Avis juridique important
Acórdão do Tribunal de 26 de Outubro de 1999. - Eurowings Luftverkehrs AG contra Finanzamt Dortmund-Unna. - Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Münster - Alemanha. - Livre prestação de serviços - Imposto comercial sobre o capital e lucro da exploração - Reintegração na matéria colectável do imposto - Derrogação inaplicável ao locatário de um bem cujo proprietário está estabelecido noutro Estado-Membro e, portanto, não sujeito ao imposto. - Processo C-294/97.
Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-07447
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Livre prestação de serviços - Restrições - Imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração - Regulamentação nacional que prevê a reintegração de determinados elementos na base de imposição para as empresas locatárias de bens a locadores que se encontram na maior parte dos casos estabelecidos fora do território nacional - Inadmissibilidade - Justificação por razões de interesse geral - Inexistência
[Tratado CE, artigo 59._ (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE)]
O artigo 59._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE) opõe-se a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração dos estabelecimentos industriais e comerciais que prevê a reintegração na base de imposição, por um lado, de parte das retribuições pagas pela utilização e fruição de bens económicos pertencentes a terceiros, e por outro, do valor desses bens, na medida em que as retribuições ou os bens não estejam já sujeitos ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração na pessoa do locador.
Com efeito, uma regulamentação que reserve uma vantagem fiscal, consistente na inexistência de obrigação de proceder às reintegrações referidas, à maior parte das empresas locatárias de bens a locadores estabelecidos no território nacional, quando priva sempre dela as que utilizam bens de locadores estabelecidos noutro Estado-Membro, implica uma diferença de tratamento baseada no lugar de estabelecimento do prestador de serviço e não pode ser justificada nem por razões ligadas à coerência do regime fiscal nem pelo facto de o locador estabelecido noutro Estado-Membro estar sujeito a uma fiscalidade pouco elevada.
No processo C-294/97,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado (actual artigo 234._ CE), pelo Finanzgericht Münster (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Eurowings Luftverkehrs AG
e
Finanzamt Dortmund-Unna,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 59._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida (relator), D. A. O. Edward e L. Sevón, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,
advogado-geral: J. Mischo,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação da Eurowings Luftverkehrs AG, por W. Tillmann, consultor fiscal em Dortmund, W. Kaefer, consultor fiscal em Aix-la-Chapelle, e G. Saß, director do departamento Europa,
- em representação do Finanzamt Dortmund-Unna, por E. Scheidemantel, Leitender Regierungsdirektor,
- em representação do Governo alemão, por E. Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e C.-D. Quassowski, Regierungsdirektor no mesmo ministério, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack, consultor jurídico, e H. Michard, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Eurowings Luftverkehrs AG, do Governo alemão e da Comissão na audiência de 2 de Dezembro de 1998,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Janeiro de 1999,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 28 de Julho de 1997, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Agosto seguinte, o Finanzgericht Münster submeteu, ao abrigo do artigo 177._ do Tratado (actual artigo 234._ CE), uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 59._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE).
2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Eurowings Luftverkehrs AG (a seguir «Eurowings») ao Finanzamt Dortmund-Unna (a seguir «Finanzamt») acerca da obrigação de a Eurowings proceder a diversas reintegrações na matéria colectável do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, em conformidade com a Gewerbesteuergesetz (lei relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, a seguir «GewStG»).
A legislação alemã
3 O artigo 2._ da GewStG de 21 de Março de 1991 (BGBl. I, p. 814) prevê que qualquer estabelecimento industrial ou comercial fixo, explorado na Alemanha, está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração.
4 O imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração é um imposto real a que estão sujeitos todos os estabelecimentos industriais ou comerciais, independentemente da capacidade contributiva e da situação pessoal do contribuinte proprietário do estabelecimento.
5 Em conformidade com o artigo 6._ da GewStG, a base de imposição é constituída pelo lucro de exploração e pelo capital de exploração industrial e comercial. Desde 1 de Janeiro de 1998, a matéria colectável do imposto limita-se ao lucro de exploração realizado pelo estabelecimento industrial ou comercial.
6 O lucro do estabelecimento industrial ou comercial é determinado em conformidade com as disposições da lei relativa ao imposto sobre o rendimento ou da lei relativa ao imposto sobre as sociedades, lucro a que se devem acrescentar os elementos que devam ser reintegrados nos termos do artigo 8._ da GewStG e deduzir as reduções previstas no artigo 9._ desta mesma lei. As reintegrações e reduções têm por objecto determinar o lucro objectivo do estabelecimento industrial ou comercial, independentemente da questão de saber se o referido lucro resulta do investimento de capitais próprios ou pertencentes a um terceiro.
