Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 30 de Maio de 2002. - Walter Schmid. - Pedido de decisão prejudicial: Berufungssenat V der Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland - Áustria. - Conceito de 'órgão jurisdicional nacional' na acepção do artigo 234.º CE - Incompetência do Tribunal de Justiça. - Processo C-516/99.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-04573
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Questões prejudiciais Recurso ao Tribunal de Justiça Órgão jurisdicional nacional na acepção do artigo 234.° CE Conceito Secção de recurso de uma direcção regional de finanças na Áustria Exclusão
(Artigo 234.° CE)
$$Para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° CE, questão que releva unicamente do direito comunitário, há que ter em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência. Não satisfaz a condição de independência uma secção de recurso de uma direcção regional de finanças (Administração Fiscal de segunda instância) na Áustria, que é competente para decidir em matéria de recursos de decisões da Administração Fiscal.
Com efeito, o conceito de órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° CE só pode designar uma autoridade que tenha a qualidade de terceiro em relação àquela que adoptou a decisão objecto do recurso, qualidade que não poderá ser reconhecida a uma autoridade como a secção de recurso, na medida em que tem uma ligação orgânica e funcional com a direcção regional de finanças de que emanam as decisões impugnadas perante ela.
( cf. n.os 34-38 )
No processo C-516/99,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pelo Berufungssenat V der Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland (Áustria), destinado a obter, no processo instaurado por
Walter Schmid,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 73._-B e 73._-D do Tratado CE (actuais artigos 56._ CE e 58._ CE),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: P. Jann, presidente de secção, S. von Bahr, D. A. O. Edward, M. Wathelet (relator) e C. W. A. Timmermans, juízes,
advogado-geral: A. Tizzano,
secretário: R. Grass,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente,
- em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger e S. Seam, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 29 de Janeiro de 2002,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 2 de Dezembro de 1999, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Dezembro de 1999, o Berufungssenat V der Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland (Quinta Secção de Recurso da Direcção Regional de Finanças para Viena, a Baixa Áustria e o Burgenland) submeteu, nos termos do artigo 234._ CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 73._-B e 73._-D do Tratado CE (actuais artigos 56._ CE e 58._ CE).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um recurso interposto por W. Schmid, residente na Áustria, do seu aviso de liquidação do imposto sobre o rendimento de 1997, emanado do Finanzamt für den 9., 18. und 19. Bezirk in Wien (serviços fiscais dos 9._, 18._ e 19._ bairros de Viena), destinado a obter uma redução do imposto sobre os dividendos que lhe foram pagos por uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro que não a República da Áustria.
O enquadramento jurídico nacional
3 As disposições pertinentes no contexto do litígio no processo principal são as da Einkommensteuergesetz 1988 (lei de 1988 relativa ao imposto sobre o rendimento, BGBl. 1988/400, a seguir «EStG»).
4 O § 93, n.os 1 e 2, ponto 1, alínea a), da EStG, na versão alterada pela lei federal publicada no BGBl. 1996/201, dispõe, no que respeita aos rendimentos de capitais sujeitos a imposto:
«(1) No caso de rendimentos de capitais auferidos no interior do país (n._ 2) [...], o imposto sobre o rendimento será cobrado, mediante retenção na fonte, sobre os rendimentos do capital (Kapitalertragsteuer - imposto sobre rendimentos de capitais).
(2) Serão considerados rendimentos de capitais auferidos no interior do país os rendimentos de capitais pagos por entidades que tenham domicílio, gerência ou sede no interior do país, ou que sejam filiais nacionais de uma instituição de crédito, sempre que os rendimentos constituam:
1. a) Dividendos, juros e outros rendimentos provenientes de acções, participações em sociedades de responsabilidade limitada [...]».
5 Nos termos do § 95, n._ 1, da EStG, na versão alterada pela lei federal publicada no BGBl. 1996/201, o imposto sobre os rendimentos de capitais é de 25%.
