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Acórdão do Tribunal de 26 de Setembro de 2000. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica. - Empréstimos emitidos no estrangeiro - Proibição de aquisição por residentes belgas. - Processo C-478/98.
Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-07587
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Livre circulação de capitais - Restrições - Regulamentação nacional que proíbe a aquisição, pelos residentes do Estado-Membro, de títulos de empréstimo emitidos no estrangeiro - Inadmissibilidade - Justificação - Inexistência
[Tratado CE, artigos 73._-B e 73._-D, n._ 1, alínea b) (actuais artigos 56._ CE e 58._, n._ 1, alínea b), CE)]
$$A proibição feita por um Estado-Membro às pessoas residentes no seu território de adquirirem títulos de empréstimo emitidos no estrangeiro constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 73._-B, n._ 1, do Tratado (actual artigo 56._ CE). Uma tal medida, adoptada pelo Estado como autoridade pública, não pode ser justificada com base na necessidade de preservar a coerência fiscal, uma vez que não existe qualquer relação directa entre um benefício fiscal e o prejuízo correlativo que deva ser preservada para salvaguardar a coerência fiscal. Além disso, tal medida não pode ser justificada com base, nos termos do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), do Tratado [actual artigo 58._, n._ 1, alínea b), CE], na necessidade de impedir a evasão fiscal e garantir a eficácia dos controlos fiscais, uma vez que uma presunção geral de evasão ou fraude fiscal não é susceptível de justificar uma medida fiscal consistente na proibição total do exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo artigo 73._-B do Tratado.
(cf. n.os 27, 35-36, 40, 45, 47)
No processo C-478/98,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Michard e B. Mongin, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,
demandante,
contra
Reino da Bélgica, representado por A. Snoecx, consultora adjunta na Direcção-Geral dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente, assistida por B. van de Walle de Ghelcke, advogado no foro de Bruxelas, 15, rue des Petits Carmes, Bruxelas,
demandado,
que tem por objecto fazer declarar que o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado CE (actual artigo 56._ CE) ao proibir a aquisição por residentes belgas de títulos de um empréstimo emitido no estrangeiro,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida, D. A. O. Edward, L. Sevón e R. Schintgen, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn (relator), C. Gulmann, A. La Pergola, J.-P. Puissochet, P. Jann e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 28 de Março de 2000, na qual a Comissão foi representada por B. Mongin e o Reino da Bélgica por B. van de Walle de Ghelcke, assistido por M. Massart, na qualidade de inspector principal da administração belga dos assuntos fiscais do Ministério das Finanças,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Junho de 2000,
profere o presente
Acórdão
1 Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Dezembro de 1998, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE), um acção visando fazer declarar que o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado CE (actual artigo 56._ CE) ao proibir a aquisição por residentes belgas de títulos de um empréstimo emitido no estrangeiro.
2 Com base num decreto real de 4 de Outubro de 1994 (a seguir «decreto real»), o ministro das Finanças belga emitiu, no mercado dos euro-obrigações, um empréstimo público no montante de mil milhões de DEM.
3 O artigo 1._ do decreto real estabelece:
«O ministro das Finanças fica autorizado a contrair um empréstimo público de taxa fixa do montante de mil milhões de marcos alemães com o Dresdner Bank AG e o Schweizerischer Bankverein (Alemanha) AG em Francoforte. Este empréstimo pode ser objecto, no todo ou em parte, de uma ou mais operações de swap.»
4 O artigo 2._ do decreto real prevê:
«As condições e modalidades do empréstimo e das eventuais operações de swap serão fixadas em acordos celebrados com as instituições financeiras em causa.»
5 O artigo 3._ do decreto real precisa:
«Renuncia-se à cobrança do `précompte mobilier' sobre os juros relativos ao empréstimo.
Está excluída a subscrição por residentes belgas, com excepção dos bancos, intermediários financeiros e investidores institucionais referidos nos acordos em causa no artigo 2._ e nas condições neles determinadas.
