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Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Setembro de 2003. - Bosal Holding BV contra Staatssecretaris van Financiën. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos. - Liberdade de estabelecimento - Fiscalidade - Imposto sobre os lucros das sociedades - Limitação da dedutibilidade, num Estado-Membro, dos encargos relacionados com a participação de uma sociedade-mãe em sociedades filiais estabelecidas noutros Estados-Membros - Coerência do sistema fiscal. - Processo C-168/01.
Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-09409
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Aproximação das legislações - Regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades filiais de Estados-Membros diferentes - Directiva 90/435 - Encargos de participação de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro no capital das suas filiais estabelecidas noutros Estados-Membros - Dedutibilidade sujeita à condição de contribuir para a realização de lucros tributáveis no primeiro Estado-Membro - Inadmissibilidade à luz do artigo 52.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE)
[Tratado CE, artigo 52.° (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE); Directiva 90/435 do Conselho]
$$A Directiva 90/435 relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes, interpretada à luz do artigo 52.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), opõe-se a uma disposição nacional que, na determinação do imposto sobre os lucros de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro, sujeita a dedutibilidade dos encargos relacionados com a participação desta no capital de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro à condição de esses encargos servirem indirectamente para a realização de lucros tributáveis no Estado-Membro de estabelecimento da sociedade-mãe.
( cf. n.° 43, disp. )
No processo C-168/01,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Bosal Holding BV
e
Staatssecretaris van Financiën,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), e da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: M. Wathelet, presidente de secção, C. W. A. Timmermans, D. A. O. Edward (relator), P. Jann e S. von Bahr, juízes,
advogado-geral: S. Alber,
secretário: D. Louterman-Hubeau, chefe de divisão,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação da Bosal Holding BV, por F. C. de Hosson, advocaat,
- em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,
- em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, e R. Singh, QC,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e H. van Vliet, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Bosal Holding BV, representada por F. C. de Hosson, do Governo neerlandês, representado por H. G. Sevenster, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, R. Singh e M. Hoskins, barrister, e da Comissão, representada por R. Lyal e H. van Vliet, na audiência de 11 de Julho de 2002,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Setembro de 2002,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 11 de Abril de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Abril seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden submeteu, ao abrigo do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), e da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6, a seguir «directiva»).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Bosal Holding BV (a seguir «Bosal»), sociedade de responsabilidade limitada («besloten vennootschap») estabelecida nos Países Baixos, ao inspector do Belastingdienst/Grote ondernemingen Arnhem (serviço dos impostos de Arnhem/grandes empresas, a seguir «inspector»), devido à recusa deste último em admitir a dedutibilidade dos lucros tributáveis daquela sociedade, no que respeita ao exercício fiscal de 1993, no valor de 3 969 339 NLG, correspondente ao montante dos encargos relacionados com as suas participações nas filiais estabelecidas noutros Estados-Membros.
Enquadramento jurídico
Regulamentação comunitária
3 Nos termos do artigo 52.° , primeiro parágrafo, do Tratado:
«No âmbito das disposições seguintes, suprimir-se-ão gradualmente, durante o período de transição, as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta supressão progressiva abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro.»
4 O artigo 58.° , primeiro parágrafo, do Tratado dispõe:
«As sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade são, para efeitos do disposto no presente capítulo, equiparadas às pessoas singulares, nacionais dos Estados-Membros.»
5 A directiva dispõe, no seu terceiro considerando:
«Considerando que as disposições fiscais que regem actualmente as relações entre sociedades-mães e afiliadas de Estados-Membros diferentes variam sensivelmente de uns Estados-Membros para os outros e são, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades-mães e afiliadas de um mesmo Estado-Membro; que, por esse facto, a cooperação entre sociedades de Estados-Membros diferentes é penalizada em comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado-Membro; que se torna necessário eliminar essa penalização através da instituição de um regime comum e facilitar assim os agrupamentos de sociedades à escala comunitária.»
