das actividades exercidas nos Estados respectivos não deveria ser relevante. Na realidade, o Tribunal de Justiça já declarou que isso tem pouca importância para a aplicação da regra dos trabalhadores destacados (acórdão Van der Vecht). Essa abordagem é eminentemente cautelosa, sobretudo, uma vez que certas actividades podem existir exclusiva ou principalmente num número limitado de Estados. A colheita de tulipas nos Países Baixos pode ser um exemplo. Não se pode argumentar seriamente que um trabalhador não pode ser «destacado» para outro Estado-Membro por uma empresa, no sentido do artigo 14._, n._ 1, alínea a), apenas porque a natureza do trabalho aí efectuado no interesse da empresa é diferente das actividades da empresa no primeiro Estado.

41 Parece ser aceite por todos os que apresentaram observações que meras «empresas de caixa postal» (por exemplo, sociedades com uma presença formal, apenas para fins de processamento burocrático através de um determinado Estado-Membro) não deveriam poder beneficiar da regra dos trabalhadores destacados.

42 Contudo, não é sugerido que a Fitzwilliam seja uma empresa de «caixa postal». Mais ainda, o próprio artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento inclui determinadas salvaguardas contra esse tipo de abusos: primeiro, a duração prevista do trabalho não pode exceder doze meses e, segundo, o trabalhador não pode ser enviado em substituição de outra pessoa que tenha terminado o seu período de destacamento. Acresce ainda que, tal como acima referido (19), o Tribunal de Justiça realçou a necessidade de permanência de um vínculo genuíno entre a empresa em causa e o trabalhador apresentado como destacado no estrangeiro.

43 Tal como observa a Comissão, essas restrições constituem salvaguardas significativas contra abusos do sistema. Não vejo qualquer outra necessidade de que a aplicação das normas de segurança social devam limitar a escolha de uma empresa quanto ao Estado em que se pretende estabelecer e pretende empregar pessoal, em circunstâncias em que, como no caso, esse Estado reconhece o estabelecimento da sociedade e não tem objecções à aplicação das suas próprias regras de segurança social, e em que a empresa desenvolve no mínimo um negócio nesse Estado.

44 O Governo neerlandês defende que o interesse público exige que a aplicação da regra dos trabalhadores destacados deve ser estritamente limitada e que não é suficiente excluir apenas as empresas «caixa postal». Não concordo que essa regra deva ser interpretada restritivamente, pelas razões seguintes.

45 Tudo o que se discute neste tipo de processos é saber qual o Estado cujo regime de segurança social se aplica. Pode acontecer que, em certos casos, as regras do Estado em que o trabalhador está destacado lhe sejam mais favoráveis. Contudo, evitar essas regras não prejudica o interesse geral (20). (Na realidade, mesmo no que toca aos trabalhadores, o Tribunal de Justiça observou, no seu acórdão Manpower (21), que a aplicação do regime de segurança social do Estado para o qual o trabalhador foi destacado significaria que «o trabalhador seria na maior parte das vezes lesado, dado que as legislações nacionais excluem geralmente os períodos curtos do benefício de certas prestações sociais» (22)). Nem mesmo o evitar das regras rompe o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social do Estado de colocação, uma vez que o Estado que continua a receber as contribuições é aquele que paga quaisquer tratamentos ou benefícios devidos em relação ao trabalhador destacado no Estado de colocação (23).

46 O Governo neerlandês opõe que a aplicação da regra dos trabalhadores destacados, no caso presente, coloca em desvantagem as empresas neerlandesas, uma vez que suportam custos de segurança social mais elevados e não conseguem competir na mesma base. Isso, contudo, é simplesmente uma consequência natural do mercado único. (24) Tal como a Comissão observou na audiência, ao reterem a competência em matéria de segurança social, os Estados-Membros necessariamente aceitaram que haveria diferenças entre os respectivos sistemas. Não podem agora opôr-se a que sociedades ou trabalhadores exerçam as suas liberdades fundamentais, ao abrigo do Tratado, com base em que o exercício de tais liberdades possa conferir uma vantagem a essas sociedades ou trabalhadores.

47 Em conclusão, julgo apropriado manter o requisito emergente do acórdão Manpower, que o Tribunal de Justiça proferiu em relação ao Regulamento n._ 3, de que a empresa deve exercer normalmente a sua actividade no Estado cuja legislação se certifica que continua a ser aplicável. Contudo, esta afirmação, não deve ser lida no sentido de significar que a empresa deve usualmente, no sentido de principalmente, exercer a sua actividade nesse Estado, mas simplesmente que aí deve, genuinamente, exercer alguma actividade. Esta perspectiva parece ser apoiada pelos Governos irlandês, francês e do Reino Unido. A Comissão defende que a empresa deve ter actividades substanciais no primeiro Estado e não uma ligação meramente formal e administrativa com esse Estado.