Os títulos definitivos só serão entregues aos beneficiários contra a apresentação de um certificado que comprove que são não residentes ou preenchem as condições estabelecidas na alínea anterior.»
6 O segundo parágrafo do artigo 3._ do decreto real foi concretizado nos acordos celebrados com as instituições financeiras em causa (sob a epígrafe «Restrições de venda»), em que foram estabelecidas as condições e modalidades do empréstimo. Aí se precisa designadamente:
«The Bonds may not be offered or sold, directly or indirectly, to residents of, or corporations or other legal entities having their domicile in, The Kingdom of Belgium except, provided that the offer or sale does not constitute an offer to the public of the Kingdom of Belgium, to (i) a bank which is so resident or domiciled, (ii) a broker, similar intermediary or institution of international standing whose business involves dealing in securities or managing customers' funds, which is so resident or domiciled and (iii) an insurance company which is so resident or domiciled».
[«As obrigações não podem ser oferecidas ou vendidas, directa ou indirectamente, a residentes no Reino da Bélgica, nem a sociedades ou outras pessoas colectivas que aí tenham sede, excepto, na condição de a oferta ou venda não constituir uma oferta pública no Reino da Bélgica, a (i) um banco aí residente ou que aí tenha a sua sede, (ii) uma empresa de investimento, um intermediário ou uma instituição assimilável de nível internacional cuja actividade consista nomeadamente em negociar valores mobiliários ou gerir fundos de clientes, aí residentes ou que aí tenham a sua sede, e (iii) uma companhia de seguros aí residente ou que tenha aí a sua sede».]
Procedimento pré-contencioso
7 Em 6 de Janeiro de 1995, a Comissão pediu às autoridades belgas esclarecimentos sobre as disposições do decreto real. A Comissão considerou que a proibição de que os residentes belgas eram objecto, nos termos do artigo 3._ do decreto real, de subscrever um empréstimo emitido no estrangeiro constituía um entrave à livre circulação de capitais contrário ao artigo 73._-B do Tratado.
8 Em 13 de Fevereiro de 1995, as autoridades belgas responderam que tal proibição de que eram objecto os residentes belgas era compatível com o direito comunitário. Ao excluir as pessoas singulares residentes na Bélgica da possibilidade de subscreverem o empréstimo público emitido em DEM, a medida em causa permitia evitar que tais pessoas fugissem ao pagamento do imposto na Bélgica, ao não declararem os juros recebidos. Além disso, as autoridades belgas argumentaram que o decreto real se fundava nas alíneas a) e b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado CE [actual artigo 58._, n._ 1, alíneas a) e b), CE].
9 Não se considerando satisfeita com esta resposta, a Comissão, por intimação de 11 de Agosto de 1995, deu início ao processo de infracção, convidando o Governo belga a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.
10 A Comissão referiu, em primeiro lugar, que, apesar de a alínea a) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado prever a possibilidade de diferença de tratamento fiscal entre residentes e não residentes, não se tratava, no caso vertente, de um tratamento fiscal diferenciado, mas de uma pura e simples proibição de as pessoas singulares residentes na Bélgica adquirem títulos de um empréstimo emitido no estrangeiro.
11 A Comissão salientou em segundo lugar que as autoridades se fundavam na alínea b) do artigo 73._-D do Tratado para sustentar que a necessidade de fazer com que os contribuintes residentes na Bélgica cumprissem as disposições fiscais era susceptível de justificar uma restrição à livre circulação de capitais. Ora, a imposição de tal medida é desproporcionada relativamente ao objectivo pretendido; além disso, a aceitação de tal ponto de vista teria por consequência a possibilidade de proibição de qualquer operação de movimento de capitais susceptível de implicar riscos de evasão fiscal.
12 Por carta de 30 de Outubro de 1995, o Governo belga manteve a posição que defendera na carta de 13 de Fevereiro de 1995. O Governo belga precisou que a proibição correspondia exclusivamente à preocupação de preservar a coerência do sistema fiscal. Aquele governo acrescentou que a proibição não era arbitrária nem discriminatória e que, no caso em apreço, não se tratava de uma restrição disfarçada à livre circulação de capitais e de pagamentos.
