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Processo C-166/05

Heger Rudi GmbH

contra

Finanzamt Graz-Stadt

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria)]

«Sexta Directiva IVA – Conexão para efeitos fiscais – Artigo 9.° – Prestação de serviços conexa com um bem imóvel – Cessão dos direitos de pesca relativos a um determinado sector de um curso de água»

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 7 de Março de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 7 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Prestações de serviços

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 9.°, n.° 2, alínea a)]

A cedência de um direito de pesca através da cessão a título oneroso de licenças de pesca constitui uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios.

Efectivamente, dado que os direitos de pesca só podem ser exercidos em conexão com o rio em causa e nos sectores deste rio mencionados nas licenças, o próprio curso de água é um elemento constitutivo das licenças de pesca e, portanto, da cessão dos direitos de pesca. Na medida em que uma prestação de serviços consiste na cessão do próprio direito de uso do bem que é o rio, este imóvel constitui um elemento central e indispensável da referida prestação. Além disso, o local em que se situa o imóvel corresponde ao local de efectivação final do serviço. Resulta dos elementos expostos que existe uma relação suficientemente directa entre a cedência de direitos de pesca e os sectores do curso de água a que estes respeitam.

(cf. n.os 25-27, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

7 de Setembro de 2006 (*)

«Sexta Directiva IVA – Conexão para efeitos fiscais – Artigo 9.° – Prestação de serviços conexa com um bem imóvel – Cessão dos direitos de pesca relativos a um determinado sector de um curso de água»

No processo C-166/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 31 de Março de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Abril de 2005, no processo

Heger Rudi GmbH

contra

Finanzamt Graz-Stadt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský, S. von Bahr, A. Borg Barthet (relator) e U. Lõhmus, juízes,

advogada-geral: E. Sharpston,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 7 de Março de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Heger Rudi GmbH (a seguir «Heger») e o Finanzamt Graz-Stadt, que sucedeu à Finanzlandesdirektion für die Steiermark, a respeito de um pedido de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago relativamente a cessões de licenças de pesca.

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

3       Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva, entende-se por «entrega de um bem» «a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário». Segundo o n.° 3, alíneas a) e b), do mesmo artigo, os Estados-Membros podem considerar «bens corpóreos», respectivamente, «[d]eterminados direitos sobre bens imóveis» e «[o]s direitos reais que conferem ao respectivo titular um poder de utilização sobre bens imóveis».

4       O artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva define prestação de serviços como «qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.°». Esta prestação pode, designadamente, consistir «na cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título» e «na obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação».

5       O artigo 9.°, n.° 1, da referida directiva estabelece a seguinte regra geral :

«Por ‘lugar da prestação de serviços’ entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.»

6       O artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva estabelece, por sua vez, um certo número de regras derrogatórias. Assim, nos termos da alínea a) da referida disposição:

«Por lugar das prestações de serviços conexas com um bem imóvel, incluindo as prestações de agentes imobiliários e de peritos, e, bem assim, as prestações tendentes a preparar ou coordenar a execução de trabalhos em imóveis, tais como, por exemplo, as prestações de serviços de arquitectos e de gabinetes técnicos de fiscalização, entende-se o lugar da situação do bem.»

7       As modalidades de reembolso do IVA relativamente a entregas de bens transfronteiriças são reguladas pela Oitava Directiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Regras sobre o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país (JO L 331, p. 11; EE 09 F1 p. 116; a seguir «Oitava Directiva»). No essencial, resulta desta directiva que o direito ao reembolso do IVA pago a montante surge quando um sujeito passivo está estabelecido noutro Estado-Membro e não procedeu a qualquer operação subsequente sujeita a IVA no território do país onde o IVA a montante foi cobrado. Em contrapartida, quando o sujeito passivo tiver efectuado posteriormente operações tributáveis no referido território, deixa de gozar do direito ao reembolso desse IVA nos termos da Oitava Directiva, sendo aplicável a regra da dedução geral prevista nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva.

