Processo C-200/04
Finanzamt Heidelberg
contra
iSt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)
«Sexta Directiva IVA – Regime especial das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos – Artigo 26.°, n.° 1 – Âmbito de aplicação – Preço global que inclui o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste Estado bem como o ensino de línguas – Prestação principal e prestações acessórias – Conceito – Directiva 90/314/CEE relativa a viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados»
Conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro apresentadas em 16 de Junho de 2005
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 13 de Outubro de 2005
Sumário do acórdão
Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Regime especial das agências de viagens – Âmbito de aplicação – Operadores económicos diferentes das agências de viagens que oferecem serviços que consistem na organização de viagens linguísticas e de estudos no estrangeiro – Inclusão
(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 26.°)
Segundo a jurisprudência, as razões subjacentes ao regime especial aplicável às agências de viagens e aos organizadores de circuitos turísticos constante do artigo 26.° da Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, são igualmente válidas quando o operador económico não é uma agência de viagens ou um organizador de circuitos turísticos na acepção geralmente atribuída a esses termos, mas efectua operações idênticas no quadro de outra actividade. Contudo, não há que tributar o operador económico nos termos do referido artigo quando as prestações adquiridas a terceiros para fornecer os serviços geralmente ligados a essas operações são puramente acessórias relativamente às prestações próprias.
Ora quando um operador económico oferece aos seus clientes, além das prestações relacionadas com a formação e a educação linguísticas, prestações de viagem cuja realização não pode deixar de se repercutir sensivelmente no preço global praticado, como o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste, essas prestações não podem ser equiparadas a prestações de serviços puramente acessórias. Com efeito, essas prestações não representam uma parte meramente marginal relativamente ao montante correspondente à prestação relacionada com a formação e a educação linguísticas oferecidas por esse operador aos seus clientes.
Nestas condições, o artigo 26.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a um operador económico que ofereça serviços que consistem na organização de viagens linguísticas e de estudos no estrangeiro, e que, em contrapartida do pagamento de um preço global, forneça, em nome próprio, aos seus clientes uma estadia no estrangeiro de três a dez meses, recorrendo para este efeito às prestações de serviços de outros sujeitos passivos.
(cf. n.os 22, 24, 27-29, 48, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
13 de Outubro de 2005 (*)
«Sexta Directiva IVA – Regime especial das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos – Artigo 26.°, n.° 1 – Âmbito de aplicação – Preço global que inclui o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste Estado bem como o ensino de línguas – Prestação principal e prestações acessórias – Conceito – Directiva 90/314/CEE relativa a viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados»
No processo C-200/04,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 18 de Março de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de Maio de 2004, no processo
Finanzamt Heidelberg
contra
ISt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris e G. Arestis (relator), juízes,
advogado-geral: M. Poiares Maduro,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 28 de Abril de 2005,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da iSt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH, por H.-J. Philipp e R. Binder, Wirtschaftsprüfer Steuerberater, assistidos por G. Wegscheider, Rechtsanwalt,
– em representação do Governo alemão, por A. Tiemann e C. Schulze-Bahr, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo helénico, por S. Spyropoulos e D. Kalogiros bem como por M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo cipriota, por E. Simeonidou, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou e K. Gross, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 16 de Junho de 2005,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial respeita à interpretação do artigo 26.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).
2 Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe o Finanzamt Heidelberg (a seguir «Finanzamt») à iSt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH (a seguir «iSt»), a respeito do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), na sequência da fiscalização, por parte dos serviços competentes, do volume de negócios realizado por esta sociedade desde 1995 até 1997.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
3 O artigo 13.° da Sexta Directiva, intitulado «Isenções no território do país», que figura no título X da mesma directiva, relativo às «isenções», dispõe o seguinte:
«A. Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral
1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas, com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:
[…]
i) A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou a reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente conexas, efectuadas por organismos de direito público prosseguindo o mesmo fim e por outros organismos que o Estado-Membro em causa considere prosseguirem fins análogos;
[…]».