13 Em 16 de Abril de 1997, a Comissão dirigiu ao Governo belga um parecer fundamentado, convidando-o a adoptar as medidas necessárias para lhe dar execução no prazo de dois meses contados da respectiva notificação. Tal parecer ficou sem resposta.
14 Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente acção.
Quanto ao mérito
15 Em apoio do seu pedido, a Comissão sustenta que a pura e simples proibição estabelecida no decreto real de aquisição por residentes belgas de títulos de um empréstimo no mercado dos euro-obrigações (a seguir «medida controvertida») afecta a livre circulação de capitais prevista no artigo 73._-B do Tratado, sem que tal medida se possa objectivamente justificar no âmbito do artigo 73._-D, em especial em virtude da sua não proporcionalidade.
16 Constate-se, a título liminar, não ser objecto de contestação que a medida controvertida afecta a livre circulação de capitais entre Estados-Membros. Com efeito, como o advogado-geral salientou no n._ 27 das suas conclusões, a medida controvertida imposta pelo Reino da Bélgica, apesar de dirigida aos seus próprios residentes, não pode, em qualquer caso, ser considerada como uma mera medida interna, visto que o empréstimo em causa foi emitido em DEM no mercado dos euro-obrigações, foi subscrito por um consórcio de bancos e instituições financeiras, está cotado na Bolsa de Francoforte e rege-se pelo direito alemão.
17 Além disso, não é também objecto de contestação que a medida controvertida constitui, enquanto tal, restrição à livre circulação de capitais na acepção do n._ 1 do artigo 73._-B do Tratado.
18 Com efeito, constituem restrições aos movimentos de capitais, na acepção dessa disposição, as medidas impostas por um Estado-Membro susceptíveis de dissuadir os seus residentes de contrair empréstimos ou efectuarem investimentos noutros Estados-Membros (v., neste sentido, os acórdãos de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n._ 10; de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n._ 26, e de 14 de Outubro de 1999, Sandoz, C-439/97, Colect., p. I-7041, n._ 19) ou que subordinem a autorização prévia um investimento directo estrangeiro (acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o., C-163/94, C-165/94 e C-250/94, Colect., p. I-4821, n.os 24 e 25, e de 14 de Março de 2000, Église de scientologie, C-54/99, Colect., p. I-1335, n._ 14).
19 Ora, o segundo parágrafo do artigo 3._ do decreto real, na medida em que exclui a possibilidade de o empréstimo em causa ser subscrito por residentes belgas, ultrapassa em muito uma medida que vise dissuadir os residentes de um Estado-Membro de subscrever um empréstimo emitido no estrangeiro ou que exija uma autorização prévia para tal, constituindo por maioria de razão uma restrição à livre circulação de capitais na acepção do artigo 73._-B do Tratado.
20 Contudo, na contestação, o Governo belga argumenta, a título principal, que a medida controvertida não foi adoptada pelo Estado belga enquanto autoridade pública, mas na qualidade de operador privado, pelo que a medida controvertida escapa ao âmbito de aplicação do artigo 73._-B do Tratado.
21 Em apoio dessa tese, o Governo belga entende dever proceder-se a uma distinção entre os papéis do Estado como poder público e como operador privado. Recorda, a este respeito, que, com efeito, tal distinção é conhecida do direito comunitário, como decorre designadamente da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35), e dos acórdãos de 17 de Outubro de 1989, Ufficio distrettuale delle imposte dirette di Fiorenzuola d'Arda e o. (231/87 e 129/88, Colect., p. 3233), e de 14 de Outubro de 1976, LTU (29/76, Colect., p. 629).
22 A este respeito, basta, no caso vertente, salientar que a renúncia à cobrança do «précompte mobilier», prevista no primeiro parágrafo do artigo 3._ do decreto real, constitui, como aliás o Governo belga admitiu, uma medida de natureza regulamentar que só o Estado enquanto autoridade pública pode adoptar.
