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62000J0062

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 11 de Julho de 2002. - Marks & Spencer plc contra Commissioners of Customs & Excise. - Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) - Reino Unido. - Sexta Directiva IVA - Legislação nacional que reduz, com efeito retroactivo, um prazo de prescrição para o reembolso de quantias indevidamente cobradas - Compatibilidade com os princípios da efectividade e da protecção da confiança legítima. - Processo C-62/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-06325


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Actos das instituições - Directivas - Execução pelos Estados-Membros - Necessidade de garantir a eficácia das directivas - Obrigações dos órgãos jurisdicionais nacionais

[Tratado CE, artigos 5.° e 189.° , terceiro parágrafo (actuais artigos 10.° CE e 249.° , terceiro parágrafo, CE)]

2. Actos das instituições - Directivas - Efeito directo - Alcance - Não limitação aos casos de inexistência de transposição correcta ou de transposição incorrecta - Possibilidade de os particulares invocarem disposições com efeito directo em caso de aplicação imperfeita das medidas de transposição

[Tratado CE, artigo 189.° , terceiro parágrafo (actual artigo 249.° , terceiro parágrafo, CE)]

3. Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Reembolso de quantias pagas em violação de disposições com efeito directo - Prazo de prescrição - Redução com efeito retroactivo - Inadmissibilidade - Incompatibilidade com os princípios da efectividade e da protecção da confiança legítima

Sumário


1. A obrigação dos Estados-Membros, decorrente de uma directiva, de alcançar o resultado por esta previsto bem como o seu dever, por força do artigo 5.° do Tratado (actual artigo 10.° CE), de tomar todas as medidas gerais ou especiais aptas a assegurar a execução dessa obrigação impõem-se a todas as autoridades dos Estados-Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais. Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, em toda a medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir desta forma o artigo 189.° , terceiro parágrafo, do Tratado (actual artigo 249.° , terceiro parágrafo, CE).

( cf. n.° 24 )

2. Os particulares têm o direito de invocar perante os tribunais nacionais, contra o Estado, as disposições de uma directiva que se mostrem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, em todos os casos em que a sua plena aplicação não esteja efectivamente garantida, isto é, não apenas em caso de falta de transposição ou de transposição incorrecta desta directiva, mas também no caso em que as medidas nacionais que transpõem correctamente a referida directiva não são aplicadas de forma a atingir o resultado por ela prosseguido. Com efeito, a adopção de medidas nacionais que transpõem correctamente uma directiva não tem por consequência esgotar os seus efeitos e um Estado-Membro continua a estar obrigado a assegurar efectivamente a plena aplicação da directiva mesmo após a adopção destas medidas.

( cf. n.° 27 )

3. O princípio da efectividade e o princípio da protecção da confiança legítima opõem-se a uma legislação interna que reduz, com efeito retroactivo, o prazo dentro do qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas a título do imposto sobre o valor acrescentado quando tenham sido cobradas em violação de disposições da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, que têm efeito directo, como as do artigo 11.° , A, n.° 1, da referida directiva.

Com efeito, se o princípio da efectividade não se opõe a que uma legislação nacional reduza o prazo durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito comunitário, só assim é na condição não apenas de o novo prazo fixado apresentar um carácter razoável, mas também de esta nova legislação comportar um regime transitório que permita aos sujeitos jurídicos disporem de um prazo suficiente, após a sua adopção, para poderem apresentar os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação. Este regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a estes pedidos de um prazo de prescrição mais curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroactivamente do seu direito ao reembolso certos sujeitos jurídicos ou de só lhes deixar um prazo demasiado breve para invocarem esse direito.

Além disso, o princípio da protecção da confiança legítima opõe-se a que uma alteração da legislação nacional retire a um sujeito jurídico, com efeito retroativo, o direito, de que gozava antes da referida alteração, de obter o reembolso do imposto cobrado em violação de disposições da Sexta Directiva com efeito directo.

