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61998J0251

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 13 de Abril de 2000. - C. Baars contra Inspecteur der Belastingen Particulieren/Ondernemingen Gorinchem. - Pedido de decisão prejudicial: Gerechtshof 's-Gravenhage - Países Baixos. - Liberdade de estabelecimento - Património constituído por acções em sociedades com sede no Estado-Membro de tributação - Exoneração do imposto sobre a fortuna - Património constituído por acções em sociedades com sede noutro Estado-Membro - Não exoneração. - Processo C-251/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-02787


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Disposições do Tratado - Âmbito de aplicação - Detenção por um nacional de um Estado-Membro de uma participação conferindo-lhe uma determinada influência sobre a gestão de uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro - Inclusão

[Tratado CE, artigo 52._ (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE)]

2 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Legislação fiscal - Benefício de exoneração do imposto sobre a fortuna quanto ao património investido em acções reservado às participações detidas em sociedades estabelecidas no Estado-Membro de imposição - Inadmissibilidade - Justificação - Inexistência

[Tratado CE, artigo 52._ (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE)]

Sumário


1 Resulta do segundo parágrafo do artigo 52._ do Tratado que a liberdade de estabelecimento compreende a constituição e a gestão de empresas, e designadamente de sociedades, num Estado-Membro, por um nacional de outro Estado-Membro. Exerce por isso o direito de estabelecimento o nacional de um Estado-Membro que detém, no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, uma participação que lhe confere uma influência certa sobre as decisões dessa sociedade e lhe permite que determine as respectivas actividades.

(cf. n._ 22)

2 O artigo 52._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) opõe-se a uma legislação fiscal de um Estado-Membro, que, na hipótese em que uma participação no capital de uma sociedade confere ao detentor de acções uma influência certa nas decisões da sociedade e lhe permite determinar as respectivas actividades,

- concede aos nacionais dos Estados-Membros residentes no seu território exoneração total ou parcial do imposto sobre a fortuna quanto ao património investido em acções na sociedade,

- mas sujeita esta exoneração à condição de a participação ser detida numa sociedade com sede no Estado-Membro em causa, recusando-a assim aos detentores de acções de sociedades com sede noutros Estados-Membros.

Com efeito, uma tal legislação estabelece uma diferença de tratamento entre os contribuintes, com base no critério da sede das sociedades de que esses contribuintes são accionistas, e não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

(cf. n.os 30, 37-38, 41 e disp.)

Partes


No processo C-251/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Gerechtshof te 's-Gravenhage (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

C. Baars

e

Inspecteur der Belastingdienst Particulieren/Ondernemingen Gorinchem,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 6._ e 52._ do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12._ CE e 43._ CE) e dos artigos 73._-B e 73._-D do Tratado CE (actuais artigos 56._ CE e 58._ CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, C. Gulmann, J.-P. Puissochet, P. Jann e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo neerlandês, por M. Fierstra, consultor jurídico, no exercício de chefe do Departamento de Direito Europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Michard e P. van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por M. Fierstra e J. van Bakel, consultor jurídico adjunto no Departamento de Direito Europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistidos por S. Verheij, funcionário do Ministério das Finanças, e da Comissão, representada por P. van Nuffel, na audiência de 24 de Junho de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Outubro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 8 de Julho de 1998, entrado no Tribunal de Justiça em 10 do mesmo mês, o Gerechtshof te 's-Gravenhage apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 6._ e 52._ do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12._ CE e 43._ CE) e dos artigos 73._-B e 73._-D do Tratado CE (actuais artigos 56._ CE e 58._ CE).

2 Estas questões foram suscitadas em litígio que opõe C. Baars, cidadão neerlandês, à administração fiscal neerlandesa, devido à recusa de esta lhe conceder o benefício de dedução fiscal em matéria de imposto sobre a fortuna.

O quadro jurídico nacional

3 Nos Países Baixos, o imposto sobre a fortuna foi instituído pela Wet op de vermogensbelasting 1964 (Lei de 16 de Dezembro de 1964 sobre o imposto sobre a fortuna, Stbl. 1964, p. 520, a seguir «lei do imposto sobre a fortuna»). Trata-se de um imposto anual directo sobre o património, cuja taxa é de oito por mil do património global.

