«Pedido de decisão prejudicial – Interpretação da Sexta Directiva IVA – Direito à dedução do IVA pago a montante por uma Vorgründungsgesellschaft (sociedade civil cujo objecto consiste na preparação dos recursos necessários à actividade de uma sociedade anónima a constituir) – Transmissão, a título oneroso, da universalidade dos referidos recursos para a sociedade anónima após a sua constituição – Transmissão não sujeita a IVA na sequência do exercício da opção (prevista no artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva IVA) pelo Estado-Membro em causa»
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Sumário do acórdão
Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Sociedade civil criada apenas com o objectivo da constituição de uma sociedade de capitais – Transmissão da universalidade dos seus bens para a referida sociedade de capitais, após a sua constituição – Estado-Membro que não considera tal transmissão uma entrega de bens – Direito à dedução
(cf. n.os 41, 43, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
29 de Abril de 2004(1)
«Pedido de decisão prejudicial – Interpretação da Sexta Directiva IVA – Direito à dedução do IVA pago a montante por uma Vorgründungsgesellschaft (sociedade civil cujo objecto consiste na preparação dos recursos necessários à actividade de uma sociedade anónima a constituir) – Transmissão, a título oneroso, da universalidade dos referidos recursos para a sociedade anónima após a sua constituição – Transmissão não sujeita a IVA na sequência do exercício da opção (prevista no artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva IVA) pelo Estado-Membro em causa»
No processo C-137/02, que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre Finanzamt Offenbach am Main-Lande
Faxworld Vorgründungsgesellschaft Peter Hünninghausen und Wolfgang Klein GbR, uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de l977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995 (JO L 102, p. 18),O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),,
vistas as observações escritas apresentadas:
– em representação da Faxworld Vorgründungsgesellschaft Peter Hünninghausen und Wolfgang Klein GbR, por R. W. Horn e A. Kowol, Rechtsanwälte, – em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessinge e M. Lumma, na qualidade de agentes, – em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes, assistidos por A. Böhlke, Rechtsanwalt,ouvidas as alegações do Finanzamt Offenbach am Main-Land, representado por J. Aue, na qualidade de agente, da Faxworld Vorgründungsgesellschaft Peter Hünninghausen und Wolfgang Klein GbR, representada por R. W. Horn, do Governo alemão, representado por M. Lumma, e da Comissão, representada por K. Gross, assistido por A. Böhlke, na audiência de 11 de Setembro de 2003,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Outubro de 2003,
profere o presente
Regulamentação comunitária
4 O artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe que estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
5 Segundo o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da mesma directiva:
«1. Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.
2. As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.»
6 No que respeita às entregas de bens, o artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva prevê que:
«Os Estados-Membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. Se for caso disso, os Estados-Membros podem adoptar as medidas necessárias, a fim de evitar distorções de concorrência quando o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto.»
7 O artigo 6.°, n.° 5, da mesma directiva refere que «[o] disposto no n.° 8 do artigo 5.° [se aplica] nas mesmas condições às prestações de serviços».
8 Quanto ao direito à dedução, o artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva dispõe que:
«1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.
2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a)O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;
[…]»
Regulamentação nacional
9 As disposições relevantes da Sexta Directiva foram transpostas para o direito alemão pela Umsatzsteuergesetz 1993 (Lei do IVA de 1993, BGBl. 1993 I, p. 565, a seguir «UStG 1993»). O § 1, n.° 1, da UStG 1993, na redacção aplicável ao exercício controvertido de 1996, estabelece a regra geral de que estão sujeitas a imposto sobre o volume negócios as entregas de bens e outras prestações efectuadas a título oneroso no interior do país por um empresário no exercício da sua actividade.
10 Todavia, dado que a República Federal da Alemanha exerceu as opções dadas aos Estados-Membros pelos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, o § 1, n.° 1a, da UStG 1993 estabelece que:
«(1a) As operações realizadas no contexto duma transferência de actividade a outro empresário para os fins da sua empresa não estão sujeitas a [IVA]. Considera-se que existe uma transferência de actividade quando uma empresa ou um sector desta, geridos autonomamente no âmbito da estrutura de uma empresa, são, na sua totalidade e a título oneroso ou não, transferidos para uma sociedade ou por esta adquiridos como entrada na sociedade. O empresário beneficiário passa a ocupar a posição do transmitente.»
11 A Faxworld GbR é uma sociedade civil criada em 1 de Outubro de 1996 que tem unicamente por objecto social a preparação da constituição da sociedade anónima Faxworld Telefonmarketing Aktiengesellschaft (a seguir «Faxworld AG»).