7 Assim, o artigo 8._ da GewStG, intitulado «Reintegração na matéria colectável», determina, no seu n._ 7, que é reintegrada no lucro do estabelecimento industrial ou comercial
«metade das retribuições [rendas ou alugueres] pagas pela utilização e fruição de bens económicos fazendo parte do capital imobilizado do estabelecimento sem lhe pertencerem em propriedade e pertencendo a um terceiro. Isto não se aplica se as retribuições forem tributadas no rendimento da actividade industrial ou comercial do locador ou senhorio, submetido a imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem arrendados e o montante da retribuição ultrapassar 250 000 DEM. Há que tomar em consideração o montante que o locatário deva pagar a um locador ou senhorio pela utilização de bens económicos pertencentes a terceiros, afectos à unidade de exploração situada no município».
8 A GewStG presume, portanto, que o produto líquido obtido do bem arrendado corresponde a metade do montante das retribuições pagas.
9 O capital de exploração industrial e comercial corresponde ao valor fiscal do capital de exploração determinado em conformidade com a lei que rege o cálculo da matéria colectável por avaliação administrativa, valor ao qual são adicionados os elementos reintegrados nos termos do artigo 12._, n._ 2, da GewStG e ao qual são deduzidas as reduções previstas no artigo 12._, n._ 3, da GewStG. Estas reintegrações e reduções têm por objectivo determinar os fundos próprios e os pertencentes a terceiros objectivamente empregues no estabelecimento industrial ou comercial.
10 O artigo 12._ da GewStG, denominado «Capital de exploração industrial e comercial», dispõe assim, no seu n._ 2, ponto 2, que se deve reintegrar no valor fiscal da unidade económica tributável
«o valor (funcional) dos bens económicos que não pertençam em propriedade ao estabelecimento industrial e comercial e afectos a este, sendo propriedade de um co-explorador ou de um terceiro, se o mesmo não estiver compreendido no valor da unidade tributável do estabelecimento industrial e comercial. Isto não se aplica se os bens económicos fizerem parte do capital da exploração do locador ou senhorio, salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem arrendados e os valores (funcionais) dos bens económicos locados no quadro do estabelecimento (ou da parte do estabelecimento) incluídos no capital de exploração do locador ou senhorio excederem 2,5 milhões de DEM. As somas a tomar em consideração são o total dos valores dos bens económicos que um locador ou senhorio puser à disposição do locatário para efeitos de utilização num estabelecimento industrial e comercial situado num município».
11 Tal como o artigo 8._, n._ 7, segundo período, no que concerne aos arrendamentos, o artigo 12._, n._ 2, ponto 2, segundo período, da GewStG prevê, quanto aos bens económicos pertencentes a terceiros, a não reintegração do seu valor na medida em que esses bens estejam já sujeitos, a nível do senhorio, ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração.
12 Resulta das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Eurowings que o imposto comercial sobre o capital e lucro de exploração se calcula em duas etapas: em primeiro lugar, o capital de exploração e o lucro de exploração são multiplicados por um «coeficiente fiscal» fixado uniformemente para todo o território alemão em 0,2% para o capital de exploração e em 5% para o lucro de exploração realizado pelas sociedades de capitais; o «montante tributável ponderado» assim obtido é, seguidamente, multiplicado por uma taxa fixada por cada comuna. Esta taxa variou, em 1993, entre 0%, nomeadamente na comuna de Norderfriedrichskoog (Schleswig-Holstein), e 515% em Frankfurt am Main. Em Dortmund, a taxa aplicável em 1993 foi de 450%.
Os factos no processo principal
13 A Eurowings efectua voos regulares e voos charter na Alemanha e na Europa. Em 1993, alugou, por 467 914 DEM, uma aeronave à Air Tara Ltd, sociedade anónima de direito irlandês com sede em Shannon. O valor funcional da aeronave era de 1 320 000 DEM. Por decisão de 21 de Maio de 1996, o Finanzamt fixou o imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração devido pelo ano de 1993, reintegrando, em conformidade com o artigo 8._, n._ 7, da GewStG, metade das retribuições efectivamente pagas, ou seja, o montante de 233 957 DEM, no lucro da actividade industrial e comercial. Nos termos do artigo 12._, n._ 2, da GewStG, reintegrou igualmente o valor funcional da aeronave alugada, ou seja, o montante de 1 320 000 DEM, no capital de exploração.