4 Nos termos do artigo 1._ da lei do imposto sobre a fortuna, estão sujeitas a este imposto todas as pessoas singulares que residam nos Países Baixos (os contribuintes nacionais) e todas as pessoas singulares que, ainda que não residam nos Países Baixos, disponham de património neste Estado (os contribuintes estrangeiros). Os contribuintes nacionais estão, em princípio, sujeitos a este imposto sobre o conjunto do seu património, onde quer que se encontre. Os contribuintes estrangeiros estão sujeitos ao imposto sobre a fortuna em relação à parte do respectivo património situada nos Países Baixos.

5 Nos termos do artigo 3._, n._ 2, da lei do imposto sobre a fortuna, o património sujeito a imposto é igual ao valor dos bens, incluindo as partes e acções de sociedades, deduzido o montante das dívidas.

6 A Wet tot uitbreiding van de ondernemingsvrijstelling in de vermogensbelasting 1986 (Lei de 24 de Abril de 1986 que alarga a exoneração de empresas em matéria do imposto sobre a fortuna, Stbl. 1986, p. 248) introduziu na lei do imposto sobre a fortuna uma exoneração designada «exoneração de empresas».

7 O artigo 7._ da lei do imposto sobre a fortuna, na nova redacção, que institui, em benefício dos contribuintes, a exoneração de empresas dispõe, nos seus n.os 2 e 3, alínea c):

«2. O património do contribuinte que explore uma ou várias empresas investido numa ou em várias dessas empresas beneficia de dedução nos seguintes termos:

a) se não exceder 135 000 NLG: 100%,

b) se ultrapassar 135 000 NLG: 135 000 NLG acrescidas de 50% do capital que exceda este montante, não podendo a dedução exceder 1 541 000 NLG.

3. Se o património investido numa ou em várias empresas nos termos do n._ 2 for inferior a 2 947 000 NLG ou se nenhuma empresa for explorada por conta do contribuinte, aplica-se, mutatis mutandis, o n._ 2, sendo, para este efeito, equiparado a um património investido numa empresa o que for constituído por:

...

c) acções ou partes sociais que representem para o contribuinte uma participação substancial, no sentido da Wet op de inkomstenbelasting 1964, em sociedades com sede nos Países Baixos, à excepção de instituições financeiras de investimento, no sentido do artigo 28._ da Wet op de vennootschapsbelasting.

...»

8 A noção de «participação substancial», que figura no artigo 7._, n._ 3, alínea c), da lei do imposto sobre a fortuna, na nova redacção, consta do artigo 39._, n._ 3, da Wet op de inkomstenbelasting 1964 (Lei de 16 de Dezembro de 1964 sobre o imposto sobre o rendimento, Stbl. 1990, p. 103). Nos termos deste artigo:

«Considera-se existir participação substancial se o contribuinte, nos últimos cinco anos, tiver sido, directa ou indirectamente, accionista ou sócio, com ou sem o seu cônjuge e os membros da sua família por consanguinidade ou por afinidade em linha directa e no segundo grau da linha colateral, com pelo menos um terço e, com o seu cônjuge ou não, com mais de sete centésimos do capital nominal liberado...»

O litígio no processo principal

9 C. Baars reside nos Países Baixos. É titular da totalidade das acções de Ballyard Foods Limited (a seguir «Ballyard»), sociedade de direito irlandês com sede em Dublim, na Irlanda.

10 Do despacho de reenvio consta que aquelas acções constituem participação substancial numa sociedade, no sentido do direito neerlandês.

11 Para liquidação do imposto sobre a fortuna referente a 1994, C. Baars declarou um património que, em 1 de Janeiro de 1994, ascendia a 2 650 600 NLG, incluindo o valor das suas acções na Ballyard, que, na mesma data, ascendia a 749 800 NLG.

12 Sustentando que as suas acções na Ballyard representavam uma participação substancial no sentido do direito neerlandês, C. Baars requereu a exoneração de empresas prevista no artigo 7._, n._ 3, da lei do imposto sobre a fortuna, na nova redacção, com dedução, no património tributável, de 442 400 NLG.

