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61999J0143

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 8 de Novembro de 2001. - Adria-Wien Pipeline GmbH e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke GmbH contra Finanzlandesdirektion für Kärnten. - Pedido de decisão prejudicial: Verfassungsgerichtshof - Áustria. - Imposto sobre a energia - Reembolso apenas às empresas produtoras de bens corpóreos - Auxílio de Estado. - Processo C-143/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-08365


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Questões prejudiciais - Recurso ao Tribunal de Justiça - Conformidade da decisão de reenvio com as regras de organização e de processo judiciais do direito nacional - Verificação que não incumbe ao Tribunal de Justiça

[Tratado CE, artigo 177.° (actual artigo 234.° CE)]

2. Auxílios concedidos pelos Estados - Projectos de auxílios - Proibição de execução antes da decisão final da Comissão - Efeito directo - Alcance - Obrigação dos órgãos jurisdicionais nacionais - Limites

[Tratado CE, artigo 93.° , n.° 3 (actual artigo 88.° , n.° 3, CE)]

3. Auxílios concedidos pelos Estados - Proibição - Derrogações - Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum - Auxílios à protecção do ambiente - Poder de apreciação da Comissão

[Tratado CE, artigo 92.° , n.os 1 e 3 (que passou, após alteração, a artigo 87.° , n.os 1 e 3, CE)]

4. Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Reembolso parcial dos impostos sobre a energia concedido às empresas situadas no território nacional - Exclusão

[Tratado CE, artigo 92.° (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE)]

5. Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Carácter selectivo da medida - Reembolso parcial dos impostos sobre a energia concedido apenas às empresas produtoras de bens corpóreos - Inclusão - Justificação assente na natureza ou na economia geral do sistema instaurado - Inexistência

[Tratado CE, artigo 92.° (que passou após alteração, a artigo 87.° CE)]

Sumário


1. No quadro do processo previsto pelo artigo 177.° do Tratado (actual artigo 234.° CE), não incumbe ao Tribunal de Justiça verificar se a decisão de reenvio foi adoptada em conformidade com as regras nacionais de organização judiciária e de processo.

( cf. n.° 19 )

2. A intervenção dos órgãos jurisdicionais nacionais no sistema de controlo dos auxílios estatais resulta do efeito directo reconhecido à proibição, estabelecida no artigo 93.° , n.° 3, última frase, do Tratado (actual artigo 88, n.° 3, última frase, CE), de pôr em execução projectos de auxílio sem o acordo da Comissão. Os órgãos jurisdicionais nacionais, com efeito, devem garantir aos sujeitos de direito que todas as consequências de uma violação dessa disposição serão tiradas, em conformidade com o seu direito nacional, no que respeita tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio como à recuperação dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição ou de eventuais medidas provisórias. Contudo, embora os órgãos jurisdicionais nacionais sejam levados, para esse efeito, a determinar se uma medida nacional deve, ou não, ser qualificada de auxílio estatal na acepção do Tratado, nem por isso podem pronunciar-se sobre a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado comum, uma vez que essa apreciação releva da competência exclusiva da Comissão, sob controlo do Tribunal de Justiça.

( cf. n.os 26, 27, 29 )

3. A proibição de princípio dos auxílios estatais não é absoluta nem incondicional. Assim, o artigo 92.° , n.° 3, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° , n.° 3, CE) concede à Comissão um largo poder de apreciação para declarar certos auxílios compatíveis com o mercado comum por derrogação da proibição geral formulada no artigo 92.° , n.° 1, do Tratado. A este propósito, as exigências da protecção do ambiente são susceptíveis de constituir um objectivo em virtude do qual certos auxílios estatais podem ser declarados compatíveis com o mercado comum.

( cf. n.os 30, 31 )

4. Medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica não constituem auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE), quando se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, independentemente do objecto da sua actividade.

Com efeito, tal como resulta do texto do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado, uma vantagem económica concedida por um Estado-Membro só reveste o carácter de auxílio se, apresentando uma certa selectividade, for susceptível de favorecer certas empresas ou certas produções. Por conseguinte, uma medida estatal que aproveite indistintamente ao conjunto das empresas situadas no território nacional não é susceptível de constituir um auxílio estatal.