4 O título XIV da Sexta Directiva, intitulado «Regimes especiais», inclui o artigo 26.°, ele mesmo vez intitulado «Regime especial das agências de viagens», que dispõe nos seus n.os 1 e 3:
«1. Os Estados-Membros aplicarão o imposto sobre o valor acrescentado às operações das agências de viagens, nos termos do presente artigo, quando as agências actuarem em nome próprio perante o cliente e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O presente artigo não se aplica às agências de viagens que actuem unicamente na qualidade de intermediário às quais é aplicável o disposto em A), 3, c), do artigo 11.° Para efeitos do disposto no presente artigo, são igualmente consideradas agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos.
[…]
3. Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem efectuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma actividade de intermediário, isenta por força do n.° 14 do artigo 15.° Se estas operações forem efectuadas tanto na Comunidade como fora dela, só deve ser considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens respeitante às operações efectuadas fora da Comunidade.»
5 Nos termos do artigo 1.° da Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59), esta tem por objecto «aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados, vendidos ou propostos para venda no território da Comunidade».
6 O artigo 2.° da referida directiva define viagem organizada como «a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma dormida:
a) Transporte;
b) Alojamento;
c) Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada.»
Regulamentação nacional
7 As disposições pertinentes da regulamentação nacional aplicáveis ao litígio no processo principal são os §§ 4, n.os 23 e 25, da lei do imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz) de 1993 (BGBl. 1993 I, p. 565, a seguir «UStG de 1993»).
8 O § 4, n.° 23, da UStG prevê a isenção do fornecimento de serviços de alojamento, alimentação e das prestações em espécie habituais, por parte de pessoas e instituições, quando estas acolhem sobretudo jovens, em suas casas, para fins educativos, de formação ou de formação contínua ou para efeitos da prestação de cuidados a recém-nascidos, desde que as prestações sejam fornecidas aos jovens ou às pessoas que asseguram a sua educação, formação, formação contínua ou cuidados.
9 O § 25 da UStG de 1993, relativo à tributação dos serviços de viagem, dispõe:
«1. As disposições seguintes são aplicáveis às prestações de viagem de um empresário, que não se destinem à empresa do destinatário da prestação, na medida em que, ao prestar esses serviços, o empresário actue em nome próprio relativamente ao destinatário da prestação e utilize, para a realização da viagem, prestações intermediárias. A prestação do empresário é considerada uma outra prestação. Se, no âmbito de uma viagem, o empresário fornece ao destinatário da prestação várias prestações deste tipo, estas são consideradas como outra prestação única. O local de fornecimento desta outra prestação é determinado nos termos do § 3a, n.° 1. As prestações de viagem efectuadas por terceiros são fornecimentos e outros serviços prestados por terceiros, que aproveitam directamente ao viajante.
2. A outra prestação está isenta de imposto, desde que as prestações intermediárias de viagem relativas a essa outra prestação sejam fornecidas no território de países terceiros. [...]
3. O valor da outra prestação é calculada com base na diferença entre o montante que o destinatário da prestação paga para obter a prestação e o montante que o empresário paga pelas prestações intermediárias de viagem. [...]
4. Em derrogação do § 15, n.° 1, o empresário não está autorizado a deduzir como imposto pago a montante os impostos que lhe são facturados à parte pelas prestações intermediárias de viagem. Quanto ao mais, não é afectada a aplicação do § 15. [...]»
Litígio no processo principal e questão prejudicial
10 A iSt é uma sociedade por quotas de direito alemão. No quadro das suas actividades, oferece aos seus clientes os chamados programas «High School» e «College».
11 O programa «High School» destina-se a alunos com idades compreendidas entre 15 e 18 anos que pretendem frequentar por um período de três, cinco ou dez meses uma «high school» ou um estabelecimento escolar equiparado no estrangeiro, em particular nos Estados anglófonos. Os candidatos que desejem participar num programa deste tipo enviam a sua candidatura à iSt, que, após entrevistá-los, decide sobre a respectiva admissão. A iSt compromete-se para com as pessoas seleccionadas a obter-lhes um lugar na «high school» escolhida.
