Avis juridique important
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 21 de Março de 2002. - Kennemer Golf & Country Club contra Staatssecretaris van Financiën. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos. - Sexta Directiva IVA - Artigo 13.º, A, n.º 1, alínea m) - Operações isentas - Prestações ligadas à prática do desporto - Organismo sem fins lucrativos. - Processo C-174/00.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-03293
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1. Disposições fiscais Harmonização das legislações Impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado Isenções previstas pela Sexta Directiva Isenção de certas prestações de serviços que têm uma conexão estreita com a prática do desporto ou da educação física, fornecidas por organismos sem fins lucrativos às pessoas que praticam as referidas actividades Organismos sem fins lucrativos Conceito Condição facultativa que prevê a proibição de ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro Alcance
[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 13.° , A, n.° 1, alínea m), e n.° 2, alínea a), primeiro travessão]
2. Disposições fiscais Harmonização das legislações Impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado Prestações de serviços a título oneroso Conceito Colocação à disposição de instalações desportivas mediante pagamento de uma quotização anual fixa Inclusão
(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 2.° , n.° 1)
1. O artigo 13.° , A, n.° 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades, incluindo as que oferece em complemento dos serviços referidos por essa disposição.
A referida qualificação pode ocorrer mesmo se este organismo procura sistematicamente gerar excedentes desde que estes lucros não sejam distribuídos aos seus membros, mas sejam afectados à execução das suas prestações. A primeira parte da condição facultativa consagrada no artigo 13.° , A, n.° 2, alínea a), primeiro travessão, da directiva, que prevê que os organismos em questão não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro, deve ser interpretada da mesma forma.
( cf. n.os 21-22, 28, 35, disp. 1-2 )
2. O artigo 2.° , n.° 1, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, por força do qual estão sujeitas ao imposto as prestações de serviços efectuadas «a título oneroso», deve ser interpretado no sentido de que as quotizações anuais fixas dos membros de uma associação desportiva são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros que não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações da associação são, ainda assim, obrigados a pagar a sua quotização anual. Existe, com efeito, um nexo directo entre as quotizações dos membros e as prestações fornecidas pela associação, visto que estas prestações consistem na disponibilização aos membros, com carácter permanente, das instalações desportivas e das vantagens a elas inerentes, e não em prestações pontuais efectuadas a pedido destes.
( cf. n.os 40, 42, disp. 3 )
No processo C-174/00,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Kennemer Golf & Country Club
e
Staatssecretaris van Financiën,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, S. von Bahr e C. W. A. Timmermans, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: L. Hewlett, administrador,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, na qualidade de agente,
- em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente,
- em representação do Governo do Reino Unido, por G. Amodeo, na qualidade de agente, assistida por A. Robertson, barrister,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. M. H. Speyart e K. Gross, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações do Governo do Reino Unido, representado por R. Magrill, na qualidade de agente, assistida por A. Robertson, e da Comissão, representada por H. van Vliet, na qualidade de agente, na audiência de 26 de Setembro de 2001,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 2001,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 3 de Maio de 2000, entrada no Tribunal de Justiça em 9 de Maio seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden submeteu, nos termos do artigo 234._ CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Kennemer Golf & Country Club (a seguir «Kennemer Golf») ao Staatssecretaris van Financiën, a respeito do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») a que a Kennemer Golf está sujeita em resultado de algumas prestações que efectuou no contexto da prática do golfe.
Enquadramento jurídico
A regulamentação comunitária
3 O artigo 2._ da Sexta Directiva dispõe:
«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:
1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;
2. As importações de bens.»
4 O artigo 4._, n._ 1, da Sexta Directiva prevê:
«Por `sujeito passivo' entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n._ 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.»
5 Nos termos do artigo 13._, A, n._ 1, da Sexta Directiva:
«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:
[...]
m) Certas prestações de serviços estreitamente conexas com a prática do desporto ou da educação física, efectuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que praticam o desporto ou a educação física;
[...]»
6 O n._ 2 dessa mesma disposição tem a seguinte redacção:
«a) Os Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n ._ 1 à observância de uma ou mais das seguintes condições:
- os organismos em questão não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro; os eventuais lucros não devem em caso algum ser distribuídos, devendo antes ser destinados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;
[...]»
