Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 8 de Março de 2001. - Laszlo Bakcsi contra Finanzamt Fürstenfeldbruck. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha. - IVA - Artigos 2.º, ponto 1, 5.º, n.º 6, e 11.º, parte A, n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva IVA - Bem de utilização mista - Integração no património privado ou profissional do sujeito passivo - Venda de um bem da empresa - Bem usado comprado a um particular. - Processo C-415/98.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-01831
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1. Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Sexta Directiva - Âmbito de aplicação - Utilização de um bem para fins profissionais e fins privados - Possibilidade para o sujeito passivo de integrar o bem no seu património privado e de excluí-lo completamente do sistema do imposto sobre o valor acrescentado
(Directiva 77/388 do Conselho)
2. Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Sexta Directiva - Âmbito de aplicação - Utilização de um bem para fins profissionais e fins privados - Integração do bem no património privado ou profissional do sujeito passivo - Incidência sobre o sistema do imposto no caso da venda do bem
[Directiva 77/388 do Conselho, artigos 2.° , ponto 1, 5.° , n.° 6, e 11.° , A, n.° 1, alínea a)]
1. Um sujeito passivo que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados pode mantê-lo inteiramente no seu património privado e, assim, excluí-lo completamente do sistema do imposto sobre o valor acrescentado.
A utilização, para fins profissionais ou privados, que efectivamente faz o sujeito passivo de um bem de investimento só deve ser tomada em conta para a determinação da sua afectação caso o sujeito passivo exerça o direito de proceder à dedução, total ou parcial, do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante sobre a sua aquisição.
O regime fiscal aplicável à transmissão de um bem de investimento deve ser dissociado do das despesas tributáveis decorrentes da sua exploração e manutenção.
( cf. n.os 29, 33-34, e disp. 1 )
2. Quando um sujeito passivo tenha optado por integrar totalmente no seu património profissional um bem de investimento que utiliza simultaneamente para fins profissionais e privados, a venda do referido bem está integralmente sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado em conformidade com os artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios. Quando o sujeito passivo só tenha afectado ao seu património profissional parte do bem utilizado para fins profissionais, apenas a venda desta parte está sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado. O facto de o bem ter sido comprado em segunda mão a pessoa que não é sujeito passivo e de o sujeito passivo não ter, portanto, sido autorizado a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado residual que sobre este incidiu não tem relevância. Todavia, se o sujeito passivo retirar este bem da sua empresa, o bem deve ser considerado como não tendo dado direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado na acepção do artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva, ficando, portanto, excluída a tributação, por força desta disposição, desta operação. Caso, posteriormente, o sujeito passivo venda o bem, efectua esta operação a título privado e esta está, portanto, excluída do sistema do imposto sobre o valor acrescentado.
( cf. n.° 47, e disp. 2 )
No processo C-415/98,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Laszlo Bakcsi
e
Finanzamt Fürstenfeldbruck,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: D. A. O. Edward, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, P. Jann e L. Sevón (relator), juízes,
advogado-geral: A. Saggio,
secretário: L. Hewlett, administradora,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing e C.-D. Quassowski, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e A. Buschmann, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de L. Bakcsi, representado por K. Koch, Rechtsanwalt, do Governo alemão, representado por W.-D. Plessing, do Governo helénico, representado por M. Apessos, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes, na audiência de 23 de Fevereiro de 2000,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Abril de 2000,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 24 de Setembro de 1998, entrado no Tribunal de Justiça no dia 20 de Novembro seguinte, o Bundesfinanzhof submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), duas questões prejudiciais sobre a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe L. Bakcsi ao Finanzamt Fürstenfeldbruck a respeito da sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») da venda de um veículo comprado a um particular sem direito de dedução do IVA e que utilizou simultaneamente para fins profissionais e privados.
O enquadramento regulamentar
Regulamentação comunitária
3 O artigo 2.° , ponto 1, da Sexta Directiva sujeita ao IVA «as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».
4 O artigo 4.° , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva prevê:
«1. Por sujeito passivo entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.