14 Em 13 de Junho de 1996, a Eurowings apresentou uma reclamação contra a decisão do Finanzamt, que a indeferiu por decisão de 8 de Julho de 1996.
15 A Eurowings interpôs então, em 11 de Junho de 1996, recurso para o Finanzgericht Münster, alegando que os artigos 8._, n._ 7, e 12._, n._ 2, da GewStG são incompatíveis com os artigos 59._ e seguintes do Tratado.
16 O Finanzgericht refere que, em virtude do direito comunitário, a Eurowings pode invocar uma discriminação proibida pelo artigo 59._ do Tratado, mesmo que essa discriminação não a afecte directamente, mas afecte a sociedade locadora de direito irlandês.
17 O Finanzgericht salienta igualmente que as sociedades ditas «Limited» de direito irlandês podem ser equiparadas a sociedades de capitais de direito alemão na acepção do artigo 1._ da lei relativa ao imposto sobre as sociedades e que, se essas sociedades alugarem aeronaves na Alemanha, serão consideradas como exercendo uma actividade industrial e comercial por inteiro, nos termos do artigo 2._ da GewStG.
18 O Finanzgericht salienta que o mecanismo de reintegração na matéria colectável do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração tem por origem a vontade do legislador de garantir que os meios de produção de que o estabelecimento industrial ou comercial estabelecido na Alemanha dispõe sejam tributados uma única vez, independentemente da questão de saber se esses meios foram objecto de financiamento próprios ou externos e se o capital de exploração é detido em propriedade na acepção do direito civil. É, por conseguinte, inerente a um tal sistema a previsão de uma excepção para o caso de as retribuições ou os bens económicos em causa já terem sido sujeitos ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração a nível do locador.
19 O Finanzgericht constata, todavia, que o tratamento fiscal do locatário que aluga um bem a um locador estabelecido noutro Estado-Membro é menos favorável que se o locatário alugar esse bem a um locador estabelecido na Alemanha, o que pode constituir uma discriminação dissimulada contrária ao artigo 59._ do Tratado.
20 O Finanzgericht duvida de que o objectivo de coerência fiscal possa justificar as disposições em causa da GewStG. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, e de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955), o objectivo consistente em assegurar a coerência do regime fiscal só pode justificar uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes na condição de o inconveniente fiscal imposto ao nacional de um Estado-Membro ser compensado por uma vantagem fiscal correspondente em relação a esse mesmo nacional, de modo que este último não sofra qualquer discriminação. Uma simples conexão indirecta entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e o tratamento fiscal desfavorável imposto a um outro contribuinte não pode justificar uma discriminação entre residentes e não residentes. A este respeito, o Finanzgericht indica que, num despacho de 30 de Dezembro de 1996 (BStBl. II 1997, p. 466), o Bundesfinanzhof considerou ser duvidoso que as disposições em matéria de reintegração na matéria colectável, constantes dos artigos 8._, ponto 7, segundo período, e 12._, n._ 2, ponto 2, segundo período, da GewStG sejam compatíveis com a proibição de discriminação enunciada nos artigos 59._ e seguintes do Tratado, embora este mesmo órgão jurisdicional tenha admitido essa compatibilidade numa decisão mais antiga (acórdão de 15 de Junho de 1983, BStBl. II 1984, p. 17).
21 Finalmente, o Finanzgericht pergunta se é preciso ter em conta o facto de a sociedade locadora de direito irlandês não pagar qualquer imposto comparável ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração e beneficiar dos «privilégios de Shannon» sob a forma de um imposto sobre as sociedades de 10%. Tais vantagens fiscais podem, no processo principal, neutralizar o prejuízo teórico à livre prestação de serviços e ter por consequência que, se a sociedade locadora beneficiasse das mesmas derrogações em matéria de reintegração que os locadores estabelecidos na Alemanha, estes últimos seriam vítimas de discriminação. O Finanzgericht duvida de que tal argumentação possa ser aceite, uma vez que o Tribunal decidiu também que a compensação de um tratamento fiscal desfavorável com outras vantagens fiscais para justificar discriminações não pode ser aceite (acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n._ 21, e de 27 de Junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colect., p. I-3089).
22 Nestas condições, o Finanzgericht Münster decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:
«As disposições relativas à reintegração na matéria colectável, constantes dos artigos 8._, n._ 7, segundo período, e 12._, n._ 2, ponto 2, segundo período, da Gewerbesteuergesetz (lei alemã relativa ao imposto sobre os rendimentos industriais e comerciais), são compatíveis com o imperativo da livre prestação de serviços que resulta do artigo 59._ do Tratado da União Europeia de 7 de Fevereiro de 1992?»
