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Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Março de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Sexta Directiva IVA - Matéria colectável - Exclusão - Taxas de serviço. - Processo C-404/99.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-02667
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Matéria colectável - Taxas de serviço - Inclusão
[Directiva 77/388 do Conselho, artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a)]
$$Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° , ponto 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, um Estado-Membro que autoriza, sob certas condições, a exclusão da matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado dos acréscimos obrigatórios de preço reclamados por determinados sujeitos passivos a título de remuneração do serviço («taxas de serviço»).
A soma total reclamada ao cliente ou constante da factura que lhe é apresentada constitui, na totalidade, a contrapartida do serviço que lhe é prestado pelo prestador de serviços, contrapartida que engloba a taxa de serviço e é, por definição, expressa em dinheiro.
( cf. n.os 39, 52 e disp. )
No processo C-404/99,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, na qualidade de agente, assistido por N. Coutrelis, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e S. Seam, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado das «taxas de serviço» exigidas por determinados sujeitos passivos, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), D. A. O. Edward, P. Jann e L. Sevón, juízes,
advogado-geral: J. Mischo,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 26 de Outubro de 2000,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Novembro de 2000,
profere o presente
Acórdão
1 Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Outubro de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») das «taxas de serviço» exigidas por determinados sujeitos passivos, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).
A regulamentação comunitária
2 O n.° 1 do artigo 2.° da Sexta Directiva estabelece:
«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:
1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.»
3 O artigo 11.° , A, n.os 1, alínea a), e 3, da mesma directiva determina:
«1. A matéria colectável é constituída:
a) No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;
[...]
3. A matéria colectável não inclui:
a) As reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado;
b) Os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza;
c) As quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias. O sujeito passivo deve justificar o montante efectivo de tais despesas e não pode proceder à dedução do imposto que eventualmente tenha incidido sobre elas.»
Regulamentação e prática administrativa nacionais
4 As disposições comunitárias referidas nos n.os 2 e 3 do presente acórdão foram transpostas para direito francês pelos artigos 266.° , n.° 1, alínea a), e 267.° -I do Código Geral dos Impostos (a seguir «código»).
5 O artigo 266.° , n.° 1, alínea a), do código dispõe:
«A matéria colectável é constituída:
a) Pelas entregas de bens, prestações de serviços e aquisições intracomunitárias, por todas as somas, valores, bens ou serviços recebidos ou a receber pelo fornecedor ou o prestador como contrapartida dessas operações, pelo adquirente, destinatário ou terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.»
6 De acordo com o artigo 267.° -I do código:
«São incluídos na matéria colectável:
1° Os impostos, taxas, direitos e contribuições de qualquer natureza com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado.
2° As despesas acessórias às entregas de bens ou prestações de serviços, como as comissões, juros, despesas de embalagem, transporte e seguro exigidas aos clientes.»
7 A presente acção de incumprimento diz respeito ao regime de sujeição ao IVA das gorjetas ou taxas de serviço, a saber, os acréscimos obrigatórios de preço, incluídos no preço global facturado ao cliente, que são, em geral, suportados pelo cliente como remuneração do «serviço» em determinado número de estabelecimentos (a seguir «taxa de serviço»). A taxa de serviço distingue-se das gratificações ou gorjetas voluntárias que o cliente paga espontânea e directamente aos empregados como testemunho da sua satisfação, para além da referida taxa.
8 Em direito francês, a matéria colectável do IVA é em princípio constituída, nas prestações de serviços, pelo preço total pago pelo cliente como contrapartida dos serviços que lhe são prestados, incluindo as taxas de serviço. Surge assim referido, num texto publicado no Bulletin officiel de la direction générale des impôts (BOGDI 3 B-4-76) e reproduzido na «documentação de base» de 20 de Junho de 1995 (DB 3 B-1123, n.° 31), publicada pela Direcção-Geral dos Impostos e em que os contribuintes se podem basear para conhecer o alcance das suas obrigações fiscais, o seguinte:
«de acordo com a doutrina constante da administração, os acréscimos de preço reclamados a título de gorjeta à clientela das empresas comerciais [hotéis, restaurantes, cafés, cervejarias, bares, salões de chá, cabeleireiros, clínicas, estabelecimentos termais, empresas de transporte ou mudanças, casas de repouso ou lares de terceira idade, casinos, empresas que entregam a domicílio produtos de toda a natureza] constituem um elemento do preço a sujeitar ao imposto sobre o valor acrescentado».