6 O § 97 da EStG, na versão alterada pela lei federal publicada no BGBl. 1996/797, prevê:
«(1) Relativamente às pessoas singulares e às pessoas colectivas de direito privado, no caso de estas auferirem rendimentos de capitais, o imposto sobre o rendimento (das pessoas colectivas), correspondente aos rendimentos de capitais na acepção do § 93, n._ 2, ponto 3, [...] sujeitos a imposto sobre os rendimentos de capitais, considerar-se-á satisfeito através das quantias retidas a título de imposto. Relativamente às pessoas singulares, a referida norma também se aplica aos rendimentos de capitais referidos no § 93, n._ 2, ponto 1 [...].
(2) Relativamente às pessoas singulares e às pessoas colectivas de direito privado, no caso de estas auferirem rendimentos de capitais, o imposto sobre o rendimento (das pessoas colectivas), no que respeita aos rendimentos de capitais auferidos no interior do país e procedentes de títulos de crédito não sujeitos a imposto sobre os rendimentos de capitais, considera-se pago voluntariamente através das quantias pagas a título de imposto sobre rendimentos de capitais à entidade que pagou os rendimentos. [...]
(3) Quando o imposto for pago nos termos dos n.os 1 e 2, os rendimentos de capitais não serão incluídos no montante total do rendimento (§ 2, n._ 2). Esta regra só é aplicável para o cálculo do imposto sobre os rendimentos do contribuinte.
[...]»
7 O § 37, n.os 1 e 4, da EStG, na versão alterada pela lei federal publicada no BGBl. 1996/797, regulamenta, da forma a seguir exposta, a possibilidade de optar pelo regime de taxa reduzida a metade (procedimento denominado «da taxa reduzida a metade» - «Halbsatzverfahren»), relativa ao imposto sobre o rendimento devido a título de participações em sociedades:
«(1) A taxa será reduzida relativamente a:
- Rendimentos provenientes de participações (n._ 4),
[...]
a metade da taxa média aplicável à totalidade dos rendimentos [...]
[...]
(4) Constituem rendimentos provenientes de participações
1. Rendimentos de participações:
a) Dividendos, de qualquer espécie, provenientes de participações em sociedades de capitais, sociedades cooperativas de consumo ou associações cooperativas de produção e de consumo austríacas, sob a forma de participações em sociedades cooperativas [...]
[...]»
O litígio no processo principal e as questões prejudiciais
8 W. Schmid reside na Áustria. Em 1997, uma parte dos seus rendimentos era constituída por dividendos de acções da sociedade MAN AG, estabelecida na Alemanha.
9 Em 1997, a Administração Fiscal austríaca incluiu na matéria colectável do imposto sobre o rendimento de W. Schmid os dividendos provenientes de acções estrangeiras que este tinha auferido. A taxa média aplicável aos rendimentos de W. Schmid, calculada com base no conjunto dos seus rendimentos de origem austríaca, dos rendimentos dos seus capitais, e dos seus rendimentos provenientes do estrangeiro, era de 27,17%. Os rendimentos das acções estrangeiras de W. Schmid foram tributados a esta taxa.
10 O imposto sobre os rendimentos de capitais, que tinha já sido pago por W. Schmid na República Federal da Alemanha, foi integralmente imputado na sua dívida fiscal na Áustria.
11 Em 3 de Dezembro de 1998, W. Schmid interpôs recurso do seu aviso de liquidação de imposto relativo a 1997. Por carta de 3 de Junho de 1999, pediu à Quinta Secção de Recurso da Direcção Regional de Finanças para Viena, a Baixa Áustria e o Burgenland, que era a Administração Fiscal de segunda instância, que decidisse o seu recurso. Pediu, designadamente, que os dividendos auferidos a título das acções da MAN AG fossem sujeitos a uma taxa igual a metade da aplicada aos seus outros rendimentos, apesar de as disposições dos § 37 da EStG, lidas em conjugação com o § 97 da mesma lei, na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal, não admitirem a possibilidade de optar por uma tributação à taxa reduzida a metade ao contribuinte que aufere dividendos de sociedades de capitais com sede fora da Áustria. Com efeito, para um contribuinte nesta situação, os rendimentos de capitais resultantes de participações em sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro que não a República da Áustria são somados aos seus outros rendimentos e sujeitos a imposto sobre o rendimento à taxa média aplicável daí resultante.
