Processo C-157/05
Winfried L. Holböck
contra
Finanzamt Salzburg-Land
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof)
«Livre circulação de capitais – Liberdade de estabelecimento – Imposto sobre o rendimento – Distribuição de dividendos – Rendimentos de capitais provenientes de um país terceiro»
Sumário do acórdão
1. Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre circulação de capitais – Disposições do Tratado – Âmbito de aplicação
(Artigos 43.° CE e 56.° CE)
2. Livre circulação de capitais – Restrições aos movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros
(Artigos 56.° CE e 57.°, n.° 1, CE)
1. Uma legislação nacional que sujeita o recebimento de dividendos a um imposto cuja taxa depende da origem, nacional ou não, desses dividendos, independentemente da percentagem da participação detida pelo accionista na sociedade que os distribui, é susceptível de ser abrangida quer pelo artigo 43.° CE, relativo à liberdade de estabelecimento, quer pelo artigo 56.° CE, relativo à liberdade de circulação de capitais.
Contudo, as disposições do capítulo do Tratado relativo à liberdade de estabelecimento não podem ser invocadas numa situação em que um accionista recebe dividendos de uma sociedade estabelecida num país terceiro. Com efeito, o referido capítulo não inclui nenhuma disposição que estenda o seu campo de aplicação às situações relativas ao estabelecimento num país terceiro de um nacional de um Estado-Membro ou de uma sociedade constituída em conformidade com a legislação de um Estado-Membro.
(cf. n.os 24, 28, 29)
2. O artigo 57.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que o artigo 56.° CE não se opõe à aplicação por um Estado-Membro de uma legislação existente em 31 de Dezembro de 1993 que, ao mesmo tempo que sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade residente a uma taxa de tributação igual a metade da taxa média de tributação, sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade estabelecida num país terceiro, na qual detém dois terços do capital social, à taxa normal do imposto sobre o rendimento.
Efectivamente, mesmo admitindo que esse accionista possa invocar o artigo 56.° CE, uma restrição aos movimentos de capitais que envolvem investimentos directos, como um tratamento fiscal menos vantajoso dos dividendos de origem estrangeira, é abrangida pelo artigo 57.°, n.° 1, CE, na medida em que incida sobre participações adquiridas com vista a criar ou manter laços económicos duradouros e directos entre o accionista e a sociedade em causa, permitindo ao accionista participar efectivamente na gestão dessa sociedade ou no seu controlo, o que é o caso de um tratamento fiscal menos vantajoso dos dividendos de origem estrangeira que decorrem de uma participação de dois terços do capital social da sociedade que os distribui.
(cf. n.os 36-38, 44, 45, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
24 de Maio de 2007 (*)
«Livre circulação de capitais – Liberdade de estabelecimento – Imposto sobre o rendimento – Distribuição de dividendos – Rendimentos de capitais provenientes de um país terceiro»
No processo C-157/05,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 28 de Janeiro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de Abril de 2005, no processo
Winfried L. Holböck
contra
Finanzamt Salzburg-Land,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,
advogado-geral: Y. Bot,
secretário: R. Grass,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de W. Holböck, por W.-D. Arnold, Rechtsanwalt,
– em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,
– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Jurgensen, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e M. de Grave, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por T. Ward, barrister,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e G. Braun, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 56.° CE a 58.° CE.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe W. Holböck ao Finanzamt Salzburg-Land a propósito da tributação dos dividendos que o primeiro recebeu de uma sociedade estabelecida num país terceiro.
Quadro jurídico
3 O § 37, n.os 1 e 4, da Lei austríaca de 1988 relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz 1988, BGBl. 400/1988, a seguir «EStG 1988») dispunha, antes da sua modificação pela Lei de reforma fiscal de 1993 (Steuerreformgesetz 1993, BGBl. 818/1993):
«(1) A taxa do imposto será reduzida relativamente a:
– rendimentos provenientes de distribuições efectivas de dividendos (n.° 4) [...] a metade da taxa média aplicável ao rendimento global;
[...]