A regulamentação nacional
7 Nos termos do artigo 11._, n._ 1, da Wet op de omzetbelasting 1968 (Lei de 1968 relativa ao imposto sobre o volume de negócios, Staatsblad 1968, n._ 329), de 28 de Junho de 1968:
«São isentos de imposto, nas condições fixadas por regulamento da Administração Pública [...]:
[...]
e. os serviços prestados aos seus associados por organismos que tenham como finalidade a prática ou a promoção do desporto, excepto [...];
f. as entregas de bens e as prestações de serviços de carácter social e cultural designadas por regulamento da Administração Pública, desde que o promotor não prossiga fins lucrativos e daí não resulte uma grave distorção da concorrência relativamente aos empresários que prosseguem fins lucrativos.»
8 O regulamento da Administração Pública mencionado no n._ 1 da lei referida no número anterior é o Uitvoeringsbesluit omzetbelasting 1968 (regulamento de execução de 1968 relativo ao imposto sobre o volume de negócios, Staatsblad 1968, n._ 423), de 12 de Agosto de 1968. Este regulamento dispõe, no artigo 7._, n._ 1, e no anexo B, que são consideradas entregas de bens e prestações de serviços isentas, nomeadamente:
«b. as entregas de bens e as prestações de serviços [com carácter social e cultural] efectuadas enquanto tais pelos organismos a seguir enumerados, desde que não prossigam fins lucrativos:
[...]
21. os organismos cuja actividade consiste em permitir a prática do desporto, apenas em relação a esta prestação».
O litígio no processo principal e as questões prejudiciais
9 A Kennemer Golf é uma associação de direito neerlandês com cerca de 800 membros. De acordo com os seus estatutos, tem como objecto social a prática e a promoção do desporto e do jogo, em especial o golfe. Para o efeito, possui, no território do município de Zandvoort (Países Baixos), instalações que compreendem, designadamente, um campo de golfe e um edifício onde funciona o clube.
10 Os membros da Kennemer Golf pagam uma quotização anual, bem como uma jóia, e devem subscrever um empréstimo obrigacionista sem juros emitido pela Kennemer Golf.
11 Para além da utilização das instalações pelos membros da Kennemer Golf, as pessoas que não são membros podem utilizar o campo e as instalações anexas, mediante o pagamento de uma entrada diária. Resulta dos autos que a Kennemer Golf aufere, desta forma, verbas relativamente importantes, que ascendem a cerca de um terço dos montantes pagos pelos membros a título das quotizações anuais.
12 Durante os anos que precederam o exercício fiscal de 1994, a Kennemer Golf encerrou as contas das perdas e ganhos com um saldo positivo, que foi em seguida contabilizado como fundo de reserva a título de provisão para despesas não anuais. O mesmo aconteceu em relação ao exercício em causa no processo principal, a saber, o exercício de 1994.
13 Por entender que as prestações efectuadas às pessoas que não são membros da Kennemer Golf estavam isentas de IVA nos termos do artigo 11._, n._ 1, alínea f), da Wet op de omzetbelasting 1968 e do artigo 7._, n._ 1, assim como do anexo B, parte b), ponto 21, do Uitvoeringsbesluit omzetbelasting 1968, a Kennemer Golf não pagou, relativamente ao exercício fiscal de 1994, qualquer IVA sobre as referidas prestações. Todavia, a Administração Fiscal considerou que a Kennemer Golf prosseguia, na realidade, fins lucrativos e procedeu à liquidação a posteriori do IVA sobre essas prestações.
14 Uma vez que a reclamação apresentada pela Kennemer Golf contra esta decisão foi indeferida pela Administração Fiscal, aquela interpôs recurso para o Gerechtshof te Amsterdam (Países Baixos). Este negou provimento ao recurso interposto, com o fundamento de que, se a Kennemer Golf realizava benefícios de forma sistemática, existia uma presunção de que procurava gerar excedentes de exploração e prosseguia fins lucrativos.
15 A Kennemer Golf recorreu do acórdão do Gerechtshof te Amsterdam para o Hoge Raad der Nederlanden. Este último, por considerar que a resolução do litígio dependia da interpretação das disposições nacionais em matéria de IVA à luz das disposições correspondentes da Sexta Directiva, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) a) Para determinar se um organismo prossegue fins lucrativos na acepção do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva, há que ter em conta exclusivamente os resultados dos serviços referidos nesta disposição ou devem também tomar-se em consideração os resultados de outras prestações que o organismo fornece em paralelo?
b) Caso, relativamente ao fim lucrativo, se devam ter exclusivamente em conta os serviços prestados pelo organismo na acepção do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva e não o resultado global do organismo, devem ter-se em conta exclusivamente as despesas directamente geradas por estes serviços ou também uma parte das outras despesas do organismo?
