Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Janeiro de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Sexta Directiva IVA - Artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b) - Operações estreitamente conexas - Conceito. - Processo C-76/99.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-00249
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Isenções previstas pela Sexta Directiva - Isenção da hospitalização e dos cuidados médicos, bem como das operações que lhes estão estreitamente conexas - Conceito de «operações estreitamente conexas» - Envio de colheitas para efeitos de análises médicas - Inclusão
[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b)]
$$Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios um Estado-Membro que cobra imposto sobre o valor acrescentado sobre os pagamentos pré-fixados de envio de colheitas para fins de análise médica.
De facto, para efeitos de uma eventual isenção do imposto sobre o valor acrescentado por força do artigo 13.° , já referido, relativo à isenção da hospitalização e dos cuidados médicos, bem como das operações que lhe estão estreitamente conexas, do acto de envio de colheitas médicas, deve ter-se em consideração a finalidade com que estas colheitas são efectuadas. Assim, quando um profissional de saúde habilitado para o efeito determina, com vista à elaboração do seu diagnóstico e com um fim terapêutico, que o seu paciente se sujeite a uma análise, o envio da colheita, que logicamente se insere entre o acto de colheita e a análise propriamente dita, deve ser considerado estreitamente conexo com a análise e, por conseguinte, beneficiar de isenção de imposto sobre o valor acrescentado.
( cf. n.o 24 e disp. )
No processo C-76/99,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, na qualidade de agente, assistido por N. Coutrelis, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e S. Seam, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao cobrar imposto sobre o valor acrescentado sobre as comparticipações fixas de colheitas de análises médicas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: V. Skouris, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, R. Schintgen e F. Macken (relator), juízes,
advogado-geral: N. Fennelly,
secretário: D. Louterman-Hubeau, chefe de divisão,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 29 de Março de 2000,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Maio de 2000,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Março de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias instaurou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CE (actual artigo 226.° CE), uma acção destinada a obter a declaração de que, ao cobrar imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») sobre as comparticipações fixas de colheitas de análises médicas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).
Enquadramento jurídico
A regulamentação comunitária
2 O artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva dispõe:
«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:
...
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.»
A regulamentação nacional
3 Resulta do artigo 261-4-1° do code général des impôts que os trabalhos de análise de biologia médica estão isentos de IVA.
4 Esta disposição visa, segundo o n.° 1 da instrução 3 A-7-82 do ministro delegado junto do Ministério da Economia, das Finanças e do Orçamento, de 6 de Abril de 1982, isentar os exames «destinados a facilitar a prevenção, o diagnóstico ou o tratamento das doenças humanas».
5 Segundo o artigo L. 760, quinto parágrafo, do code de la santé publique, a transmissão, entre dois laboratórios, de uma colheita para efeitos de análise só pode ser efectuada no âmbito de um contrato designado «de colaboração» previamente celebrado entre si, à excepção dos actos visados no artigo L. 759 e dos actos especializados cuja lista é estabelecida por decreto após parecer da Comissão Nacional Permanente de Biologia Médica.
6 No que respeita a análises clínicas realizadas no âmbito de contratos de colaboração, a isenção do IVA aplica-se não apenas às despesas de colheita e análise, mas também às que decorrem da transmissão das colheitas para efeitos de análises. Além disso, o laboratório que efectua a colheita e a transmite é, segundo o artigo L. 760, oitavo parágrafo, do code de la santé publique, legalmente responsável perante o cliente tanto no que respeita à análise como à facturação.
7 Em contrapartida, os actos de análise visados no artigo L. 759 do code de la santé publique e os actos muito especializados não podem ser objecto de contratos de colaboração. A este respeito, aquela disposição prevê que a execução de actos de biologia médica que requerem uma qualificação especial ou exigem o recurso quer a produtos que apresentem um perigo especial quer a técnicas excepcionalmente delicadas ou de aplicação recente pode ser reservada a certos laboratórios e a determinadas categorias de pessoas. A lista dos laboratórios com este tipo de habilitação é estabelecida pelo ministro da Saúde.
8 A fim de assegurar um serviço no conjunto do território francês, os doentes que necessitam destas análises especiais podem dirigir-se a um laboratório da sua escolha para efectuar a colheita, laboratório esse que transmitirá a colheita a um laboratório especializado no âmbito de contratos designados «de preço fixo».