( cf. n.os 38, 46, 47, disp. )

Partes


No processo C-62/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Marks & Spencer plc

e

Commissioners of Customs & Excise,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, D. A. O. Edward e A. La Pergola (relator), juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Marks & Spencer plc, por D. Waelbroeck, avocat, e D. Milne, QC, mandatados inicialmente pela firma Walker Martineau e seguidamente pela firma Forbes Hall, solicitors,

- em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por K. P. E. Lasok, QC, e P. Mantle, barrister,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Oliver, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Marks & Spencer plc, do Governo do Reino Unido e da Comissão na audiência de 18 de Outubro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Janeiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 14 de Dezembro de 1999, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de Fevereiro de 2000, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) submeteu, nos termos do artigo 234._ CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido.

2 Esta questão suscitou-se no âmbito de um litígio que opõe a Marks & Spencer plc (a seguir «Marks & Spencer») aos Commissioners of Customs & Excise (a seguir «Commissioners»), competentes em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») no Reino Unido, a respeito do reembolso das quantias de IVA indevidamente pagas pela referida sociedade.

Enquadramento jurídico

A regulamentação comunitária

3 O artigo 11._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), dispõe:

«A. No território do país

1. A matéria colectável é constituída:

a) No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;

[...]»

A regulamentação nacional

4 Segundo as partes no processo principal e o tribunal de reenvio, o artigo 11._, A, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva só foi correctamente transposto no Reino Unido a partir de 1 de Agosto de 1992 nos termos do Finance (n._ 2) Act 1992 (Segunda Lei de Finanças de 1992), que alterou a Section 10(3) do Value Added Tax Act 1983 (Lei de 1983 sobre o IVA).

5 Esta última disposição passou a ter então a seguinte redacção:

«Se a contrapartida da entrega ou da prestação não consistir, no todo ou em parte, em dinheiro, o valor a tomar em consideração será o correspondente valor em dinheiro, acrescido do imposto devido.»

6 No que toca à legislação sobre o reembolso das quantias de IVA indevidamente cobradas, as disposições relevantes da Section 24 do Finance Act 1989 (Lei de Finanças de 1989) tinham a seguinte redacção (com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1990):

«1) Quando uma pessoa tenha pago um determinado montante aos Commissioners a título de imposto sobre o valor acrescentado que não era devido, os Commissioners estão obrigados a devolver-lhe esse montante.

2) Os Commissioners apenas estão obrigados a devolver um montante nos termos desta Section com base num pedido efectuado para esse efeito.

[...]

4) Não pode ser pedido qualquer montante ao abrigo desta Section após o termo dos seis anos subsequentes à data em que o montante foi pago, excepto se for aplicável a Subsection (5) infra.

5) Quando o pagamento de um montante aos Commissioners tenha sido feito por erro, o pedido de reembolso desse montante ao abrigo desta Section pode ser feito a qualquer momento antes do termo dos seis anos subsequentes à data em que o reclamante descobriu o erro ou poderia com razoável diligência tê-lo descoberto.

[...]

7) Excepto nos casos previstos nesta Section, os Commissioners não estão obrigados a devolver qualquer montante que lhes seja pago a título do imposto sobre o valor acrescentado pelo facto de o imposto não ser devido.

[...]»

7 A Section 24 do Finance Act 1989 foi revogada e substituída pela Section 80 do Value Added Tax Act 1994 (Lei de 1994 sobre o IVA), com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1994. As disposições relevantes da Section 80 têm redacção quase idêntica às da Section 24.