( cf. n.os 34-36, disp. 1 )

5. Para efeitos de aplicação do artigo 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE), é indiferente que a situação do presumido beneficiário da medida tenha melhorado ou se tenha agravado em relação ao estado do direito anterior ou, pelo contrário, não tenha conhecido evolução no tempo. Há unicamente que determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer certas empresas ou certas produções na acepção do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado relativamente a outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do objectivo prosseguido pela medida em causa. Não preenche todavia essa condição de selectividade uma medida que, ainda que constitutiva de uma vantagem para o seu beneficiário, se justifique pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve.

A este respeito, devem ser consideradas auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica apenas a favor das empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos. Em primeiro lugar, nem o número elevado de empresas beneficiárias nem a diversidade e importância dos sectores a que estas empresas pertencem permitem considerar uma iniciativa estatal como medida geral de política económica. Em segundo lugar, a concessão de vantagens às empresas cuja actividade principal é o fabrico de bens corpóreos não encontra justificação na natureza ou na economia geral do sistema de tributação instaurado por virtude destas medidas nacionais. Com efeito, antes de mais, nada nas referidas medidas permite analisar o regime de reembolso reservado às empresas que produzem principalmente bens corpóreos como uma medida puramente temporária destinada a permitir a sua adaptação progressiva ao novo regime em razão de, proporcionalmente, por este serem mais fortemente atingidas. Seguidamente, empresas fornecedoras de serviços podem, à semelhança de empresas produtoras de bens corpóreos, ser grandes consumidoras de energia. Finalmente, as considerações de ordem ecológica na base das ditas medidas não justificam que a utilização de gás natural ou de energia eléctrica pelo sector das empresas fornecedoras de serviços seja tratada de forma diferente da utilização dessas energias pelo sector das empresas produtoras de bens corpóreos pois o consumo de energia por cada um desses sectores é igualmente prejudicial para o ambiente.

( cf. n.os 41, 42, 48-52, 55, disp. 2 )

Partes


No processo C-143/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Verfassungsgerichtshof (Áustria), destinado a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

Adria-Wien Pipeline GmbH,

Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke GmbH

e

Finanzlandesdirektion für Kärnten,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, A. La Pergola, L. Sevón, M. Wathelet (relator), e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Adria-Wien Pipeline GmbH, por W.-D. Arnold, Rechtsanwalt,

- em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

- em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,

- em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz, P. F. Nemitz e J. M. Flett, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Adria-Wien Pipeline GmbH, do Governo austríaco, do Governo dinamarquês e da Comissão, na audiência de 15 de Março de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 10 de Março de 1999, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de Abril seguinte, o Verfassungsgerichtshof submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), duas questões relativas à interpretação do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE).

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de litígios entre a Adria-Wien Pipeline GmbH e a Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke GmbH, por um lado, e a Finanzlandesdirektion für Kärnten, por outro, relativos ao reembolso de impostos sobre a energia.

3 Por ocasião de uma reforma fiscal e no quadro da Strukturanpassungsgesetz (lei sobre a adaptação de estruturas) de 1996 (BGBl. 1996, n.° 201), a República da Áustria adoptou, publicou e fez entrar em vigor simultaneamente três leis, a saber:

- a Elektrizitätsabgabegesetz (lei relativa ao imposto sobre a energia eléctrica, a seguir «EAG»);

- a Erdgasabgabegesetz (lei relativa ao imposto sobre o gás natural, a seguir «EGAG»);

- a Energieabgabenvergütungsgesetz (lei relativa ao reembolso dos impostos sobre a energia, a seguir «EAVG»).

4 A EAG prevê um imposto de 0,00726728 euros por kilowatt/hora de energia eléctrica consumida. Por força do artigo 1.° , n.° 1, da EAG, estão sujeitos ao imposto sobre a electricidade:

- o fornecimento de energia eléctrica, salvo o destinado às empresas de distribuição de energia eléctrica, bem como

- o consumo de energia eléctrica pelas empresas de distribuição de energia eléctrica e o consumo de energia eléctrica produzida pelo próprio consumidor ou de energia eléctrica transferida para o âmbito de aplicação territorial do imposto.

