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Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 26 de Junho de 2003. - Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) e Ola Ramstedt contra Riksskatteverket. - Pedido de decisão prejudicial: Regeringsrätten - Suécia. - Seguro complementar de reforma por capitalização - Subscrição numa companhia estabelecida noutro Estado-Membro - Diferença de tratamento fiscal - Compatibilidade com o artigo 49.º CE. - Processo C-422/01.
Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-06817
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Livre prestação de serviços - Restrições - Legislação fiscal - Diferença de tratamento de seguros complementares de reforma subscritos noutros Estados-Membros - Inadmissibilidade
(Artigo 49.° CE)
$$O artigo 49.° CE opõe-se a que um seguro subscrito numa companhia estabelecida noutro Estado-Membro e que satisfaça todas as condições de um seguro complementar de reforma previstas pelo direito nacional, com a excepção da de ter sido subscrito num segurador estabelecido no território nacional, seja tratado diferentemente de um ponto de vista fiscal, com efeitos em matéria de impostos sobre o rendimento que, em função das circunstâncias do caso, podem ser menos favoráveis.
( cf. n.° 62, disp. )
No processo C-422/01,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Regeringsrätten (Suécia), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ),
Ola Ramstedt
e
Riksskatteverket,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do Tratado CE, designadamente do artigo 49.° CE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: M. Wathelet (relator), presidente de secção, C. W. A. Timmermans, A. La Pergola, P. Jann e A. Rosas, juízes,
advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação da Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) e de O. Ramstedt, por J.-M. Bexhed, chefsjurist,
- em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,
- em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,
- em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Fiengo, avvocato dello Stato,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por C. Tufvesson e R. Lyal, na qualidade de agentes,
- em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por E. Wright e P. A. Bjørgan, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) e de O. Ramstedt, representados por J.-M. Bexhed, da Riksskatteverket, representada por G. Bäck, na qualidade de agente, do Governo sueco, representado por A. Kruse e K. Wistrand, na qualidade de agentes, da Comissão, representada por C. Tufvesson e R. Lyal, e do Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por E. Wright e P. A. Bjørgan, na audiência de 30 de Janeiro de 2003,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 3 de Abril de 2003,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 23 de Outubro de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de Outubro seguinte, o Regeringsrätten (tribunal administrativo supremo) colocou, ao abrigo do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do Tratado CE, designadamente do artigo 49.° CE.
2 Essa questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe a Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) (a seguir «Skandia») e O. Ramstedt, por um lado, à Riksskatteverket (administração fiscal), por outro, a propósito do tratamento fiscal de um seguro complementar de reforma subscrito pela Skandia a favor de O. Ramstedt em sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros.
Enquadramento jurídico nacional
Legislação em causa
3 A tributação dos seguros rege-se, designadamente, pela kommunalskattelagen (1928:370) (lei dos impostos autárquicos), e a partir do exercício fiscal de 2002 (rendimentos do ano de 2001) pela inkomstskattelagen (1999:1229) (lei do imposto sobre o rendimento, a seguir «IL»), que contém disposições equivalentes às da kommunalskattelagen na matéria.
4 A propósito, designadamente, dos seguros complementares de reforma, cuja subscrição é feita por uma entidade patronal, que também paga os respectivos prémios, a favor de um seu empregado, a legislação distingue entre seguros de pensão e seguros de capital.
5 Para poder ser considerado seguro de pensão, o seguro deve, entre outras condições, ser, em princípio, subscrito num segurador estabelecido na Suécia.
6 Todavia, o § 5 do capítulo 58 da IL esclarece que um seguro que não seja subscrito numa empresa que exerça as suas actividades na Suécia constitui, todavia, um seguro de pensão,
a) desde que o seguro verse fundamentalmente sobre o pagamento de uma pensão de reforma, de doença ou de sobrevivência e que o contribuinte residisse no estrangeiro quando da celebração do contrato, num país cujo regime fiscal autorize a dedutibilidade das quotizações, uma dedução de imposto ou outro benefício fiscal equivalente, ou
b) desde que a entidade patronal tenha pago as quotizações de seguro embora o segurado residisse ou trabalhasse no estrangeiro e sem que o pagamento fosse considerado um rendimento do segurado para efeitos da sua tributação no país em causa, ou
c) desde que, atendendo às circunstâncias específicas do caso, as autoridades fiscais tenham autorizado a equiparação do seguro a um seguro de reforma.