12 Resulta da decisão de reenvio que, quando o programa «High School» tem lugar nos Estados Unidos, o aluno é recebido, durante a sua estadia, numa família de acolhimento escolhida com a colaboração de uma organização local que trabalha em parceria com a iSt. Uma pessoa designada por essa organização serve de interlocutor ao aluno no local da «high school» e da residência da família de acolhimento. Através da mesma organização, o aluno pode, juntamente com outros participantes num intercâmbio escolar, realizar um circuito em autocarro ou avião para visitar o Estado de acolhimento.
13 O preço global proposto pela iSt nessas condições inclui o voo de ida e volta para os Estados Unidos a partir de Frankfurt am Main com guia, as ligações aéreas no interior da Alemanha, as ligações aéreas de ida e volta no interior dos Estados Unidos até ao local de destino, o alojamento e a alimentação na família de acolhimento, o ensino na «high school» escolhida, a assistência a prestar pela organização associada e seus colaboradores locais durante a estadia, as reuniões preparatórias, o material de apoio e o seguro de anulação de viagem.
14 No que respeita ao programa «College», destinado a estudantes universitários e a alunos com o ensino secundário concluído, a organização associada, que paga as propinas ao «college» escolhido, com os fundos recebidos da iSt em contrapartida dos seus serviços, tem por obrigação assegurar aos participantes a frequência nesse «college» durante o período de um a três trimestres. Os participantes que reservem eles próprios os seus voos não são alimentados nem alojados em famílias de acolhimento, mas sim no «college» escolhido.
15 Tendo começado por qualificar de «serviços de viagem» abrangidos pelo § 25 da UStG de 1993 as operações efectuadas pela iSt, o Finanzamt acabou por entender que, na realidade, se tratava de serviços com fins educativos ou de formação, que deviam ser isentos ao abrigo do § 4, n.° 23, dessa lei. Uma vez que os serviços fornecidos foram qualificados de operações isentas, relativamente às quais não era possível qualquer dedução do IVA cobrado, o Finanzamt reduziu os excedentes de IVA declarados pela referida sociedade para os anos de 1995 a 1997.
16 O iSt interpôs recurso desta decisão para o Finanzgericht competente, pedindo o aumento do imposto a montante para os três anos em causa. O Finanzgericht acolheu o pedido da iSt por considerar que os serviços prestados constituem serviços de viagem na acepção do § 25 da UStG de 1993 e que o § 4, n.° 23, desta mesma lei não era aplicável.
17 O Finanzamt interpôs, por sua vez, recurso de revista para o Bundesfinanzhof, que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O regime especial das agências de viagens, constante do artigo 26.° da Directiva 77/388 […], é igualmente aplicável às operações de um organizador dos chamados ‘High School Programme’ e ‘College Programme’, que incluem uma estadia no estrangeiro de três a dez meses, que são propostos aos participantes pelo organizador em nome próprio e para a realização dos quais sejam utilizados serviços prestados por outros sujeitos passivos?»
Questão prejudicial
18 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as condições de aplicação do artigo 26.°, n.° 1, da Sexta Directiva estão preenchidas no caso de um operador económico que, em contrapartida do pagamento de um preço global, propõe aos seus clientes os programas denominados «High School» e «College», que incluem, nomeadamente, uma estadia de natureza linguística no estrangeiro durante três a dez meses.
19 Para responder à questão colocada, importa apreciar se uma sociedade como a iSt actua em nome próprio e se possui a qualidade de operador económico abrangido pelo regime especial das agências de viagens e se utiliza, para a realização das suas operações, entregas e serviços de outros sujeitos passivos.
20 Em primeiro lugar, compete, segundo a jurisprudência, ao juiz nacional ao qual foi submetido um litígio relativo à aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva averiguar, face ao conjunto dos dados do caso concreto, nomeadamente, à natureza das obrigações contratuais da agência de viagens perante o cliente, se esta condição está ou não preenchida (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1992, Van Ginkel, C-163/91, Colect., p. I-5723, n.° 21). Por outro lado, como resulta da decisão de reenvio, é pacífico que a recorrente no processo principal não actuou na qualidade de mandatária relativamente às operações sobre as quais essa decisão incide a título principal.