48 No meu ponto de vista, não é necessário neste caso, a sê-lo alguma vez, determinar o grau mínimo e a natureza da actividade necessária no Estado do qual o trabalhador é dado como destacado, uma vez que a Fitzwilliam não só se encontra registada na Irlanda, mas também tem uma quantidade significativa de pessoal aí sedeado e coloca uma quantidade significativa de pessoal no mercado irlandês. Além disso, afigura-se que os trabalhadores destacados para os Países Baixos são trabalhadores irlandeses residentes na Irlanda. Não existe nada que sugira que a Fitzwilliam é uma mera empresa «caixa postal». A aplicação das salvaguardas introduzidas na redacção do próprio Regulamento n._ 1408/71 deveria de qualquer modo dar uma larga contribuição para assegurar que a regra dos trabalhadores destacados não se presta a abusos.

Segunda questão

49 A segunda questão colocada pelo tribunal nacional respeita à medida em que os Estados-Membros estão vinculados pelos certificados E 101 emitidos por outros Estados-Membros. Tal como acima referido, esses certificados são emitidos nos termos do artigo 11._ do Regulamento n._ 574/72; (25) atestam que um determinado trabalhador foi destacado para outro Estado-Membro e que se continua a aplicar a legislação do Estado do qual ele foi destacado.

50 A questão do estatuto de tais certificados já foi tratada exaustivamente pelo advogado-geral C. O. Lenz nas suas conclusões relativas ao acórdão Calle Grenzshop Andresen (26) e pelo advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer nas suas conclusões apresentadas no processo Banks e o. (27).

51 O Tribunal de Justiça analisou a questão da natureza de vários outros certificados emitidos pelos Estados-Membros na área da segurança social (28). Contudo, tal como observou o advogado-geral C. O. Lenz no processo Calle Grenzshop Andresen (29), existem muitos tipos diferentes de certificados e os seus fins divergem. Em face disso é impossível dar uma resposta abstracta à questão do efeito legal de tais certificados. O único princípio comum pode ser, tal como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Knoeller (30), que o valor legal do documento em questão deve ser estabelecido à luz dos artigos 48._ a 51._ do Tratado CE, que são a base do Regulamento n._ 1408/71.

52 Os artigos 48._ a 51._ visam claramente assegurar a livre circulação de trabalhadores. Não há dúvida que a aplicação simultânea de mais de um regime de segurança social a trabalhadores migrantes desencorajaria a circulação de trabalhadores, além de que um dos princípios básicos do Regulamento n._ 1408/71 (inscrito no artigo 13._, n._ 1) é o de que apenas é aplicável a legislação de um Estado-Membro.

53 A função de um certificado E 101 é atestar qual o regime de segurança social aplicável a um trabalhador destacado. Utilizando as palavras do advogado-geral C. O. Lenz: «Quando a declaração constante do formulário E 101 não é reconhecida pela autoridade de outro Estado-Membro, isso só pode significar que o organismo que faz esta apreciação sobre o formulário em questão considera que a legislação aplicável é uma legislação diferente da designada no formulário, o que faz precisamente correr o risco dum duplo sistema de segurança com todas as consequências que daí decorrem (31)». Daí concluiu que tal resultado era contrário aos objectivos dos artigos 48._ a 51._ do Tratado.

54 Fica claro, em minha opinião, que é ilegal as autoridades de um Estado-Membro, unilateralmente, recusarem o reconhecimento da produção de efeitos de um certificado E 101, emitido pelas autoridades de outro Estado-Membro. Em particular, considero essencial que qualquer divergência entre as autoridades nacionais, sobre a legislação aplicável, deva ser resolvida entre essas autoridades. Não deverá ser possível a cada Estado exigir contribuições do trabalhador em questão, deixando o assunto a ser resolvido por ele, eventualmente pela via litigiosa. Como observou a Fitzwilliam na audiência, mesmo que as contribuições indevidamente pagas possam ser reclamadas, tal solução é provavelmente impraticável, longa e cara. É, portanto, contrária ao objectivo da regra dos trabalhadores destacados que visa «superar os obstáculos susceptíveis de entravar a livre circulação dos trabalhadores e a facilitar a interpenetração económica, evitando ao mesmo tempo complicações administrativas aos trabalhadores, empresas e organismos de segurança social» (32).

55 Na minha perspectiva, o Estado de colocação não pode impor o seu próprio regime de segurança social a menos que, e não antes, o certificado E 101 tenha sido anulado pela autoridade emitente. O facto de o certificado ser feito com base num formulário-tipo estabelecido pela comissão administrativa, cujas decisões não vinculam as autoridades nacionais, é irrelevante, uma vez que é o preenchimento desse formulário pela instituição competente que constitui o certificado, o qual retira a sua autoridade do artigo 11._ do Regulamento n._ 574/72 (33).