Quanto à questão prejudicial
23 Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 59._ do Tratado se opõe a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, tal como a que está em causa no processo principal.
24 O Governo alemão alega que os artigos 8._, ponto 7, e 12._, n._ 2, da GewStG não implicam qualquer discriminação directa ou indirecta em relação aos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros.
25 O Governo alemão salienta, em primeiro lugar, que a obrigação de proceder às reintegrações previstas por estas últimas disposições se aplica desde que o locador não esteja sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, quer esteja estabelecido na Alemanha quer noutro Estado-Membro. O locatário deve igualmente proceder às referidas reintegrações se alugar um bem a um locador, estabelecido na Alemanha, que não esteja sujeito a esse imposto.
26 Assim, o locatário que arrenda uma farmácia a um farmacêutico estabelecido na Alemanha que tenha cessado a sua actividade e deixado de estar, por essa razão, sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração deve reintegrar no lucro da sua actividade metade das rendas pagas pelas instalações da farmácia.
27 O mesmo sucede no caso de um locatário que aluga um bem a um locador estabelecido na Alemanha, mas que está isento do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração ou que, à semelhança do Bund, dos Länder ou das comunas, não está sujeito a este imposto na sua qualidade de órgão de soberania. Assim, uma sociedade com uma actividade portuária que aluga uma grua a uma cidade portuária deve reintegrar no lucro das suas actividades metade das retribuições pagas pela grua.
28 Seguidamente, o Governo alemão, tal como, de resto, o Finanzamt, alega que, na falta de harmonização dos impostos directos, a situação de um locador estabelecido noutro Estado-Membro que não está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração não pode ser comparada à de um locador estabelecido na Alemanha e sujeito a esse imposto, de modo que podem ser aplicadas a estas situações regras diferentes.
29 Com efeito, um locador estabelecido noutro Estado-Membro pode, pelo facto de não estar sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, pedir ao locatário uma retribuição menos elevada. Em contrapartida, um locador estabelecido na Alemanha e sujeito ao imposto comercial sobre o capital e lucro de exploração integra essa carga fiscal no montante da retribuição, repercutindo-o, assim, no locatário.
30 As reintegrações previstas nos artigos 8._, ponto 7, e 12._, n._ 2, ponto 2, da GewStG compensam, a nível do locatário, a retribuição menos elevada paga ao locador estabelecido noutro Estado-Membro. Este último não sofre, todavia, qualquer desvantagem concorrencial devida a essas reintegrações. Com efeito, nos dois casos, o encargo económico que representa o imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração é idêntico e incumbe, em definitivo, ao locatário estabelecido na Alemanha.
31 Finalmente, o Governo alemão indica que as reintegrações previstas nos artigos 8._, ponto 7, e 12._, n._ 2, da GewStG têm por objectivo garantir que as retribuições e o valor dos bens económicos alugados não estejam sujeitos mais do que uma vez ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, independentemente da questão de saber se o locador está estabelecido na Alemanha ou noutro Estado-Membro. Uma reintegração do montante das retribuições e do valor dos elementos do património alugados na matéria colectável do locatário quando o locador está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração levaria a uma dupla tributação das retribuições e dos elementos do património.
32 Deve dizer-se, antes demais, que, embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontre, como tal, incluída na esfera de competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário (v., nomeadamente, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n._ 21).
33 Constituindo o leasing um serviço na acepção do artigo 60._ do Tratado CE (actual artigo 50._ CE), deve recordar-se, seguidamente, que, em conformidade com jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 59._ do Tratado exige não apenas a eliminação de qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição à livre prestação de serviços imposta com fundamento no facto de o prestador estar estabelecido num Estado-Membro que não aquele em que a prestação é efectuada (acórdãos de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, 205/84, Colect., p. 3755, n._ 25, e de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-180/89, Colect., p. I-709, n._ 15).
34 Além disso, segundo uma jurisprudência constante, o artigo 59._ do Tratado confere direitos não apenas ao próprio prestador de serviço, mas também ao destinatário desses serviços (v., designadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone, 286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, e Svensson e Gustavsson, já referido). A Eurowings pode, portanto, como destinatário dos serviços de leasing, invocar os direitos subjectivos que esta disposição lhe confere.