13 O Inspecteur der Belastingdienst Particulieren/Ondernemingen Gorinchem (controlador fiscal chefe da unidade particulares/empresas de Gorinchem, a seguir «controlador») não contestou que a participação de C. Baars na Ballyard constituía uma participação substancial no sentido do direito neerlandês. Recusou todavia conceder a exoneração requerida, com o fundamento de que a Ballyard não satisfazia a condição de sede nos Países Baixos prevista no artigo 7._, n._ 3, alínea c), da lei do imposto sobre a fortuna, na nova redacção.

14 A reclamação apresentada em 9 de Novembro de 1995 por C. Baars da recusa de exoneração foi indeferida pelo controlador em 27 de Setembro de 1996.

15 C. Baars interpôs recurso desta decisão para o Gerechtshof te 's-Gravenhage. Sustentou nesse recurso, nomeadamente, que a restrição da exoneração de empresas às participações em sociedades com sede nos Países Baixos era contrária aos artigos 52._ do Tratado, que prevê a liberdade de estabelecimento, e 73._-B do Tratado, que proíbe as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros.

16 Considerando necessária a interpretação dos artigos 6._, 52._, 73._-B e 73._-D do Tratado para conhecer do litígio, o Gerechtshof te 's-Gravenhagen suspendeu a instância e apresentou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão prejudicial:

«1) Devem os artigos 6._ e/ou 52._ do Tratado CE ser interpretados no sentido de que com eles é incompatível uma restrição resultante de uma disposição da lei do imposto sobre a fortuna de um Estado-Membro que, no que toca ao património constituído por acções - no caso de estas constituírem uma participação substancial - de uma sociedade, isenta o accionista do imposto sobre a fortuna, mas restringe esta isenção apenas às acções de uma sociedade estabelecida nesse Estado-Membro?

2) Caso a resposta à questão 1 seja negativa, devem os artigos 73._-B e 73._-D do Tratado CE ser interpretados no sentido de que com eles é incompatível uma disposição restritiva como a referida na questão 1?»

Quanto à primeira questão

17 Deve lembrar-se, a título preliminar, que, sendo embora a fiscalidade directa da competência dos Estados-Membros, estes devem, no entanto, exercê-la respeitando o direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação baseada na nacionalidade (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n._ 16, e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, n._ 19).

18 Quanto ao artigo 52._ do Tratado, o Governo neerlandês sustenta que as disposições do Tratado sobre a liberdade de estabelecimento não são aplicáveis a uma situação como a do demandante no processo principal, em seu entender, abrangida apenas pelas disposições do Tratado sobre a livre circulação de capitais.

19 Há por isso que examinar se as disposições do Tratado sobre a liberdade de estabelecimento, nomeadamente, o seu artigo 52._, se aplicam a uma situação como a do demandante no processo principal, na origem do pedido prejudicial.

20 A este respeito, deve salientar-se que a participação substancial no sentido do direito neerlandês, consistente, no essencial, na detenção, nos últimos cinco anos, de pelo menos um terço das acções de uma sociedade e de mais de sete centésimos do capital nominal liberado, não implica necessariamente o controlo ou a gestão da sociedade, que relevam do exercício do direito de estabelecimento. Por conseguinte, o facto de um Estado-Membro não conceder aos seus contribuintes a exoneração de empresas com base em participação substancial, no sentido da legislação nacional, em sociedades com sede noutros Estados-Membros não tem necessariamente incidência sobre a liberdade de estabelecimento.

21 Deve, no entanto, salientar-se que a situação na origem do litígio no processo principal é a de um nacional de um Estado-Membro residente num Estado-Membro, titular da totalidade das acções de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro. Ora, uma participação igual a 100% do capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro coloca indubitavelmente esse contribuinte no âmbito das disposições do Tratado referentes ao direito de estabelecimento.