8 Em 18 de Julho de 1996, um membro do governo, Her Majesty's Paymaster General, anunciou no Parlamento que, tendo em conta o constante aumento dos riscos incorridos pelo Tesouro em razão dos pedidos de reembolso das quantias cobradas por erro a título dos impostos, o governo tinha a intenção de alterar, no Finance Bill 1997 (projecto de lei de finanças de 1997), o prazo de prescrição no que toca aos pedidos de reembolso respeitantes ao IVA e a outros impostos indirectos, reduzindo-o para três anos. Este novo prazo de prescrição deveria aplicar-se imediatamente aos pedidos em curso na data deste anúncio, a fim de evitar que a alteração legislativa prevista ficasse destituída de efeitos devido ao tempo decorrido antes do termo do processo parlamentar.

9 Em 4 de Dezembro de 1996, a Câmara dos Comuns aprovou as propostas orçamentais do governo, incluindo a proposta anunciada em 18 de Julho de 1996, que se tornou na Section 47 do Finance Bill 1997.

10 O Finance Act 1997 foi definitivamente aprovado em 19 de Março de 1997. A sua Section 47(1) altera a Section 80 do Value Added Tax Act 1994, revogando a sua Subsection (5) e alterando a Subsection (4), que passou a dispor, após esta alteração:

«Os Commissioners não estão obrigados, com base num pedido feito nos termos desta Section, a reembolsar qualquer montante que lhes tenha sido pago mais de três anos antes da apresentação do pedido.»

11 A Section 47(2) do Finance Act 1997 dispõe:

«[...] a Subsection (1) supra produz efeitos a partir de 18 de Julho de 1996, como disposição aplicável, para os fins da efectivação de qualquer reembolso nessa ou após essa data, a todos os pedidos feitos nos termos da Section 80 do Value Added Tax Act 1994, incluindo os pedidos feitos antes dessa data e os pedidos relativos a pagamentos feitos antes dessa data.»

Os factos e o processo na causa principal

12 A Marks & Spencer é uma sociedade de venda a retalho, estabelecida no Reino Unido e especializada na venda de produtos alimentares e de vestuário.

13 A Marks & Spencer vendia vales de compra a sociedades a um preço inferior ao do seu valor nominal. Os vales de compra eram seguidamente vendidos ou dados a terceiros, que podiam utilizá-los, entregando-os à Marks & Spencer a fim de receber em troca bens cujo preço era equivalente ao valor nominal destes vales.

14 Em Dezembro de 1990, a Marks & Spencer sustentou perante os Commissioners que devia declarar o IVA sobre as quantias que recebia pela venda dos vales e não sobre o seu valor nominal.

15 Em Janeiro de 1991, os Commissioners decidiram que a Marks & Spencer devia declarar o IVA sobre o valor nominal dos vales. A Marks & Spencer assim procedeu até que o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre essa questão no seu acórdão Argos Distributors, de 24 de Outubro de 1996 (C-288/94, Colect., p. I-5311). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 11._, A, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que, quando um fornecedor vende a um adquirente, com desconto, um vale com a promessa de o aceitar posteriormente pelo seu valor nominal para pagamento da totalidade ou de parte do preço de um produto comprado por um cliente que não é o adquirente do vale e que não conhece, em princípio, o preço real de venda desse vale pelo fornecedor, a contrapartida representada pelo vale é o montante realmente recebido pelo fornecedor pela venda do vale.

16 Na sequência do acórdão Argos Distributors, já referido, verificou-se que o regime do IVA aplicado pelos Commissioners aos vales de compra vendidos pela Marks & Spencer era incorrecto. Assim, por carta de 31 de Outubro de 1996, a Marks & Spencer apresentou-lhes um pedido de reembolso do IVA por si indevidamente pago em razão deste erro no que toca ao período decorrido do mês de Maio de 1991 ao mês de Agosto de 1996, ou seja, 2 638 057 GBP. Este pedido foi rectificado por cartas de 6 e 22 de Novembro de 1996.

17 Por ofício de 11 de Dezembro de 1996, os Commissioners indicaram que estavam dispostos a reembolsar a parte do IVA referente à venda dos vales de compra respeitante ao período que não era afectado pela introdução do prazo de prescrição de três anos que entrou em vigor em 18 de Julho de 1996. O reembolso correspondente, ou seja, a quantia de 1 913 462 GBP, foi efectuado a favor da Marks & Spencer em 15 de Janeiro de 1997.