23 Ora, existe um vínculo indissociável entre esta medida regulamentar e a proibição imposta aos residentes belgas por força do segundo parágrafo do artigo 3._ do decreto real.
24 Com efeito, tal proibição, enquanto complemento da renúncia à cobrança do «précompte mobilier», não se explica por meras considerações de política fiscal, como o próprio Governo belga aliás reconheceu ao argumentar que a medida controvertida permite evitar que os residentes belgas se aproveitem dessa renúncia para fugir ao pagamento do imposto sobre os juros recebidos. Daqui decorre que tal proibição faz parte integrante das medidas adoptadas pelo Reino da Bélgica para regulamentar os aspectos fiscais do empréstimo a contrair pelo ministro das Finanças.
25 A medida controvertida constitui, pois, uma medida adoptada pelo Estado belga enquanto autoridade pública.
26 O argumento do Governo belga de que o Estado se contentou, na sua qualidade de mutuário, a adoptar, de comum acordo com os intermediários financeiros, uma disposição contratual retomada nas condições de empréstimo, à semelhança dos contratos celebrados pelos mutuários privados, não pode pois ser acolhido.
27 À luz das considerações precedentes, cabe concluir que a medida controvertida constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo n._ 1 do artigo 73._-B do Tratado.
28 A título subsidiário, o Governo belga argumenta que a medida controvertida se justifica e é proporcional ao objectivo prosseguido.
29 Com base na alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado, o Governo belga sustenta que a medida controvertida se justifica, em primeiro lugar, pelo facto de ser conveniente evitar que os residentes belgas possam fugir ao imposto subscrevendo o empréstimo em causa. Com efeito, o empréstimo no mercado dos euro-obrigações foi efectuado pelo Reino da Bélgica tendo por objectivo uma sã gestão da sua dívida, em pé de igualdade com os operadores privados.
30 O Governo belga precisa, a este respeito, que os empréstimos em euro-obrigações se caracterizam designadamente por pagamentos de juros «brutos», na medida em que não estão sujeitos a qualquer retenção. Tendo optado pela emissão do empréstimo nesse mercado, o Reino da Bélgica viu-se assim obrigado a renunciar à retenção do «précompte imobilier». Ora, pretendendo impedir que a isenção do «précompte mobilier» se torne numa fonte de evasão fiscal, a proibição imposta aos residentes belgas de adquirirem títulos do empréstimo em causa constitui a única medida susceptível de evitar a criação de um duplo mercado de empréstimos domésticos com «précompte» e de empréstimos em euro-obrigações sem «précompte», ambos acessíveis aos particulares residentes na Bélgica.
31 Em segundo lugar, o Governo belga argumenta que a medida controvertida se justifica pela necessidade de preservar a coerência fiscal na acepção dos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249), e Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305). Sendo a isenção do «précompte mobilier» condição indispensável para poder recolher fundos no mercado dos euro-obrigações, o Estado deve gozar do direito de evitar que a isenção do «précompte mobilier» se transforme em fonte de evasão fiscal. Por um lado, a medida controvertida permite, assim, reconciliar tais imperativos e assegurar a coerência da política de emissão de empréstimos. Por outro, existe uma correlação entre a isenção do «précompte mobilier» e a quase segura perda do imposto final.
32 Em terceiro lugar, o Governo belga sustenta que a proibição em causa pode igualmente justificar-se pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais que o Tribunal de Justiça considerou razão imperiosa de interesse geral no acórdão de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer (C-250/95, Colect., p. I-2471). A este respeito, o Governo belga argumenta que os Estados-Membros têm a liberdade de adoptar as medidas necessárias para preservar este interesse geral na ausência de harmonização a nível comunitário.
33 Cabe examinar em primeiro lugar o argumento do Governo belga baseado na necessidade de preservar a coerência fiscal, tal como o Tribunal de Justiça reconheceu nos referidos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica.