9 A mesma «documentação de base» precisa, contudo, que, de acordo com uma medida de tolerância administrativa aplicada pela administração francesa desde 1923 e confirmada por uma instrução administrativa de 31 de Dezembro de 1976 (DB 3 B-1123, n.° 32, a seguir «instrução de 1976»), as taxas de serviço podem ser excluídas da matéria colectável do imposto sobre o volume de negócios pago pela entidade patronal, imposto esse que o IVA veio substituir em França. Quatro condições devem estar preenchidas para haver lugar à aplicação da tolerância:
- o cliente deve ter sido previamente informado da existência e percentagem de uma contribuição revestindo a natureza de taxa de serviço e que acresce ao preço «serviço não compreendido»;
- o produto dessa contribuição deve ser integralmente repartido entre os membros do pessoal em contacto directo com a clientela;
- o referido pagamento ao pessoal deve ser justificado pela manutenção de um registo especial assinado por cada um dos beneficiários ou, no mínimo, assinado por um representante do pessoal;
- a entidade patronal deve indicar, na declaração anual de salários, o montante da remuneração por esse meio efectivamente recebida pelos membros do seu pessoal.
Procedimento pré-contencioso
10 Considerando que a isenção do IVA resultante para a taxa de serviço da tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976 é contrária às disposições do artigo 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, a Comissão comunicou ao Governo francês, por carta de 15 de Abril de 1998, as suas acusações a este respeito, convidando-o a apresentar observações no prazo de dois meses contados da recepção da referida carta.
11 Não tendo obtido resposta, a Comissão emitiu, em 17 de Novembro de 1998, um parecer fundamentado convidando a República Francesa a adoptar as medidas necessárias para com ele se conformar no prazo de dois meses contados da sua notificação.
12 O Governo francês não deu qualquer resposta à Comissão na sequência do referido parecer fundamentado. Considerando estarem reunidas, nestas circunstâncias, as condições de recurso ao Tribunal de Justiça previstas no artigo 226.° , segundo parágrafo, CE, a Comissão decidiu intentar a presente acção contra a República Francesa.
Quanto ao mérito
Posição das partes
13 A Comissão sustenta na petição inicial que, apesar de os artigos 266.° , n.° 1, alínea a), e 267-I do código transporem correctamente os artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, o mesmo não sucede com a tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976, que mantém um regime de isenção do IVA contrário ao direito comunitário.
14 A Comissão começa por argumentar, a este respeito, decorrer de jurisprudência constante (v. acórdão de 3 de Março de 1994, Tolsma, C-16/93, Colect., p. I-753, n.° 13, e jurisprudência aí referida) que, por um lado, a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída pela totalidade do recebido como contrapartida do serviço prestado e que, por outro, a matéria colectável definida no artigo 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva é constituída pela contrapartida efectivamente recebida.
15 Ora, a Comissão considera incontestável que a taxa de serviço é parte integrante do preço total pago pelo cliente como contrapartida do serviço oferecido pelo prestador. É pois este preço total, com a taxa de serviço incluída, que constitui «a contrapartida efectivamente recebida» que deve ser sujeita ao IVA nos termos da referida jurisprudência.
16 A Comissão esclarece que a acção diz unicamente respeito à taxa de serviço paga obrigatoriamente pelo cliente e cujo montante é antecipadamente determinado, e não a gorjetas espontânea e livremente entregues pelo cliente a este ou àquele empregado. A Comissão considera, com efeito, que tal gorjeta, puramente facultativa, é comparável ao óbolo distribuído pelos passantes a um músico que esteja a tocar realejo, no sentido de que se trata também de um pagamento meramente gracioso e aleatório, cujo montante é praticamente impossível de determinar e que, de acordo com o acórdão Tolsma (já referido, n.° 19), não deve ser sujeito a IVA.
17 A Comissão salienta, em seguida, que o artigo 11.° , A, n.° 3, constitui a única disposição da Sexta Directiva que permite a exclusão de montantes da matéria colectável do IVA. Ora, a tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976, que derroga as regras estabelecidas pelos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, não está abrangida por qualquer das situações previstas no artigo 11.° , A, n.° 3, da referida directiva. A administração fiscal francesa não deve, pois, permitir que qualquer dos prestadores de serviços exclua da respectiva matéria colectável do IVA os montantes correspondentes a uma taxa de serviço.