22 Com efeito, resulta do segundo parágrafo do artigo 52._ do Tratado que a liberdade de estabelecimento compreende a constituição e a gestão de empresas, e designadamente de sociedades, num Estado-Membro, por um nacional de outro Estado-Membro. Exerce por isso o direito de estabelecimento o nacional de um Estado-Membro que detém, no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, uma participação que lhe confere uma influência certa sobre as decisões dessa sociedade e lhe permite que determine as respectivas actividades.

23 Quanto ao artigo 6._ do Tratado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este artigo, que enuncia um princípio geral de proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, só deve ser aplicado autonomamente a situações regidas pelo direito comunitário em relação às quais o Tratado não preveja regras específicas de não discriminação (acórdãos de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia, 305/87, Colect., p. 1461, n.os 12 e 13; de 12 de Abril de 1994, Halliburton Services, C-1/93, Colect., p. I-1137, n._ 12; e Royal Bank of Scotland, já referido, n._ 20).

24 Ora, é sabido que o princípio da não discriminação foi posto em prática, no domínio do direito de estabelecimento, pelo artigo 52._ do Tratado (acórdãos Halliburton Services, já referido, n._ 12, e de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos, C-193/94, Colect., p. I-929, n._ 21).

25 Por conseguinte, não é aplicável no processo principal o artigo 6._ do Tratado.

26 Deve, por isso, verificar-se se, como pede, em substância, o tribunal de reenvio na primeira questão, o artigo 52._ do Tratado se opõe a uma legislação fiscal de um Estado-Membro, como a em causa no processo principal, que, na hipótese em que uma participação no capital de uma sociedade confere ao detentor de acções uma influência certa nas decisões da sociedade e lhe permite determinar as respectivas actividades, como evidentemente se verifica sempre no caso de participação de 100% no capital de uma sociedade,

- concede aos nacionais dos Estados-Membros residentes no seu território exoneração total ou parcial do imposto sobre a fortuna quanto ao património investido em acções na sociedade,

- mas sujeita a referida exoneração à condição de a participação ser detida em sociedade com sede no Estado-Membro em causa, recusando-a assim aos detentores de acções de sociedades com sede noutros Estados-Membros.

27 O artigo 52._ do Tratado constitui uma das disposições fundamentais do direito comunitário e é directamente aplicável nos Estados-Membros desde o termo do período transitório. Nos termos desta disposição, a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro inclui o acesso às actividades por conta própria e ao seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas nas condições definidas pela legislação do Estado de estabelecimento em relação aos seus nacionais (acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n._ 13, e Royal Bank of Scotland, já referido, n._ 22).

28 Importa precisar que, mesmo se, à semelhança das demais disposições referentes à liberdade de estabelecimento, o artigo 52._ do Tratado visa, nomeadamente, nos termos do seu teor, assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, impede igualmente que o Estado-Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais (neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail e General Trust, 81/87, Colect., p. 5483, n._ 16; de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n._ 21; e de 18 de Novembro de 1999, X e Y, C-200/98, Colect., p. I-0000, n._ 26).

29 O artigo 52._ do Tratado opõe-se igualmente a que um Estado-Membro levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro dos nacionais dos Estados-Membros residentes no seu território.

30 Ao não conceder o benefício fiscal de exoneração de empresas aos nacionais dos Estados-Membros residentes nos Países Baixos, que, usando do direito de liberdade de estabelecimento, gerem uma sociedade com sede noutro Estado-Membro que não os Países Baixos, concedendo aquele benefício aos nacionais dos Estados-Membros residentes nos Países Baixos que detenham uma participação substancial numa sociedade com sede no território deste Estado-Membro, a legislação nacional em causa no processo principal estabelece uma diferença de tratamento entre os contribuintes, com base no critério da sede das sociedades de que os mesmos são accionistas.

31 Esta diferença de tratamento entre contribuintes é, em princípio, contrária ao artigo 52._ do Tratado.

32 Impõe-se por isso averiguar a existência de uma eventual justificação desta diferença de tratamento face às disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

33 A este respeito, o Governo neerlandês sustenta que o facto de limitar a exoneração de empresas apenas às acções detidas nas sociedades com sede nos Países Baixos se justifica pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal neerlandês.