2. As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. [...]»
5 Nos termos do n.° 6 do artigo 5.° da mesma directiva:
«É equiparada a entrega efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afectação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado. [...]»
6 Nos termos da alínea a) do primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 6.° da Sexta Directiva, é equiparada uma prestação de serviços efectuada a título oneroso:
«A utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado.»
7 O artigo 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva dispõe que a matéria colectável é constituída, «no caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro».
Regulamentação nacional
8 Resulta do despacho de reenvio que, na Alemanha, as entregas de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo no interior do país, no âmbito da sua empresa, estão sujeitas ao IVA nos termos do artigo 1.° , n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro período, da Umstazsteuergesetz de 1980 (lei alemã do imposto sobre o volume de negócios). Por força do artigo 10.° , n.° 1, primeiro período, desta lei, o volume de negócios referente a estas entregas é calculado com base na contrapartida recebida.
O litígio no processo principal e as questões prejudiciais
9 No decurso do ano de 1990, L. Bakcsi exercia a actividade de transportador independente. Para este efeito, utilizava um veículo de marca Mercedes, modelo 300 D, que adquiriu a um particular sem poder deduzir o IVA. O veículo era utilizado para fins profissionais em cerca de 70%.
10 Em 16 de Maio de 1990, L. Bakcsi revendeu este veículo pela quantia de 19 000 DEM, sem facturar separadamente o IVA.
11 Por decisão de 24 de Maio de 1994, o Finanzamt Fürstenfeldbruck considerou que a venda do veículo por L. Bakcsi devia ser sujeita ao IVA, tomando como matéria colectável o preço de venda, ou seja, a quantia de 19 000 DEM, reduzida do montante do IVA incluído, ou seja, 2 334 DEM.
12 O Finanzgericht, chamado a decidir do litígio após ter sido indeferida a reclamação apresentada por L. Bakcsi, também considerou que a venda devia ser sujeita ao IVA, pois que, ao solicitar o direito de deduzir o imposto pago a montante sobre as despesas de reparação do veículo, L. Bakcsi tinha revelado a sua decisão de o afectar à empresa. Segundo o Finanzgericht, L. Bakcsi «entrou» com o veículo para a empresa em 17 de Abril de 1989.
13 L. Bakcsi interpôs recurso desta decisão do Finanzgericht para o Bundesfinanzhof.
14 No seu despacho de reenvio, o Bundesfinanzhof considera que L. Bakcsi é um sujeito passivo nos termos do artigo 2.° , ponto 1, da Sexta Directiva. Acrescenta que L. Bakcsi só terá vendido o veículo nesta qualidade caso o tenha comprado para as necessidades da sua actividade económica na acepção do artigo 4.° da referida directiva e o tenha afecto à sua empresa.
15 Recordando a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Bundesfinanzhof observa que um empresário pode afectar um bem de utilização mista inteira ou parcialmente à sua empresa (v. acórdãos de 11 de Julho de 1991, Lennartz, C-97/90, Colect., p. I-3795, e de 4 de Outubro de 1995, Armbrecht, C-291/92, Colect., p. I-2775, n.° 20). Em contrapartida, tem dúvidas quanto à possibilidade, para o empresário, de afectar na totalidade semelhante bem ao seu património privado.
16 Caso L. Bakcsi seja obrigado a afectar, inteira ou parcialmente, o veículo à sua empresa ou, em todo o caso, se tiver procedido a esta afectação, o Bundesfinanzhof tem dúvidas quanto a saber se o veículo, que já foi sujeito ao IVA numa fase anterior, deve novamente ser-lhe integralmente sujeito. A este respeito, sublinha que, não tendo podido deduzir o IVA a montante, L. Bakcsi teria podido evitar a tributação sobre a venda do veículo, retirando-o previamente da sua empresa, em conformidade com o artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva.