18 Por último, a Comissão sustenta que a aplicação da tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976 viola o princípio da neutralidade inerente ao sistema comum do IVA. De acordo com a Comissão, tal neutralidade, que é de natureza concorrencial (acórdão de 12 de Junho de 1979, Nederlandse Spoorwegen, 126/78, Recueil, p. 2041, n.° 7), pressupõe que, em cada país, mercadorias ou serviços semelhantes suportem a mesma carga fiscal.
19 A Comissão argumenta que o princípio da neutralidade fiscal opõe-se, nomeadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20).
20 Ora, a Comissão entende que o regime de isenção do IVA decorrente da aplicação da tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976 é constitutivo de uma distorção de concorrência entre os prestadores que recorrem à taxa de serviço. Assim, um serviço estritamente idêntico oferecido por dois prestadores concorrentes seria diversamente tributado se só um deles estivesse em condições de cumprir as condições estabelecidas pela administração para beneficiar da exclusão da referida taxa de serviço da matéria colectável do IVA.
21 Para a Comissão, esta distorção de concorrência relaciona-se com condições meramente formais estabelecidas pelo Governo francês para beneficiar do regime derrogatório. Tais condições são destituídas de qualquer fundamento jurídico e totalmente estranhas ao critério fundamental de estabelecimento da matéria colectável do IVA, a saber, a contrapartida efectivamente recebida pelo prestador de serviços.
22 Na contestação, o Governo francês começa por salientar que, no n.° 7 da petição, a Comissão admite que o artigo 266.° , n.° 1, alínea a), do código transpõe correctamente os artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva. Aquele governo sustenta que a exclusão das taxas de serviço da matéria colectável do IVA não constitui uma regra que altera a alínea a) do n.° 1 do artigo 266.° do código, mas uma mera tolerância administrativa que as empresas têm a faculdade de aplicar ou não.
23 Em consequência, de acordo com o Governo francês, a integralidade do preço pago pela clientela constitui, em princípio, a matéria colectável do IVA das operações efectuadas pelas empresas, admitindo-se porém, exclusivamente para certas empresas, que a remuneração de serviço não seja sujeita ao IVA.
24 O Governo francês acrescenta que esta tolerância é antiga, visto ter origem numa decisão ministerial de 8 de Agosto de 1923. O contexto histórico dessa tolerância permite descortinar o respectivo objectivo. A isenção do imposto sobre o volume de negócios em benefício das gorjetas foi decidida numa altura em que a remuneração dos assalariados em contacto com a clientela era essencialmente constituída pelas gorjetas por esta paga. Assim, embora dispondo por vezes de um salário fixo de valor reduzido, tais assalariados não beneficiavam frequentemente de qualquer garantia de salário, designadamente nos sectores da restauração e cabeleireiros. Nestas condições, as autoridades francesas consideraram indispensável assegurar que os assalariados recebessem efectivamente a totalidade das somas cobradas em seu proveito pela entidade patronal, no caso de as gorjetas lhes não serem directamente entregues.
25 Foi, em consequência, uma exigência de protecção dos interesses dos assalariados que esteve na origem da decisão ministerial de 8 de Agosto de 1923, alterada por uma circular de 12 de Março de 1928. Em aplicação de tais disposições, os prestadores que se comprometessem a transferir para os seus assalariados a integralidade das somas entregues pela clientela não eram tributados, para assegurar que não deduziam das gorjetas que colectavam a parte correspondente ao encargo fiscal antes de as entregar aos seus assalariados.
26 O Governo francês refere que esta tolerância administrativa foi, em seguida, objecto de uma decisão ministerial de 29 de Setembro de 1976, confirmada e comentada na instrução administrativa de 1976. Essa tolerância administrativa está sujeita a quatro condições, que permitem circunscrever a sua aplicação exclusivamente às situações em que a entidade patronal reparte a integralidade das gorjetas que assumam a forma de taxas de serviço entre os assalariados em contacto directo com a clientela e obstar aos pedidos de extensão da tolerância por diversas vezes apresentados por prestadores que não empregam pessoal em contacto directo com a clientela, por, por exemplo, não existir serviço às mesas.
27 Em consequência, segundo o Governo francês, em virtude das condições estabelecidas para se poder beneficiar da isenção, só os prestadores que empreguem pessoal em contacto directo com a clientela que seja remunerado pela taxa de serviço incluída no preço pago pelo cliente, a saber, principalmente restaurantes e cabeleireiros, podem efectivamente beneficiar de tal tolerância.
28 Em segundo lugar, o Governo francês contesta que a manutenção, em benefício das taxas de serviço, de um regime de isenção do IVA contrário à Sexta Directiva viola o princípio da neutralidade do IVA, ao criar distorções de concorrência entre prestadores.