18 A Marks & Spencer apresentou aos Commissioners reclamação da sua decisão de aplicar o prazo de prescrição de três anos ao seu pedido, mas estes indeferiram esta reclamação.

19 Em 15 de Abril de 1997, a Marks & Spencer impugnou essa decisão de indeferimento no VAT and Duties Tribunal, London (Reino Unido), que negou provimento a este recurso em 22 de Abril de 1998. A Marks & Spencer recorreu dessa decisão para a High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Crown Office) (Reino Unido), que julgou o seu recurso improcedente por decisão de 21 de Dezembro de 1998, de que a Marks & Spencer seguidamente interpôs recurso para a Court of Appeal.

20 Por acórdão de 14 de Dezembro de 1999, esta última negou provimento ao recurso interposto pela Marks & Spencer no que respeita ao reembolso do IVA indevidamente pago pela venda dos vales de compra no que se refere ao período decorrido do mês de Agosto de 1992 ao mês de Agosto de 1996, inclusive.

21 Considerando, em contrapartida, que a solução do litígio referente ao reembolso do IVA pago indevidamente pela venda dos vales de compra no período compreendido entre o mês de Maio de 1991 e Julho de 1992 dependia de uma interpretação do direito comunitário, a Court of Appeal decidiu não se pronunciar ainda sobre esse aspecto do litígio e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quando um Estado-Membro não tenha transposto correctamente para a sua legislação nacional o artigo 11._, A, da Directiva 77/388 do Conselho, é compatível com o princípio da eficácia dos direitos que um sujeito passivo do imposto retira do artigo 11._, A, ou com o princípio da protecção da confiança legítima, aplicar uma legislação que suprime com efeito retroactivo um direito, conferido pelo direito nacional, de pedir o reembolso das quantias pagas a título do IVA mais de três anos antes da apresentação do pedido?»

Quanto à questão prejudicial

22 A título liminar, há que referir que resulta do despacho de reenvio que a Court of Appeal considera que o artigo 11._, A, n._ 1, da Sexta Directiva é incondicional e suficientemente preciso e confere, assim, à Marks & Spencer direitos que pode invocar perante um tribunal nacional, mas unicamente no que respeita ao período de tempo no decurso do qual a referida disposição ainda não tinha sido correctamente transposta para o direito interno do Reino Unido, isto é, ao período anterior a 1 de Agosto de 1992. Foi por esta razão que o tribunal de reenvio limitou a sua questão ao caso em que um Estado-Membro não tenha transposto correctamente o artigo 11._, A, da Sexta Directiva.

23 Com efeito, o tribunal de reenvio fundou-se na premissa de que o facto de um Estado-Membro transpor correctamente para o seu direito interno as disposições de uma directiva, como as do artigo 11._, A, n._ 1, da Sexta Directiva, retira aos sujeitos jurídicos a possibilidade de invocar perante os órgãos jurisdicionais desse Estado-Membro os direitos que para eles eventualmente decorram destas disposições.

24 A este respeito, há que recordar em primeiro lugar que a obrigação dos Estados-Membros, decorrente de uma directiva, de alcançar o resultado por esta previsto bem como o seu dever, por força do artigo 5._ do Tratado CE (actual artigo 10._ CE), de tomar todas as medidas gerais ou especiais aptas a assegurar a execução dessa obrigação se impõem a todas as autoridades dos Estados-Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais (v., designadamente, acórdão de 26 de Setembro de 1996, Arcaro, C-168/95, Colect., p. I-4705, n._ 41). Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, em toda a medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir desta forma o artigo 189._, terceiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 249._, terceiro parágrafo, CE) (v., designadamente, acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect., p. I-4135, n._ 8, e de 16 de Dezembro de 1993, Wagner Miret, C-334/92, Colect., p. I-6911, n._ 20).