2) a) Existe um nexo directo - na acepção, designadamente, do acórdão de 8 de Março de 1988, Apple and Pear Development Council (102/86, Colect., p. 1443) - no que respeita às quotizações pagas a uma associação que, em conformidade com o seu objecto social, possibilita aos seus membros a prática de um desporto num quadro associativo e, em caso de resposta negativa a esta questão, deve esta associação ser considerada sujeito passivo na acepção do artigo 4._, n._ 1, da Sexta Directiva, na medida em que também fornece prestações pelas quais aufere efectivamente uma contraprestação directa?
b) Mesmo na falta de nexo directo entre as diversas prestações da associação em benefício dos seus membros e a quotização por estes paga, devem tomar-se em conta, entre as receitas de um organismo constituído sob a forma de uma associação que devem ser tidas em conta para determinar a existência do fim lucrativo a que se refere a primeira questão, o conjunto das quotizações anuais dos membros aos quais a associação permite, em conformidade com os seus estatutos, praticar o desporto?
3) A circunstância de ser à execução das suas prestações, que consistem em permitir a prática de uma disciplina desportiva na acepção do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva, que um organismo afecta os excedentes de exploração que sistematicamente procura obter permite concluir que não prossegue qualquer fim lucrativo na acepção desta disposição? Ou só se pode chegar a esta conclusão se os excedentes de exploração afectados da forma antes referida forem acidentais e não procurados sistematicamente? Para responder a estas questões, há também que ter em conta a disposição do artigo 13._, A, n._ 2, [alínea a),] primeiro travessão, da Sexta Directiva e, na afirmativa, em que sentido se deve interpretar esta disposição; mais precisamente: há que ler na segunda parte desta disposição, após os termos `eventuais lucros', o termo `sistemáticos' ou a expressão `ainda que meramente acidentais'?»
Quanto à primeira questão
16 Com a sua primeira questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se o artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» dever ser efectuada tendo em consideração apenas as prestações referidas nesta disposição ou o conjunto das actividades do organismo.
17 Segundo o Governo neerlandês, há que ter como referência as prestações específicas contempladas nesta disposição da Sexta Directiva. Caso contrário, poder-se-á dar azo a resultados desrazoáveis e encorajar fraudes ou abusos. Esta abordagem é conforme com o espírito do sistema comum do IVA, que tem invariavelmente em vista uma operação concreta e não a pessoa do prestador.
18 A este propósito, importa sublinhar que, tal como afirmaram o Governo do Reino Unido e a Comissão, resulta da letra do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva que este visa expressamente certas «prestações [...] efectuadas por organismos sem fins lucrativos» e que nenhuma das versões linguísticas desta disposição tem uma redacção que, pela sua ambiguidade, possa dar a entender que a expressão «sem fins lucrativos» se refere às prestações e não aos organismos.
19 Por outro lado, o conjunto das isenções enumeradas no artigo 13._, A, n._ 1, alíneas h) a p), da Sexta Directiva diz respeito a organismos que actuam no interesse público num sector social, cultural, religioso e desportivo ou num sector análogo. O seu objectivo consiste, assim, em conceder um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a determinados organismos cujas actividades são orientadas para fins distintos dos fins comerciais.
20 A interpretação invocada pelo Governo neerlandês, segundo a qual deve atender-se apenas às prestações efectuadas em prossecução dos fins supramencionados, teria como consequência, conforme sublinhou o advogado-geral no n._ 23 das suas conclusões, que as empresas comerciais, que normalmente prosseguem fins lucrativos, também poderiam, em princípio, solicitar a isenção do IVA quando efectuassem, a título excepcional, prestações que pudessem ser qualificadas como «sem fins lucrativos». Contudo, semelhante resultado não seria compatível nem com a letra nem com o objectivo da disposição em causa no processo principal.
21 Assim, se a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração esse organismo e não as prestações que efectua nos termos do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva, daqui decorre que, para determinar se tal organismo preenche as condições impostas por esta disposição, se deve atender ao conjunto das suas actividades, incluindo as que oferece em complemento dos serviços nela referidos.
22 Por conseguinte, a resposta a dar à primeira questão, alínea a), é a de que o artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades.
23 Tendo em conta esta resposta, não é necessário responder à primeira questão, alínea b).
Quanto à terceira questão
24 Com a sua terceira questão, que convém examinar antes da segunda questão dado o vínculo estreito que a liga à primeira, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se o artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva, em conjugação com o n._ 2, alínea a), primeiro travessão, desta disposição, deve ser interpretado no sentido de um organismo poder ser qualificado como «sem fins lucrativos», ainda que procure sistematicamente gerar excedentes que depois afecta à execução das suas prestações.