29 O Governo francês repete que a exclusão da matéria colectável do IVA de que podem beneficiar as taxas de serviço não constitui a regra, mas uma mera tolerância administrativa que as empresas têm a faculdade de aplicar ou não. Sustenta, ademais, que o facto de todos os prestadores não aplicarem esta medida não afecta a concorrência. Com efeito, por um lado, nem todos os prestadores pretendem aplicar a referida medida de tolerância e, por outro, aqueles que dela não podem beneficiar exercem, por hipótese, a sua actividade em condições diferentes.
30 O Governo francês considera em consequência improcedente o pedido da Comissão.
31 Na réplica, a Comissão mantém integralmente as conclusões da petição inicial. Começa por salientar que a argumentação do Governo francês é essencialmente consagrada à exposição da evolução da regulamentação francesa em matéria de pagamento de gorjetas, não contendo qualquer elemento relativo ao incumprimento invocado.
32 A Comissão acrescenta, em seguida, que as condições estabelecidas na instrução de 1976 para se poder beneficiar da isenção do IVA, apesar de se poderem explicar pelo seu contexto histórico como sustenta o Governo francês, são destituídas de pertinência à luz das exigências comunitárias em matéria de IVA. O argumento do Governo francês de que tais condições permitem obstar aos pedidos de extensão da referida tolerância administrativa também não pode ser acolhido. A Comissão argumenta, a este respeito, que, embora as condições estabelecidas permitam limitar o alcance da violação do direito comunitário, tal violação não deixa, por isso, de existir.
33 Por último, a Comissão sustenta que, de facto, o próprio Governo francês reconheceu que a prática administrativa em causa não é mais do que uma tolerância contrária às disposições nacionais de transposição da Sexta Directiva. Assim, o Governo francês, quando refere com satisfação que a Comissão considera que os artigos 266.° , n.° 1, alínea a) e 267.° -I do código transpõem correctamente a Sexta Directiva, devia ser obrigatoriamente conduzido à conclusão de que a tolerância em causa, contrária aos termos do código, é também contrária ao direito comunitário.
34 Na tréplica, o Governo francês repete ser necessário referir o contexto histórico para se entender o objectivo da isenção do IVA em benefício das taxas de serviço, a saber, a protecção dos interesses de determinados assalariados. Refere que, ainda hoje, apesar da instituição de um salário mínimo, a remuneração dos assalariados em contacto directo com a clientela nos sectores da restauração e cabeleireiros continua em parte a ser assegurada pelas taxas de serviço.
35 Em consequência, a revogação da tolerância administrativa que isenta do IVA as taxas de serviço correria o risco de conduzir ao desenvolvimento da prática da gorjeta facultativa, o que penalizaria os assalariados em contacto directo com a clientela, designadamente nos sectores em que não é obrigatória a fixação do preço «serviço compreendido».
36 No que se refere à isenção propriamente dita, o Governo francês não contesta que, como a Comissão argumentou na réplica, as condições previstas na instrução de 1976 para se beneficiar da isenção do IVA são irrelevantes à luz das exigências comunitárias aplicáveis na matéria. Limita-se a sustentar que, em virtude das condições estabelecidas para a concessão de tal isenção, o respectivo alcance se vê reduzido.
37 O Governo francês acrescenta que um inquérito sobre a aplicação de tal tolerância administrativa, conduzido pelo Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria, revelou que a tolerância apenas continua a ser aplicada, no sector da restauração, por alguns prestadores, principalmente pelas cervejarias que utilizam muita mão-de-obra.
Apreciação do Tribunal de Justiça
38 Recorde-se, antes de mais, que a contrapartida obtida ou a obter pelo prestador em função da prestação de um serviço, que constitui a matéria colectável dessa operação segundo o artigo 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, deve, segundo jurisprudência constante, ser entendida como a contrapartida realmente recebida para esse efeito, que constitui um valor subjectivo e não um valor calculado segundo critérios objectivos [v. acórdão de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck, C-258/95, Colect., p. I-5577, n.° 13, e jurisprudência aí referida). Segundo essa mesma jurisprudência, essa contrapartida deve poder ser expressa em dinheiro (v. acórdão Fillibeck, já referido, n.° 14, e jurisprudência aí referida).