17 Nestas circunstâncias, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Pode um empresário afectar completamente ao seu património pessoal um bem utilizado de forma mista (para a empresa e para efeitos privados), independentemente da importância do uso empresarial?
2) Está totalmente sujeita ao imposto sobre o volume de negócios a alienação de um bem que o vendedor adquiriu, sem direito a dedução do imposto pago a montante, a um particular para a sua empresa, em conformidade com o artigo 2.° , n.° 1, e com o artigo 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Directiva 77/388/CEE?»
Quanto à primeira questão
Argumentos das partes
18 L. Bakcsi alega que um sujeito passivo deve poder manter no seu património privado um bem de utilização mista que comprou a um particular e em relação ao qual não pode deduzir o IVA. Deste modo, não estará obrigado a pagar o IVA na venda deste bem. Esta latitude permitirá evitar a desigualdade de tratamento que constituirá a dupla aplicação do IVA num caso como o do processo na causa principal.
19 O Governo alemão observa que, apesar do Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos Lennartz e Armbrecht, já referidos, não se ter expressamente pronunciado sobre a questão de saber se um sujeito passivo pode afectar bens de utilização mista integralmente ao seu património privado, também não indicou o contrário. Também a Sexta Directiva não conterá disposição que proíba tal decisão.
20 A este respeito, o Governo alemão indica que resulta da redacção do artigo 6.° , n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Directiva que a afectação deve assentar numa decisão do empresário. Além disso, resulta do artigo 5.° , n.° 6, desta mesma directiva que deve ser possível afectar imediatamente um bem ao património privado no momento da sua aquisição.
21 O Governo alemão considera ainda que a prova da opção por uma afectação à empresa resulta, em especial, do facto do sujeito passivo exercer, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA pago a montante. Para um bem comprado a um particular e cuja aquisição não confere o direito a dedução, importará determinar se foram posteriormente feitas deduções do IVA para despesas relacionadas com o bem, como as suportadas com as reparações.
22 O Governo helénico considera que o direito de um empresário de afectar totalmente ao seu património privado um bem de utilização mista não parece estar excluído por qualquer disposição da Sexta Directiva. Todavia, caso seja exercido o direito à dedução do IVA para despesas referentes a este bem, por exemplo, para as despesas de manutenção ou de reparação, o bem deve automaticamente ser considerado como fazendo parte do património profissional. Neste caso, aplicar-se-ão as disposições da Sexta Directiva referentes à fixação da percentagem do direito à dedução, à aplicação do IVA pela cessão a título oneroso e à utilização privada de um bem pelo sujeito passivo.
23 A Comissão alega que um sujeito passivo tem o direito de decidir se, e em que proporção, pretende afectar um bem ao seu património privado ou ao da sua empresa. A questão de saber como pode o sujeito passivo exercer esta liberdade de opção no momento da ocorrência do facto gerador do IVA é uma questão de facto cuja resposta depende da apreciação de todas as circunstâncias relevantes a este respeito. O sujeito passivo manifestará a sua decisão de afectação de um bem utilizando-o, no todo e em parte, para as necessidades das suas actividades económicas ou privadas. Caso afecte um bem a um uso misto, estará excluído que o possa afectar totalmente ao seu património privado.
Apreciação do Tribunal
24 Importa recordar que, no n.° 16 do seu acórdão Armbrecht, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que decorre da redacção do artigo 2.° , ponto 1, da Sexta Directiva que um sujeito passivo deve agir «nessa qualidade» para que uma operação possa ser sujeita ao IVA. Ora, nos termos do n.° 17 deste acórdão, um sujeito passivo que efectue uma operação a título privado não age como sujeito passivo. Por conseguinte, como precisa o n.° 18 do mesmo acórdão, uma operação efectuada por um sujeito passivo a título privado não cai na alçada do IVA.
