Processo C-305/03
Comissão das Comunidades Europeias
contra
Reino Unido de Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte
«Incumprimento de Estado – Sexta Directiva IVA – Artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1 – Operação no território do país – Venda em hasta pública de objectos de arte importados em regime de importação temporária – Comissão dos leiloeiros»
Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 24 de Fevereiro de 2005
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de Fevereiro de 2006
Sumário do acórdão
Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Faculdade de os Estados-Membros isentarem as entregas de bens importados em regime de importação temporária e as prestações a elas referentes
[Directiva 77/388 do Conselho, artigos 2.°, ponto 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1]
Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção dada pela Directiva 1999/49, um Estado-Membro que aplica uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado à comissão recebida pelos leiloeiros nas vendas em hasta pública de objectos de arte, peças de colecção e antiguidades, importados em regime de importação temporária.
Com efeito, para tributar tanto a importação como a venda em hasta pública de acordo com as condições referidas no artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva, importa distinguir, no preço de adjudicação, a parte correspondente à comissão do leiloeiro da correspondente ao valor aduaneiro do bem importado. A primeira constitui, assim, a matéria colectável da venda em hasta pública, calculada nos termos do artigo 26.°A da Sexta Directiva e tributada à taxa normal prevista no artigo 12.°, n.° 3, alínea a), desta directiva, ao passo que a segunda corresponde ao valor aduaneiro da mercadoria, que está sujeito a imposto sobre o valor acrescentado na importação e é tributado a uma taxa reduzida efectiva aplicável ao Estado-Membro em questão nos termos do artigo 11.°, B, n.° 6, da referida directiva.
(cf. n.os 43, 51, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
9 de Fevereiro de 2006 (*)
«Incumprimento de Estado – Sexta Directiva IVA – Artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1 – Operação no território do país – Venda em hasta pública de objectos de arte importados em regime de importação temporária – Comissão dos leiloeiros»
No processo C-305/03,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 16 de Julho de 2003,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Jackson e R. Caudwell, na qualidade de agentes, assistidas por N. Paines, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandado,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: A. Rosas, presidente de secção, J.-P. Puissochet, S. von Bahr, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,
advogada-geral: J. Kokott,
secretária: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 16 de Dezembro de 2004,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 24 de Fevereiro de 2005,
profere o presente
Acórdão
1 Na petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal que declare que o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção dada pela Directiva 1999/49/CE do Conselho, de 25 de Maio de 1999 (JO L 139, p. 27, a seguir «Sexta Directiva»), ao aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») à comissão recebida pelos leiloeiros nas vendas em hasta pública de objectos de arte, peças de colecção e antiguidades (a seguir «objectos de arte»), importados em regime de importação temporária.
2 A presente acção tem por objecto, mais precisamente, o tratamento do IVA aplicado às vendas em hasta pública de objectos de arte que são colocados no Reino Unido em regime de importação temporária e são importados para o território comunitário após a sua venda.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
Sexta Directiva
3 O artigo 2.° desta directiva prevê:
«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:
1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;
2. As importações de bens.»
4 Nos termos do artigo 5.°, n.° 4, alínea c), é igualmente considerada entrega, na acepção do n.° 1 do mesmo artigo:
«c) A transferência de um bem efectuada por força de um contrato de comissão de compra ou de venda.»
5 O artigo 11.°, B, n.os 1, 3 e 6, da Sexta Directiva dispõe:
«1. A matéria colectável é constituída, inclusive no caso de importação dos bens referidos no n.° 1, alínea b), do artigo 7.°, pelo valor definido como o valor aduaneiro pelas disposições comunitárias em vigor.
[...]
3. A matéria colectável inclui, desde que nela não se encontrem já incluídos:
a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos fora do Estado-Membro de importação, e bem assim os que são devidos em virtude da própria importação, com excepção do imposto sobre o valor acrescentado a cobrar;
b) As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, de embalagem, de transporte e de seguro, verificadas até ao primeiro lugar de destino dos bens no território do Estado-Membro de importação.