21 Em segundo lugar, no tocante à qualidade de «operador económico» na acepção do artigo 26.° da Sexta Directiva, importa recordar que decorre da jurisprudência que os serviços fornecidos pelas agências de viagens e pelos organizadores de circuitos turísticos se caracterizam pelo facto de, na maior parte das vezes, serem compostos por prestações múltiplas, nomeadamente em matéria de transporte e de alojamento, que se realizam tanto no interior como no exterior do território do Estado-Membro em que a empresa tem a sua sede ou um estabelecimento estável. A aplicação das regras de direito comum respeitantes ao local de tributação, à matéria colectável e à dedução do imposto a montante confrontar-se-ia, em razão da multiplicidade e da localização das prestações fornecidas, com dificuldades práticas para estas empresas, que seriam susceptíveis de entravar o exercício da sua actividade. Foi para adaptar as regras aplicáveis à natureza específica desta actividade que o legislador comunitário instituiu, nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 26.° da Sexta Directiva, um regime especial de IVA (v. acórdãos Van Ginkel, já referido, n.os 13 a 15; de 22 de Outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, Colect., p. I-6229, n.° 18, e de 19 de Junho de 2003, First Choice Holidays, C-149/01, Colect., p. I-6289, n.os 23 e 24).
22 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que as razões subjacentes ao regime especial aplicável às agências de viagens e aos organizadores de circuitos turísticos são igualmente válidas quando o operador económico não é uma agência de viagens ou um organizador de circuitos turísticos na acepção geralmente atribuída a esses termos, mas efectua operações idênticas no quadro de outra actividade. Com efeito, uma interpretação da qual resulte que o artigo 26.° da Sexta Directiva apenas é aplicável aos operadores económicos que sejam agências de viagens ou organizadores de circuitos turísticos na acepção geralmente atribuída a estes termos teria por efeito que prestações idênticas fossem abrangidas por disposições diferentes de acordo com a qualidade formal do operador económico (acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.os 20 e 21).
23 No processo principal, é pacífico que a iSt não é uma agência de viagens nem um organizador de circuitos turísticos na acepção geralmente dada a estes termos. Importa, porém, determinar se esta sociedade efectua operações idênticas às dessa agência ou desse organizador.
24 Impõe-se concluir que, no quadro das suas actividades relativas aos programas «High-School» e «College», a iSt efectua operações idênticas, ou pelo menos comparáveis, às de uma agência de viagens ou de um organizador de circuitos turísticos. Efectivamente, a iSt oferece prestações de serviços relacionadas com o transporte em avião dos seus clientes/e ou com a estadia destes no Estado de destino, recorrendo, para fornecer os serviços geralmente ligados a este tipo de actividade, a outros sujeitos passivos na acepção do artigo 26.° da Sexta Directiva, a saber, uma organização local associada e companhias aéreas.
25 Nestas condições, há que determinar se, relativamente às operações efectuadas pela iSt e para cuja realização utiliza entregas e serviços de outros sujeitos passivos, essa sociedade deve ser sujeita a IVA, nos termos do referido artigo 26.°
26 A este respeito, não está excluído que os operadores económicos que prestam serviços habitualmente ligados a viagens sejam levados a utilizar prestações de viagens adquiridas a terceiros, as quais representam, comparativamente com as outras prestações desses operadores, uma parte menor do montante do preço global. Essas prestações adquiridas a terceiros não constituem para a clientela um fim em si, mas o meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal desse operador (v., neste sentido, acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.° 24).
27 Há que observar que, nestas condições, as prestações adquiridas a terceiros são puramente acessórias relativamente às prestações próprias e que não há que tributar o operador económico nos termos do artigo 26.° da Sexta Directiva (acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.° 25).
28 Ora, a este respeito, deve observar-se que, quando um operador económico, como a iSt, oferece habitualmente aos seus clientes, além das prestações relacionadas com a formação e a educação linguísticas, prestações de viagem cuja realização não pode deixar de se repercutir sensivelmente no preço global praticado, como o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste, essas prestações não podem ser equiparadas a prestações de serviços puramente acessórias. Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, as prestações em causa não representam uma parte meramente marginal relativamente ao montante correspondente à prestação relacionada com a formação e a educação linguísticas oferecidas pela iSt aos seus clientes.