12 Como explica o órgão jurisdicional de reenvio, a criação de uma Aktiengesellschaft (sociedade anónima de direito alemão) pode ser precedida, como sucede no caso em apreço, de uma Vorgründungsgesellschaft. Esta última assenta num acordo preliminar entre os fundadores da sociedade com o objectivo de colaborar no sentido da constituição da Aktiengesellschaft. Assim, se esta última, uma vez constituída, pretender ficar com os bens patrimoniais adquiridos pela Vorgründungsgesellschaft e assumir os seus direitos e obrigações, como estes não são automaticamente transmitidos, a transferência deverá ser efectuada através de um negócio jurídico específico.
13 Nestas circunstâncias, a Faxworld GbR, enquanto Vorgründungsgesellschaft, arrendou escritórios, adquiriu bens de equipamento e mobilou os escritórios. Além disso, procedeu ao envio de folhetos informativos e fez publicidade em nome da sociedade a constituir. Após a constituição da Faxworld AG, por escritura pública de 28 de Novembro de 1996, a Faxworld GbR cessou as suas actividades e transferiu para essa sociedade a totalidade dos bens que tinha adquirido anteriormente, pelo seu valor contabilístico, a um preço ligeiramente inferior a 90 000 DEM. A Faxworld AG pôde, assim, iniciar a sua actividade, sem efectuar diligências suplementares, nos escritórios arrendados e equipados pela Faxworld GbR de acordo com as suas necessidades.
14 A Faxworld GbR, cumprindo o seu objecto social único, não realizou, portanto, quaisquer operações a jusante, com excepção da transferência dos bens que adquiriu para a Faxworld AG.
15 No exercício controvertido de 1996, a Faxworld GbR considerou esta transferência uma cessão de empresa isenta, nos termos do § 1, n.° 1a, da UStG 1993. O Finanzamt recusou à Faxworld GbR o direito de, para o mesmo exercício, invocar como imposto pago a montante o IVA num montante ligeiramente inferior a 13 000 DEM que incidiu sobre as suas operações a montante. No aviso de liquidação de 5 de Janeiro de 1998, o Finanzamt invocou como motivo de recusa o facto de não se poder considerar a Faxworld GbR um empresário, na acepção do § 2 da UStG 1993, pois a única operação a jusante que se propunha efectuar era a cessão de empresa à sociedade a constituir, a qual não deveria ser considerada uma entrega tributável, nos termos do §1, n.° 1a, da UStG 1993.
16 Em contrapartida, o Finanzgericht concedeu provimento ao recurso que a Faxworld GbR interpôs contra a decisão do Finanzamt, com fundamento no facto de que essa sociedade era uma empresa e que, enquanto tal, tinha o direito de deduzir o imposto a montante. O princípio da neutralidade do IVA impõe que o imposto a montante seja tomado em consideração, ainda que a própria Faxworld GbR nunca tenha tencionado utilizar as prestações a montante para realizar operações tributáveis.
17 O Finanzamt interpôs recurso de revista desta decisão para o Bundesfinanzhof, alegando que a Faxworld GbR não tem direito à dedução em virtude de não ser um empresário pois não teve, em momento algum, a intenção de, por si só, efectuar prestações tributáveis, por um lado, e de não se lhe poder imputar a actividade da Faxworld AG, por outro.
18 O Bundesfinanzhof, que, por seu lado, se inclina a reconhecer à Faxworld GbR o direito à dedução do imposto a montante, considera, em primeiro lugar, que as prestações em favor da Faxworld GbR no âmbito da projectada constituição da sociedade de capitais constituem custos que, pela sua própria natureza, são inerentes ao conjunto das actividades económicas da empresa (acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.os 35 e 36).
19 Em segundo lugar, o Bundesfinanzhof entende que, se a transferência, por parte da Faxworld GbR, de todos os seus activos para a Faxworld AG, que foi a única operação que efectuou a jusante, devesse ser considerada uma «transferência de uma universalidade de bens» na acepção do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva e não uma operação tributável na acepção do artigo 17.°, n.° 2, da mesma directiva, seria tentador ligar as prestações a montante da Faxworld GbR às operações tidas em vista pela Faxworld AG.