Por ‘primeiro lugar de destino’ deve entender-se o que consta da guia de remessa ou de qualquer outro documento ao abrigo do qual os bens entram no Estado-Membro de importação. Na falta dessa indicação, considera-se primeiro lugar de destino aquele em que ocorre a primeira ruptura de carga no Estado-Membro de importação.
Devem ser igualmente incluídas na matéria colectável as despesas acessórias acima referidas se estas forem resultantes do transporte para outro lugar de destino situado no território da Comunidade, se esse último lugar for conhecido no momento em que ocorre o facto gerador do imposto.
[...]
6. Em derrogação dos n.os 1 a 4, os Estados-Membros que, em 1 de Janeiro de 1993, não usavam da faculdade prevista no n.° 3, alínea a), terceiro parágrafo, do artigo 12.° podem estabelecer que, para a importação de objectos de arte [...] definidos no ponto A, alíneas a), b) e c), do artigo 26.°A, a matéria colectável seja igual a uma fracção do montante determinado nos termos dos n.os 1 a 4.
Esta fracção será determinada de forma que o [IVA] assim devido na importação seja, em qualquer caso, igual a pelo menos 5% do montante determinado nos termos dos n.os 1 a 4.»
6 O artigo 12.°, n.° 3, da referida directiva tem a seguinte redacção:
«a) Os Estados-Membros fixarão a taxa normal do [IVA] sob a forma de uma percentagem da matéria colectável, igual para o fornecimento de bens e a prestação de serviços. Entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Dezembro de 2000 essa percentagem não pode ser inferior a 15%.
[…]
Os Estados-Membros podem igualmente aplicar uma ou duas taxas reduzidas. Essas taxas serão fixadas sob a forma de uma percentagem da matéria colectável que não pode ser inferior a 5% e serão aplicáveis apenas ao fornecimento de bens e à prestação de serviços das categorias referidas no anexo H.
[…]
c) Os Estados-Membros podem estabelecer que a taxa reduzida ou uma das taxas reduzidas, que aplicam nos termos do terceiro parágrafo da alínea a), seja igualmente aplicável às importações de objectos de arte […] definidos no ponto A, alíneas a), b) e c) do artigo 26.°A.
[…]»
7 O artigo 14.°, n.° 1, desta directiva estabelece que os Estados-Membros isentarão na importação, entre outras:
«i) As prestações de serviços conexas com a importação de bens e cujo valor se encontre incluído na matéria colectável, nos termos do disposto em B), 3b) do artigo 11.°;».
8 O artigo 16.° da Sexta Directiva, na versão resultante do artigo 28.°C da mesma directiva, prevê uma série de isenções relacionadas com o tráfego internacional de bens e precisa, no seu n.° 1:
«1. Sem prejuízo de outras disposições fiscais comunitárias, os Estados-Membros podem, sob reserva da consulta prevista no artigo 29.°, adoptar medidas especiais para isentar as operações adiante enunciadas ou algumas delas, desde que não se destinem a utilização definitiva e/ou a consumo final e que o montante do [IVA] devido à saída dos regimes ou situações referidos nos pontos A a E corresponda ao montante do imposto devido se cada uma dessas operações tivesse sido tributada no território do país:
[...]
E. As entregas:
– de bens a que se refere o n.° 1, alínea a), do artigo 7.°, com manutenção dos regimes de admissão temporária com isenção total de direitos de importação ou de trânsito externo,
[...]
bem como as prestações de serviços relacionadas com essas entregas.
Em derrogação do n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, do artigo 21.°, o devedor do imposto devido nos termos do primeiro parágrafo é a pessoa que faz sair os bens dos regimes ou situações enumerados no presente número.
Quando a saída dos bens dos regimes ou situações referidos no presente número der lugar a uma importação na acepção do n.° 3 do artigo 7.°, o Estado-Membro de importação tomará as medidas necessárias para evitar uma dupla tributação no território do país.
[...]»