6 O artigo 1.° da directiva prevê:
«1. Os Estados-Membros aplicarão a presente directiva:
- à distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado e provenientes das suas afiliadas de outros Estados-Membros,
- à distribuição dos lucros efectuada por sociedades desse Estado a sociedades de outros Estados-Membros, de que aquelas sejam afiliadas.
2. A presente directiva não impede a aplicação das disposições nacionais ou convencionais necessárias para evitar fraudes e abusos.»
7 O artigo 4.° da directiva tem a seguinte redacção:
«1. Sempre que uma sociedade-mãe receba, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade-mãe:
- ou se abstém de tributar esses lucros,
- ou os tributa, autorizando esta sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros e, se for caso disso, o montante da retenção na fonte efectuada pelo Estado-Membro da residência [da] afiliada nos termos das disposições derrogatórias do artigo 5.° , dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente.
2. Todavia, todos os Estados-Membros conservam a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação e as menos-valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade-mãe. Se, nesse caso, as despesas de gestão relativas à participação forem fixadas de modo forfetário, o montante forfetário não pode exceder 5 % dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada.
3. O disposto no n.° 1 aplica-se até à data de aplicação efectiva de um sistema comum de imposto de sociedades.
O Conselho adoptará em tempo útil as disposições aplicáveis a partir da data referida no primeiro parágrafo.»
Legislação nacional
8 O artigo 13.° , n.° 1, da Wet op de vennootschapsbelasting 1969 (lei de 1969 relativa ao imposto sobre as sociedades, versão de 1993, a seguir «Lei de 1969») prevê:
«Na determinação do lucro, excluem-se os benefícios e os encargos relacionados com participações, salvo se resultar que os referidos encargos servem indirectamente para realizar lucros tributáveis nos Países Baixos (isenção das participações). Consideram-se, em qualquer caso, encargos relacionados com as participações os juros e despesas de empréstimos contraídos nos seis meses anteriores à aquisição da participação, salvo se for manifesto que os empréstimos foram contraídos com uma finalidade distinta da aquisição da participação.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
9 A Bosal é uma sociedade que se dedica a actividades de gestão de participações próprias, de financiamento, de concessão de licenças e de royalties, que, enquanto contribuinte, está sujeita ao imposto sobre as sociedades nos Países Baixos. Relativamente ao exercício de 1993, declarou encargos que ascendem a 3 969 339 NLG, relacionados com o financiamento das suas participações em sociedades estabelecidas em nove outros Estados-Membros. Num anexo à sua declaração respeitante ao referido exercício, a Bosal requereu que esses encargos fossem deduzidos dos seus próprios lucros.
10 O inspector recusou a dedução solicitada e o Gerechtshof te Arnhem (Países Baixos), para o qual a Bosal interpôs recurso do indeferimento da sua reclamação, confirmou a posição do inspector. Foi nestas condições que a Bosal recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.
11 Considerando que é necessária uma interpretação do direito comunitário para a solução do litígio nele pendente, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O artigo 52.° , em conjugação com o artigo 58.° do Tratado CE [...], ou outra disposição de direito comunitário opõem-se a que um Estado-Membro conceda a uma sociedade-mãe, sujeita a tributação nesse Estado-Membro, uma dedução dos encargos relacionados com uma participação que detém numa filial estabelecida noutro Estado-Membro unicamente se a respectiva filial obtiver lucros sujeitos a imposto no Estado-Membro em que a sociedade-mãe está estabelecida?
2) É relevante, para a resposta à primeira questão, saber se, no caso de a filial estar sujeita a imposto sobre os lucros no Estado-Membro em causa, mas não a sociedade-mãe, esse Estado-Membro tem ou não em conta os referidos encargos na tributação da sociedade filial?»
Quanto às questões prejudiciais
12 Com estas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito comunitário se opõe a uma disposição nacional que, na determinação do imposto sobre os lucros de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro, sujeita a dedutibilidade dos encargos relacionados com a participação desta no capital de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro à condição de esses encargos servirem indirectamente para a realização de lucros tributáveis no Estado-Membro de estabelecimento da sociedade-mãe.