7 O § 2, n.° 2, do capítulo 58 da IL estabelece que os seguros que não preencham as referidas condições são considerados seguros de capital.
8 Em matéria de fiscalidade directa, aplicam-se a esses dois tipos de seguro regimes de dedução diferentes.
9 As quotizações pagas pela entidade patronal a título de um seguro complementar de reforma, que pode legitimamente ser considerado um seguro de pensão, são imediatamente dedutíveis do montante tributável. A pensão de reforma que é posteriormente paga é tributável na íntegra ao assalariado reformado, beneficiário do seguro, a título do imposto sobre o rendimento.
10 Em contrapartida, as quotizações pagas pela entidade patronal no quadro de um seguro complementar de reforma, que a legislação sueca considere ser um seguro de capital, não são dedutíveis do montante tributável. Da decisão de reenvio resulta que a entidade patronal dispõe, no entanto, de um direito à dedução das quantias que contratualmente se comprometeu a pagar ao assalariado. Consequentemente, esta dedução só pode ser efectuada à medida em que se procede ao pagamento efectivo da reforma. Para o assalariado, as quantias recebidas neste quadro constituem um rendimento do trabalho sujeito a imposto.
O litígio no processo principal e a questão prejudicial
11 O. Ramstedt, cidadão sueco residente na Suécia, é assalariado da empresa sueca Skandia. O. Ramstedt e a Skandia acordaram que uma parte da reforma de O. Ramstedt seria garantida através da subscrição, pela Skandia, de um seguro complementar de reforma profissional na companhia dinamarquesa de seguros de vida Skandia Link Livforsikring A/S, na companhia alemã de seguros de vida Skandia Lebensversicherung AG ou na companhia britânica de seguros de vida Skandia Life Assurance Ltd (a seguir «companhias de seguros estrangeiras»).
12 O. Ramstedt e a Skandia apresentaram à Skatterättsnämnden (comissão administrativa de direito fiscal) um pedido de decisão prévia sobre 1) se a Skandia tinha o direito de deduzir do imposto sobre o rendimento as quotizações de um seguro subscrito numa das companhias de seguros estrangeiras e, em caso de resposta afirmativa, em que momento, 2) se a resposta a essa questão podia ser influenciada pelo facto de as referidas companhias se comprometerem com as autoridades fiscais suecas no sentido de prestarem informações sobre os montantes que seriam pagos a O. Ramstedt ao abrigo do contrato de seguro em causa, e 3) se O. Ramstedt devia declarar as prestações que lhe serão pagas como rendimentos profissionais e, na afirmativa, em que momento.
13 Na sua decisão prévia de 1 de Fevereiro de 2000, a Skatterättsnämnden esclareceu que a Skandia não podia beneficiar de um direito à dedução em relação às quotizações pagas, mas que o direito à dedução da pensão de reforma surgia no momento do seu pagamento. Por outro lado, indicou que O. Ramstedt seria tributado sobre os montantes que lhe fossem pagos em cumprimento do contrato.
14 A Skatterättsnämnden indicou, na sua decisão, que as regras suecas não incluíam medidas discriminatórias consideradas ilícitas pelo direito comunitário. A este propósito, remeteu para o acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249), para considerar que o direito comunitário não impedia um Estado-Membro de prever dois regimes fiscais para o seguro de vida.
15 O. Ramstedt e a Skandia recorreram dessa decisão prévia para o Regeringsrätten.
16 Na sua decisão de reenvio, o Regeringsrätten observa que, por força da decisão controvertida, o direito da Skandia de deduzir os encargos da pensão de reforma é diferido relativamente ao momento do pagamento das quotizações, uma vez que essa dedução não incide sobre as quotizações pagas, mas sobre os montantes efectivamente pagos a título de pensão de reforma.
17 Considera que, na perspectiva apenas do imposto sobre os lucros das sociedades, a posição adoptada pela Skatterättsnämnden não permite a conclusão de que os seguros controvertidos ficarão sempre desfavorecidos relativamente aos seguros complementares de reforma considerados seguros de pensão.