9 A Directiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera a Directiva 77/388 (JO L 60, p. 16), que deveria ser transposta pelos Estados-Membros antes de 1 de Janeiro de 1995, aditou à Sexta Directiva o artigo 26.°A. Esta disposição, sob a epígrafe «Regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte e de colecção e às antiguidades», tem a seguinte redacção:
«A. Definições
Para efeitos do presente artigo e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, entende-se por:
[...]
e) Sujeito passivo revendedor, o sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade económica, compra ou afecta às necessidades da sua empresa, ou importa para revenda, bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção ou antiguidades, quer esse sujeito passivo actue por conta própria ou por conta de outrem nos termos de um contrato de comissão de compra e venda;
f) Organizador de vendas em hasta pública, qualquer sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade económica, proponha a venda de um bem em hasta pública com vista à sua adjudicação ao licitante que fizer o lance mais alto;
g) Comitente de um organizador de vendas em hasta pública, qualquer pessoa que entregue um bem a um organizador de vendas em hasta pública nos termos de um contrato de comissão de venda que inclua as seguintes disposições:
– o organizador da venda em hasta pública propõe o bem em hasta pública em seu nome mas por conta do comitente;
– o organizador da venda em hasta pública entrega o bem, em seu nome mas por conta do comitente, ao licitante que fizer o lance mais alto na hasta pública em que o bem é adjudicado.
[...]
C. Regime especial das vendas em hasta pública
1. Em derrogação do ponto B, os Estados-Membros podem determinar, nos termos das disposições seguintes, a matéria colectável das entregas de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, efectuadas por um organizador de vendas em hasta pública, que actue em nome próprio, nos termos de um contrato de comissão de venda desses bens em hasta pública por conta:
[...]
2. A matéria colectável de cada entrega de bens referida no n.° 1 é constituída pelo montante total facturado ao comprador, nos termos do n.° 4, pelo organizador de vendas em hasta pública, deduzido:
– o montante líquido pago ou a pagar pelo organizador de vendas em hasta pública ao seu comitente, determinado nos termos do n.° 3
e
– o montante do imposto devido pelo organizador de vendas em hasta pública pela sua entrega.
3. O montante líquido pago ou a pagar pelo organizador de vendas em hasta pública ao seu comitente é igual à diferença entre:
– o preço de adjudicação do bem em hasta pública
e
– o montante da comissão obtida ou a obter pelo organizador de vendas em hasta pública do respectivo comitente, nos termos do contrato de comissão de venda.
[...]
7. A entrega de um bem a um sujeito passivo organizador de vendas em hasta pública considerar-se-á efectuada no momento da realização da venda desse bem em hasta pública.
[...]»
10 O artigo 28.°, n.° 1A, da Sexta Directiva, cuja redacção consta da Directiva 94/5, precisa que o Reino Unido podia aplicar, até 30 de Junho de 1999, uma taxa reduzida, não inferior a 2,5%, às importações de objectos de arte. A partir dessa data, esse Estado-Membro era obrigado a aplicar a essas importações uma taxa normal ou, ao abrigo da derrogação a que se refere o artigo 11.°, B, n.° 6, da Sexta Directiva, uma taxa reduzida não inferior a 5%.
Código aduaneiro
11 O artigo 29.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), precisa:
«1. O valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transaccional, isto é, o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade, eventualmente, após ajustamento efectuado nos termos dos artigos 32.° e 33.° [...].
[...]
3. a) O preço efectivamente pago ou a pagar é o pagamento total efectuado ou a efectuar pelo comprador ao vendedor, ou em benefício deste, pelas mercadorias importadas e compreende todos os pagamentos efectuados ou a efectuar, como condição da venda das mercadorias importadas, pelo comprador ao vendedor, ou pelo comprador a uma terceira pessoa para satisfazer uma obrigação do vendedor. [...]»
12 As regras detalhadas de aplicação do código aduaneiro estão enunciadas no Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1), com a redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 993/2001 da Comissão, de 4 de Maio de 2001 (JO L 141, p. 1). As disposições relevantes deste regulamento são as seguintes:
«Artigo 576.°
[...]
3. A isenção total de direitos de importação é concedida:
a) Aos objectos de arte [...], tais como definidos no anexo I da Directiva 77/388/CEE, importados para serem expostos com vista a uma eventual venda;
b) A mercadorias que não tenham sido fabricadas recentemente e que sejam importadas para serem vendidas em leilão.
[...]