25 Enquanto os Governos finlandês e do Reino Unido, bem como a Comissão, sustentam que é necessário ter em consideração o facto de o organismo em questão procurar o lucro, e não a circunstância de o realizar, ainda que de forma habitual, o Governo neerlandês defende que a isenção de IVA não deve ser concedida quando os lucros são realizados de forma sistemática. A isenção só é aplicável no caso de excedentes realizados de forma ocasional ou meramente acidental.
26 A este propósito, cumpre referir, a título preliminar, que resulta do artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva que a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos», na acepção desta disposição, deve ser efectuada à luz da finalidade por ele prosseguida, a saber, o organismo em causa não deve ter como objectivo gerar lucros a favor dos membros, contrariamente à finalidade de uma empresa comercial [v., a propósito da isenção prevista no artigo 13._, A, n._ 1, alínea n), da Sexta Directiva, o acórdão proferido nesta data, Zoological Society of London, C-267/00, ainda não publicado na Colectânea, n._ 17]. O facto de a finalidade do organismo susceptível de beneficiar de isenção do IVA constituir o critério de apreciação para a concessão desta vantagem é claramente corroborado pela maioria das outras versões linguísticas do referido artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), nas quais se menciona expressamente que o organismo deve ser desprovido de fins lucrativos [v., para além da versão francesa («sans but lucratif»), as versões alemã - «Gewinnstreben» -, neerlandesa - «winst oogmerk» -, italiana - «senza scopo lucrativo» - e espanhola - «sin fin lucrativo» -].
27 Cabe às instâncias nacionais competentes na matéria determinar, à luz do objecto estatutário do organismo em causa e das circunstâncias de um caso concreto, se um organismo cumpre as exigências que lhe permitem ser qualificado como organismo «sem fins lucrativos».
28 Uma vez verificado ser esse o caso, o facto de um organismo realizar ulteriormente benefícios, ainda que tente obtê-los ou os gere de forma sistemática, não é susceptível de pôr em causa a qualificação inicial do organismo, enquanto esses benefícios não forem distribuídos a título de lucros aos membros. Evidentemente que o artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva não proíbe os organismos visados por esta disposição de encerrarem o seu exercício com um saldo positivo. Caso contrário, como foi referido em especial pelo Governo do Reino Unido, tais organismos seriam incapazes de criar reservas destinadas a pagar a manutenção e as melhorias futuras das suas instalações.
29 O órgão jurisdicional de reenvio tem, além disso, dúvidas no que se refere à questão de saber se esta interpretação pode ser mantida nos casos em que um organismo procura sistematicamente a obtenção de excedentes. Remete, a este propósito, para o artigo 13._, A, n._ 2, alínea a), primeiro travessão, da Sexta Directiva, que parece recusar a isenção de IVA aos organismos que procuram sistematicamente realizar lucros.
30 Em relação a esta última disposição, importa desde logo referir que enuncia uma condição facultativa que os Estados-Membros podem livremente impor de forma suplementar à concessão de determinadas isenções previstas no artigo 13._, A, n._ 1, da Sexta Directiva, entre as quais figura a isenção da alínea m) dessa mesma disposição, a que se refere o processo principal. O legislador neerlandês parece exigir o respeito desta condição facultativa para a concessão do benefício da referida isenção.
31 Relativamente à interpretação da referida condição facultativa, o Governo neerlandês alega que a isenção deve ser recusada sempre que um organismo procure sistematicamente a obtenção de excedentes. Os Governos finlandês e do Reino Unido, bem como a Comissão, consideram, no entanto, que a procura sistemática do lucro não é um factor decisivo quando resulta quer das circunstâncias do caso concreto quer do tipo de actividade efectivamente exercida pelo organismo em causa que este último actua em conformidade com o seu objectivo estatutário e que este é desprovido de fins lucrativos.
32 A este propósito, há que destacar que a primeira condição prevista no artigo 13._, A, n._ 2, alínea a), primeiro travessão, da Sexta Directiva, a saber, a proibição de um determinado organismo ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro, tem em vista, na versão francesa da mesma disposição, claramente o «profit», enquanto as outras duas condições aí enunciadas, ou seja, a proibição de distribuição dos lucros e a exigência de uma afectação destes à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas, se referem a «bénéfices».