13 A título liminar, importa referir que resulta das observações escritas do Governo neerlandês que a dedutibilidade dos encargos previstos no artigo 13.° , n.° 1, da Lei de 1969, relativamente ao lucro tributável da sociedade-mãe, depende unicamente da questão de saber se esses encargos «servem indirectamente» para a realização de lucros tributáveis nos Países Baixos, sem que dessa forma se exija que esses lucros sejam realizados pelas próprias filiais estabelecidas nesse Estado-Membro ou no estrangeiro, mas que disponham de um estabelecimento estável neste último. Uma sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos tem, deste modo, o direito de deduzir dos seus lucros tributáveis nesse Estado os encargos relacionados com o financiamento das suas participações em filiais, elas próprias estabelecidas neste Estado, ou em filiais estabelecidas noutros Estados-Membros, mas que disponham de um estabelecimento estável nos Países Baixos.
14 O Hoge Raad der Nederlanden refere que a sujeição da dedutibilidade dos referidos encargos à condição de servirem para a realização de lucros tributáveis no Estado de estabelecimento da sociedade-mãe constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento, por poder ter uma influência negativa na decisão de uma sociedade-mãe de constituir uma filial noutro Estado-Membro. No entanto, aquele órgão questiona-se sobre se tal obstáculo é susceptível de justificação em função da necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal neerlandês.
15 Aquele órgão jurisdicional indica, a este respeito, que o tratamento dos encargos de participação em relação aos lucros tributáveis carece de coerência, por três razões. Em primeiro lugar, estes encargos podem ser deduzidos dos lucros da sociedade-mãe neerlandesa, sem que seja tomada em consideração a importância dos lucros da filial, mesmo que esta não tenha obtido lucros durante o ano em causa. Em seguida, quando a filial realiza lucros, mas a sociedade-mãe não os realiza, os encargos de participação não têm qualquer influência, de um ponto de vista global, na tributação dos lucros da filial. Por último, os encargos de participação que servem indirectamente para realizar lucros tributáveis nos Países Baixos não são dedutíveis se esses lucros forem realizados por uma filial neerlandesa de uma sociedade-mãe estrangeira.
16 A Bosal considera que, ao permitir a dedução dos encargos apenas quando estes são utilizados para a realização de lucros tributáveis nos Países Baixos, a Lei de 1969 restringe o exercício da liberdade de estabelecimento, pois penaliza a criação de filiais noutro Estado-Membro. Assim, a faculdade reconhecida aos Estados-Membros pela directiva, de não admitir a dedutibilidade dos encargos de participação no capital de uma filial, não pode limitar-se às participações em filiais que não geram lucros tributáveis no Estado-Membro de estabelecimento da sociedade-mãe, devendo aplicar-se a todas as participações, mesmo que estas produzam, directa ou indirectamente, lucros tributáveis no referido Estado-Membro.
17 Ao invés, os Governos neerlandês e do Reino Unido e a Comissão consideram que a Lei de 1969 não é contrária ao direito comunitário, porque não contém qualquer restrição à liberdade de estabelecimento ou porque, mesmo que existisse uma eventual restrição, ela estaria, em todo o caso, objectivamente justificada.
18 Em primeiro lugar, segundo o Governo neerlandês, as filiais de sociedades-mãe estabelecidas nos Países Baixos que realizam lucros tributáveis nesse Estado-Membro e aquelas que não os realizam não se encontram numa situação objectivamente comparável. Aquele governo invoca o princípio da territorialidade para sustentar que existe uma grande diferença entre as filiais consoante exerçam ou não actividades no estrangeiro. No primeiro caso, não é o conjunto dos lucros realizados pelo grupo de sociedades em causa que é sujeito ao imposto neerlandês, mas é essa a situação no segundo caso. Esta diferença de situação entre as filiais de sociedades-mãe estabelecidas nos Países Baixos justifica uma diferença de tratamento, em relação a essas sociedades-mãe, dos encargos relacionados com as participações destas sociedades no capital das filiais.