Artigo 582.°
1. Sempre que as mercadorias sujeitas ao regime em conformidade com o artigo 576.° forem declaradas para introdução em livre prática, o montante da dívida é determinado com base nos elementos de cálculo aplicáveis a essas mercadorias no momento da aceitação da declaração de introdução em livre prática.
[…]»
Legislação nacional
13 Resulta dos autos que a Portaria de 10 de Maio de 1995, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (disposições especiais) [Value Added Tax (Special Provisions) Order 1995 (SI 1995/1268)], que entrou em vigor em 1 de Junho de 1995 e transpôs a Directiva 94/5 no Reino Unido, prevê, no seu artigo 12.°, a aplicação do regime de comissões às entregas de objectos de arte pelos organizadores de vendas em hasta pública.
14 O artigo 3.° da Portaria de 30 de Março de 1995, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (tratamento das operações) [Value Added Tax (Treatment of Transactions) Order 1995 (SI 1995/958)], dispõe que não se considera entrega de bens nem prestação de serviços a transmissão da propriedade de um objecto de arte importado para revenda, quando essa transmissão ocorre enquanto o objecto ainda se encontra em regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação em conformidade com as disposições relevantes do código aduaneiro.
Matéria de facto e fase pré-contenciosa
15 No Reino Unido, os objectos de arte são importados para eventual venda em hasta pública, no âmbito do procedimento de importação temporária com isenção total dos direitos de importação. Se, após a venda em hasta pública, o objecto for definitivamente importado para a Comunidade Europeia, o IVA é calculado com base no preço obtido na venda em hasta pública, incluindo a margem de lucro do leiloeiro. A seguir, esta importância é reduzida nos termos do artigo 11.°, B, n.° 6, da Sexta Directiva, de modo a que a taxa efectiva de imposto seja igual a 5% da matéria colectável aplicável.
16 Após ter verificado que o Reino Unido, contrariamente às obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.°, n.° 1A, e 28.°C, E, n.° 1, da Sexta Directiva, não tributa, à taxa normal, a margem de lucro que os leiloeiros obtêm com a venda em hasta pública de objectos de arte importados, a Comissão, em 17 de Março de 1997, enviou uma notificação para cumprir a esse Estado-Membro e deu início ao procedimento por incumprimento previsto no artigo 226.° CE.
17 Para precisar o seu ponto de vista, a Comissão enviou ao Reino Unido uma notificação para cumprir complementar, datada de 10 de Agosto de 1998, em que precisava que esse Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força não só dos artigos 28.°, n.° 1A, e 28.°C, E, n.° 1, da Sexta Directiva mas também dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 26.°A da mesma directiva.
18 Como não considerou satisfatórias as respostas das autoridades do Reino Unido de 15 de Maio de 1997 e de 12 de Outubro de 1998, a Comissão enviou a esse Estado-Membro, em 3 de Agosto de 2000, um parecer fundamentado no qual o convidava a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao referido parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação.
19 As autoridades do Reino Unido responderam por ofício de 16 de Novembro de 2000, reiterando os pontos de vista expendidos anteriormente. Como considerou que este Estado-Membro não tinha tomado as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo fixado, a Comissão decidiu propor a presente acção.
Quanto à acção
Quanto à admissibilidade
20 O Governo do Reino Unido alegou, na tréplica e na fase oral, que a Comissão apresentou na réplica um novo fundamento que não invocara na fase pré-contenciosa, o que faz com que a acção seja inadmissível.
21 No parecer fundamentado e na petição inicial, a Comissão acusou o Reino Unido de não ter sujeitado a margem de lucro que os leiloeiros obtêm com a venda em hasta pública de objectos de arte importados em regime de importação temporária ao IVA sobre as entregas no território do país, na acepção do artigo 2.° da Sexta Directiva. Em contrapartida, na réplica, a Comissão considerou que o Reino Unido tinha procedido correctamente ao incluir a referida margem no montante tributável na importação, mas que tinha calculado erradamente o IVA na importação.