12 A Quinta Secção de Recurso questiona-se sobre se uma regulamentação como a prevista nos §§ 37, n.os 1 e 4, e 97 da EStG, na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal, é compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais
13 Com efeito, por um lado, os dividendos provenientes de acções austríacas estão sujeitos, na Áustria, ao imposto sobre os rendimentos de capitais sob a forma, em princípio, de retenção na fonte junto da sociedade que distribuiu os dividendos e tem carácter liberatório, de forma que não são incluídos na matéria colectável do imposto sobre o rendimento. O contribuinte pode, contudo, requerer que estes dividendos não sejam sujeitos à retenção na fonte para efeito do imposto sobre os rendimentos de capitais, mas que sejam incluídos na matéria colectável do imposto sobre o rendimento, caso em que ficam sujeitos a este imposto a uma taxa igual a metade da taxa média aplicável aos seus outros rendimentos.
14 Por outro lado, os dividendos provenientes de acções estrangeiras, que não estão sujeitos na Áustria à retenção na fonte de carácter liberatório a título do imposto sobre os rendimentos de capitais, estão, por isso, integralmente sujeitos ao imposto sobre o rendimento e não podem beneficiar da aplicação da taxa reduzida a metade.
15 A Quinta Secção de Recurso questiona-se sobre se esta distinção é contrária ao artigo 73._-B, n._ 1, do Tratado e, na afirmativa, se poderia ser justificada nos termos do artigo 73._-D, n._ 1, alínea a), do Tratado. O facto de as sociedades austríacas que distribuem dividendos terem já sido sujeitas, regra geral, ao imposto sobre rendimentos de sociedades à taxa de 34% poderia constituir uma justificação neste sentido. Deste facto, não parece, contudo, poder deduzir-se uma justificação objectiva das desvantagens sofridas pelos contribuintes cuja situação comporta um elemento exterior.
16 Nestas condições, a Quinta Secção de Recurso da Direcção Regional de Finanças para Viena, a Baixa Áustria e o Burgenland decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O disposto no artigo 73._-B, n._ 1, conjugado com o disposto no artigo 73._-D, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, do Tratado CE [actuais artigos 56._, n._ 1, CE e 58._, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, CE] é contrário a uma norma como a do § 97 da Einkommensteuergesetz 1988 (lei de 1988 relativa ao imposto sobre o rendimento) (BGBl. 1988/400, na redacção da BGBl. 1996/797) [com fundamento no § 1, n._ 1, ponto 1, alínea c), da Endbesteuerungsgesetz, BGBl. 1993/11], nos termos da qual se não admite a tributação definitiva no caso de dividendos, juros e demais rendimentos provenientes de acções detidas no estrangeiro, pelo que a taxa que incide sobre as acções possuídas dentro do país é de 25%, enquanto a que corresponde a acções possuídas no estrangeiro pode atingir 50%?
2) O disposto no artigo 73._-B, n._ 1, conjugado com o disposto no artigo 73._-D, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, do Tratado CE [actuais artigos 56._, n._ 1, CE e 58._, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, CE] é contrário a uma norma como a do § 37, n.os 1 e 4, da EStG 1988 (BGBl. 1988/400), nos termos da qual os proventos de qualquer tipo resultantes da participação através de acções em sociedades de capitais no próprio país são tributados a uma taxa reduzida a metade da taxa média aplicável à totalidade do rendimento, enquanto não beneficiam da referida redução os proventos de qualquer tipo resultantes da participação em sociedades de capitais com sede e direcção comercial noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado terceiro?»