56 As obrigações dos Estados-Membros nesta área resulta não só do Regulamento n._ 574/72, mas mais geralmente do artigo 5._ do Tratado CE que impõe aos Estados-Membros que tomem todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou resultantes de actos das instituições da Comunidade. O artigo 5._ deve ser interpretado no sentido de que obriga os Estados-Membros e, em particular, as respectivas instituições de segurança social a cooperar de boa-fé na atribuição de plenos efeitos às disposições comunitárias de segurança social e a garantir o cumprimento dos objectivos dos artigos 48._ a 51._ do Tratado. As autoridades do Estado-Membro que emitem o certificado E 101 devem assegurar que as condições da sua emissão estão preenchidas, e as autoridades do Estado de colocação não devem, unilateralmente, desconhecer um certificado que tenha sido emitido.

57 De acordo com esse dever de cooperação nos termos do artigo 5._ do Tratado, os Estados-Membros devem consultar-se entre si no caso de divergência sobre a legislação aplicável. Se, após essas consultas, não for possível, ainda assim, chegar a um acordo, o assunto pode ser suscitado junto da comissão administrativa. Se o assunto continuar sem poder ser resolvido, em último recurso, como observou o advogado-geral C. O. Lenz, pode ser submetido a este Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 169._ ou 170._ do Tratado (34).

58 Foi alegado que o Estado de colocação pode, apesar de tudo, recusar o reconhecimento de um certificado, se baseado em erro manifesto e que o próprio advogado-geral C. O. Lenz reconheceu esse tipo de excepção. Contudo, em minha opinião, o Estado de colocação deve, ainda assim, contactar a autoridade emitente e não pode desconhecer unilateralmente o certificado. Se o erro for efectivamente manifesto, ou se o Estado de colocação puder demonstrar que o certificado foi obtido fraudulentamente, a autoridade emitente não deverá ter problema em anular o seu certificado. Se a autoridade emitente, apesar disso, se recusar a anular o seu certificado, o litígio deverá então ser resolvido entre as autoridades competentes do modo acima referido, uma vez que o trabalhador não poderá, em caso algum, estar sujeito simultaneamente a dois regimes de segurança social.

59 De acordo com a Comissão, se o conteúdo de um certificado E 101 emitido por um Estado-Membro for contestado por outro Estado-Membro, cabe ao tribunal nacional, e em último recurso ao Tribunal de Justiça, determinar se as condições do regulamento estão preenchidas. Contudo, a Comissão não especifica qual dos tribunais dos dois Estados-Membros será competente ou como se poderá resolver qualquer conflito entre as respectivas decisões.

60 Na perspectiva que perfilho sobre os princípios enformadores do artigo 14._, n._ 1, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71 e dos efeitos de um certificado E 101, só os tribunais do Estado emitente podem controlar a decisão de emissão do certificado. A competência dos tribunais do Estado de colocação estará limitada, em minha opinião, a afastar qualquer decisão desse mesmo Estado que recuse o reconhecimento do certificado e entenda tratar o trabalhador como sujeito ao seu regime de segurança social. Esta separação de competências é compatível com o princípio geral de acordo com o qual as decisões das autoridades de um Estado-Membro devem ser controladas pelos tribunais desse Estado. É também uma solução mais adequada para evitar o risco de decisões em conflito, conferir pleno efeito ao certificado E 101 e garantir que o trabalhador, contrariamente ao objectivo do Regulamento n._ 1408/71, não ficará sujeito, simultaneamente, a dois regimes de segurança social.

Conclusão

61 Nestes termos, as questões submetidas pelo Arrondissementsrechtbank te Amsterdam devem, em minha opinião, ser respondidas do seguinte modo:

«1) As autoridades dos Estados-Membros não podem fixar requisitos ou condições suplementares ao artigo 14._, n._ 1, alínea a) do Regulamento n._ 1408/71 de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, não expressamente previstos nessa disposição.

2) Tais disposições aplicam-se se no caso em que o trabalhador está empregado por uma empresa com vista a ser destacado para outro Estado-Membro, desde que continue sujeito ao poder de direcção dessa empresa durante o período do destacamento e que a empresa exerça uma actividade económica genuína no Estado-Membro em que o trabalhador se encontra destacado.