22 O objecto de uma acção por incumprimento proposta nos termos do artigo 226.° CE é delimitado pela fase pré-contenciosa prevista nesta disposição (v. acórdãos de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C-152/98, Colect., p. I-3463, n.° 23; de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália, C-439/99, Colect., p. I-305, n.° 11; e de 16 de Junho de 2005, Comissão/Itália, C-456/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35). Consequentemente, a acção deve basear-se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 1 de Dezembro de 1993, Comissão/Dinamarca, C-234/91, Colect., p. I-6273, n.° 16, e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C-35/96, Colect., p. I-3851, n.° 28). Quando uma acusação não tenha sido formulada no parecer fundamentado, é inadmissível na fase do processo no Tribunal de Justiça (acórdão de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália, já referido, n.° 11).
23 Todavia, esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em todos os casos, uma coincidência perfeita entre a parte decisória do parecer fundamentado e as conclusões da petição, quando o objecto do litígio não tenha sido alargado ou alterado, mas, pelo contrário, simplesmente restringido (acórdãos de 11 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C-139/00, Colect., p. I-6407, n.° 19, e de 1 de Fevereiro de 2005, Comissão/Áustria, C-203/03, Colect., p. I-935, n.° 29).
24 No caso vertente, a Comissão sustentou sempre, durante as fases pré-contenciosa e contenciosa, que o Reino Unido aplica uma taxa reduzida de IVA à margem de lucro do leiloeiro, contrariamente às obrigações que lhe incumbem por força da Sexta Directiva. A questão de saber se esta margem é ou não um componente do valor aduaneiro em nada altera o facto de esse Estado-Membro lhe aplicar uma taxa reduzida efectiva. A posição da Comissão, de que essa margem deve ser tributada à taxa normal, não se alterou no decurso da acção.
25 Por conseguinte, há que julgar improcedente o pedido do Reino Unido de que o Tribunal declare que a Comissão invocou um fundamento novo.
Quanto ao mérito
26 A questão principal na presente acção é a de saber se a margem de lucro que os leiloeiros obtêm com a venda em hasta pública de objectos de arte importados em regime de importação temporária deve ser tributada como uma operação no território do país, de acordo com as condições referidas no artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Porém, a Comissão invoca igualmente a violação dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), e 12.°, n.° 3. Importa, portanto, verificar se está provada a alegada violação destas disposições.
27 A Comissão observa que a situação em causa compreende dois factos geradores do imposto: por um lado, uma importação de bens e, por outro, uma operação no território do país. Em todos os casos em que uma importação é seguida de uma venda por um sujeito passivo, tanto a importação como a venda devem ser tributadas.
28 A Comissão acusa o Reino Unido de não ter distinguido o segundo facto gerador do imposto, ou seja, a venda em hasta pública, e de não o ter tributado como operação no território do país. Por isso, este Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), e 12.°, n.° 3, da Sexta Directiva.
29 O Governo do Reino Unido reconhece que há potencialmente dois factos geradores do imposto, a saber, a importação dos bens e a sua venda em hasta pública. Todavia, segundo este governo, enquanto os objectos de arte em causa estão colocados num regime de importação temporária, as vendas em hasta pública em questão são vendas para exportação para o território aduaneiro da Comunidade, na acepção do artigo 29.° do código aduaneiro, e não podem constituir, simultaneamente, operações no Reino Unido.
30 O artigo 2.° da Sexta Directiva distingue duas categorias de operações sujeitas a IVA: por um lado, as operações efectuadas no território do país e, por outro, as importações de bens.
31 Resulta do artigo 5.°, n.° 4, alínea c), da referida directiva que o leiloeiro procede a uma entrega de bens quando transfere um bem por força do contrato de comissão celebrado entre ele e o vendedor ou o comprador.
32 O artigo 12.°, n.° 3, da Sexta Directiva fixa uma taxa normal de IVA aplicável a toda e qualquer operação tributável que não dê lugar a uma taxa reduzida.
33 Como o Tribunal já decidiu, a análise das características do sistema comum do IVA permite concluir que, para toda e qualquer operação no território de um Estado-Membro, o facto gerador do imposto é constituído pela entrega de um bem efectuada a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, ao passo que, para toda e qualquer operação de importação, o facto gerador do imposto é constituído unicamente pela entrada do bem no território de um Estado-Membro, quer haja ou não transacção e quer a operação seja efectuada, a título oneroso ou a título gratuito, por um sujeito passivo ou por um particular (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Maio de 1982, Schul, 15/81, Recueil, p. 1409, n.° 14).