20 Notando, todavia, que, segundo o acórdão Abbey National, já referido, o sujeito passivo só pode deduzir o IVA das prestações a montante utilizadas para os fins das próprias operações tributáveis e que, portanto, não devia ser possível tomar em consideração as operações do beneficiário da transferência, o Bundesfinanzhof observa que, no processo principal, a falta de continuidade jurídica entre a Faxworld GbR, por um lado, e a Faxworld AG, por outro, se deve unicamente às especificidades do direito civil alemão no que se refere à constituição de sociedades de capitais. De resto, sublinhando que o princípio da neutralidade fiscal, aplicável ao regime do IVA, se opõe a que operadores económicos que tenham efectuado as mesmas operações sejam tratados diferentemente no que respeita à respectiva tributação, o Bundesfinanzhof considera que as especificidades do direito civil alemão no que respeita à constituição de sociedades de capitais não podem ter a consequência de excluir o direito à dedução durante a fase de preparação (acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20).
21 Tendo em conta estas considerações, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Uma sociedade civil, criada com o único objectivo de constituição duma sociedade comercial, tem direito à dedução do imposto suportado a montante sobre serviços que lhe tenham sido prestados e bens que tenha adquirido, se, após a constituição da sociedade comercial, transferir a título oneroso e por acto formal, para a referida sociedade comercial posteriormente constituída, as prestações anteriormente adquiridas, e quando, desde o início, não tinha a intenção de efectuar outras operações de entregas de bens e de prestação de serviços a terceiros e, no Estado-Membro em causa, a transferência de uma universalidade de bens não for considerada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços (artigo 5.°, n.° 8, primeiro período, e artigo 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva [...])?»
22 O Bundesfinanzhof acrescenta que, em caso de resposta negativa do Tribunal de Justiça a esta questão, se coloca a questão subsidiária de saber se a sociedade de capitais, no presente litígio, a Faxworld AG, terá direito à dedução do imposto pago a montante relativamente às prestações fornecidas à Vorgründungsgesellschaft, aqui, a Faxworld GbR, mesmo que a sociedade de capitais, no momento do fornecimento das prestações, ainda não estivesse constituída.
23 Com a sua questão, o Bundesfinanzhof pretende saber, em substância, se a Sexta Directiva autoriza o direito à dedução do IVA pago por uma sociedade civil, criada com o único objectivo de constituir uma sociedade de capitais, se a única operação a jusante da referida sociedade civil tiver sido a transferência da integralidade dos seus bens para a referida sociedade de capitais, após a sua constituição, e, em virtude de o Estado-Membro em causa ter utilizado as opções que lhe são dadas pelos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, se considere que essa transferência não implica uma qualquer entrega de bens ou prestação de serviços.
24 No que respeita ao direito à dedução, o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva estabelece que o sujeito passivo pode deduzir do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo, «[d]esde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis». Resulta, assim, do teor desta disposição que, para efeitos de acesso ao direito à dedução, é necessário que o interessado seja um «sujeito passivo» na acepção da Sexta Directiva, por um lado, e que os bens e serviços em questão tenham sido utilizados para os fins das operações tributáveis, por outro.
Quanto à qualificação da Faxworld GbR como sujeito passivo
25 No que respeita à qualificação da Faxworld GbR como sujeito passivo, o artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva prevê que por sujeito passivo se entende qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades referidas no n.° 2 do mesmo artigo, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade. De acordo com o mencionado n.° 2, as actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços.
26 Só o Governo alemão considera que a Faxworld GbR não é um sujeito passivo na acepção da Sexta Directiva por essa sociedade não exercer actividades económicas. Em apoio deste argumento, alega, por um lado, que todas as actividades a montante da Faxworld GbR só se destinavam a preparar a actividade económica de uma outra entidade jurídica a constituir, ou seja, a Faxworld AG. Por outro lado, a cessão dos bens da Faxworld GbR à Faxworld AG, única actividade a jusante da Faxworld GbR, constitui uma cessão de empresa isenta, em conformidade como o artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva.
27 Estes argumentos não podem ser acolhidos. Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 4.° da Sexta Directiva confere um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, englobando todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (v. acórdãos de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, 235/85, Colect., p. 1471, n.° 7; de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties, 348/87, Colect., p. 1737, n.° 10, e de 4 de Dezembro de 1990, van Tiem, C-186/89, Colect., p. I-4363, n.° 17).
28 Segundo jurisprudência constante, um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva, actua na qualidade de sujeito passivo (acórdão de 11 de Julho de 1991, Lennartz, C-97/90, Colect., p. I-3795, n.° 14; de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.° 47, e de 8 de Junho de 2000, Breitsohl, C-400/98, Colect., p. I-4321, n.° 34), mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para a referida actividade económica (v., nesse sentido, acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 22). Ao contrário do que sustenta o Governo alemão, a validade destas conclusões não é minimamente limitada pela identidade do empresário que exerce a actividade económica em questão.