39 Ora, como sublinhou o advogado-geral nos n.os 36 e 40 das suas conclusões, nos estabelecimentos abrangidos pela instrução de 1976, a soma total reclamada ao cliente ou constante da factura que lhe é apresentada constitui, na totalidade, a contrapartida do serviço que lhe é prestado pelo prestador de serviços. Esta contrapartida, que engloba a taxa de serviço, é, por definição, expressa em dinheiro.
40 Saliente-se, em seguida, que a única disposição da Sexta Directiva que permite excluir montantes da matéria colectável do IVA é o artigo 11.° , A, n.° 3. De acordo com esta disposição, a matéria colectável não inclui, em determinadas condições, as reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado, os descontos e abatimentos, bem como as quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos.
41 Ora, cabe verificar que o regime de isenção do IVA admitido pela administração fiscal francesa no âmbito de uma tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976, que derroga as normas estabelecidas pelos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, não é abrangido por qualquer das situações a que se refere o artigo 11.° , A, n.° 3, desta directiva.
42 Daqui resulta que a percentagem relativa às taxas de serviço deve ser incluída na matéria colectável do IVA dos prestadores de serviços, não devendo em qualquer caso admitir-se que prestadores possam excluir as referidas taxas da respectiva matéria colectável do IVA.
43 A este respeito, as condições estabelecidas pelas autoridades fiscais francesas para se poder beneficiar da isenção do IVA são irrelevantes. Com efeito, pouco importa, para efeitos de aplicação do IVA, saber se a clientela está informada da existência da taxa de serviço e da sua percentagem, se as somas a esse título pagas são integralmente repartidas entre os membros do pessoal em contacto directo com a clientela, se tais pagamentos estão mencionados num registo especial assinado por cada um dos beneficiários, ou ainda se a entidade patronal inclui ou não na declaração anual dos salários o montante da remuneração efectivamente recebida, dessa forma, pelos membros do seu pessoal.
44 Assim sendo, o artigo 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva opõe-se à aplicação do método de cálculo da matéria colectável autorizado pela prática administrativa confirmada pela instrução de 1976.
45 Além disso, apesar de o que precede ser suficiente para dar provimento à presente acção, cabe recordar a jurisprudência constante segundo a qual o princípio da neutralidade fiscal, também invocado pela Comissão, se opõe, nomeadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (acórdão Gregg, já referido, n.° 20).
46 Daqui decorre que tal princípio é violado quando, em aplicação da instrução de 1976, forem reclamadas aos operadores que oferecem a mesma prestação por um preço total idêntico somas diferentes a título do IVA consoante refiram ou não na respectiva facturação que cobram uma taxa de serviço, uma vez que a matéria colectável difere num caso e noutro, verificando-se, contudo, que tanto a prestação como a sua contrapartida são estritamente idênticas.
47 Assim sendo, a tolerância administrativa confirmada pela instrução de 1976 viola o princípio da neutralidade fiscal e introduz uma distorção da concorrência.
48 Por último, não podem ser acolhidos os argumentos apresentados pelo Governo francês para tentar justificar a tolerância administrativa.
49 Assim, as referências ao contexto histórico e político, bem como ao objectivo social da isenção do IVA em benefício da taxa de serviço, são irrelevantes para se apreciar a compatibilidade da tolerância em causa com as normas da Sexta Directiva.
50 De igual modo, cabe rejeitar o argumento que visa demonstrar o alcance limitado da isenção do IVA concedida com violação das normas da Sexta Directiva.
51 Com efeito, segundo jurisprudência constante, a acção de incumprimento tem natureza objectiva (acórdãos de 21 de Junho de 1988, Comissão/Irlanda, 415/85, Colect., p. 3097, n.° 9, e de 21 de Março de 1991, Comissão/Itália, C-209/89, Colect., p. 1575, n.° 6). Em consequência, existe incumprimento das obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força do Tratado ou do direito derivado, seja qual for a amplitude ou frequência das situações reprovadas (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Itália, já referido, n.° 19, e de 17 de Novembro de 1992, Comissão/Grécia, C-105/91, Colect., p. I-5871, n.° 20).
52 Em consequência, há que concluir que, ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria colectável do IVA dos acréscimos obrigatórios de preço reclamados por determinados sujeitos passivos a título de remuneração do serviço («taxas de serviço»), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva.
Quanto às despesas
53 Por força do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
decide:
1) Ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado dos acréscimos obrigatórios de preço reclamados por determinados sujeitos passivos a título de remuneração do serviço («taxas de serviço»), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° , n.° 1, e 11.° , A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.
2) A República Francesa é condenada nas despesas.