34 Em seu entender, a exoneração de empresas visa atenuar os efeitos da dupla tributação - em termos económicos - que resultaria da tributação dos lucros da sociedade, no quadro do imposto sobre as sociedades, e da tributação do património investido pelo accionista na referida sociedade, no quadro do imposto sobre a fortuna.

35 Apenas o património investido em acções numa sociedade com sede nos Países Baixos está isento, na totalidade ou em parte, do imposto sobre a fortuna na medida em que apenas os lucros que esta sociedade obteve nos Países Baixos estão sujeitos neste Estado ao imposto sobre as sociedades. O património investido em acções numa sociedade com sede noutro Estado-Membro não deveria beneficiar da exoneração do imposto sobre a fortuna, dado que os lucros obtidos por esta sociedade não estão sujeitos ao imposto sobre as sociedades nos Países Baixos, pelo que não haveria que compensar uma dupla tributação.

36 Esta argumentação não pode ser aceite.

37 É verdade que o Tribunal considerou que a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal pode justificar uma legislação restritiva das liberdades fundamentais (acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C-204/90, Colect., p. I-249, e Comissão/Bélgica, C-300/90, Colect., p. I-305).

38 Não é, no entanto, o que se verifica no caso em apreço.

39 Por um lado, não existe dupla tributação dos lucros, mesmo em termos económicos, uma vez que a tributação em causa no processo principal não incide sobre o lucro distribuído aos accionistas sob a forma de dividendos, mas sobre o património dos accionistas através do valor da participação que detêm no capital de uma sociedade. Por outro lado, o facto de a sociedade ter ou não lucros não tem qualquer incidência sobre a exigibilidade do imposto sobre a fortuna.

40 Por outro lado, ao passo que, nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos, existia um nexo directo entre a dedutibilidade das cotizações pagas no quadro dos contratos de seguro de velhice e de morte e a tributação dos montantes recebidos em cumprimento dos mesmos contratos, nexo que interessava preservar para salvaguarda da coerência do sistema fiscal em causa, nenhum nexo directo desta natureza existe no caso em apreço, uma vez que se trata de duas tributações diferentes, que atingem contribuintes diferentes. Não tem por isso qualquer pertinência, para efeitos da concessão aos accionistas de dedução fiscal em matéria de imposto sobre a fortuna, que as sociedades com sede nos Países Baixos estejam sujeitas neste Estado-Membro a imposto sobre as sociedades e que as sociedades com sede noutro Estado-Membro o não estejam.

41 Por conseguinte, deve responder-se à primeira questão que o artigo 52._ do Tratado se opõe a uma legislação fiscal de um Estado-Membro, como a em causa no processo principal, que, na hipótese em que uma participação no capital de uma sociedade confere ao detentor de acções uma influência certa nas decisões da sociedade e lhe permite determinar as respectivas actividades,

- concede aos nacionais dos Estados-Membros residentes no seu território exoneração total ou parcial do imposto sobre a fortuna quanto ao património investido em acções na sociedade,

- mas sujeita esta exoneração à condição de a participação ser detida numa sociedade com sede no Estado-Membro em causa, recusando-a assim aos detentores de acções de sociedades com sede noutros Estados-Membros.

Quanto à segunda questão prejudicial

42 Atenta a resposta dada à primeira questão, não há necessidade de responder à segunda.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

43 As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Gerechtshof te 's-Gravenhage, por despacho de 8 de Julho de 1998, declara:

O artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) opõe-se a uma legislação fiscal de um Estado-Membro, como a em causa no processo principal, que, na hipótese em que uma participação no capital de uma sociedade confere ao detentor de acções uma influência certa nas decisões da sociedade e lhe permite determinar as respectivas actividades,

- concede aos nacionais dos Estados-Membros residentes no seu território exoneração total ou parcial do imposto sobre a fortuna quanto ao património investido em acções na sociedade,

- mas sujeita esta exoneração à condição de a participação ser detida numa sociedade com sede no Estado-Membro em causa, recusando-a assim aos detentores de acções de sociedades com sede noutros Estados-Membros.