25 O Tribunal de Justiça também referiu, no n.° 19 do acórdão Armbrecht, já referido, que nenhuma disposição da directiva se opõe a que um sujeito passivo que deseje conservar uma parte de um bem no seu património privado possa excluí-lo do sistema do IVA. Segundo o n.° 20 do mesmo acórdão, tal interpretação dá a um sujeito passivo a possibilidade de escolher, para efeitos da aplicação da Sexta Directiva, entre integrar ou não na sua empresa a parte de um bem que está afecta ao seu uso privado. O Tribunal prosseguiu, neste mesmo número, indicando que esta possibilidade de escolha não constitui obstáculo à aplicação de uma outra regra, segundo a qual os bens de investimento utilizados ao mesmo tempo para fins profissionais e para fins privados podem, todavia, ser tratados como bens da empresa sobre os quais o IVA é, em princípio, integralmente dedutível.
26 Ora, há que referir que a Sexta Directiva também não comporta qualquer disposição que se oponha a que um sujeito passivo que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados possa mantê-lo inteiramente no seu património privado e, assim, excluí-lo completamente do sistema do IVA.
27 Quando o sujeito passivo decida deste modo manter um bem de investimento inteiramente no seu património privado, apesar de simultaneamente o utilizar para fins profissionais e privados, não é, portanto, dedutível qualquer parte do IVA devido ou pago a montante pela aquisição do bem.
28 A este respeito, há que referir que a opção, por um sujeito passivo, entre a afectação ao seu património privado e a afectação, total ou parcial, ao seu património profissional pode assentar num conjunto de elementos, entre os quais o facto de que não está, em todo o caso, autorizado a deduzir o IVA residual que incidiu sobre um bem da empresa comprado em segunda mão a pessoa que não seja sujeito passivo.
29 Além disso, importa sublinhar que a utilização, para fins profissionais ou privados, que efectivamente faz o sujeito passivo de um bem de investimento só deve ser tomada em conta para a determinação da sua afectação caso o sujeito passivo exerça o direito de proceder à dedução, total ou parcial, do IVA pago a montante sobre a sua aquisição. Neste caso, cabe determinar se o sujeito passivo adquiriu os bens, pelo menos parcialmente, nesta qualidade, ou seja, para as necessidades das suas actividades económicas na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva. Trata-se de uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta o conjunto dos dados do caso em apreço, entre os quais figuram a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a aquisição dos bens e a sua utilização para os fins das actividades económicas do sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Lennartz, já referido, n.os 21 e 35).
30 Além disso, resulta dos artigos 6.° , n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), e 11.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva que, quando um bem afecto à empresa confira direito a uma dedução total ou parcial do IVA, a sua utilização para fins privados do sujeito passivo ou do seu pessoal ou para fins estranhos à sua empresa é equiparada a uma prestação de serviços efectuada a título oneroso e tributada com base no montante das despesas efectuadas para a execução da prestação de serviços (v. acórdão Lennartz, já referido, n.° 26).
31 Pelo contrário, caso o sujeito passivo tenha optado por manter um bem de investimento inteiramente no seu património privado e não tenha, portanto, gozado do direito de dedução do IVA pago a montante sobre a sua aquisição, a utilização deste bem para os fins da sua empresa não pode ser sujeita a IVA.
32 Tendo em conta as precedentes considerações, há que rejeitar o argumento da Comissão de que o sujeito passivo manifesta a sua decisão de afectação de um bem quando o utiliza no todo ou em parte para os fins das suas actividades económicas e de que, portanto, estará impedido de afectar um bem de utilização mista inteiramente ao seu património privado.
33 Há também que rejeitar o argumento dos Governos alemão e helénico nos termos do qual a opção feita pelo sujeito passivo de integrar no seu património profissional um bem comprado a um particular, cuja aquisição não confere o direito à dedução do IVA, resultará do facto de exercer o direito de dedução do IVA incidente sobre as despesas relacionadas com este bem, como as reparações. Com efeito, a afectação de um bem de investimento determina a aplicação do sistema do IVA ao próprio bem e não aos bens e serviços utilizados para sua exploração e manutenção. O direito de deduzir o IVA incidente sobre estes bens e serviços constitui uma outra questão que se insere na aplicação do artigo 17.° da Sexta Directiva. Este direito depende, designadamente, da relação entre os referidos bens e serviços e as operações do sujeito passivo sujeitas a imposto. Donde resulta que o regime fiscal aplicável à transmissão de um bem de investimento deve ser dissociado do das despesas tributáveis decorrentes da sua exploração e manutenção.