3) Um certificado E 101 emitido nos termos do artigo 11._, n._ 1 do Regulamento (CEE) n._ 574/72, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n._ 1408/71, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n._ 2001/83, continua a produzir os seus efeitos até que seja anulado pela entidade emitente. Se as autoridades de outro Estado-Membro considerarem que as condições para a emissão do certificado não estão preenchidas, não podem tratar o certificado como ilegal, devendo solicitar a respectiva anulação ao Estado-Membro emitente. Os Estados-Membros em causa devem procurar resolver a questão cooperando de boa-fé, nos termos do artigo 5._, n._ 1, do Tratado CE. Não sendo possível resolver a questão desse modo, deve a mesma ser resolvida pelas autoridades comunitárias, e, se necessário, pelo Tribunal de Justiça.»

(1) - Regulamento do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho (JO L 230, p. 6, anexo I, EE 05 F3 p. 53).

(2) - Na condição de que a duração previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviado em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento.

(3) - Regulamento do Conselho, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n._ 1408/71, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n._ 2001/83, já referido na nota 1, anexo II.

(4) - Actualmente denominado Department of Social, Community and Family Affairs (Ministério dos Assuntos Sociais e da Família).

(5) - Regulamento do Conselho, de 25 de Setembro de 1958, relativo à segurança social respeitante a trabalhadores migrantes (JO 1958, p. 561).

(6) - Regulamento do Conselho, de 10 de Março de 1964, que altera o artigo 13.º do Regulamento n._ 3 e do artigo 11.º do Regulamento n._ 4 (legislação aplicável aos trabalhadores destacados e aos trabalhadores que exercem normalmente a sua actividade em vários países) (JO 1964, p. 746).

(7) - Decisão de 17 de Outubro de 1985, relativa à aplicação do n._ 1, alínea a), do artigo 14._ e do n._ 1 do artigo 14._-B do Regulamento n._ 1408/71 respeitante à legislação aplicável aos trabalhadores destacados (JO 1986, C 141, p. 6).

(8)A palavra «e» aparece aqui na versão inglesa, mas parece tratar-se de um erro. V. a versão francesa.

(9) - Decisão da comissão administrativa, de 31 de Maio de 1996, relativa à interpretação do n._ 1 do artigo 14._ e do n._ 1 do artigo 14._-B, do Regulamento n._ 1408/71 respeitante à legislação aplicável aos trabalhadores destacados (JO L 241, p. 28).

(10) - Acórdão de 5 de Dezembro de 1967 (19/67, Recueil, p. 345, Colect., p. 683).

(11) - Acórdão de 14 de Maio de 1981 (98/80, Recueil, p. 1241, n._ 20).

(12) - V., por exemplo, acórdão de 16 de Fevereiro de 1995, Calle Grenzhop Andresen (C-425/93, Colect., p. I-269, n._ 9).

(13) - V. supra n._ 16.

(14) - Já referido na nota 10.

(15) - Acórdão de 17 de Dezembro de 1970 (35/70, Colect. 1969-1970, p. 703).

(16) - V. conclusões, Colect., p. 716.

(17) - V. n._ 16, supra.

(18) - Acórdão Manpower, já referido na nota 15, n._ 10.

(19) - N._ 32.

(20) - V., todavia, acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Colect., p. 543), e de 5 de Outubro de 1994, TV 10 (C-23/93, Colect., p. I-4795).

(21) - N._ 12.

(22) - V., todavia, a referência do Tribunal de Justiça ao interesse público em relação à protecção social dos trabalhadores, no acórdão de 28 de Março de 1996, Guiot (C-272/94, Colect., p. I-1905, n.os 16 e 17).

(23) - V., todavia, a referência do Tribunal de Justiça à necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal, no acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249).

(24) - V., num contexto diferente, as conclusões apresentadas em 16 de Julho de 1998 pelo advogado-geral La Pergola relativas ao acórdão de 9 de Março de 1999, Centros (C-212/97, pp. 41 e 42).

(25) - Já referido no n._ 19, supra.

(26) - Acórdão já referido na nota 12. V. o modelo do certificado E 101, reproduzido nas pp. 289 e 290.

(27) - C-178/97, conclusões apresentadas em 24 de Novembro de 1998.

(28) - V., por exemplo, os acórdãos de 11 de Março de 1982, Knoeller (93/91, Recueil, p. 951); de 8 de Julho de 1992, Knoch (C-102/91, Colect., p. I-4341), e de 2 de Maio de 1996, Paletta (C-206/94, Colect., p. I-2357).

(29) - V. n.os 56 e 57 das suas conclusões.

(30) - N._ 9 do acórdão.

(31) - N._ 61 das conclusões.

(32) - Acórdão Manpower, já referido na nota 15, n._ 10.

(33) - Comparar, contudo, os fundamentos do Tribunal de Justiça no acórdão Knoch, já referido na nota 29, n.os 50 a 54.

(34) - N._ 66 das conclusões.