19 Em segundo lugar, os Governos neerlandês e do Reino Unido e a Comissão alegam que a recusa em conceder, às sociedades-mãe cujas filiais não realizaram lucros tributáveis nos Países Baixos, o direito de deduzir dos seus lucros tributáveis nesse Estado-Membro os encargos resultantes do financiamento de participações no capital das suas filiais é, de qualquer forma, justificada pela necessidade de manter a coerência do sistema fiscal neerlandês (v. acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C-204/90, Colect., p. I-249, e Comissão/Bélgica, C-300/90, Colect., p. I-305). Com efeito, existe um nexo directo entre, por um lado, os encargos relacionados com a participação da sociedade-mãe no capital da filial e, por outro, os lucros desta tributáveis nos Países Baixos, para cuja realização esses encargos contribuíram antes da sua dedução.
20 Em terceiro lugar, o Governo neerlandês e a Comissão sustentam que a limitação da dedutibilidade dos encargos de participação é justificada pelo objectivo de evitar uma erosão da matéria colectável que vai além de uma simples diminuição da receita do imposto.
21 Em último lugar, os Governos neerlandês e do Reino Unido e a Comissão alegam que a Lei de 1969 é compatível com a directiva, uma vez que, por força do artigo 4.° desta última, é permitido aos Estados-Membros preverem que os encargos de participação não são de modo algum dedutíveis dos lucros tributáveis da sociedade-mãe. Isto implica que os Estados-Membros tenham a possibilidade de recusar em parte a dedutibilidade desses encargos.
22 Relativamente a este último ponto, há que recordar, a título liminar, que a directiva, como resulta designadamente do seu terceiro considerando, tem como objectivo eliminar a penalização que resulta do facto de as disposições fiscais que regulam as relações entre sociedades-mãe e filiais de Estados-Membros diferentes serem, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades-mãe e filiais de um mesmo Estado-Membro e, desse modo, facilitar o agrupamento de sociedades à escala comunitária (v. acórdão de 4 de Outubro de 2001, Athinaïki Zythopoiïa, C-294/99, Colect., p. I-6797, n.° 25).
23 No que se refere à questão específica do tratamento fiscal dos encargos relacionados com a participação de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro no capital de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro, o artigo 4.° , n.° 2, da directiva reconhece a qualquer Estado-Membro a faculdade de prever que os encargos respeitantes a essa participação não são dedutíveis do lucro tributável da sociedade-mãe.
24 Enquanto, por força do artigo 4.° , n.° 3, da directiva, o n.° 1 desse artigo só se aplica até à data da aplicação efectiva de um sistema comum de imposto das sociedades, o n.° 2 da mesma disposição, que autoriza os Estados-Membros a não deduzirem os encargos de participação do lucro tributável da sociedade-mãe, não é acompanhado de nenhuma condição nem regra especial relativa ao destino ou à finalidade dos lucros obtidos pela sociedade-mãe ou pela sua filial, ou relativa à aplicabilidade no tempo do referido n.° 2. Assim, esta disposição continua a ser aplicável mesmo após a instituição efectiva de um sistema comum de imposto das sociedades.
25 Daí resulta que, na medida em que o artigo 13.° , n.° 1, da Lei de 1969 apenas põe em prática a possibilidade dada pelo artigo 4.° , n.° 2, da directiva, de recusar a dedução dos encargos de participação das sociedades-mãe no capital das suas filiais, ele é compatível com a directiva.
26 No entanto, a referida possibilidade só pode ser exercida no respeito das disposições fundamentais do Tratado, no presente caso, o seu artigo 52.° É, portanto, à luz desta disposição que se deve examinar a questão de saber se a directiva autoriza um Estado-Membro a conceder apenas parcialmente, como faz o artigo 13.° , n.° 1, da Lei de 1969, a dedutibilidade dos encargos de participação.
27 A limitação, prevista no artigo 13.° , n.° 1, da Lei de 1969, da dedutibilidade dos encargos de participação da sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos no capital das filiais estabelecidas noutros Estados-Membros, apenas aos casos em que estas últimas obtêm, ainda que indirectamente, lucros tributáveis nos Países Baixos, constitui, como foi assinalado pelo órgão jurisdicional de reenvio, um obstáculo à constituição de filiais noutros Estados-Membros. Com efeito, perante esta limitação, uma sociedade-mãe pode ser dissuadida de exercer as suas actividades por intermédio de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro, visto que, normalmente, essas filiais não realizam lucros tributáveis nos Países Baixos.