29 Em segundo lugar, o argumento do Governo alemão assente no facto de a República Federal da Alemanha ter utilizado a opção dada pelo artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva para subtrair a única operação a jusante da Faxworld GbR do âmbito de aplicação do artigo 4.° dessa mesma directiva é incorrecto. De acordo com os objectivos da Sexta Directiva, que visa, designadamente, basear o sistema comum do IVA numa definição uniforme dos «sujeitos passivos», esta qualidade deve ser apreciada exclusivamente com base nos critérios enunciados no artigo 4.° da Sexta Directiva (acórdão van Tiem, já referido, n.° 25). Daqui resulta que o âmbito de aplicação do artigo 4.° da Sexta Directiva não pode ser alterado pela circunstância de um Estado-Membro utilizar ou não a opção dada pelo artigo 5.°, n.° 8, dessa mesma directiva, que lhe permite considerar que, por ocasião da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, não se verificou uma entrega de bens (v., no que respeita à utilização, por um Estado-Membro, da opção prevista no artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Directiva, acórdão van Tiem, já referido, n.° 26).
30 Por conseguinte, há que considerar que uma sociedade como a Faxworld GbR é um sujeito passivo na acepção da Sexta Directiva.
Quanto à existência de operações tributáveis na acepção do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva
31 Tal como se indicou no n.° 24 do presente acórdão, o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva estabelece que um sujeito passivo pode deduzir o IVA incidente sobre os bens e serviços utilizados «para os fins das próprias operações tributáveis». No que respeita à identificação das operações tributáveis de um sujeito passivo, o artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva estabelece a regra geral de que estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
32 Todavia, se um Estado-Membro tiver feito uso das opções previstas nos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, considera-se que, quando da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, não se verifica nenhuma entrega de bens ou prestação de serviços.
33 No que respeita à Faxworld GbR, uma vez que a sua única operação a jusante, no âmbito das opções dadas pelos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, utilizadas pela República Federal da Alemanha, foi a transferência da universalidade dos seus bens, conclui-se que ela própria não realizou quaisquer operações tributáveis na acepção do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva.
34 A este propósito, a Faxworld GbR sustenta que ela própria e a Faxworld AG constituem uma única entidade económica. Como os bens e serviços adquiridos pela Faxworld GbR se destinavam a ser utilizados para os fins das operações tributáveis da Faxworld AG, tem o direito de deduzir o imposto a montante. Além disso, observa que, segundo o acórdão Breitsohl, já referido, o direito de deduzir o IVA pago sobre os bens ou serviços adquiridos com vista à realização de um projecto de actividade económica subsiste mesmo quando a Administração Fiscal sabe, desde a primeira liquidação do imposto, que a actividade económica prevista, que devia dar lugar a operações tributáveis, não será exercida. Esta regra aplica-se a fortiori quando, como no processo principal, a actividade económica foi exercida.
35 Segundo o Governo alemão, se, ao contrário do que sustenta, a Faxworld GbR for considerada sujeito passivo na acepção da Sexta Directiva, esta sociedade não tem o direito de deduzir o IVA que incide sobre as suas operações a montante. Segundo afirma, decorre do acórdão Abbey National, já referido, que, se o Estado-Membro em causa tiver utilizado a opção prevista no artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva, a dedução do imposto a montante no caso da cessão total da empresa só é possível quando as operações a montante estiverem incluídas nas despesas gerais do empresário. Contudo, no processo principal, a única operação a jusante realizada pela Faxworld GbR foi a cessão dos seus bens à Faxworld AG, o que implica que a Faxworld GbR não se pode prevalecer do direito à dedução previsto no artigo 17.° da Sexta Directiva.
36 Embora não conteste a qualificação da Faxworld GbR como sujeito passivo, a Comissão compartilha a análise do Governo alemão no que respeita ao acesso ao direito à dedução por parte dessa sociedade. Baseando-se no acórdão Abbey National, já referido, n.° 28, segundo o qual o direito à dedução pressupõe que as despesas efectuadas com a aquisição das prestações a montante devem ter feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas, sustenta que a dedução do IVA a montante pressupõe a existência de operações tributáveis, que a Faxworld GbR nunca teve a intenção de realizar.