(4) constituem rendimentos provenientes de participações:
1. As distribuições efectivas de dividendos de sociedades de capitais nacionais ou de cooperativas de consumo e de produção nacionais
[...]»
4 Na sequência da sua modificação pela Lei de reforma fiscal de 1993, as disposições citadas no número anterior passaram a ter a seguinte redacção:
«(1) A taxa do imposto será reduzida relativamente a:
3. rendimentos provenientes de participações (n.° 4) [...] a metade da taxa média aplicável ao rendimento global.
[...]
(4) Constituem rendimentos provenientes de participações:
1. Rendimentos de participações:
a) Lucros, de qualquer espécie, provenientes de participações em sociedades de capitais nacionais, cooperativas de consumo ou de produção nacionais sob a forma de acções ou partes de sociedades […]
[…]»
5 De acordo com esta legislação nacional relativa ao imposto sobre o rendimento (a seguir «legislação nacional»), as distribuições de lucros de sociedades nacionais a uma pessoa singular residente na Áustria estão sujeitas a uma taxa de imposto reduzida a metade («Hälftesteuersatz»).
6 Em contrapartida, as distribuições de lucros de sociedades anónimas estrangeiras a uma pessoa singular residente na Áustria estão submetidas ao imposto normal sobre o rendimento.
7 Relativamente à tributação das distribuições efectivas de lucros, nem a Lei de reforma fiscal de 1993 nem a Lei de 1996 sobre a adaptação estrutural (Strukturanpassungsgesetz, BGBl. 201/1996) alteraram a situação jurídica no que se refere ao período posterior a 31 de Dezembro de 1993.
Litígio no processo principal e questão prejudicial
8 W. Holböck está domiciliado na Áustria, onde igualmente se situa o seu centro de interesses. É gerente da CBS Conmeth Business Systems GmbH, que tem sede na Áustria e cuja actividade é o comércio de produtos cosméticos.
9 O accionista único da referida sociedade é a CBS Conmeth Business Systems AG, que tem sede na Suíça. W. Holböck detém dois terços do capital social desta segunda sociedade.
10 Devido à participação que detém no capital social da CBS Conmeth Business Systems AG, W. Holböck recebeu dividendos no decurso dos anos de 1992 a 1996. Como rendimentos de capital, estes dividendos estão sujeitos na Áustria ao imposto sobre o rendimento à taxa integral.
11 Dado que a cobrança deste imposto parecia estar comprometida, a Finanzlandesdirektion für Salzburg – a que ulteriormente sucedeu o Finanzamt Salzburg-Land – ordenou, por decisão de 3 de Julho de 2000, a constituição de uma garantia sobre o património de W. Holböck, para assegurar o pagamento da sua dívida de imposto sobre o rendimento, relativo aos anos de 1992 a 1996, num montante de 118 944 088 ATS. O recorrente no processo principal apresentou um recurso dessa decisão para o Verwaltungsgerichtshof.
12 No seu recurso, W. Holböck sustenta que o pagamento transfronteiriço de dividendos a partir de uma sociedade situada na Suíça a um detentor de participações austríaco releva do artigo 56.° CE, o qual proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, incluindo entre Estados-Membros e países terceiros. O facto de a legislação nacional submeter os dividendos distribuídos a pessoas singulares por sociedades estabelecidas na Áustria a uma taxa igual a metade da taxa média, ao mesmo tempo que fixa uma tributação à taxa integral para os dividendos de origem estrangeira, constitui uma diferença de tratamento para a qual não existe qualquer justificação.
13 O tribunal de reenvio salienta que, quando o Tribunal de Justiça se pronunciou, no acórdão de 15 de Julho de 2004, Lenz (C-315/02, Colect., p. I-7063), sobre o regime de tributação dos capitais na Áustria, se limitou aos rendimentos de capitais provenientes de outros Estados-Membros.
14 Reportando-se ao artigo 57.°, n.° 1, CE, segundo o qual o artigo 56.° CE não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou comunitária adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, o tribunal de reenvio considera que o conceito de «investimento directo» não foi suficientemente esclarecido.