34 Importa, pois, responder à primeira questão que um sujeito passivo que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados pode mantê-lo inteiramente no seu património privado e, assim, excluí-lo completamente do sistema do IVA.
Quanto à segunda questão
Argumentos das partes
35 Os Governos alemão e helénico e a Comissão sustentam que, quando um sujeito passivo ceda a título oneroso um bem que afectou à sua empresa, deve, por força dos artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, aplicar o IVA à totalidade da contrapartida obtida, e isto independentemente do facto de não ter podido deduzir o IVA que incidiu sobre este bem devido a ter sido comprado a um particular.
Apreciação do Tribunal
36 Como já se considerou no n.° 24 do presente acórdão, resulta do próprio teor do artigo 2.° , ponto 1, da Sexta Directiva que um sujeito passivo deve agir «nessa qualidade» para que uma operação possa ser sujeita ao IVA.
37 Ora, um sujeito passivo que vende um bem afecto à empresa actua a título profissional e, portanto, na qualidade de sujeito passivo.
38 Por conseguinte, quando um sujeito passivo tenha optado por integrar totalmente no seu património profissional um bem de investimento que utiliza simultaneamente para fins profissionais e privados, a venda do referido bem está integralmente sujeita ao IVA em conformidade com os artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva.
39 Quando o sujeito passivo só tenha afectado ao seu património profissional parte do bem utilizado para fins profissionais, apenas a venda desta parte está sujeita ao IVA (v., neste sentido, acórdão Armbrecht, já referido, n.° 24).
40 A este respeito, importa precisar que, tendo o sujeito passivo optado por integrar, total ou parcialmente, o bem de investimento no seu património profissional, o facto deste bem ter sido comprado em segunda mão a pessoa que não é sujeito passivo e de o sujeito passivo não ter, portanto, sido autorizado a deduzir o IVA residual que sobre este incidiu não tem relevância. Trata-se de um bem afecto à empresa, cuja venda constitui uma transmissão tributável na acepção da Sexta Directiva.
41 Todavia e como observou o órgão jurisdicional de reenvio, resulta do artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva que o sujeito passivo pode retirar o bem da sua empresa para as suas necessidades privadas ou as do seu pessoal ou afectar o bem para fins estranhos aos da sua empresa. Esta retirada é equiparada a uma transmissão efectuada a título oneroso quando o bem tenha beneficiado de uma dedução completa ou parcial do IVA.
42 A este respeito, cabe salientar que o objectivo do artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva consiste, designadamente, em garantir a igualdade de tratamento entre o sujeito passivo que afecta um bem da sua empresa ao seu uso privado e o consumidor normal que adquire um bem do mesmo tipo. Para a realização deste objectivo, esta disposição impede que um sujeito passivo que deduziu o IVA na aquisição de um bem afecto à sua empresa se subtraia ao pagamento do IVA quando afecta este bem ao seu uso privado, beneficiando assim de vantagens indevidas em relação ao consumidor normal que adquire o bem pagando o IVA [v. acórdãos de 6 de Maio de 1992, De Jong, C-20/91, Colect., p. I-2847, n.° 15, e de 27 de Abril de 1999, Kuwait Petroleum, C-48/97, Colect., p. I-2323, n.° 21, bem como, no que toca ao artigo 6.° , n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Directiva, que assenta no mesmo princípio, o acórdão de 26 de Setembro de 1996, Enkler, C-230/94, Colect., p. I-4517, n.° 33].