5 Por força do artigo 6.° , n.° 3, da EAG, o fornecedor de electricidade deve repercutir o imposto sobre o destinatário.

6 A EGAG prevê normas análogas para o fornecimento e o consumo de gás natural.

7 A EAVG prevê um reembolso parcial dos impostos sobre a energia que incidem sobre o gás natural e a energia eléctrica em conformidade com a EGAG e a EAG. Por força do artigo 1.° , n.° 1, dessa lei, os referidos impostos devem ser reembolsados, a pedido, na medida em que ultrapassem, no total, 0,35% do valor líquido da produção do consumidor de energia. O montante do reembolso é pago após dedução de uma franquia de 5 000 ATS no máximo.

8 Todavia, em virtude do artigo 2.° , n.° 1, da EAVG, só as empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos têm direito ao reembolso dos impostos sobre a energia.

9 Foram indeferidos os pedidos de reembolso de empresas que não preenchiam esta condição. Assim aconteceu com a Adria-Wien Pipeline GmbH, recorrente no primeiro processo a título principal, cuja actividade consiste, nomeadamente, em construir e explorar oleodutos.

10 Chamado a conhecer de recursos interpostos da recusa de reembolso dos impostos sobre a energia, o Verfassungsgerichtshof suscita a questão de saber se as disposições da EAVG constituem um auxílio estatal na acepção do artigo 92.° do Tratado.

11 Mais precisamente, o Verfassungsgerichtshof tem dúvidas quanto ao carácter selectivo do reembolso dos impostos sobre a energia. Considera que não foi resolvida a questão de saber se uma distinção, no que respeita ao reembolso desses impostos, entre as empresas que produzem bens corpóreos e as que fornecem serviços, é bastante para tornar a medida selectiva e, por via de consequência, susceptível de fazer com que ela seja abrangida pelas regras aplicáveis aos auxílios estatais.

12 Em caso de resposta afirmativa, ao órgão jurisdicional de reenvio coloca-se a questão de saber se a qualificação de auxílio estatal deveria igualmente ser adoptada na hipótese de todas as empresas poderem beneficiar de um reembolso dos impostos sobre a energia.

13 O Verfassungsgerichtshof submeteu, por isso, ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1. Deve entender-se que constituem auxílios concedidos pelos Estados, para efeitos do disposto no artigo 92.° do Tratado CE, medidas legislativas de um Estado-Membro que prevêem o reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica, mas só a favor das empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos?

2. Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, essa medida legislativa deve ser considerada como um auxílio de Estado na acepção do artigo 92.° do Tratado CE, ainda que se aplique a todas as empresas sem distinção, independentemente de a sua actividade principal consistir comprovadamente na produção de bens corpóreos?»

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

14 O Governo austríaco interroga-se quanto à pertinência das questões prejudicais para efeitos dos litígios nos processos a título principal, tendo em conta a repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais austríacos.

15 Afirma que a Constituição austríaca reparte o controlo jurisdicional das decisões administrativas entre o Verwaltungsgerichtshof e o Verfassungsgerichtshof. Este último só pode conhecer, enquanto infracções à Constituição, das violações qualificadas, e portanto também manifestas, de disposições normativas simples. Fora desta hipótese, deve deixar ao Verwaltungsgerichtshof a tarefa de exercer o controlo.

16 Ora, mesmo supondo que a medida em litígio seja um auxílio estatal, o legislador nacional não cometeu qualquer violação manifesta das disposições comunitárias na matéria. Tal como resulta dos fundamentos da decisão de reenvio, o próprio Verfassungsgerichtshof tem dúvidas a esse respeito. Ele não tem, portanto, competência para resolver os litígios a título principal.

17 Em conformidade com jurisprudência constante, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais a quem foi submetido um litígio apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. Este pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional, nomeadamente quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário por ele solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal (v., por exemplo, acórdão de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect. p. I-2099, n.os 38 e 39).

18 Tal não acontece nos litígios a título principal, pois que estes são relativos a disposições nacionais que prevêem um reembolso de impostos sobre a energia e o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se esse reembolso constitui um auxílio na acepção do artigo 92.° do Tratado.