25 Seguidamente, há também que recordar que, segundo jurisprudência constante, em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, disposições de uma directiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar contra o Estado nos tribunais nacionais, quer quando este não fez a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na directiva, quer quando tenha feito uma transposição incorrecta (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker, 8/81, Recueil, p. 53, n._ 25; de 22 de Junho de 1989, Fratelli Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n._ 29, e de 1 de Junho de 1999, Kortas, C-319/97, Colect., p. I-3143, n._ 21).

26 Por último, resulta de jurisprudência constante que a transposição de uma directiva deve garantir efectivamente a sua plena aplicação (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 9 de Setembro de 1999, Comissão/Alemanha, C-217/97, Colect., p. I-5087, n._ 31, e de 16 de Novembro de 2000, Comissão/Grécia, C-214/98, Colect., p. I-9601, n._ 49).

27 Decorre do que antecede que a adopção de medidas nacionais que transpõem correctamente uma directiva não tem por consequência esgotar os seus efeitos e que um Estado-Membro continua a estar obrigado a assegurar efectivamente a plena aplicação da directiva mesmo após a adopção destas medidas. Portanto, os particulares têm o direito de invocar perante os tribunais nacionais, contra o Estado, as disposições de uma directiva que se mostrem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, em todos os casos em que a sua plena aplicação não esteja efectivamente garantida, isto é, não apenas em caso de falta de transposição ou de transposição incorrecta desta directiva, mas também no caso em que as medidas nacionais que transpõem correctamente a referida directiva não são aplicadas de forma a atingir o resultado por ela prosseguido.

28 Como referiu o advogado-geral no n._ 40 das suas conclusões, seria incompatível com a ordem jurídica comunitária que os particulares pudessem invocar uma directiva quando tenha sido transposta de forma incorrecta, ao passo que o não poderiam fazer quando a administração nacional aplica as medidas internas de transposição desta directiva em violação das suas disposições.

29 No que toca às disposições do artigo 11._, A, n._ 1, da Sexta Directiva, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional (acórdão de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colect., p. I-1883, n._ 35).

30 Ora, resulta de jurisprudência constante que o direito de obter o reembolso de imposições cobradas num Estado-Membro em violação das disposições do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos respectivos titulares pelas disposições comunitárias, tal como foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 2 de Fevereiro de 1988, Barra, 309/85, Colect., p. 355, n._ 17; BP Soupergaz, já referido, n._ 40; de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport, C-343/96, Colect., p. I-579, n._ 23, e de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n._ 84).

31 Decorre do conjunto das precedentes considerações que o facto de um Estado-Membro ter correctamente transposto para o seu direito interno as disposições do artigo 11._, A, n._ 1, da Sexta Directiva não retira aos sujeitos jurídicos a possibilidade de invocar, perante os órgãos jurisdicionais desse Estado, os direitos que para si decorrem destas disposições e, nomeadamente, o direito de obter o reembolso das quantias cobradas por um Estado-Membro em sua violação.

32 Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 234._ CE, compete a este dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Julho de 1997, Krüger, C-334/95, Colect., p. I-4517, n._ 22, e de 28 de Novembro de 2000, Roquette Frères, C-88/99, Colect., p. I-10465, n._ 18). Nesta óptica, compete, eventualmente, ao Tribunal de Justiça reformular a questão que lhe foi submetida (acórdãos, já referidos, Krüger, n._ 23, e Roquette Frères, n._ 18).

33 Portanto, há que entender a questão prejudicial como pretendendo essencialmente saber se o princípio da efectividade e o princípio da protecção da confiança legítima se opõem a uma legislação interna que reduz, com efeito retroactivo, o prazo dentro do qual pode ser requerido o reembolso das quantias pagas a título do IVA quando tenham sido cobradas em violação de disposições da Sexta Directiva que têm efeito directo, como as do artigo 11._, A, n._ 1, da referida directiva.