37 A título liminar, importa observar que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de, em princípio, as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos Rompelman, já referido, n.° 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 15; Gabalfrisa e.o., já referido, n.° 44; de 8 de Junho de 2000, Midlank Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.° 19, e Abbey National, já referido, n.° 24). Tendo em conta a generalidade deste direito, só são autorizadas excepções ao mesmo nos casos expressamente previstos pela directiva (v., nesse sentido, acórdão Ghent Coal Terminal, já referido, n.° 16).
38 No processo que esteve na origem do acórdão Abbey National, já referido, o sujeito passivo em questão, que tinha efectuado uma cessão de empresa, pretendia exercer o direito de deduzir o IVA relativo aos serviços que tinha recebido a fim de poder realizar essa cessão quando, devido ao exercício, pelo Estado-Membro em causa, da opção dada pelo artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva, essa cessão não constituía uma operação tributável.
39 Ao reconhecer ao referido sujeito passivo o direito de, em princípio, deduzir o IVA, verificou-se que os custos dos serviços em questão faziam parte das suas despesas gerais e que, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo deixa de realizar operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da actividade económica da sua empresa antes da transmissão. De outra forma, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado, as despesas efectuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efectiva desta e as efectuadas no decurso da referida exploração e, por outro, as despesas efectuadas para pôr termo a essa exploração (acórdão Abbey National, já referido, n.° 35).
40 Esta interpretação permitiu libertar o sujeito passivo em causa do ónus do IVA pago no âmbito da sua actividade económica. Foi nestas circunstâncias que o argumento adicional do sujeito passivo, segundo o qual este devia ter a possibilidade de se prevalecer das operações tributáveis do cessionário para poder deduzir a totalidade do IVA que incidiu sobre os referidos serviços, não foi aceite (acórdão Abbey National, já referido, n.os 31 e 32).
41 Contudo, diversamente do que sucedeu no processo que esteve na origem do acórdão Abbey National, já referido, o próprio sujeito passivo, no processo principal, ou seja, a Faxworld GbR, não tinha sequer a intenção, enquanto Vorgründungsgesellschaft, de realizar operações tributáveis, pois o seu objecto social era apenas o de preparar a actividade da Aktiengesellschaft. Ora, não é menos verdade que o IVA que a Faxworld GbR pretende deduzir se reporta às prestações que adquiriu com vista à realização de operações tributáveis, embora estas últimas sejam apenas operações projectadas da Faxworld AG.
42 Nestas circunstâncias precisas, e para poder garantir a neutralidade da carga fiscal, há que considerar que, se o Estado-Membro tiver utilizado as opções previstas nos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, como, por força dessas disposições, «o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente», uma Vorgründungsgesellschaft deverá ter a possibilidade de, enquanto transmitente, tomar em consideração as operações tributáveis do cessionário, ou seja, a Aktiengesellschaft, para poder deduzir o IVA que incide sobre as suas prestações a montante, prestações essas que foram adquiridas para os fins das operações tributáveis do referido cessionário.
43 Por conseguinte, há que responder à questão colocada pelo Bundesfinanzhof que uma sociedade civil, criada com o único objectivo de constituir uma sociedade de capitais, tem direito à dedução do imposto suportado a montante em relação a serviços que lhe tenham sido prestados e a bens que tenha adquirido, se, em conformidade com o seu objecto social, a sua única operação a jusante tiver sido a transferência, a título oneroso e por acto formal, para a referida sociedade de capitais, após a sua constituição, das prestações anteriormente adquiridas e se, por o Estado-Membro em causa ter utilizado as opções previstas nos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva, não se verificar nenhuma entrega de bens ou prestação de serviços quando da transferência de uma universalidade de bens.
44 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Bundesfinanzhof, por decisão de 23 de Janeiro de 2002, declara:
1)Uma sociedade civil, criada com o único objectivo de constituir uma sociedade de capitais, tem direito à dedução do imposto suportado a montante em relação a serviços que lhe tenham sido prestados e a bens que tenha adquirido, se, em conformidade com o seu objecto social, a sua única operação a jusante tiver sido a transferência, a título oneroso e por acto formal, para a referida sociedade de capitais, após a sua constituição, das prestações anteriormente adquiridas e se, por o Estado-Membro em causa ter utilizado as opções previstas nos artigos 5.°, n.° 8, e 6.°, n.° 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de l977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, não se verificar nenhuma entrega de bens ou prestação de serviços quando da transferência de uma universalidade de bens.
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Rosas |
von Bahr |
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.
O secretário |
O presidente |
R. Grass |
V. Skouris |
1 – Língua do processo: alemão.