19 Por outro lado, no que respeita à alegada incompetência do órgão jurisdicional de reenvio, não incumbe ao Tribunal de Justiça verificar se a decisão de reenvio foi adoptada em conformidade com as regras nacionais de organização judiciária e de processo (v. acórdãos de 14 de Janeiro de 1982, Reina, 65/81, Recueil, p. 33, n.° 7; de 20 de Outubro de 1993, Balocchi, C-10/92, Colect., p. I-5105, n.° 16, e de 11 de Julho de 1996, SFEI e o., C-39/94, Colect., p. I-3547, n.° 24).

20 Decorre do que precede que as questões submetidas pelo Verfassungsgerichtshof são admissíveis.

Quanto às questões

Observações preliminares

21 A título preliminar, deve recordar-se o sistema de controlo dos auxílios estatais instituído pelo Tratado e os papéis que na sua execução respectivamente assumem, sob o controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão e os órgãos jurisdicionais nacionais.

22 Segundo o artigo 3.° , alínea g), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.° , n.° 1, alínea g), CE], a acção da Comunidade implica o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno. Neste quadro, o artigo 92.° , n.° 1, do Tratado declara incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

23 Para assegurar a eficácia desta proibição, o artigo 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE) impõe, à Comissão, um dever específico de controlo e, aos Estados-Membros, obrigações precisas destinadas a facilitar essa tarefa da Comissão e a evitar que esta seja colocada perante uma situação de facto consumado.

24 No que toca aos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios, o artigo 93.° , n.° 3, do Tratado exige, em primeiro lugar, que a Comissão deles seja informada atempadamente para poder apresentar as suas observações. Esse número obriga, em seguida, a Comissão a dar início sem demora ao procedimento contraditório previsto no artigo 93.° , n.° 2, do Tratado, se considerar que o projecto de auxílio notificado não é compatível com o mercado comum. Finalmente, o artigo 93.° , n.° 3, última frase, do Tratado proíbe, em termos inequívocos, o Estado-Membro de pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.

25 Tal como o Tribunal de Justiça sublinhou, nomeadamente no seu despacho de 20 de Setembro de 1983, Comissão/França (171/83 R, Recueil, p. 2621, n.° 12), o artigo 93, n.° 3, última frase, do Tratado constitui a salvaguarda do mecanismo de controlo instituído por esse artigo, o qual, por seu turno, é essencial para garantir o funcionamento do mercado comum.

26 A intervenção dos órgãos jurisdicionais nacionais no sistema de controlo dos auxílios estatais resulta do efeito directo reconhecido à proibição, estabelecida no artigo 93.° , n.° 3, última frase, do Tratado, de pôr em execução projectos de auxílio.

27 Os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir aos sujeitos de direito que todas as consequências de uma violação dessa disposição serão tiradas, em conformidade com o seu direito nacional, no que respeita tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio como à recuperação dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição ou de eventuais medidas provisórias (v. acórdão de 21 de Novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, C-354/90, Colect., p. I-5505, n.° 12).

28 Estando consciente dos princípios acima recordados, o Verfassungsgerichtshof submeteu questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça apenas com o fim de estar em condições, tal sendo o caso, de tirar as consequências da inobservância do artigo 93.° , n.° 3, última frase, do Tratado, já que a legislação nacional em causa nos processos a título principal não foi objecto de notificação à Comissão.

29 Com efeito, embora os órgãos jurisdicionais nacionais sejam levados, para esse efeito, a determinar se uma medida nacional deve, ou não, ser qualificada de auxílio estatal na acepção do Tratado, nem por isso podem pronunciar-se sobre a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado comum, uma vez que essa apreciação releva da competência exclusiva da Comissão, sob controlo do Tribunal de Justiça (v., nesse sentido, acórdão Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, já referido, n.° 14).

30 A este respeito, deve recordar-se que a proibição de princípio dos auxílios estatais não é absoluta nem incondicional. Assim, o artigo 92.° , n.° 3, do Tratado concede à Comissão um largo poder de apreciação para declarar certos auxílios compatíveis com o mercado comum por derrogação da proibição geral formulada no artigo 92.° , n.° 1, do Tratado.