29 Nestas condições, o artigo 26.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se aplica a um operador económico como a iSt que oferece de forma habitual aos seus clientes, em contrapartida do pagamento de um montante global, além de prestações relacionadas com a formação e a educação linguísticas destes últimos, prestações adquiridas a outros sujeitos passivos, como o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste.
30 Todavia, esta aplicação é contestada por determinados Estados-Membros que apresentaram observações ao Tribunal, com fundamento em que as operações efectuadas pela iSt de modo algum fazem parte das operações abrangidas por esse mesmo artigo.
31 Num primeiro momento, a aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva é contestada pelo Governo alemão, com fundamento em que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não constituem viagens na acepção da Directiva 90/314 as viagens que consistem em intercâmbios escolares com uma duração aproximada de um semestre ou um ano, que têm o objectivo de o aluno frequentar um estabelecimento escolar no país de acolhimento, a fim de se familiarizar com o seu povo e a sua cultura, e durante os quais o aluno reside com uma família que o acolhe gratuitamente, como se dela fizesse parte (acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, AFS Intercultural Programs Finland, C-237/97, Colect., p. I-825, n.° 34). Quanto a este ponto, o Governo cipriota acrescenta que, tendo em conta o carácter global da operação efectuada pela iSt, a prestação principal oferecida é constituída pela possibilidade de seguir uma formação linguística e que esta prestação não pode ser integrada nas prestações habituais de viagem na acepção do artigo 26.° da Sexta Directiva.
32 Com os seus argumentos, os Governos alemão e cipriota sustentam, no essencial, que a estadia linguística oferecida pela iSt no âmbito dos programas «High-School» e «College» não se integra no conceito de viagem nos termos do artigo 26.° da Sexta Directiva.
33 A este respeito, além de a apreciação do Tribunal de Justiça no acórdão AFS Intercultural Programs Finland, já referido, não respeitar à questão da aplicação da Sexta Directiva, há que observar que as precisões enunciadas nesse acórdão não têm qualquer repercussão na aplicação do artigo 26.° dessa directiva.
34 É verdade que o referido artigo não contém uma definição do conceito de viagem. Todavia, para efeitos da sua aplicação, não é necessário precisar previamente os elementos constitutivos das viagens. Efectivamente, essa disposição é aplicável na condição de o operador económico em causa possuir a qualidade de operador económico do regime especial das agências de viagens, actuar em nome próprio e utilizar para as suas operações entregas e serviços de outros sujeitos passivos. Em especial, relativamente às operações pelas quais um operador económico deve ser tributado nos termos do artigo 26.° da Sexta Directiva, o único critério pertinente que permite a aplicação desse artigo é o da natureza, acessória ou não, da prestação de viagem.
35 Além disso, se as observações apresentadas a este respeito, nomeadamente pelo Governo alemão, fossem seguidas, o artigo 26.° da Sexta Directiva aplicar-se-ia em função do objectivo visado pela viagem oferecida bem como da duração da estadia no Estado de destino. Uma interpretação como essa teria o resultado de acrescentar uma condição adicional à eventual aplicação do referido artigo.
36 Ora, nada permite concluir que o legislador comunitário tenha pretendido limitar o âmbito de aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva em função de dois elementos combinados ou distintos, a saber, a finalidade da viagem e a duração da estadia no Estado de destino. Uma conclusão diferente, a este respeito, poderia restringir manifestamente o alcance desse artigo e seria incompatível com o regime especial por ele estabelecido.
37 Por outro lado, é manifesto que uma condição adicional quanto à execução do artigo 26.° da Sexta Directiva seria susceptível de gerar uma distinção entre os operadores económicos consoante o objectivo da estadia que oferecessem no Estado de destino e conduziria incontestavelmente a uma distorção da concorrência entre os operadores em causa como a comprometer a aplicação uniforme dessa directiva.
38 Num segundo momento, o Governo alemão considera que o artigo 26.° da Sexta Directiva não pode ser aplicado ao litígio no processo principal, na medida em que as operações efectuadas pela iSt, respeitantes à formação e à educação linguísticas dos seus clientes, fazem parte, no essencial, das operações isentas ao abrigo do § 4, n.° 23, da UStG de 1993. Este mesmo governo alega substancialmente que, na hipótese de a operação efectuada fazer parte ratione materiae dos casos de isenção previstos por essa directiva, nomeadamente do seu artigo 13.°, A, n.° 1, alínea i), o regime especial de tributação previsto no referido artigo 26.° não é aplicável.