Quanto à competência do Tribunal de Justiça
17 A título liminar, há que verificar se a Quinta Secção de Recurso é um órgão jurisdicional nacional na acepção do artigo 234._ CE.
A regulamentação nacional relativa às Secções de Recurso das Direcções Regionais de Finanças
18 O § 263, n._ 1, do Bundesabgabenordung (Código Federal dos Impostos, a seguir «BAO») prevê a criação, para cada Land, de uma Comissão de Recurso cujos processos são colocados sob a direcção do presidente da Direcção Regional de Finanças. Cada Comissão de Recurso é composta, por um lado, por membros delegados das associações que, de acordo com a lei, defendem os interesses da sua profissão e, por outro, por membros nomeados pelo Ministério Federal das Finanças (§ 263, n._ 2, do BAO) ou pelo presidente da Direcção Regional de Finanças. O § 267, n._ 1, do BAO prevê que o mandato dos membros das comissões de recurso tem uma duração fixa de seis anos.
19 Nos termos do § 270, n._ 1, do BAO, o presidente da Direcção Regional de Finanças forma as secções de recurso e designa os seus membros a partir das listas de membros da Comissão de Recurso. Em aplicação do n._ 3 da mesma disposição, cada secção de recurso é composta por cinco membros: um presidente, cuja função cabe ao presidente da Direcção Regional de Finanças (ou a um funcionário da Administração Fiscal por ele nomeado), um outro membro da Administração Fiscal e três membros escolhidos de entre os delegados das associações profissionais na Comissão de Recurso. Nenhuma disposição regulamenta a questão da duração do mandato dos membros das secções de recurso.
20 Os membros das secções de recurso não estão, no exercício das suas funções, sujeitos a quaisquer instruções (§ 271, n._ 1, do BAO). Juram pela sua honra tomar decisões imparciais (§ 271, n._ 2, do BAO). Em caso de suspeição legítima, devem declarar-se impedidos (§ 283, n._ 3, do BAO).
21 Os §§ 260, n._ 2, e 261._ do BAO prevêem os casos em que a secção de recurso é competente para decidir. Nos termos do § 243 do BAO, o recurso é o único meio de defesa para impugnar uma decisão da Administração Fiscal.
22 Terá lugar um processo oral na secção de recurso, se o presidente da secção o considerar necessário, se a Secção assim o decidir a pedido de um dos seus assessores ou se uma das parte o requerer (§ 284, n._ 1, do BAO). A Administração Fiscal que tomou a decisão impugnada não é parte no processo na secção de recurso.
23 A secção de recurso é competente para modificar em todos os aspectos a decisão impugnada e para a anular (§ 289, n._ 2, do BAO).
24 Resulta do artigo 18._, n._ 1, da Bundes-Verfassungsgesetz (Lei Constitucional federal) que a secção de recurso não decide em equidade, mas aplica leis.
25 De acordo com os documentos do processo apresentados no Tribunal de Justiça, é possível interpor recurso da decisão proferida por uma secção de recurso para o Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo) ou, se o fundamento do recurso for a inconstitucionalidade, para o Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional). Designadamente, o presidente da Direcção Regional de Finanças tem a faculdade de interpor no Tribunal Administrativo recurso da decisão da secção de recurso (§ 292 do BAO).
26 As possibilidades de corrigir a posteriori a decisão da secção de recurso estão definidas pela lei: é permitido corrigir erros manifestos (§§ 293, 293-A e 293-B do BAO), anular ou modificar decisões relativas a vantagens atribuídas, em caso de alteração da situação (§ 294 do BAO) ou adaptar uma decisão resultante da modificação de uma aviso de cobrança (§ 295 do BAO).