31 Há que salientar, a este propósito, que as exigências da protecção do ambiente são susceptíveis de constituir um objectivo em virtude do qual certos auxílios estatais podem ser declarados compatíveis com o mercado comum (v., nomeadamente, a comunicação da Comissão relativa ao enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente, JO 1994, C 72, p. 3).

32 Resulta das considerações que precedem que a resposta que o Tribunal de Justiça será levado a dar ao órgão jurisdicional de reenvio quanto à eventual natureza de auxílio estatal das medidas em causa nos processos a título principal não implicará qualquer posição quanto à sua compatibilidade com o Tratado.

Quanto à segunda questão

33 Através da sua segunda questão, que convém abordar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se medidas nacionais tais como as que estão em causa nos processos a título principal constituem auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado, mesmo que se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, independentemente do objecto da sua actividade.

34 Tal como resulta do texto do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado, uma vantagem económica concedida por um Estado-Membro só reveste o carácter de auxílio se, apresentando uma certa selectividade, for susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções».

35 Por conseguinte, uma medida estatal que aproveite indistintamente ao conjunto das empresas situadas no território nacional não é susceptível de constituir um auxílio estatal.

36 Há, por isso, que responder à segunda questão prejudicial que medidas nacionais tais como as que estão em causa nos processos a título principal não constituem auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado, quando se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, independentemente do objecto da sua actividade.

Quanto à primeira questão

37 Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica apenas a favor das empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos devem ser consideradas auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado.

38 Segundo jurisprudência constante, o conceito de auxílio é mais lato que o de subvenção. Abrange não só prestações positivas mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por isso, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954-1961, pp. 551, 559-560; de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n.° 13, e de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, Colect., p. I-7907, n.° 34).

39 Em aplicação destes princípios, o Tribunal de Justiça já declarou que pode ser qualificada de auxílio estatal a fixação, a favor de uma categoria de empresas, do preço de uma fonte de energia em nível inferior ao que teria sido normalmente escolhido, quando essa fixação de preço, adoptada por um organismo que age sob o controlo e sob as directivas dos poderes públicos, é imputável ao Estado-Membro em causa e este, diferentemente de um operador económico ordinário, utiliza os seus poderes para fazer beneficiar os consumidores de energia de uma vantagem pecuniária, renunciando ao lucro que poderia normalmente realizar (v., neste sentido, acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.° 28).

40 Tendo presentes as considerações que antecedem, o fornecimento de energia, em condições preferenciais, às empresas produtoras de bens corpóreos, a que leva uma legislação nacional tal como a que está em causa no processo principal, é susceptível de constituir um auxílio estatal (v., neste sentido, acórdão SFEI e o., já referido, n.° 59).

41 Para efeitos de aplicação do artigo 92.° do Tratado, é indiferente que a situação do presumido beneficiário da medida tenha melhorado ou se tenha agravado em relação ao estado do direito anterior ou, pelo contrário, não tenha conhecido evolução no tempo (v., neste sentido, acórdão de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão, 57/86, Colect., p. 2855, n.° 10). Há unicamente que determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» na acepção do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado relativamente a outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do objectivo prosseguido pela medida em causa (v., neste sentido, acórdão de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect., p. I-3671, n.os 28 a 31).

42 Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não preenche essa condição de selectividade uma medida que, ainda que constitutiva de uma vantagem para o seu beneficiário, se justifique pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve (v. acórdãos de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.° 33, e Bélgica/Comissão, já referido, n.° 33).

43 A esse propósito, o Governo austríaco alega que a introdução dos impostos sobre a energia, acompanhada do seu reembolso parcial, se fez não isoladamente mas no quadro da Strukturanpassungsgesetz de 1996, que prevê um dispositivo global de medidas destinadas a consolidar o orçamento. Composto de medidas gerais, socialmente equilibradas, que atingem o conjunto das categorias socioprofissionais, esse dispositivo deve ser considerado na sua integralidade.

44 Sempre segundo o Governo austríaco, é frequente, no tocante a esse tipo de dispositivo global, que medidas novas, que incidem de forma desproporcionada sobre uma categoria de operadores, a esta não sejam plenamente aplicáveis durante a fase da sua implementação. A limitação do reembolso dos impostos sobre a energia às empresas que fabricam bens corpóreos tem a sua justificação precisamente no facto de essas empresas terem sido proporcionalmente mais afectadas que as outras pelos referidos impostos.