9 O artigo L. 760, último parágrafo, do code de la santé publique, modificado pelo artigo 36.° da Lei n.° 94-43, de 18 de Janeiro de 1994, dispõe que o laboratório que procede a análises especiais no âmbito daqueles contratos deve pagar ao laboratório que efectuou a colheita uma comparticipação fixa pela transmissão da referida colheita, designada de «honorários de transmissão», cujo montante é fixado por decreto ministerial.
10 No âmbito dos contratos de preço fixo, o laboratório especializado factura directamente ao doente a análise efectuada com base na colheita transmitida pelo laboratório que a realizou, análise esta não sujeita a IVA. O laboratório que efectuou a colheita factura o respectivo montante ao doente, não estando também esta prestação sujeita a IVA. Em contrapartida, nos termos do n.° 3 da instrução 3 A-7-82, os honorários de transmissão pagos pelo laboratório que procedeu à análise ao laboratório que efectuou a colheita estão sujeitos a IVA.
O processo pré-contencioso
11 Entendendo que esta tributação em IVA era contrária ao artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva, a Comissão, por carta de 7 de Julho de 1997, comunicou, nos termos do artigo 169.° do Tratado, as suas críticas a este respeito e notificou o Governo francês para lhe apresentar as suas observações no prazo de dois meses a contar da recepção daquela carta.
12 Na ausência de resposta no prazo fixado, a Comissão enviou, em 5 de Março de 1998, um parecer fundamentado à República Francesa, convidando-a a proceder em conformidade com o mesmo no prazo de dois meses a contar da respectiva notificação.
13 Em 28 de Maio de 1998, o Governo francês enviou à Comissão uma carta contestando as críticas contra si formuladas.
14 Não satisfeita com esta resposta, a Comissão decidiu instaurar a presente acção.
Quanto ao mérito
15 Em primeiro lugar, a Comissão alega que a noção de operações estreitamente conexas na acepção do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva compreende o acto de transmissão de uma colheita pelo laboratório que a efectuou a um outro laboratório, para efeitos de análise, uma vez que o objectivo de uma colheita é constituído pela sua análise. Com efeito, segundo a Comissão, a transmissão da colheita é acessória e estreitamente conexa com a análise de biologia médica efectuada pelo último laboratório, de tal forma que deve ser considerada uma operação estreitamente conexa com a assistência médica.
16 Seguidamente, a Comissão recorda que a definição do conteúdo material das operações abrangidas pelo artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva se insere no direito comunitário.
17 Por fim, a Comissão alega que a distinção operada pela regulamentação francesa entre os contratos de colaboração e os contratos de preço fixo viola o princípio da neutralidade do sistema de IVA segundo o qual o campo de aplicação do IVA e das isenções deve ser objecto de uma interpretação objectiva. Ora, não existia qualquer diferença económica objectiva entre os referidos contratos.
18 O Governo francês justifica a tributação da transmissão da colheita em IVA pelo princípio segundo o qual o alcance das isenções de IVA está sujeito a uma interpretação restritiva. A este respeito, alega que, no âmbito dos contratos de colaboração, o laboratório que efectua a colheita e factura o acto de análise ao doente é responsável perante este último, independentemente do laboratório que procede à análise. Em contrapartida, no âmbito dos contratos de preço fixo, o laboratório que procede à análise factura directamente o acto de análise ao doente e também é responsável perante este último.
19 Ora, segundo o Governo francês, um conjunto de operações só pode ser qualificado de operação única para efeitos de IVA se as operações em causa não forem juridicamente distintas e se realizarem entre as mesmas pessoas, o que não é precisamente o caso dos contratos de preço fixo.
20 Está dado como assente entre as partes que tanto a operação de recolha como a análise propriamente dita devem beneficiar de isenção de IVA nos termos do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva. O litígio respeita, por conseguinte, exclusivamente à questão de saber se, em razão da necessidade de interpretar restritivamente as derrogações à tributação em IVA a favor de determinadas operações, as diferenças existentes entre os contratos de colaboração e os contratos de preço fixo justificam que, neste último caso, o acto de transmissão da colheita seja sujeito, enquanto acto distinto, a IVA.