34 Nos referidos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica existia uma relação directa entre, por um lado, a dedutibilidade das cotizações e, por outro, a tributação das somas devidas por seguradoras em execução dos contratos de seguro de velhice e morte, relação que era necessário preservar para salvaguardar a coerência do sistema fiscal em causa. Com efeito, a perda de receitas decorrente da dedução das cotizações de seguro vida do rendimento total tributável era compensada pela tributação das pensões, rendas ou capitais devidos pelas seguradoras. Caso não fosse obtida a dedução de tais cotizações, essas somas estariam isentas de imposto.
35 Ora, no caso vertente, como o advogado-geral salientou no n._ 57 das suas conclusões, não existe qualquer relação directa entre um benefício fiscal e um prejuízo correlativo que deva ser preservada para salvaguardar a coerência fiscal.
36 Daqui decorre que a medida controvertida se não pode justificar com base na necessidade de preservar a coerência fiscal.
37 No que se refere aos argumentos do Governo belga fundados na necessidade de evitar a evasão fiscal e de garantir a eficácia dos controlos fiscais, recorde-se que, por força da alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado, o n._ 1 do artigo 73._-B não afecta o direito de os Estados-Membros «tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública».
38 Como o Tribunal de Justiça já decidiu nos acórdãos de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361, n.os 21 e 22), e Sanz de Lera e o., já referido (n._ 22), as medidas indispensáveis para impedir infracções em matéria fiscal a que se refere a alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado incluem designadamente as medidas relativas a controlos fiscais, bem como à luta contra as actividades ilícitas, entre as quais a fraude fiscal.
39 Daqui resulta que, no caso em apreço, a luta contra a evasão fiscal e a eficácia dos controlos fiscais podem ser invocadas por força da alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado para justificar restrições à livre circulação de capitais entre os Estados-Membros.
40 Cabe pois examinar se a medida controvertida pode ser considerada indispensável, na acepção da alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado, para impedir a evasão fiscal e garantir a eficácia dos controlos fiscais.
41 Uma medida, para poder ser abrangida pelo artigo 73._-D do Tratado, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, no sentido de que deve ser adequada a garantir a consecução do objectivo que prossegue e não ultrapassar o necessário para o atingir.
42 Saliente-se a título liminar que a Comissão não põe em causa o direito de o Reino da Bélgica recorrer a este tipo de empréstimo nem a necessidade daí decorrente de renunciar ao «précompte mobilier».
43 Pelo contrário, a Comissão contesta a validade do argumento belga de que a medida controvertida se pode justificar por razões fiscais.
44 Cabe pois verificar se tal argumento pode ser acolhido.
45 Saliente-se, a este respeito, que, como resulta do acórdão de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem (C-28/95, Colect., p. I-4161, n._ 44), a presunção geral de evasão ou fraude fiscal não é susceptível de justificar uma medida fiscal que afecte os objectivos de uma directiva. Tal conclusão impõe-se tanto mais no caso em apreço quanto a medida controvertida consiste na proibição total de exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo artigo 73._-B do Tratado.
46 No que se refere, além disso, ao argumento do Governo belga de que a medida controvertida é a única medida possível para evitar que se crie um duplo mercado de empréstimos domésticos com «précompte» e de empréstimos em euro-obrigações sem «précompte», ambos acessíveis aos residentes belgas, basta observar que nada impede os residentes belgas interessados em investir de comprarem títulos de empréstimos emitidos no mercado de euro-obrigações por emissões que não do Reino da Bélgica, os quais também não estão sujeitos ao «précompte mobilier» belga.
47 Cabe pois declarar que a medida controvertida não respeita o princípio da proporcionalidade, não podendo em consequência ser abrangida pela alínea b) do n._ 1 do artigo 73._-D do Tratado.
48 Assim, cabe declarar que o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado ao proibir a aquisição por residentes na Bélgica de títulos de um empréstimo emitido no estrangeiro.
Quanto às despesas
49 Por força do n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação e tendo a República Francesa sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
1) O Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado CE (actual artigo 56._ CE) ao proibir a aquisição por residentes na Bélgica de títulos de um empréstimo emitido no estrangeiro, por força do segundo parágrafo do artigo 3._ do decreto real de 4 de Outubro de 1994.
2) O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.