Quanto ao princípio da efectividade

34 Há que recordar a título liminar que, na falta de regulamentação comunitária em matéria de restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados, incumbe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos decorrem do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., nomeadamente, acórdão de 17 de Novembro de 1998, Aprile, C-228/96, Colect., p. I-7141, n._ 18, bem como os acórdãos, já referidos, Dilexport, n._ 25, e Metallgesellschaft e o., n._ 85).

35 No que se refere a este último princípio, o Tribunal de Justiça reconheceu a compatibilidade com o direito comunitário da fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a administração interessada (v. acórdão Aprile, já referido, n._ 19, e a jurisprudência aí referida). Com efeito, esses prazos não são susceptíveis de tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. A este respeito, um prazo nacional de caducidade de três anos a contar da data do pagamento controvertido afigura-se razoável (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Aprile, n._ 19, e Dilexport, n._ 26).

36 Além disso, resulta dos acórdãos, já referidos, Aprile (n._ 28) e Dilexport (n.os 41 e 42) que uma legislação nacional que reduz o prazo dentro do qual pode ser pedido o reembolso das quantias pagas em violação do direito comunitário é com este compatível dentro de certas condições. Por um lado, esta legislação não se deve destinar a limitar especificamente as consequências de um acórdão do Tribunal de Justiça do qual resulta ser incompatível com o direito comunitário uma legislação nacional referente a determinada imposição. Por outro lado, esta legislação deve, no que respeita às modalidades de aplicação no tempo, fixar um prazo suficiente para garantir a efectividade do direito à restituição. A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que uma legislação que não tenha efectivamente um carácter retroactivo respeita essa condição.

37 Ora, é em contrapartida forçoso considerar que não preenche esta última condição uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, que reduz de seis para três anos o período durante o qual pode ser pedido o reembolso das quantias indevidamente pagas a título do IVA, prevendo que este novo prazo se aplicará imediatamente a todos os pedidos apresentados após a data de adopção desta legislação, bem como aos pedidos apresentados entre esta última data e uma data anterior que constitui a data de entrada em vigor da referida legislação e ainda aos pedidos de reembolso apresentados antes desta data de entrada em vigor e ainda pendentes nessa data.

38 Com efeito, se o princípio da efectividade não se opõe a que uma legislação nacional reduza o prazo durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito comunitário, só assim é na condição não apenas de o novo prazo fixado apresentar um carácter razoável, mas também de esta nova legislação comportar um regime transitório que permita aos sujeitos jurídicos disporem de um prazo suficiente, após a sua adopção, para poderem apresentar os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação. Este regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a estes pedidos de um prazo de prescrição mais curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroactivamente do seu direito ao reembolso certos sujeitos jurídicos ou de só lhes deixar um prazo demasiado breve para invocarem esse direito.

39 Há que referir a este respeito que um Estado-Membro é obrigado, em princípio, a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário (acórdãos de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n._ 20, e Dilexport, já referido, n._ 23) e que embora o Tribunal tenha admitido, por derrogação a este princípio, a compatibilidade com o direito comunitário da fixação de prazos razoáveis durante os quais pode ser pedido este reembolso, fê-lo, como foi recordado no n._ 35 do presente acórdão, no interesse da segurança jurídica. Ora, a fim de cumprirem a sua função de garantir a segurança jurídica, os prazos de prescrição devem ser fixados previamente (acórdão de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969-1970, p. 447, n._ 19).

40 Portanto, uma legislação como a que está em causa no processo principal, cujo efeito retroactivo priva os sujeitos jurídicos de qualquer possibilidade de exercerem um direito de que anteriormente gozavam e que se refere ao reembolso das quantias por si pagas a título do IVA em violação de disposições da Sexta Directiva com efeito directo, deve ser considerada incompatível com o princípio da efectividade.