18 A este propósito, o Regeringsrätten considerou duas hipóteses. Se o pagamento dos montantes devidos em cumprimento do contrato de seguro e a dedução correspondente só ocorrerem muito tempo depois do pagamento das quotizações, quando o montante dos pagamentos não é sensivelmente superior ao das quotizações pagas, um seguro subscrito no estrangeiro pode ter consequências mais desfavoráveis, do ponto de vista dos impostos directos, do que um seguro subscrito na Suécia. Em contrapartida, se o pagamento dos montantes devidos em execução do contrato de seguro e a dedução correspondente ocorrerem pouco tempo após o pagamento das quotizações e o montante das somas pagas for sensivelmente superior ao das quotizações pagas o efeito será inverso.
19 Apesar destas incertezas, o órgão jurisdicional de reenvio admitiu que o regime fiscal dos seguros de capital era efectivamente menos favorável em determinados casos do que no dos seguros de pensão.
20 Atendendo a estes elementos, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se a obrigação de subscrever um seguro num segurador estabelecido na Suécia para que esse seguro possa beneficiar do regime fiscal dos seguros de pensão constitui uma infracção à livre circulação de serviços, pessoas e capitais, designadamente ao artigo 49.° CE.
21 Foi nessas condições que o Regeringsrätten decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«As disposições de direito comunitário sobre livre circulação de pessoas, serviços e capitais, especialmente o artigo 49.° CE, conjugado com o artigo 12.° CE, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de disposições fiscais nacionais que implicam que um contrato de seguro, subscrito numa companhia de seguros na Inglaterra, na Alemanha ou na Dinamarca, e que preenche as condições estabelecidas na Suécia para um seguro complementar de reforma - com excepção da condição de ser subscrito numa companhia de seguros exercendo actividade na Suécia - seja tratado como um seguro de capital, com efeitos em termos de imposto sobre o rendimento que, conforme as circunstâncias de cada caso individual, podem ser menos favoráveis do que os efeitos fiscais resultantes dum seguro complementar de reforma?»
Quanto à aplicabilidade das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços
22 A título liminar, há que declarar que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços se aplicam a uma situação como a do litígio no processo principal.
23 Com efeito, o artigo 50.° CE precisa que, na acepção do Tratado, consideram-se serviços as prestações realizadas normalmente mediante remuneração. Ora, já ficou estabelecido que, na acepção desta disposição, a característica essencial da remuneração reside no facto de esta constituir a contrapartida económica da prestação em causa (v. acórdão de 27 de Setembro de 1988, Humbel e Edel, 263/86, Colect., p. 5365, n.° 17).
24 No caso em apreço, as quotizações pagas pela Skandia constituem efectivamente a contrapartida económica das pensões que serão pagas a O. Ramstedt quando este cessar de exercer as suas actividades. Pouco importa que não seja o próprio O. Ramstedt a pagar as quotizações, pois o artigo 50.° CE não exige que o serviço seja pago por aquele a quem aproveita (v., neste sentido, acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders e o., 352/85, Colect., p. 2085, n.° 16). Por outro lado, as quotizações têm incontestavelmente natureza remuneratória para as companhias de seguros que as recebem (v., neste sentido, acórdão de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms, C-157/99, Colect., p. I-5473, n.° 58).
Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços
25 A título liminar, há que recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes últimos devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16; de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 19; de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, n.° 19, e de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 32).
26 Na óptica do mercado único, e a fim de permitir realizar os seus objectivos, o artigo 49.° CE opõe-se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a puramente interna de um Estado-Membro (v., designadamente, acórdão de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França, C-381/93, Colect., p. I-5145, n.° 17, e Smits e Peerbooms, já referido, n.° 61).
27 A este respeito, não foi contestado no Tribunal de Justiça que regras nacionais, como a em causa no processo principal, restringem a livre prestação de serviços.
28 Tendo em conta, com efeito, o inconveniente a nível financeiro que para a entidade patronal representa o adiamento da constituição do direito à dedução para o momento do pagamento da pensão ao empregado beneficiário, disposições nacionais como as em causa no processo principal podem dissuadir, por um lado, as entidades patronais suecas de celebrarem seguros complementares de reforma com companhias estabelecidas noutro Estado-Membro que não o Reino da Suécia e, por outro, essas companhias de oferecerem os seus serviços no mercado sueco (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Abril de 1998, Safir, C-118/96, Colect., p. I-1897, n.° 30, e de 3 de Outubro de 2002, Danner, C-136/00, Colect., p. I-8147, n.° 31).