15 Nestes termos, o Verwaltungsgerichthof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«As disposições relativas à livre circulação de capitais (artigo 56.° CE e seguintes) opõem-se a uma regulamentação nacional existente em 31 de Dezembro de 1993 (mantida em vigor após a adesão da Áustria à [União Europeia] em 1 de Janeiro de 1995), segundo a qual os dividendos de acções nacionais são tributados a uma taxa igual a metade da taxa média aplicável ao rendimento global, ao passo que os dividendos de uma sociedade anónima estabelecida num país terceiro (neste caso, a Suíça), na qual o sujeito passivo detém uma participação de dois terços, são sempre tributados à taxa normal do imposto sobre o rendimento?»
Quanto à questão prejudicial
16 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do Tratado CE relativas à circulação de capitais se opõem a uma legislação de um Estado-Membro que, ao mesmo tempo que sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade residente a uma taxa de tributação igual a metade da taxa média de tributação, tributa à taxa normal do imposto sobre o rendimento os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida num país terceiro cujo capital social é detido a dois terços pelo contribuinte.
17 W. Holböck e a Comissão das Comunidades Europeias, reportando-se ao já referido acórdão Lenz, sustentam que a legislação nacional constitui uma restrição à livre circulação de capitais.
18 Contrariamente ao recorrente no processo principal, a Comissão considera que o recebimento de dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida num país terceiro e na qual o accionista beneficiário detém uma participação de dois terços do capital releva do conceito de «investimento directo», na acepção do artigo 57.°, n.° 1, CE. Uma vez que a referida legislação já existia em 31 de Dezembro de 1993, a mesma estaria abrangida pela excepção prevista por aquela disposição à proibição das restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os países terceiros enunciada no artigo 56.° CE.
19 Em contrapartida, os Governos francês e neerlandês sustentam, a título principal, que a legislação nacional só pode ser analisada por referência às disposições relativas à liberdade de estabelecimento e não às relativas à livre circulação de capitais. Contudo, uma vez que esta liberdade não abrange o estabelecimento de um nacional de um Estado-Membro num país terceiro, W. Holböck não pode invocar a liberdade de estabelecimento para contestar a aplicação desta legislação aos dividendos que recebeu de uma sociedade estabelecida na Suíça na qual detém uma participação de dois terços do capital social.
20 Caso a legislação nacional deva ser analisada sob o ângulo da livre circulação de capitais, estes governos, à semelhança do Governo do Reino Unido, alinham a sua posição pela da Comissão, segundo a qual essa legislação é abrangida, em qualquer caso, pela excepção prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE.
21 A título preliminar, deve recordar-se que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdão de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 32; acórdão Lenz, já referido, n.° 19; e acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 19).
22 Quanto à questão de saber qual das liberdades de circulação se aplica a uma legislação nacional, resulta de jurisprudência bem assente que se deve ter em conta o objecto da legislação em causa (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, Colect., p. I-7995, n.os 31 a 33; de 3 de Outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, Colect., p. I-9521, n.os 34 e 44 a 49; de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 37 e 38; Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 36; e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 26 a 34).
23 Contrariamente ao que era o caso nos processos que deram origem aos referidos acórdãos Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.os 31 e 32) assim como Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (n.os 28 a 33), a legislação nacional não é aplicável apenas às participações que permitem exercer uma influência efectiva nas decisões de uma sociedade e determinar as suas actividades.
24 Com efeito, uma legislação nacional que sujeita o recebimento de dividendos a um imposto cuja taxa depende da origem, nacional ou não, desses dividendos, independentemente da percentagem da participação detida pelo accionista na sociedade que os distribui, é susceptível de ser abrangida quer pelo artigo 43.° CE, relativo à liberdade de estabelecimento, quer pelo artigo 56.° CE, relativo à liberdade de circulação de capitais (v., neste sentido, os referidos acórdãos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.os 37 e 38, e Test Claimants in the FII Group Litigation, n.os 36, 80 e 142).