21 A este respeito, deve salientar-se, por um lado, que, embora, como o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect., p. 1737, n.° 13), as isenções visadas pelo artigo 13.° da Sexta Directiva devam ser interpretadas restritivamente, o Tribunal de Justiça lembrou igualmente, no n.° 15 do acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colect., p. I-973), que as referidas isenções constituem noções autónomas do direito comunitário que têm como objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro.
22 Por outro lado, impõe-se concluir que o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva não contém qualquer definição da noção de operações «estreitamente conexas» com a hospitalização ou a assistência médica.
23 Como salientou o advogado-geral no n.° 23 das suas conclusões, esta noção não reclama, porém, uma interpretação particularmente restritiva na medida em que a isenção das operações estreitamente conexas com a hospitalização ou a assistência médica se destina a garantir que o benefício destas não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resultaria se elas próprias, ou as operações com elas estreitamente conexas, fossem sujeitas a IVA.
24 De facto, para efeitos de uma eventual isenção de IVA do acto de transmissão de colheitas médicas, deve ter-se em consideração a finalidade com que estas colheitas são efectuadas. Assim, quando um profissional de saúde habilitado para o efeito prescreve, com vista à elaboração do seu diagnóstico e com um fim terapêutico, que o seu paciente se sujeite a uma análise, a transmissão da colheita, que logicamente se insere entre o acto de colheita e a análise propriamente dita, deve ser considerada estreitamente conexa com a análise e, por conseguinte, beneficiar de isenção de IVA (v., no que respeita a prestações que, não tendo um fim terapêutico, devem ser sujeitas a IVA, acórdão de 14 de Setembro de 2000, D., C-384/98, Colect., p. I-6795, n.° 19).
25 O Governo francês alega, contudo, que a transmissão de colheitas não pode ser considerada, para efeitos de IVA, acessória ou parte integrante da análise, na medida em que essa transmissão pode ser qualificada de serviço que contribui para o volume de negócios a favor do laboratório que procede à análise. Uma vez que são distintas e objecto de facturações diferentes, as operações de colheita e análise são jurídica e economicamente dissociáveis, de tal forma que o acto de transmissão deveria estar sujeito a IVA.
26 A este respeito, deve, em primeiro lugar, recordar-se que, segundo jurisprudência constante, embora, nos termos do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva, os Estados-Membros fixem as condições de isenção a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções previstas e de prevenir as fraudes, a evasão fiscal e os eventuais abusos, tais condições não podem respeitar à definição do conteúdo das isenções previstas (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Maio de 1998, Comissão/Espanha, C-124/96, Colect., p. I-2501, n.os 11 e 12). Nesta perspectiva, a sujeição a IVA de determinada operação ou a sua isenção não podem depender da respectiva qualificação no direito nacional.
27 Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou que uma prestação única deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (v. acórdão CPP, já referido, n.° 30).
28 Ora, no caso vertente, é indiferente para o doente que o laboratório que efectua a colheita proceda igualmente à análise ou que recorra a outro laboratório para o efeito, permanecendo responsável perante o doente, ou ainda que, atendendo à natureza da análise efectuada, seja obrigado a transmitir a colheita a um laboratório especializado. Neste último caso, a obrigação de transmitir a colheita a um laboratório especializado responde à necessidade de garantir ao doente a maior fiabilidade possível da análise.
29 De resto, o facto de, segundo o Governo francês, a transmissão da colheita constituir um acto distinto não exclui que seja considerada estreitamente conexa com a análise na acepção da Sexta Directiva.
30 Nestas condições, o acto de colheita e a transmissão da colheita a um laboratório especializado constituem prestações estreitamente conexas com a análise, de tal forma que devem seguir o mesmo regime fiscal desta e, portanto, não estar sujeitos a IVA.
31 Por conseguinte, deve concluir-se que, ao cobrar IVA sobre as comparticipações fixas de colheitas para efeitos de análises médicas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva.
Quanto às despesas
32 Por força do disposto no artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
decide:
1) Ao cobrar imposto sobre o valor acrescentado sobre as comparticipações fixas de colheitas para efeitos de análises médicas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.
2) A República Francesa é condenada nas despesas.