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Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Junho de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Artigo 17.º, n.os 2 e 6, da Sexta Directiva IVA - Reintrodução, depois da data de entrada em vigor da directiva, de uma supressão total do direito à dedução do IVA que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução. - Processo C-40/00.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04539
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Dedução do imposto pago a montante - Exclusões do direito a dedução - Possibilidade de os Estados-Membros manterem as exclusões existentes quando da entrada em vigor da Sexta Directiva - Alcance - Extensão do âmbito das exclusões - Inadmissibilidade - Reintrodução de uma supressão total do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução após a abertura parcial deste direito
(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 17.° , n.° 2, e 6.° , n.° 2)
$$Não constitui uma derrogação permitida pelo artigo 17.° , n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e viola o seu artigo 17.° , n.° 2, uma regulamentação nacional que tem por efeito alargar, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva, o âmbito das exclusões do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado existentes, afastando-se assim do objectivo da mesma. O mesmo acontece em relação a qualquer alteração posterior à entrada em vigor da Sexta Directiva, que alargue o âmbito das exclusões aplicáveis imediatamente antes da referida alteração.
Assim, um Estado-Membro que reintroduz, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma supressão total do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução, depois de ter parcialmente concedido este direito à dedução, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva.
( cf. n.os 17-18, 24 e disp. )
No processo C-40/00,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa e C. Giolito, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e S. Seam, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao reintroduzir, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma supressão total do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos que não dão direito à dedução, depois de ter parcialmente concedido este direito à dedução várias vezes, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na versão resultante da Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação (JO L 102, p. 18),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: A. La Pergola, presidente de secção, D. A. O. Edward, P. Jann, S. von Bahr (relator) e C. W. A. Timmermans, juízes,
advogado-geral: L. A. Geelhoed,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Fevereiro de 2001,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Fevereiro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao reintroduzir, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma supressão total do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos que não dão direito à dedução, depois de ter parcialmente concedido este direito à dedução várias vezes, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na versão resultante da Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação (JO L 102 p. 18, a seguir «Sexta Directiva»).
A regulamentação comunitária
2 O artigo 17.° , n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva dispõe:
«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.»
3 O artigo 17.° , n.° 6, da Sexta Directiva prevê:
«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.»
4 Nenhuma das propostas apresentadas pela Comissão ao Conselho por força do artigo 17.° , n.° 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva foi adoptada por este último.
A legislação francesa
5 Em 1 de Janeiro de 1979, data de entrada em vigor da Sexta Directiva, e até 30 de Junho de 1982, os gasóleos utilizados como combustíveis para o funcionamento de veículos e de aparelhos não dando direito à dedução estavam excluídos do direito à dedução do IVA.
6 Entre 1982 e 1991, esta proibição de dedução do IVA sofreu várias alterações. A taxa de dedução autorizada passou assim progressivamente de 10%, em 1982, para 90%, em 1991; foi reduzida para 50% durante o ano de 1991.
7 O direito a deduzir o IVA que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para o funcionamento de veículos e de aparelhos que não dão direito à dedução foi de novo totalmente suprimido a partir de 1998. A este respeito, o artigo 15.° da Lei 97-1269, de 30 de Dezembro de 1997, relativa à lei de finanças para 1998 (JORF de 31 de Dezembro de 1997, p. 19261), alterou, do seguinte modo, o artigo 298.° , 4-1.° , do code général des impôts:
«Não é dedutível o imposto sobre o valor acrescentado relativo a compras, importações, aquisições intracomunitárias, entregas e serviços relativos aos:
- [...]
- gasóleos utilizados como combustíveis mencionados no quadro B do artigo 265.° do code des douanes, utilizados para veículos e aparelhos excluídos do direito à dedução bem como para veículos e aparelhos tomados em locação, quando o locatário não puder deduzir o imposto relativo a esta locação, com excepção dos utilizados nos ensaios efectuados para os fins do fabrico de motores ou de aparelhos com motor;
[...]»
Matéria de facto e fase pré-contenciosa
8 Considerando que a reintrodução de uma exclusão do direito à dedução do IVA não era compatível com o artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva, a Comissão deu início ao processo por incumprimento, dirigindo, em 24 de Julho de 1998, à República Francesa, uma carta de notificação de incumprimento, convidando-a a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.
9 Em 30 de Outubro de 1998, as autoridades francesas responderam a esta carta de notificação de incumprimento, indicando que não subscreviam a posição da Comissão. As autoridades francesas sustentavam essencialmente que eram livres de modular o direito à dedução, desde que não agravassem a limitação existente na data de entrada em vigor da Sexta Directiva em relação à França, ou seja, em 1 de Janeiro de 1979.