25 Contudo, no caso em apreço, nenhuma das referidas liberdades se opõe à aplicação da legislação nacional.
26 Por um lado, no que respeita às disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, deve recordar-se que o artigo 43.° CE garante a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, o que inclui o acesso às actividades por conta própria e ao seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas nas condições definidas pela legislação do Estado de estabelecimento em relação aos seus nacionais (v. acórdãos de 13 de Abril de 2000, Baars, C-251/98, Colect., p. I-2787, n.° 27, e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C-9/02, Colect., p. I-2409, n.° 40).
27 Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça igualmente bem assente, embora, de acordo com o seu teor, as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado-Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (v. acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, n.° 31, e acórdão Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, já referido, n.° 42).
28 Contudo, o capítulo do Tratado relativo ao direito de estabelecimento não inclui nenhuma disposição que estenda o seu campo de aplicação às situações relativas ao estabelecimento num país terceiro de um nacional de um Estado-Membro ou de uma sociedade constituída em conformidade com a legislação de um Estado-Membro (v., neste sentido, despacho de 10 de Maio de 2007, A e B, C-102/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29).
29 Assim, as disposições do referido capítulo não podem ser invocadas numa situação como a que está em causa no processo principal.
30 Por outro lado, no que se refere às disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 20 a 22 do acórdão Lenz, já referido, que a legislação nacional, na medida em que subordina a aplicação de uma taxa liberatória de 25% ou de uma taxa reduzida de metade aos rendimentos de capitais à condição de esses rendimentos terem origem austríaca, tem não apenas por efeito dissuadir os contribuintes residentes na Áustria de investirem os seus capitais em sociedades estabelecidas fora deste Estado-Membro mas produz igualmente um efeito restritivo relativamente a estas sociedades, na medida em que constitui relativamente a elas um obstáculo à recolha de capitais nesse Estado-Membro. Segundo o Tribunal de Justiça, essa legislação constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 56.°, n.° 1, CE.
31 Contudo, mesmo admitindo que um nacional de um Estado-Membro que detém dois terços do capital social de uma sociedade estabelecida num Estado terceiro possa invocar a proibição das restrições dos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros, estabelecida no artigo 56.°, n.° 1, CE, para se opor à aplicação desta legislação aos dividendos que recebeu dessa sociedade, neste caso, como salientaram quer os Governos francês, neerlandês e do Reino Unido quer a Comissão, a referida legislação é abrangida pela excepção prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE.
32 Com efeito, resulta desta última disposição que o artigo 56.° CE não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional ou comunitária adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.
33 Embora o conceito de «investimento directo» não seja definido no Tratado, é objecto de uma definição na nomenclatura dos movimentos de capitais que consta do anexo I da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5) (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.os 177 e 178).
34 Como resulta da enumeração dos «investimentos directos» que figura na primeira rubrica da referida nomenclatura e das respectivas notas explicativas, o conceito de investimento directo respeita a investimentos de qualquer natureza efectuados por pessoas singulares ou colectivas que servem para criar ou manter relações duradouras e directas entre o investidor e a empresa a que se destinam esses fundos com vista ao exercício de uma actividade económica (v., neste sentido, acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.os 180 e 181).
35 Relativamente às participações em empresas novas ou existentes, como confirmam essas notas explicativas, o objectivo de criar ou manter laços económicos duradouros pressupõe que as acções detidas pelo accionista lhe dão, seja nos termos das disposições da legislação nacional relativas às sociedades por acções, seja por outra razão, a possibilidade de participar efectivamente na gestão dessa sociedade ou no seu controlo (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 182).
36 Contrariamente ao que alega o recorrente no processo principal, as restrições aos movimentos de capitais que envolvem investimentos directos ou o estabelecimento na acepção do artigo 57.°, n.° 1, CE abrangem não só as medidas nacionais que, quando aplicadas a movimentos de capitais com destino a países terceiros ou deles provenientes, restringem os investimentos ou o estabelecimento, mas também as que restringem os pagamentos de dividendos deles decorrentes (v. acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 183).