43 Tendo, deste modo, o sujeito passivo retirado um bem da sua empresa e, eventualmente, tendo pago o IVA sobre essa operação, é livre de dispor deste bem como entender, não impondo o artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva qualquer limite a este respeito.
44 Resulta das precedentes considerações que, quando o sujeito passivo não tenha sido autorizado a deduzir o IVA residual que incidiu sobre um bem afecto à empresa que foi comprado em segunda mão a quem não é sujeito passivo, este bem deve ser considerado como não tendo dado direito à dedução do IVA na acepção do artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva, ficando, portanto, excluída, por força desta disposição, a tributação da operação [v., no que toca ao artigo 6.° , n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Directiva, o acórdão de 27 de Junho de 1989, Kühne, 50/88, Colect., p. 1925, n.° 9]. Se, posteriormente, o sujeito passivo vende o bem, efectua esta operação a título privado, e não na qualidade de sujeito passivo. Portanto, este bem fica excluído do sistema do IVA.
45 Esta interpretação é conforme ao objectivo da igualdade de tratamento prosseguido pelo artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva, não beneficiando o sujeito passivo de qualquer vantagem indevida relativamente ao consumidor normal.
46 Com efeito, a tributação de um bem nesta situação, quando não tenha dado direito à dedução do imposto residual, implicaria uma dupla tributação contrária ao princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA em que se insere a Sexta Directiva [v., no que toca ao artigo 6.° , n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Directiva, os acórdãos Kühne, já referido, n.° 10, e de 25 de Maio de 1993, Mohsche, C-193/91, Colect., p. I-2615, n.° 9].
47 Portanto, há que responder à segunda questão que, quando um sujeito passivo tenha optado por integrar totalmente no seu património profissional um bem de investimento que utiliza simultaneamente para fins profissionais e privados, a venda do referido bem está integralmente sujeita ao IVA em conformidade com os artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva. Quando o sujeito passivo só tenha afectado ao seu património profissional parte do bem utilizado para fins profissionais, apenas a venda desta parte está sujeita ao IVA. O facto de o bem ter sido comprado em segunda mão a pessoa que não é sujeito passivo e de o sujeito passivo não ter, portanto, sido autorizado a deduzir o IVA residual que sobre este incidiu não tem relevância. Todavia, se o sujeito passivo retirar este bem da sua empresa, o bem deve ser considerado como não tendo dado direito à dedução do IVA na acepção do artigo 5.° , n.° 6, da Sexta Directiva, ficando, portanto, excluída a tributação, por força desta disposição, desta operação. Caso, posteriormente, o sujeito passivo venda o bem, efectua esta operação a título privado e esta está, portanto, excluída do sistema do IVA.
Quanto às despesas
48 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e helénico, bem com pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesfinanzhof, por despacho de 24 de Setembro de 1998, declara:
1) Um sujeito passivo que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados pode mantê-lo inteiramente no seu património privado e, assim, excluí-lo completamente do sistema do imposto sobre o valor acrescentado.
2) Quando um sujeito passivo tenha optado por integrar totalmente no seu património profissional um bem de investimento que utiliza simultaneamente para fins profissionais e privados, a venda do referido bem está integralmente sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado em conformidade com os artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme. Quando o sujeito passivo só tenha afectado ao seu património profissional parte do bem utilizado para fins profissionais, apenas a venda desta parte está sujeita ao IVA. O facto de o bem ter sido comprado em segunda mão a pessoa que não é sujeito passivo e de o sujeito passivo não ter, portanto, sido autorizado a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado residual que sobre este incidiu não tem relevância. Todavia, se o sujeito passivo retirar este bem da sua empresa, o bem deve ser considerado como não tendo dado direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado na acepção do artigo 5.° , n.° 6, da referida directiva, ficando, portanto, excluída a tributação, por força desta disposição, desta operação. Caso, posteriormente, o sujeito passivo venda o bem, efectua esta operação a título privado e esta está, portanto, excluída do sistema do imposto sobre o valor acrescentado.