35 A este respeito, deve dizer-se que, no processo principal, a obrigação de proceder às reintegrações previstas nos artigos 8._, ponto 7, e 12._, n._ 2, da GewStG se aplica sempre às empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos noutro Estado-Membro, nunca estando estes sujeitos ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, ao passo que a obrigação de proceder às referidas reintegrações não se aplica, na maior parte dos casos, às empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos na Alemanha, estando estes últimos normalmente sujeitos ao referido imposto, salvo nas raras hipóteses mencionadas nos n.os 25 a 27 do presente acórdão.
36 A legislação em causa no processo principal fixa, portanto, um regime fiscal diferente, na grande maioria dos casos, consoante o prestador de serviços está estabelecido na Alemanha ou noutro Estado-Membro.
37 Além disso, tal como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, esta legislação prevê, para as empresas alemãs que tomam de locação bens de locadores estabelecidos noutros Estados-Membros, um regime fiscal menos favorável, susceptível de os dissuadir de recorrerem a esses locadores.
38 Com efeito, tal como indicou a Eurowings, sem ser contraditada neste ponto pelo Governo alemão, o locatário, no âmbito dum leasing alemão, está, regra geral, isento pelo simples facto da sujeição do locador ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, quaisquer que sejam as possibilidades que este último tenha de escapar a uma tributação efectiva. Resulta do processo principal que o locador dispõe de diversos meios para reduzir o imposto efectivamente pago, tais como, nomeadamente, a tomada em conta do valor contabilístico e não do valor comercial dos bens, a reintegração de metade e não da totalidade das dívidas a longo prazo, o recurso ao financiamento predeterminado da compra de bens, com vista a reduzir o capital de exploração, e a tomada em conta apenas do lucro real efectuado a partir de bens locados na Alemanha e não da metade das retribuições. De resto, «fundos de leasing» propostos pelos bancos alemães permitem nunca ter que pagar imposto sobre o lucro de exploração e de só pagar imposto sobre o capital de exploração relativamente a uma fracção da duração do contrato. Finalmente, o locador de aeronaves, não estando ligado a uma cidade que tenha um aeroporto, pode estabelecer-se numa comuna que fixe uma taxa de imposto muito fraca, ou mesmo uma taxa zero, para o cálculo do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração.
39 Nestas condições, o encargo económico que o imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração representa para as empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos na Alemanha não corresponde necessariamente, contrariamente ao que sustenta o Governo alemão, ao encargo económico que esse mesmo imposto representa para as empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos noutro Estado-Membro.
40 Ora, uma regulamentação de um Estado-Membro que, tal como a que está em causa no processo principal, reserve uma vantagem fiscal à maior parte das empresas que alugam bens a locadores estabelecidos nesse Estado, quando priva sempre dela os que alugam bens a locadores estabelecidos noutro Estado-Membro, implica uma diferença de tratamento baseada no lugar de estabelecimento do prestador de serviços proibida pelo artigo 59._ do Tratado.
41 Esta diferença de tratamento não pode ser justificada por razões ligadas à coerência do regime fiscal.
42 Com efeito, tal como salientou o Bundesfinanzhof num despacho de 30 de Dezembro de 1996 mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio, um simples nexo indirecto entre uma vantagem fiscal concedida a um contribuinte, tal como a falta de obrigação, para as empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos na Alemanha, de proceder às reintegrações em litígio, e o tratamento fiscal desfavorável imposto a um outro contribuinte, tal como a sujeição dos referidos locadores ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, não pode justificar o facto de as empresas alemãs estarem sujeitas a um tratamento fiscal diferente consoante aluguem bens a locadores estabelecidos na Alemanha ou noutros Estados-Membros.
43 Contrariamente ao que sustenta o Finanzamt, tal diferença de tratamento também não pode ser justificada pelo facto de o locador estabelecido noutro Estado-Membro estar aí sujeito a uma fiscalidade pouco elevada.
44 Uma eventual vantagem fiscal resultante, para os prestadores de serviços, da fiscalidade pouco elevada a que estão sujeitos no Estado-Membro em que estão estabelecidos não pode permitir que um Estado-Membro justifique um tratamento fiscal menos favorável dos destinatários dos serviços estabelecidos neste último Estado-Membro [v., no que diz respeito ao artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE), os acórdãos já referidos Comissão/França, n._ 21, e Asscher, n._ 53].
45 Tal como salientou correctamente a Comissão, essas cobranças fiscais compensatórias atentam contra os próprios fundamentos do mercado interno.
46 Deve, por conseguinte, responder-se ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 59._ do Tratado se opõe a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, tal como a que está em causa no processo principal.
Quanto às despesas
47 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Finanzgericht Münster, por despacho de 28 de Julho de 1997, declara:
O artigo 59._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE) opõe-se a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, tal como a que está em causa no processo principal.