Quanto às justificações invocadas
29 A necessidade de assegurar a coerência fiscal do sistema nacional e a eficácia dos controlos fiscais, a preocupação de preservar o montante das receitas fiscais do Estado-Membro em causa bem como a neutralidade concorrencial foram invocados como justificação da legislação em causa.
Quanto à coerência fiscal
30 Os Governos sueco e dinamarquês sublinham as semelhanças entre o contexto factual do processo Bachmann, já referido, e o do presente processo. Consideram, designadamente, que a relação directa entre a dedução e a tributação, exigida por essa jurisprudência, existe no quadro da legislação nacional em causa.
31 Alegam, a este respeito, que, embora num plano estritamente formal, a dedução e a tributação não se processem a nível do mesmo contribuinte, as vantagens e inconvenientes fiscais do plano de reforma dizem respeito, na verdade, unicamente ao empregado beneficiário. O prémio do seguro de reforma pago pela entidade patronal constitui, de facto, um elemento da remuneração do empregado. Se a entidade patronal não pagasse o prémio, a remuneração líquida auferida pelo empregado seria maior, o que lhe permitiria ser ele próprio a pagar o prémio. O facto de a quotização para o plano de reforma ser pago pela entidade patronal e não pelo empregado mais não é do que uma modalidade técnica.
32 Esta argumentação não pode ser acolhida.
33 A este respeito, importa recordar, por um lado, que os acórdãos Bachmann, já referido, e de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305, n.° 14) basearam-se na suposição de que, em direito belga, existia uma relação directa entre a faculdade de deduzir os prémios e o carácter tributável dos montantes pagos pelos seguradores. No sistema fiscal belga, a perda de receitas resultante da dedução dos prémios de seguro era compensada pela tributação das pensões, rendas, ou capitais devidos pela instituição seguradora. Em contrapartida, no caso de não se ter verificado a dedução de tais prémios, estes montantes ficavam isentos do imposto (v. acórdão Danner, já referido, n.° 36).
34 Ora, no processo principal, essa relação não existe.
35 Com efeito, no sistema sueco, a entidade patronal que subscreveu um seguro num segurador estabelecido noutro Estado-Membro deve esperar pelo pagamento da pensão ao seu empregado para beneficiar do direito à dedução. Nenhuma medida compensatória serve de contrapeso à desvantagem que assim tem de suportar relativamente a uma entidade patronal que subscreveu um seguro comparável numa companhia estabelecida na Suécia.
36 Por seu turno, nas duas hipóteses, o empregado beneficiário é tributado no mesmo momento e da mesma forma.
37 Por outro lado, a tese dos Governos sueco e dinamarquês segundo a qual o prémio de seguro seria, no fundo, um elemento da remuneração do trabalhador não permite explicar por que é que pode ser imediatamente deduzido quando a entidade patronal subscreveu o seguro complementar num segurador estabelecido no território nacional e apenas de forma diferida quando subscrito num segurador estabelecido noutro Estado-Membro.
Quanto à eficácia dos controlos fiscais
38 De acordo com os Governos sueco e dinamarquês, a exigência de estabelecimento na Suécia justifica-se pela necessidade de exercer satisfatoriamente um controlo fiscal eficaz. A este respeito, especialmente para obter as informações necessárias a este tipo de controlo, os instrumentos comunitários previstos para esse efeito e, designadamente, a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), não seriam suficientes.
39 O Governo dinamarquês sustenta, designadamente, que, enquanto o direito comunitário não consagrar expressamente o direito dos Estados-Membros de exigir das empresas de seguro estrangeiras a transmissão de informações relativas aos pagamentos efectuados, esse controlo não poderá ser posto em prática de forma eficaz.
40 Do mesmo modo, não será possível garantir um controlo fiscal eficaz com base no voluntariado. É verdade que as autoridades fiscais dos Estados-Membros podem, em larga medida, prevenir-se contra deduções injustificadas de pagamentos de prémios estabelecendo condições muito rigorosas em matéria de justificativos da realidade e da importância dos pagamentos. Todavia, um sistema baseado em informações transmitidas voluntariamente não resolve a questão ulterior da tributação. Os contribuintes não terão o mesmo interesse em fornecer às autoridades fiscais nacionais informações exactas e completas sobre os montantes recebidos, que estão sujeitos ao imposto, do que sobre os pagamentos efectuados ou sobre pagamentos que dão direito à dedução.