28 Acresce que tal limitação colide com o objectivo da directiva, enunciado no seu terceiro considerando, segundo o qual cumpre instituir um regime comum e eliminar a penalização causada pela aplicação de disposições fiscais que regem as relações entre sociedades-mãe e filiais de Estados-Membros diferentes, disposições essas menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades-mãe e filiais de um mesmo Estado-Membro.
29 Quanto ao argumento relativo à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal, o Tribunal de Justiça recordou, no acórdão de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 57), que, nos processos que deram origem aos acórdãos, já referidos, Bachmann e Comissão/Bélgica, existia um nexo directo, por estar em causa o mesmo contribuinte, entre a atribuição do benefício fiscal e a compensação deste benefício mediante tributação, as quais tinham sido efectuadas no quadro do mesmo imposto.
30 Quando não existe esse nexo directo, por se tratar, por exemplo, de tributações diferentes ou do tratamento fiscal de contribuintes diferentes, o argumento da coerência do sistema fiscal não pode ser invocado (v., neste sentido, acórdão de 13 de Abril de 2000, Baars, C-251/98, Colect., p. I-2787, n.° 40).
31 No processo principal, não existe um nexo directo desta natureza. Com efeito, não existe nenhum nexo directo entre, por um lado, a concessão de um benefício fiscal às sociedades-mãe estabelecidas nos Países Baixos (o direito de deduzir dos seus lucros tributáveis os encargos de participação no capital das filiais) e, por outro, o regime fiscal das filiais de sociedades-mãe que estejam estabelecidas nesse Estado-Membro.
32 Com efeito, diferentemente das sucursais ou dos estabelecimentos de exploração, as sociedades-mãe e as suas filiais são pessoas colectivas distintas, cada uma sujeita aos seus próprios impostos, de maneira que não existe um nexo directo no âmbito de um mesmo imposto e não se pode invocar a coerência do sistema fiscal.
33 Deve, por outro lado, reconhecer-se que a limitação da dedutibilidade dos encargos de participação da sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos no capital das filiais estabelecidas noutros Estados-Membros não é compensada por um benefício correspondente. A concretização desta limitação parece ter como efeito que os encargos que normalmente deveriam ser objecto de dedução não são tomados em consideração no cálculo do montante do imposto.
34 Este excesso de tributação não é susceptível de justificação pela necessidade de preservar a coerência fiscal.
35 Além disso, também não existe um nexo directo entre os encargos que uma sociedade-mãe pode deduzir dos seus lucros tributáveis nos Países Baixos e os eventuais lucros tributáveis da sua filial estabelecida nesse Estado-Membro ou do estabelecimento estável neerlandês da sua filial estrangeira. A este respeito, resulta do acórdão de reenvio que os encargos de participação podem ser deduzidos dos lucros dessa sociedade-mãe, sem que seja tida em conta a importância dos lucros da filial, mesmo que esta não tenha obtido lucros durante o ano em causa.
36 Por outro lado, como referido pelo órgão jurisdicional de reenvio e pela Comissão, é lícito interrogar-se sobre a coerência de um sistema fiscal que assenta na existência de um nexo entre os encargos inerentes às participações e a existência de lucros tributáveis nos Países Baixos no interior de um mesmo grupo de sociedades, quando as filiais de sociedades-mãe estabelecidas noutros Estados-Membros não podem deduzir dos seus lucros tributáveis nos Países Baixos os encargos de participação dessas sociedades-mãe.
37 Um argumento fundado no princípio da territorialidade, como foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer (C-250/95, Colect., p. I-2471, n.° 22), foi igualmente invocado pelo Governo neerlandês para justificar a diferença de tratamento fiscal operada pela Lei de 1969. Com efeito, os encargos relacionados com as actividades realizadas no estrangeiro, incluindo os encargos de financiamento ou de participação, devem ser imputados nos lucros obtidos pelas referidas actividades e a limitação da dedução dos referidos encargos apenas está relacionada com a realização ou não de lucros fora dos Países Baixos. Segundo o Governo neerlandês, não existe, portanto, qualquer discriminação, uma vez que as filiais que realizam lucros tributáveis nos Países Baixos e as que não os realizam se encontram numa situação que não é comparável.