39 A este respeito, nada permite considerar que a aplicação do referido artigo 26.° depende da verificação ou não de tal hipótese. Cabe recordar que, relativamente às operações respeitantes às entregas e aos serviços de terceiros pelas quais o operador económico deve ser tributado nos termos do mesmo artigo, o único critério pertinente é o baseado na natureza, acessória ou não, da prestação de viagem.
40 Por outro lado, deve recordar-se que o regime instituído pelo artigo 26.° da Sexta Directiva, destinado a adaptar as regras aplicáveis em matéria de IVA às agências de viagens e aos operadores que efectuam prestações idênticas ou comparáveis a estes, é um regime especial de tributação e não um regime específico de isenção aplicável a certas actividades efectuadas por estes operadores.
41 Nestas condições, o argumento aduzido, no caso vertente, pelo Governo alemão é desprovido de pertinência, não podendo, portanto, justificar a não aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva no processo principal.
42 Isso não implica, porém, que não se possa retirar nenhum argumento do regime de isenções previsto no título X da Sexta Directiva, quando se coloca a questão de uma eventual aplicação do referido artigo 26.°
43 A este respeito, deve recordar-se que o n.° 3 deste mesmo artigo prevê que, se as operações para cuja realização a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem por estes efectuadas fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma actividade intermediária isenta ao abrigo do artigo 15.°, n.° 14, da Sexta Directiva. Daí decorre que o legislador comunitário não excluiu a possibilidade de se aplicarem disposições do regime de isenção do IVA previsto por essa directiva no quadro de operações efectuadas nos termos do artigo 26.° desta.
44 Todavia, nenhum argumento pode ser retirado do n.° 3 do artigo 26.° da Sexta Directiva para sustentar que o regime especial das agências de viagens nela previsto não é aplicável no caso vertente pelo facto de as operações efectuadas pela iSt estarem isentas, tendo em conta o seu objecto ou a sua natureza. Com efeito, nos termos do referido artigo 26.°, n.° 3, o critério pertinente com base no qual uma operação pode ser isenta de IVA ao abrigo desta disposição não tem em conta o objecto ou a natureza da operação assim efectuada, como alega o Governo alemão, mas sim o local de execução da prestação fornecida.
45 Em qualquer caso, mesmo que as operações efectuadas pela iSt respeitantes à formação e à educação linguísticas dos seus clientes fizessem parte das operações isentas ao abrigo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea i), da Sexta Directiva, este artigo não poderia ser aplicado na medida em que resulta da decisão de reenvio que a iSt é uma sociedade comercial e não um organismo de direito público ou um organismo comparável aos quais se refere aquele artigo. A aplicação das disposições deste artigo a uma sociedade como a iSt implicaria uma interpretação extensiva do regime de isenção previsto pela referida directiva.
46 Ora, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita (v., nomeadamente, acórdão de 3 de Março de 2005, Arthur Andersen, C-472/03, Colect., p. I-1719, n.° 24, e jurisprudência aí citada).
47 Daí decorre que o argumento aduzido, no caso vertente, pelo Governo alemão deve, em qualquer caso, ser rejeitado.
48 Resulta de todas as considerações precedentes que se deve responder à questão colocada que o artigo 26.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a um operador económico que ofereça serviços como os programas «High-School» e «College», que consistem na organização de viagens linguísticas e de estudos no estrangeiro, e que, em contrapartida do pagamento de um preço global, forneça, em nome próprio, aos seus clientes uma estadia no estrangeiro de três a dez meses, recorrendo para este efeito às prestações de serviços de outros sujeitos passivos.
Quanto às despesas
49 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
O artigo 26.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a um operador económico que ofereça serviços como os programas «High-School» e «College», que consistem na organização de viagens linguísticas e de estudos no estrangeiro, e que, em contrapartida do pagamento de um preço global, forneça, em nome próprio, aos seus clientes uma estadia no estrangeiro de três a dez meses, recorrendo para este efeito às prestações de serviços de outros sujeitos passivos.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.