41 Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação do Governo do Reino Unido de que a adopção da legislação em causa no processo principal foi motivada pelo objectivo legítimo de encontrar um equilíbrio apropriado entre os interesses dos sujeitos jurídicos e os interesses colectivos, bem como de permitir ao Estado planificar as suas receitas e as suas despesas sem sofrer a perturbação causada por importantes dívidas não previstas.

42 Com efeito, embora semelhante objectivo possa justificar, como foi recordado no n._ 35 do presente acórdão, a fixação de prazos de recurso razoáveis sob pena de caducidade, não pode permitir a aplicação destes prazos em condições tais que deixaria de estar assegurada a salvaguarda dos direitos que foram conferidos aos sujeitos jurídicos pela ordem jurídica comunitária.

Quanto ao princípio da protecção da confiança legítima

43 O Governo do Reino Unido sustenta que o princípio da protecção da confiança legítima não releva num litígio como o do processo principal. Invoca a este respeito que a definição das modalidades processuais nos termos das quais um sujeito jurídico pode requerer o reembolso de quantias pagas por erro a título do IVA incumbe inteiramente ao direito interno, com a única ressalva do respeito dos princípios comunitários da equivalência e da efectividade. Segundo este governo, se o princípio da protecção da confiança legítima fosse aplicável no litígio na causa principal, sê-lo-ia apenas no sentido de que um sujeito jurídico tem o direito de obter que a sua reclamação seja examinada em conformidade com as modalidades processuais fixadas pelo direito interno, o que terá ocorrido no caso em apreço.

44 A este propósito, deve recordar-se que resulta de jurisprudência constante que o princípio da protecção da confiança legítima faz parte da ordem jurídica comunitária e deve ser respeitado pelos Estados-Membros quando dão execução às regulamentações comunitárias (v., neste sentido, acórdãos de 26 de Abril de 1988, Krücken, 316/86, Colect., p. 2213, n._ 22; de 1 de Abril de 1993, Lageder e o., C-31/91 a C-44/91, Colect., p. I-1761, n._ 33; de 3 de Dezembro de 1998, Belgocodex, C-381/97, Colect., p. I-8153, n._ 26, e de 8 de Junho de 2000, Schlossstrasse, C-396/98, Colect., p. I-4279, n._ 44).

45 Em especial, o Tribunal de Justiça já decidiu que o princípio da protecção da confiança legítima se opõe a que uma alteração da legislação nacional retire a um sujeito jurídico, com efeito retroactivo, um direito à dedução que tinha adquirido com fundamento na Sexta Directiva (acórdão Schlossstrasse, já referido, n._ 47).

46 Do mesmo modo, há que considerar que, numa situação como a do litígio na causa principal, o princípio da protecção da confiança legítima aplica-se e opõe-se a que uma alteração da legislação nacional retire a um sujeito jurídico, com efeito retroativo, o direito, de que gozava antes da referida alteração, de obter o reembolso do imposto cobrado em violação de disposições da Sexta Directiva com efeito directo.

47 À luz do conjunto das precedentes considerações, há que responder à questão submetida que o princípio da efectividade e o princípio da protecção da confiança legítima se opõem a uma legislação interna que reduz, com efeito retroactivo, o prazo dentro do qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas a título do IVA quando tenham sido cobradas em violação de disposições da Sexta Directiva que têm efeito directo, como as do artigo 11._, A, n._ 1, da referida directiva.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

48 As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), por despacho de 14 de Dezembro de 1999, declara:

O princípio da efectividade e o princípio da protecção da confiança legítima opõem-se a uma legislação interna que reduz, com efeito retroactivo, o prazo dentro do qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas a título do imposto sobre o valor acrescentado quando tenham sido cobradas em violação de disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, que têm efeito directo, como as do artigo 11._, A, n._ 1, da referida directiva.