10 A Comissão notificou um parecer fundamentado à República Francesa, em 19 de Julho de 1999.
11 As autoridades francesas não deram cumprimento ao parecer fundamentado no prazo fixado e, em 10 de Dezembro de 1999, enviaram uma resposta em que mantinham a sua posição.
12 Nestas circunstâncias, a Comissão intentou a presente acção.
O incumprimento imputado e a apreciação do Tribunal de Justiça
13 A Comissão sustenta que a legislação francesa em causa, ao reintroduzir uma exclusão do direito à dedução do IVA que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não direito à dedução, não é abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.° , n.° 6, da Sexta Directiva e que viola o artigo 17.° , n.° 2, da mesma. Com efeito, segundo a Comissão, o artigo 17.° , n.° 6, não permite a um Estado-Membro retomar, a posteriori, um regime derrogatório que foi abandonado, mesmo parcialmente, reintroduzindo uma exclusão total do direito à dedução do IVA sobre certas despesas. Contrariamente ao que as autoridades francesas sustentam, os Estados-Membros não têm poderes discricionários para adaptar e modular, segundo os seus próprios critérios, um regime derrogatório nacional apenas com a condição de não agravarem a situação existente no momento da entrada em vigor da Sexta Directiva.
14 Segundo o Governo francês, o artigo 17.° , n.° 6, da Sexta Directiva não constitui obstáculo a que um Estado-Membro altere exclusões existentes quando da entrada em vigor da referida directiva, desde que as alterações introduzidas não aumentem as taxas de exclusão para além da percentagem inicialmente fixada nem alarguem as exclusões existentes a categorias de bens ou de serviços não abrangidos no momento dessa entrada em vigor. A legislação em causa seria, portanto, compatível com a Sexta Directiva.
15 Além disso, o Governo francês sustenta que a alteração legislativa em causa foi introduzida por razões ambientais. Este governo alega ainda que a Comissão tinha sido informada das medidas anteriores tendo por efeito reduzir a taxa de IVA autorizada para o combustível em causa e que estas medidas não tinham dado origem a qualquer observação por parte da Comissão, o que teria levado a supor que as mesmas eram conformes à Sexta Directiva.
16 A este respeito, há que assinalar que, em conformidade com o acórdão hoje proferido, Comissão/França (C-345/99, Colect., p. I-0000, n.° 22), na medida em que a regulamentação de um Estado-Membro modifica, reduzindo-o, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva, o âmbito das exclusões existentes e se aproxima desta forma do objectivo da Sexta Directiva, há que considerar que esta regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.° , n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva e não viola o seu artigo 17.° , n.° 2.
17 Pelo contrário, há que considerar que uma regulamentação nacional não constitui uma derrogação permitida pelo artigo 17.° , n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva e viola o seu artigo 17.° , n.° 2, se tem por efeito alargar, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva, o âmbito das exclusões existentes, afastando-se assim do objectivo da mesma.
18 O mesmo acontece em relação a qualquer alteração posterior à entrada em vigor da Sexta Directiva, que alargue o âmbito das exclusões aplicáveis imediatamente antes da referida alteração.
19 Ora, é manifesto que a lei francesa controvertida, ao excluir totalmente um direito à dedução do IVA, introduz uma alteração que afasta a legislação francesa do objectivo da Sexta Directiva. É aqui irrelevante que a alteração não alargue o âmbito das exclusões aplicáveis quando da entrada em vigor da Sexta Directiva.
20 Assim, há que considerar que esta lei não está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.° , n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva e que viola o artigo 17.° , n.° 2, da mesma.
21 O argumento do Governo francês segundo o qual a legislação controvertida prossegue um objectivo ambiental não pode justificar tal legislação, contrária à Sexta Directiva.
22 O Governo francês pretende igualmente justificar a legislação em causa, assinalando que a Comissão se absteve de intervir contra a República Francesa quando de anteriores alterações legislativas reduzindo a taxa autorizada de dedução do IVA que onerava os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução.
23 A este respeito, há que assinalar que, em conformidade com uma jurisprudência constante, compete à Comissão apreciar a escolha do momento da propositura da acção por incumprimento (v., nomeadamente, acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha, C-317/92, Colect., p. I-2039, n.° 4).
24 Assim, verifica-se que, ao reintroduzir, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma supressão total do direito à dedução do IVA que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução, depois de o ter parcialmente concedido, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva.
Quanto às despesas
25 Por força do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
decide:
1) Ao reintroduzir, a partir de 1 de Janeiro de 1998, uma supressão total do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que onerou os gasóleos utilizados como combustíveis para veículos e aparelhos que não dão direito à dedução, depois de o ter parcialmente concedido, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.° , n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na versão resultante da Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação.
2) A República Francesa é condenada nas despesas.