27 Uma vez impugnada por via de recurso no Tribunal Administrativo ou no Tribunal Constitucional, uma decisão da secção de recurso apenas pode ser anulada pelo Ministério das Finanças com fundamento na ilegalidade do seu conteúdo (§ 299 do BAO).
Observações submetidas ao Tribunal de Justiça
28 Na opinião do Governo austríaco, da Comissão e do próprio organismo de reenvio, uma autoridade como a Quinta Secção de Recurso deve ser considerada um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE.
29 Segundo os mesmos, tal autoridade preenche as condições definas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 17 de Setembro de 1997, Dorsch Consult (C-54/96, Colect., p. I-4961, n._ 23, e jurisprudência aí referida), a saber, a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência.
30 Concretamente, no que respeita à condição de independência, a Quinta Secção de Recurso alega que, nos termos do § 271, n._ 1, do BAO, os membros das secções de recurso não estão, no exercício das suas funções, sujeitos a qualquer instrução.
31 Para o Governo austríaco, a independência de um organismo como uma secção de recurso não decorre exclusivamente da inexistência da obrigação de acatar instruções. Sublinha, com efeito, que a doutrina nacional critica o duplo papel do presidente da Direcção Regional de Finanças, que, por um lado, dirige a referida direcção e, por outro, participa na composição das secções de recurso, e a dupla função do funcionário da Direcção Regional de Finanças, que é ao mesmo tempo membro da secção de recurso, o qual, por um lado, está vinculado a instruções no âmbito do seu serviço e, por outro, não está sujeito a qualquer instrução enquanto membro da secção de recurso.
32 O Governo austríaco entende que estas objecções podem ser afastadas pela prática seguida que garante, em relação aos dois membros da secção de recurso que pertencem à Administração Fiscal, a separação funcional entre a secção de recurso, chamada a decidir as reclamações apresentadas contra as decisões tomadas pela Administração Regional de Finanças, e os serviços desta Administração cujas decisões são contestadas. Assim, concretamente, o presidente de uma Direcção Regional de Finanças não exerce ele próprio função de presidente da secção de recurso e designa um funcionário da Administração Fiscal para exercer esta função. Por outro lado, o segundo membro da secção de recurso que pertence à Administração Fiscal apenas intervém, na sua qualidade de membro da secção de recurso, fora dos domínios e dos processos de que normalmente está encarregado na sua qualidade de funcionário da referida Administração.
33 A Comissão refere que, enquanto órgãos da Administração Fiscal de segunda instância (§ 260, n._ 2, do BAO), as secções de recurso estão integradas nesta Administração, pelo menos no plano organizacional. Considera, no entanto, que diversos elementos são susceptíveis de garantir a independência das secções de recurso em relação à referida Administração: primeiro, a composição das secções de recurso, cujos membros não pertencem maioritariamente à Administração Fiscal mas são delegados de associações profissionais (§ 270, n._ 3, do BAO); em seguida, a garantia expressa da inexistência de qualquer instrução dada aos membros das secções de recurso (§ 271, n._ 1, do BAO) e a obrigação, para estes últimos, de se declarem impedidos em caso de suspeição legítima (§ 283 do BAO); por último, a faculdade do presidente da Direcção Regional de Finanças interpor recurso da decisão da secção de recurso para o Tribunal Administrativo (§ 292 do BAO), o que indica que as secções de recurso podem tomar decisões contra a Administração Fiscal.
Apreciação do Tribunal de Justiça
34 De acordo com jurisprudência constante, para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE, questão que releva unicamente do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência (v., nomeadamente, acórdãos Dorsch Consult, já referido, n._ 23, e jurisprudência aí referida, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n._ 33).
35 Sem que seja necessário examinar se as secções de recurso preenchem as outras condições que permitem qualificar uma autoridade de órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE, deve concluir-se que a condição de independência parece não estar preenchida.