45 Segundo o Governo austríaco, este tipo de medida, porque baseado em critérios objectivos que beneficiam um grande número de empresas, não tem o carácter selectivo exigido pelo artigo 92.° , n.° 1, do Tratado.

46 O Governo dinamarquês considera igualmente que as normas austríacas em causa nos processos a título principal constituem medidas gerais que escapam ao âmbito de aplicação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado.

47 Antes de mais, a cobrança dos impostos sobre a energia em causa nos processos a título principal, que têm um âmbito de aplicação geral, é efectuada com base em critérios objectivos. Em seguida, as normas em matéria de reembolso desses impostos fazem parte integrante do sistema global de tributação da energia. Por fim, sendo as condições a que está subordinado o referido reembolso directamente determinadas pelo legislador, as autoridades competentes não estão habilitadas a exercer qualquer poder de apreciação no que respeita à escolha das empresas susceptíveis de beneficiar dessa vantagem, nem a modular a sua extensão.

48 Deve recordar-se, em primeiro lugar, que nem o número elevado de empresas beneficiárias nem a diversidade e importância dos sectores a que estas empresas pertencem permitem considerar uma iniciativa estatal como medida geral de política económica (v., neste sentido, acórdão Bélgica/Comissão, já referido, n.° 32).

49 Em segundo lugar, a concessão de vantagens às empresas cuja actividade principal é o fabrico de bens corpóreos não encontra justificação na natureza ou na economia geral do sistema de tributação instaurado por virtude da Strukturanpassungsgesetz de 1996.

50 Com efeito, por um lado, empresas fornecedoras de serviços podem, à semelhança de empresas produtoras de bens corpóreos, ser grandes consumidoras de energia e pagar impostos sobre a energia superiores a 0,35% do valor líquido da sua produção, valor que é suficiente para conferir o direito ao reembolso dos impostos sobre a energia às empresas que produzem principalmente bens corpóreos.

51 A esse propósito, nada na legislação nacional em causa nos processos a título principal permite analisar o regime de reembolso reservado às empresas que produzem principalmente bens corpóreos como uma medida puramente temporária destinada a permitir a sua adaptação progressiva ao novo regime em razão de, proporcionalmente, por este serem mais fortemente atingidas, tal como sustenta o Governo austríaco.

52 Por outro lado, as considerações de ordem ecológica na base da legislação nacional em causa nos processos a título principal não justificam que a utilização de gás natural ou de energia eléctrica pelo sector das empresas fornecedoras de serviços seja tratada de forma diferente da utilização dessas energias pelo sector das empresas produtoras de bens corpóreos. O consumo de energia por cada um desses sectores é igualmente prejudicial para o ambiente.

53 Das considerações que precedem, decorre que o critério de distinção utilizado pela legislação nacional em causa nos processos a título principal não se justifica nem pela natureza nem pela economia geral dessa legislação, de forma que, se bem que objectivo, tal critério não poderá retirar à medida em litígio o seu carácter de auxílio estatal.

54 De resto, como salientou, com razão, a Comissão, resulta da exposição de motivos do projecto que veio a resultar na legislação nacional em causa nos processos a título principal que a concessão de condições vantajosas ao sector das empresas produtoras de bens corpóreos era destinada a preservar a sua competitividade, nomeadamente no interior da Comunidade.

55 Tendo em conta as considerações que precedem, deve responder-se à primeira questão que medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica apenas a favor das empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos devem ser consideradas auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

56 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco, dinamarquês e finlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Verfassungsgerichtshof, por despacho de 10 de Março de 1999, declara:

1) Medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica não constituem auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE), quando se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, independentemente do objecto da sua actividade.

2) Medidas nacionais que prevêem um reembolso parcial dos impostos sobre a energia incidentes sobre o gás natural e a energia eléctrica apenas a favor das empresas cuja actividade principal consista comprovadamente na produção de bens corpóreos devem ser consideradas auxílios estatais na acepção do artigo 92.° do Tratado.