34 No caso vertente, os objectos de arte importados para venda em hasta pública são colocados, a partir do momento em que entram na Comunidade, num regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação, desde que o seu destino final não seja conhecido antes da venda. Se o bem for vendido a um comprador da Comunidade, a importação é efectuada para o Estado-Membro em cujo território o bem sai desse regime.
35 A Sexta Directiva prevê dois regimes fiscais diferentes a aplicar, respectivamente, em caso de importação e em caso de venda em hasta pública de objectos de arte. Por um lado, no que respeita à importação, que está sujeita a IVA por força do artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Directiva, o artigo 12.°, n.° 3, alínea c), da mesma e, a título de derrogação, o seu artigo 11.°, B, n.° 6, prevêem uma taxa reduzida de IVA a aplicar ao valor aduaneiro do bem importado. Por outro lado, no que respeita à venda em hasta pública, o disposto no artigo 26.°A, C, da Sexta Directiva tem, nomeadamente, por efeito individualizar a comissão do leiloeiro face ao valor global do bem, quando este procede a uma entrega na acepção do artigo 5.°, n.° 4, alínea c), desta directiva. Assim, a referida comissão constitui a matéria colectável da venda em hasta pública, tributada à taxa normal prevista no artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da mesma directiva.
36 A Comissão sustenta que o artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe imperativamente que todas as operações efectuadas enquanto as mercadorias estão sujeitas ao regime de importação temporária devem, se estas forem seguidamente importadas, ser tributadas como se as referidas operações tivessem sido efectuadas após a sua importação definitiva. Por isso, a taxa reduzida efectiva deveria ser aplicada ao valor das mercadorias antes da respectiva venda em hasta pública, isto é, ao preço pago pelo comprador no acto dessa venda, após dedução da comissão do leiloeiro. A taxa normal de IVA seria em seguida aplicada à referida comissão, nos termos do artigo 26.°A, C, da referida directiva.
37 A Comissão precisa, além do mais, que esta regra vale independentemente das regras gerais em matéria de determinação do valor aduaneiro, enunciadas nos artigos 29.° e 144.° do código aduaneiro, e das constantes do artigo 11.°, B, n.° 1, da Sexta Directiva.
38 O Governo do Reino Unido contesta esta argumentação. Segundo afirma, o regime fiscal que aplica é compatível com o artigo 16.° da Sexta Directiva, pois resulta claramente desta disposição e do artigo 11.°, B, do mesmo diploma que o custo dessas operações está incluído na matéria colectável na importação e não é tributado como operação no território do país, como sucederia com uma operação ocorrida após a importação definitiva. Haveria lugar a dupla tributação se as comissões dos leiloeiros fossem novamente tributadas enquanto contrapartida de uma operação no interior do território.
39 É pacífico que o artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva estabelece, atendendo ao regime previsto no título E desse artigo, que os Estados-Membros podem isentar de IVA determinadas operações sobre bens sujeitos ao regime de importação temporária, desde que não se destinem a uma utilização ou a um consumo finais e que o montante do IVA devido à saída do regime corresponda ao montante do imposto que teria sido pago se cada uma dessas operações tivesse sido tributada no território do país.
40 Esta disposição, quando oferece aos Estados-Membros a faculdade de isentar determinadas operações efectuadas no território do país sobre bens colocados nos regimes ou situações nela previstas, entre os quais o regime de importação temporária, impõe-lhes igualmente determinadas condições que devem ser cumpridas para que essa isenção seja aplicada.
41 Não obstante o momento da importação definitiva de um bem, colocado em regime de importação temporária desde a sua entrada na Comunidade, ser diferido, por aplicação do artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Directiva, para o momento em que o bem sai desse regime, decorre da derrogação prevista no artigo 16.°, n.° 1, desta directiva que todas as operações efectuadas ao abrigo do referido regime temporário devem ser tributadas como se tivessem sido efectuadas no território do país após a importação definitiva das mercadorias.
42 Assim sendo, nos casos em que um objecto de arte é vendido em hasta pública no regime de importação temporária e, na sequência desta operação, importado para o território comunitário, há que distinguir a venda em hasta pública da importação e tributar separadamente as duas operações.