36 Há que recordar a este respeito que o conceito de órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE só pode designar uma autoridade que tenha a qualidade de terceiro em relação àquela que adoptou a decisão objecto do recurso (acórdão de 30 de Março de 1993, Corbiau, C-24/92, Colect., p. I-1277, n._ 15).
37 A autoridade para a qual é interposto um recurso de uma decisão tomada pelas os serviços de uma Administração não pode ser considerada terceiro em relação a estes serviços nem, por esta razão, órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE, quando tem uma ligação orgânica com a Administração em causa (v., neste sentido, acórdão Corbiau, já referido, n._ 16), a não ser que o contexto jurídico nacional seja susceptível de garantir uma separação funcional entre, por um lado, os serviços da Administração cujas decisões são contestadas e, por outro, a autoridade que decide as reclamações apresentadas contra as decisões dos referidos serviços sem receber qualquer instrução da Administração da qual estes serviços dependem (v., neste sentido, acórdão Gabalfrisa e o., já referido, n._ 39).
38 Ora, deve concluir-se que uma secção de recurso tem com a Direcção Regional de Finanças, de que emanam as decisões impugnadas perante ela, uma ligação orgânica e funcional que se opõe a que lhe seja reconhecida a qualidade de terceiro em relação a esta Administração.
39 Com efeito, no que respeita, em primeiro lugar, à existência de uma ligação orgânica, está provado que dois dos cinco membros da secção de recurso pertencem à Administração Fiscal. É notável, a este respeito, que o presidente da Direcção Regional de Finanças seja membro da secção de recurso, na qual exerce as funções de presidente, pelo menos nos termos da lei.
40 No que respeita, em segundo lugar, à existência de uma ligação funcional, há que recordar, antes de mais, que o funcionário da Direcção Regional de Finanças, que é o segundo membro da secção de recurso pertencente à Administração Fiscal, continua a exercer as suas actividades no seio desta Administração e está, por isso, sujeito às instruções dos seus superiores hierárquicos.
41 Em seguida, resulta do § 270, n._ 1, do BAO, que o presidente da Direcção Regional de Finanças tem o poder de designar os membros das secções de recurso com base nas listas dos membros da Comissão de Recurso. Nenhuma disposição legal o impede de modificar discricionariamente a composição de uma secção de recurso para a instrução de cada reclamação, ou até mesmo durante a instrução de uma reclamação. Na falta de disposição legal expressa que determine a duração do mandato dos membros das secções de recurso e que defina os motivos de destituição, este últimos não podem ser considerados como dispondo de garantias suficientes contra intervenções ou pressões indevidas por parte do poder executivo (v., neste sentido, acórdão de 4 de Fevereiro de 1999, Köllensperger e Atzwanger, C-103/97, Colect., p. I-551, n._ 21).
42 Por último e mais importante, o presidente da Direcção Regional de Finanças pode - na medida em que está sujeito a eventuais instruções do Ministério das Finanças - interpor recursos das decisões de uma secção de recurso (§ 292 do BAO) e defender neste âmbito um ponto de vista diferente daquele seguido pela secção de recurso a que preside.
43 Nestas condições, nem a proibição prevista pelo § 271, n._ 1, do BAO de receber instruções no exercício das funções de membro de uma secção de recurso, nem a circunstância de, na prática, o presidente da Direcção Regional de Finanças renunciar a exercer ele próprio as funções de presidente da secção de recurso que são inerentes, por lei, à sua função e designar para este fim um outro membro da Administração Fiscal, nem o facto de o segundo membro da secção de recurso pertencente à Administração Fiscal não intervir nas questões e nos processo de que normalmente se ocupa no seio desta Administração são suficientes para garantir a independência de uma secção de recurso.
44 Resulta das considerações precedentes que uma secção de recurso não constitui um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE e que, consequentemente, o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas pela Quinta Secção de Recurso.
Quanto às despesas
45 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e francês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção)
decide:
O Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas pelo Berufungssenat V der Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland, por despacho de 2 de Dezembro de 1999.