41 Esta posição não pode ser aceite.
42 Há que recordar, antes de mais, que um Estado-Membro pode invocar a Directiva 77/799 para obter, das autoridades competentes de outro Estado-Membro, todas as informações susceptíveis de lhe permitir determinar o montante correcto do imposto sobre o rendimento (v. acórdão de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard, C-55/98, Colect., p. I-7641, n.° 26) ou todas as informações que entender necessárias para apreciar o montante exacto do imposto sobre o rendimento devido por um sujeito passivo em função da legislação que aplica (v. acórdãos já referidos Wielockx, n.° 26, e Danner, n.° 49).
43 Um Estado-Membro está, portanto, em condições de controlar se os prémios foram efectivamente pagos por um dos seus contribuintes a uma companhia de seguros estabelecida noutro Estado-Membro. Além disso, nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao próprio contribuinte as provas que entenderem necessárias para apreciar se as condições de dedutibilidade dos prémios previstas pela legislação em causa estão reunidas e, consequentemente, se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdãos já referidos Bachmann, n.os 18 e 20; Comissão/Bélgica, n.os 11 e 13, e Danner, n.° 50).
44 Quanto à eficácia do controlo da tributação das pensões pagas a residentes suecos, esta pode ser salvaguardada através de meios menos restritivos da livre prestação de serviços do que uma regulamentação nacional como a em causa no processo principal (v. acórdão Danner, já referido, n.° 51).
45 Além das possibilidades oferecidas pela Directiva 77/799, há que referir que, antes de o beneficiário receber uma pensão paga por um regime gerido por uma companhia de seguros estrangeira, a entidade patronal terá, regra geral, pedido a dedução dos respectivos prémios. Os pedidos de dedução e de justificativos fornecidos pela entidade patronal por ocasião desses pedidos constituirão a este respeito uma fonte útil de informações sobre as pensões que serão pagas posteriormente aos empregados beneficiários (v., neste sentido, acórdão Danner, já referido, n.° 52).
Quanto à necessidade de preservar a montante das receitas fiscais
46 Segundo o Governo sueco, a exigência de um estabelecimento na Suécia justifica-se devido ao risco de desaparecimento da matéria colectável. Com efeito, o Reino da Suécia não estará em condições de tributar os pagamentos de pensões de reforma se não se exigir que a empresa de seguros possua um estabelecimento na Suécia e, caso não exista tal estabelecimento, a pensão de reforma não tenha a sua origem nesse Estado-Membro.
47 O Governo dinamarquês sustenta, por seu lado, que, no acórdão Safir, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a preservação do montante das receitas fiscais era uma razão de interesse público susceptível de justificar uma regulamentação fiscal, mesmo indirectamente discriminatória.
48 Se o direito à dedução dos pagamentos para planos de reforma estrangeiros não pudesse ser limitado, isso permitiria aos contribuintes residentes em Estados-Membros com uma fiscalidade elevada, como o Reino da Suécia e o Reino da Dinamarca, beneficiar de forma inadmissível das diferenças entre os sistemas fiscais dos Estados-Membros. Os planos de reforma seriam subscritos nos Estados-Membros onde a fiscalidade sobre os pagamentos de reformas é menos gravosa e que procedem a uma retenção na fonte no que respeita a esses pagamentos ao abrigo de uma convenção fiscal bilateral celebrada com o Estado de residência do beneficiário.
49 A consequência seria que a termo os Estados-Membros seriam obrigados a nivelar por baixo a respectiva fiscalidade, o que poderia aniquilar os fundamentos económicos de Estados providência como o Reino da Suécia ou o Reino da Dinamarca.
50 Estes argumentos não podem ser acolhidos.
51 A este respeito, como sublinhou no acórdão Danner (já referido, n.° 55), o Tribunal de Justiça considerou, no n.° 34 do acórdão Safir, já referido, que, no caso em apreço, a necessidade de preencher o vazio fiscal que resultaria da não tributação da poupança sob a forma de seguro de vida em capital investida em companhias estabelecidas num Estado-Membro diferente do da residência do aforrador, não era susceptível de justificar a medida nacional em causa que restringia a livre prestação de serviços.