43 Consequentemente, para tributar tanto a importação como a venda em hasta pública de acordo com as condições referidas no artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva, importa distinguir, no preço de adjudicação, a parte correspondente à comissão do leiloeiro da correspondente ao valor aduaneiro do bem importado. A primeira constitui, assim, a matéria colectável da venda em hasta pública, calculada nos termos do artigo 26.°A da Sexta Directiva e tributada à taxa normal prevista no artigo 12.°, n.° 3, alínea a), desta directiva, ao passo que a segunda corresponde ao valor aduaneiro da mercadoria, que está sujeito a IVA na importação e é tributado a uma taxa reduzida efectiva aplicável ao Reino Unido nos termos do artigo 11.°, B, n.° 6, da referida directiva.
44 Esta interpretação está em consonância com o objectivo do artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva, que consiste, nomeadamente, em garantir a neutralidade fiscal entre, por um lado, as operações que têm por objecto bens colocados em regime de importação temporária e seguidamente importados e, por outro, as que têm por objecto bens que se encontram já no território da Comunidade.
45 Tendo em conta a análise exposta no n.° 43 do presente acórdão e, mais particularmente, a circunstância de se dever distinguir o valor da comissão do leiloeiro do valor aduaneiro da mercadoria em causa, para efeitos da respectiva tributação, o argumento do Reino Unido de que a margem de lucro do leiloeiro faz parte do valor de importação, nos termos das disposições combinadas do artigo 11.°, B, n.os 1 e 3, alínea b), da Sexta Directiva e do artigo 29.° do código aduaneiro, não é procedente.
46 Há que julgar igualmente improcedente o argumento do Reino Unido de que o artigo 16.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva é uma disposição facultativa para os Estados-Membros, enquanto o último parágrafo dessa disposição, que fixa a obrigação de evitar a dupla tributação, é uma disposição imperativa. Esta última obrigação exige que os Estados-Membros não tratem a operação efectuada pelo leiloeiro como uma operação no território do país.
47 Como acertadamente sustenta a Comissão, o Estado-Membro, quando usa a faculdade oferecida pelo artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva, tomando medidas especiais que permitem isentar as operações relativas às mercadorias sob os regimes de importação temporária, deve cumprir todas as condições impostas por essa disposição.
48 Quanto à obrigação de evitar a dupla tributação, prevista no artigo 16.°, n.° 1, último parágrafo, da Sexta Directiva, sublinhe-se que esta disposição respeita ao devedor do imposto. Como resulta do parágrafo anterior da mesma disposição, por derrogação ao artigo 21.°, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, desta directiva, o devedor do imposto sobre as operações referidas no artigo 16.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da mesma directiva é quem faz sair os bens dos regimes ou situações enumerados nessa disposição. Com efeito, para prevenir qualquer confusão quanto ao referido devedor, a Sexta Directiva prevê a obrigação de evitar a dupla tributação, sem que isso tenha influência na taxa aplicável à margem de lucro do leiloeiro.
49 Nestes termos, atendendo a que a venda de objectos de arte em hasta pública, no âmbito do regime de importação temporária, seguida da importação para o território do Estado-Membro em causa, deve ser considerada uma operação efectuada no território do país e tributada como tal, há que concluir que a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva é procedente.
50 Uma vez que a venda em hasta pública deve, portanto, ser qualificada de «operação que teve lugar no território do país», há também que concluir que está provada a violação dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), e 12.°, n.° 3, da Sexta Directiva.
51 Conclui-se do exposto que o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva, ao aplicar uma taxa reduzida de IVA à comissão recebida pelos leiloeiros nas vendas em hasta pública de objectos de arte importados em regime de importação temporária.
Quanto às despesas
52 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, n.° 1, 5.°, n.° 4, alínea c), 12.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de l977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção dada pela Directiva 1999/49/CE do Conselho, de 25 de Maio de 1999, ao aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado à comissão recebida pelos leiloeiros nas vendas em hasta pública de objectos de arte, peças de colecção e antiguidades, importados em regime de importação temporária.
2) O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.