38 A este respeito, importa indicar que a aplicação do princípio da territorialidade, efectuada no acórdão Futura Participations e Singer, já referido, dizia respeito à tributação de um único contribuinte que exercia actividades no Estado-Membro onde tinha o seu estabelecimento principal, bem como noutros Estados-Membros a partir de estabelecimentos secundários.
39 Tendo em conta a matéria de facto no processo principal, e como o advogado-geral referiu nos n.os 50 e 51 das suas conclusões, o argumento segundo o qual o tratamento fiscal diferenciado das sociedades-mãe se justifica pelo facto de as filiais que realizam lucros tributáveis nos Países Baixos e as que não os realizam não se encontrarem em situações comparáveis não é pertinente. Com efeito, a diferença de tratamento fiscal em causa diz respeito às sociedades-mãe, consoante disponham ou não de filiais que realizam lucros tributáveis nos Países Baixos, mesmo quando essas sociedades-mãe estejam todas estabelecidas nesse Estado-Membro. Ora, no que diz respeito à situação fiscal destas últimas em relação aos lucros das suas filiais, verifica-se que estes não são tributáveis no âmbito destas sociedades, quer os lucros sejam provenientes de filiais sujeitas a imposto nos Países Baixos ou de outras filiais.
40 Além disso, num caso em que estava em causa o regime fiscal de uma filial, que variava em função da sede da sociedade-mãe, o Tribunal de Justiça considerou que a diferença de regime aplicável às sociedades-mãe, conforme sejam ou não residentes, não pode justificar a recusa às filiais, domiciliadas no Reino Unido, de sociedades-mãe com sede noutro Estado-Membro de um benefício fiscal de que podem gozar as filiais domiciliadas no Reino Unido de sociedades-mãe também domiciliadas neste Estado-Membro, pois todas estas filiais estão sujeitas ao «mainstream corporation tax» (imposto de base sobre as sociedades) sobre os seus lucros, independentemente da residência da sua sociedade-mãe (acórdão de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.° 60).
41 A directiva não prevê, de resto, qualquer excepção relativa ao território onde os lucros das filiais são eventualmente tributados. Nestas condições, a directiva não pode ser interpretada como autorizando uma legislação como a Lei de 1969.
42 O argumento do Governo neerlandês e da Comissão, segundo o qual a limitação da dedutibilidade é justificada pelo objectivo de evitar uma erosão da matéria colectável que vai além de uma simples diminuição das receitas fiscais, não é procedente. Com efeito, verifica-se que essa justificação não se distingue substancialmente da relativa ao risco de diminuição das receitas fiscais. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa justificação não figura entre as diversas razões enunciadas no artigo 56.° , n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 46.° , n.° 1, CE) e não constitui uma razão imperiosa de interesse geral que possa ser invocada para justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento (v., neste sentido, acórdão de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 28).
43 Deve, portanto, responder-se às questões colocadas que a directiva, interpretada à luz do artigo 52.° do Tratado, se opõe a uma disposição nacional que, na determinação do imposto sobre os lucros de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro, sujeita a dedutibilidade dos encargos relacionados com a participação desta no capital de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro à condição de esses encargos servirem indirectamente para a realização de lucros tributáveis no Estado-Membro de estabelecimento da sociedade-mãe.
Quanto às despesas
44 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês e do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por acórdão de 11 de Abril de 2001, declara:
A Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes, interpretada à luz do artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), opõe-se a uma disposição nacional que, na determinação do imposto sobre os lucros de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro, sujeita a dedutibilidade dos encargos relacionados com a participação desta no capital de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro à condição de esses encargos servirem indirectamente para a realização de lucros tributáveis no Estado-Membro de estabelecimento da sociedade-mãe.