33 Embora esta distinção não exista em todas as outras versões linguísticas da Sexta Directiva, é corroborada pelo objectivo das disposições do artigo 13._, A, da mesma. Com efeito, conforme sublinhou o advogado-geral nos n.os 57 a 61 das suas conclusões, não são os resultados, na acepção de excedentes obtidos no final de um exercício, que impedem que um organismo seja qualificado como «sem fins lucrativos», mas sim os lucros, na acepção de vantagens pecuniárias a favor dos membros. Consequentemente, conforme alegou também a Comissão, a condição enunciada no artigo 13._, A. n._ 2, alínea a), primeiro travessão, da Sexta Directiva confunde-se, no essencial, com o critério do organismo sem fins lucrativos tal como consagrado no artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da mesma.
34 O Governo neerlandês defende que semelhante interpretação não atende ao facto de o artigo 13._, A, n._ 2, alínea a), primeiro travessão, enquanto condição suplementar, dever necessariamente ter um conteúdo mais abrangente do que a disposição de base. A este propósito, basta salientar que aquela condição não se refere apenas ao artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva, mas também a um grande número de outras isenções obrigatórias cujo conteúdo é diferente.
35 Por conseguinte, a resposta a dar à terceira questão é a de que o artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um organismo pode ser qualificado como «sem fins lucrativos», ainda que procure sistematicamente gerar excedentes que depois afecta à execução das suas prestações. A primeira parte da condição facultativa consagrada no artigo 13._, A, n._ 2, alínea a), primeiro travessão, da Sexta Directiva deve ser interpretada da mesma forma.
Quanto à segunda questão
36 Com a primeira parte da segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se o artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva podem constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros que não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações da associação são, ainda assim, obrigados a pagar a sua quotização anual.
37 O órgão jurisdicional de reenvio refere, neste contexto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial o n._ 12 do acórdão Apple and Pear Development Council, já referido, no qual o Tribunal de Justiça declarou que a noção de prestação de serviços efectuada a título oneroso nos termos do artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva pressupõe a existência dum nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida. O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a existência deste nexo directo em circunstâncias como as do processo principal.
38 Segundo o Governo neerlandês, em circunstâncias como as do processo principal, não existe um nexo directo entre a quotização dos membros da associação e as prestações que esta efectua. O artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva, com a interpretação que lhe é dada pelo Tribunal de Justiça, exige que um determinado serviço seja remunerado directamente, o que não acontece quando alguns membros de um clube desportivo não utilizam as prestações que este oferece e, no entanto, pagam a sua quotização anual.
39 A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (acórdãos Apple and Pear Development Council, já referido, n.os 11 e 12, e de 3 de Março de 1994, Tolsma, C-16/93, Colect., p. I-743, n._ 13). Assim, uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário (acórdão Tolsma, já referido, n._ 14).
40 No processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, segundo alega a Comissão, a circunstância de a quotização anual ser fixa e não poder ser associada a cada utilização pessoal do campo de golfe em nada altera o facto de se transaccionarem prestações recíprocas entre os membros de uma associação desportiva, como a que está em causa no processo principal, e a própria associação. Com efeito, as prestações da associação são constituídas pela disponibilização aos membros, com carácter permanente, das instalações desportivas e das vantagens a elas inerentes, e não por prestações pontuais efectuadas a pedido destes. Existe, assim, um nexo directo entre as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva, como a que está em causa no processo principal, e as prestações que esta efectua.
41 Por outro lado, tal como sustenta acertadamente o Governo do Reino Unido, a abordagem defendida pelo Governo neerlandês teria por consequência permitir que a quase totalidade dos prestadores de serviços escapassem ao IVA, mediante o recurso a preços fixos, e afastassem, assim, os princípios de tributação que constituem o fundamento do sistema comum do IVA instituído pela Sexta Directiva.
42 Por conseguinte, a resposta a dar à primeira parte da segunda questão, alínea a), é a de que o artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva, como a que está em causa no processo principal, são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros que não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações da associação são, ainda assim, obrigados a pagar a sua quotização anual.
43 Tendo em conta esta resposta, deixa de ser necessário responder à segunda parte da alínea a) da segunda questão e à alínea b) da mesma.
Quanto às despesas
44 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, finlandês e do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por decisão de 3 de Maio de 2000, declara:
1) O artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades.
2) O artigo 13._, A, n._ 1, alínea m), da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretado no sentido de que um organismo pode ser qualificado como «sem fins lucrativos», ainda que procure sistematicamente gerar excedentes que depois afecta à execução das suas prestações. A primeira parte da condição facultativa consagrada no artigo 13._, A, n._ 2, alínea a), primeiro travessão, da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretada da mesma forma.
3) O artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretado no sentido de que as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva, como a que está em causa no processo principal, são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros que não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações da associação são, ainda assim, obrigados a pagar a sua quotização anual.