37 Por conseguinte, uma restrição aos movimentos de capitais, como um tratamento fiscal menos vantajoso dos dividendos de origem estrangeira, é abrangida pelo artigo 57.°, n.° 1, CE, na medida em que incida sobre participações adquiridas com vista a criar ou manter laços económicos duradouros e directos entre o accionista e a sociedade em causa, permitindo ao accionista participar efectivamente na gestão dessa sociedade ou no seu controlo (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 185).
38 Como salientaram os Governos francês e neerlandês assim como a Comissão, é esse o caso de um tratamento fiscal menos vantajoso dos dividendos de origem estrangeira que decorrem de uma participação de dois terços do capital social da sociedade que os distribui.
39 Ora, resulta do artigo 57.°, n.° 1, CE que um Estado-Membro pode aplicar, nas relações com os países terceiros, as restrições aos movimentos de capitais materialmente abrangidas por essa disposição, mesmo que sejam contrárias ao princípio da livre circulação de capitais enunciado no artigo 56.° CE, desde que já estivessem em vigor em 31 de Dezembro de 1993 (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 187).
40 Com efeito, embora seja, em princípio, da competência do órgão jurisdicional nacional determinar o conteúdo de uma legislação em vigor («actual») na data fixada por um acto comunitário, o Tribunal de Justiça pode fornecer elementos de interpretação do conceito comunitário que serve de referência para a aplicação de um regime derrogatório comunitário a uma legislação nacional que seja «actual» na data fixada (v., neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1999, Konle, C-302/97, Colect., p. I-3099, n.° 27, e acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 191).
41 Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que uma medida nacional adoptada posteriormente à data fixada não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo acto comunitário em causa. Com efeito, uma disposição essencialmente idêntica à legislação anterior ou que se limite a reduzir ou suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades comunitárias que constam da legislação anterior beneficiará da derrogação. Pelo contrário, uma legislação que assente numa lógica diferente da do direito anterior e institua novos procedimentos não pode ser equiparada à legislação existente à data tomada em consideração pelo acto comunitário em causa (v. acórdãos, já referidos, Konle, n.os 52 e 53, e Test Claimants in the FII Group Litigation, n.° 192).
42 No caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional precisou, na decisão de reenvio, que o regime de tributação aplicável na Áustria, à data dos factos no processo principal, aos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros se baseava na EStG 1988, modificada pela Lei de reforma fiscal de 1993 e pela Lei de 1996 sobre a adaptação estrutural. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, em matéria de tributação da distribuição efectiva de lucros, relativamente às disposições introduzidas, antes de 31 de Dezembro de 1993, pela EStG 1988, as modificações introduzidas após 31 de Dezembro de 1993 não alteraram o quadro jurídico aplicável aos factos no processo principal, inclusive relativamente ao período posterior a essa data.
43 Nestas circunstâncias, a legislação nacional deve ser considerada como já existente em 31 de Dezembro de 1993 na acepção do artigo 57.°, n.° 1, CE.
44 Daqui resulta que, mesmo supondo que um contribuinte na situação de W. Holböck possa invocar o artigo 56.° CE, este artigo não se opõe à aplicação da legislação nacional em circunstâncias como as do processo principal.
45 Visto quanto precede, há que responder à questão colocada que o artigo 57.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que o artigo 56.° CE não se opõe à aplicação por um Estado-Membro de uma legislação existente em 31 de Dezembro de 1993 que, ao mesmo tempo que sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade residente a uma taxa de tributação igual a metade da taxa média de tributação, sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade estabelecida num país terceiro, na qual detém dois terços do capital social, à taxa normal do imposto sobre o rendimento.
Quanto às despesas
46 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 57.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que o artigo 56.° CE não se opõe à aplicação por um Estado-Membro de uma legislação existente em 31 de Dezembro de 1993 que, ao mesmo tempo que sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade residente a uma taxa de tributação igual a metade da taxa média de tributação, sujeita um accionista que recebe dividendos de uma sociedade estabelecida num país terceiro, na qual detém dois terços do capital social, à taxa normal do imposto sobre o rendimento.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.