52 Além disso, o Tribunal de Justiça entendeu, em termos gerais, que uma eventual vantagem fiscal resultante, para os prestadores de serviços, da fiscalidade pouco elevada a que estão sujeitos no Estado-Membro em que estão estabelecidos não pode servir a outro Estado-Membro para justificar um tratamento fiscal menos favorável dos destinatários dos serviços estabelecidos neste último Estado. Essas cobranças fiscais compensatórias atentam contra os próprios fundamentos do mercado interno (v. acórdão de 26 de Outubro de 1999, Eurowings Luftverkehrs, C-249/97, Colect., p. I-7447, n.os 44 e 45).
53 Por último, o Tribunal de Justiça considerou que a necessidade de prevenir a redução das receitas fiscais não figura entre as razões enunciadas no artigo 56.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 46.° CE), nem entre as razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Danner, já referido, n.° 56), susceptíveis de justificar uma restrição à livre prestação de serviços.
Quanto à neutralidade concorrencial
54 O Governo sueco alega que, na Suécia, a entidade patronal pode deduzir os encargos relativos à garantia das pensões de reforma que suporta antes do seu pagamento efectivo em três hipóteses: em caso de constituição de uma reserva no balanço combinada com um seguro de crédito e com a caução de uma autarquia ou do Estado ou com uma garantia equivalente, em caso de transferência para um fundo de pensões ou em caso de pagamento de um prémio de seguro de reforma.
55 O direito à dedução para a garantia dos compromissos em matéria de reforma através da constituição de uma reserva ou por transferência para um fundo de pensões implica que as deduções sejam efectuadas junto de empresas estabelecidas na Suécia e que as somas cuja dedução foi aceite regressem a essas empresas.
56 Se não se exigisse que a companhia de seguros estivesse estabelecida na Suécia para aceitar a dedutibilidade dos prémios de seguro de reforma, as condições de concorrência entre as diferentes formas de garantia dos compromissos em matéria de reforma já não seriam neutras. Do ponto de vista do controlo fiscal, designadamente, as companhias de seguros suecas que possuem filiais no estrangeiro bem como as companhias de seguros estrangeiras beneficiariam de vantagens concorrenciais indevidas relativamente às outras formas de gestão de capitais de reforma e relativamente às companhias de seguros de reforma na Suécia.
57 Este raciocínio, de resto difícil de seguir, como o advogado-geral sublinhou no n.° 50 das suas conclusões, não pode, de qualquer forma, ser acolhido.
58 Mesmo que se considerem provadas, considerações de igualdade de concorrência entre diferentes formas nacionais de garantia de compromissos em matéria de pensão complementar não podem, com efeito, ser prosseguidas ao preço de infracções à livre circulação de serviços.
59 Por outro lado, na medida em que a justificação decorrente da neutralidade concorrencial se conjuga com considerações relativas à eficácia dos controlos fiscais, deve ser objecto das mesmas críticas que já foram feitas a propósito dessa justificação (v. n.os 42 a 45 do presente acórdão).
Quanto à livre circulação de pessoas e capitais
60 Tendo em conta o que precede, não há que examinar se as disposições do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas e capitais se opõem a uma legislação nacional como a em causa no processo principal.
Quanto ao artigo 12.° CE
61 Como o artigo 12.° CE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (v., designadamente, acórdão de 14 de Julho de 1994, Peralta, C-379/92, Colect., p. I-3453, n.° 18), não há que, atentas as considerações que precedem, examinar a questão submetida na perspectiva dessa disposição.
62 Importa, portanto, responder à questão colocada que o artigo 49.° CE se opõe a que um seguro subscrito numa companhia estabelecida noutro Estado-Membro e que satisfaça todas as condições de um seguro complementar de reforma previstas pelo direito nacional, com a excepção da de ter sido subscrito num segurador estabelecido no território nacional, seja tratado diferentemente de um ponto de vista fiscal, com efeitos em matéria de impostos sobre o rendimento que, em função das circunstâncias do caso, podem ser menos favoráveis.
Quanto às despesas
63 As despesas efectuadas pelos Governos sueco, dinamarquês e italiano e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Regeringsrätten, por decisão de 23 de Outubro de 2001, declara:
O artigo 49.° CE opõe-se a que um seguro subscrito numa companhia estabelecida noutro Estado-Membro e que satisfaça todas as condições de um seguro complementar de reforma previstas pelo direito nacional, com a excepção da de ter sido subscrito num segurador estabelecido no território nacional, seja tratado diferentemente de um ponto de vista fiscal, com efeitos em matéria de impostos sobre o rendimento que, em função das circunstâncias do caso, podem ser menos favoráveis.