 Legislação nacional

8       O § 3a(6) da Lei austríaca de 1994 relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz 1994, BGBl. 663/1994) retoma, no essencial, as disposições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

 Tramitação no processo principal e questão prejudicial

9       A Heger é uma sociedade cuja sede se situa na Alemanha e que não tem estabelecimento na Áustria. Em 1997 e 1998, a Heger adquiriu quotas de licenças de pesca relativas ao Gmunder Traun, um rio localizado na Alta Áustria, a uma sociedade com sede na Áustria, a Flyfishing Adventure GmbH (a seguir «Flyfishing»). As referidas licenças autorizavam os seus detentores a pescar em zonas especiais desse rio em determinados períodos do ano. A Heger revendeu essas licenças a um grande número de adquirentes residentes em diferentes Estados-Membros.

10     Além do preço de venda das licenças em causa, a Flyfishing facturou à Heger o IVA austríaco à taxa de 20%, num montante total de 252 000 ATS (ou seja, cerca de 18 300 EUR).

11     Em Dezembro de 1999, a Heger requereu à autoridade austríaca competente o reembolso do IVA pago relativamente às aquisições de licenças de pesca efectuadas em 1997 e 1998, baseando-se nas disposições que transpõem para o direito austríaco a Oitava Directiva.

12     Decorre da decisão de reenvio que esse pedido foi indeferido com base no facto de a subsequente revenda das licenças de pesca pela Heger aos seus clientes constituir uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel localizado na Áustria, pelo que não se podia proceder ao reembolso do IVA pago a montante.

13     A Heger recorreu dessa decisão para o Verwaltungsgerichtshof, o qual decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A concessão de uma autorização para o exercício da pesca sob a forma de cedência a título oneroso de licenças de pesca constitui uma ‘prestação de serviços conexa com um bem imóvel’ na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da [Sexta Directiva]?»

 Quanto à questão prejudicial

14     O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a cessão a título oneroso de licenças de pesca relativas a um rio constitui uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel na acepção desta disposição.

15     A este respeito, há que recordar que o artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva contém uma regra geral para determinar o lugar de conexão para efeitos fiscais, ao passo que o n.° 2 do mesmo artigo indica uma série de conexões específicas.

16     No que respeita à relação entre os dois primeiros números do artigo 9.° da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça já decidiu que não existe qualquer primado do n.° 1 sobre o n.° 2 desta disposição. Há que questionar, em cada situação concreta, se esta corresponde a um dos casos mencionados no artigo 9.°, n.° 2, da mesma directiva. Se assim não for, a referida situação é abrangida pelo artigo 9.°, n.° 1, (v., neste sentido, acórdãos de 26 de Setembro de 1996, Dudda, C-327/94, Colect., p. I-4595, n.° 21, e de 27 de Outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank, C-41/04, Colect., p. I-9433, n.° 33).

17     Daqui resulta que o artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva não deve ser considerado uma excepção a uma regra geral que deve ser objecto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão de 15 de Março de 2001, SPI, C-108/00, Colect., p. I-2361, n.° 17).

18     Por conseguinte, há que analisar se uma operação como a que está em causa no processo principal é susceptível de ser abrangida pelo artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva. Para que se possa considerar que a revenda das licenças de pesca em causa constitui uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, é necessário, antes de mais, que a cessão desses direitos constitua uma «prestação de serviços» e que os sectores do rio sobre os quais incidem as licenças possam ser qualificados de «bens imóveis».

19     Como a advogada-geral referiu nos n.os 28 e 29 das suas conclusões, na medida em que não se verifique que a República da Áustria utilizou a possibilidade, concedida aos Estados-Membros pelo artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Directiva, de considerar determinados direitos sobre bens imóveis e determinados direitos reais que conferem ao seu titular o poder de utilização de tais bens como «bens corpóreos», a cessão a título oneroso dos direitos de pesca em causa no processo principal não pode ser qualificada de entrega de bens na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva. A referida cessão constitui, portanto, uma prestação de serviços na acepção do artigo 6.°, n.° 1 desta directiva.

20     No que respeita ao conceito de «bem imóvel», há que referir que uma das características essenciais de um bem deste tipo é que o mesmo está ligado a uma porção determinada da superfície terrestre. A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que um terreno delimitado de forma permanente, mesmo submerso, pode ser qualificado de bem imóvel (v., neste sentido, acórdão de 3 de Março de 2005, Fonden Marselisborg Lystbådehavn, C-428/02, Colect., p. I-1527, n.° 34).

21     Direitos de pesca como os adquiridos e revendidos pela Heger permitem exercer tal direito em certos sectores bem determinados do curso de água em causa. Estes direitos, que não dizem respeito às quantidades de água que correm no rio e se renovam sem cessar, mas a determinadas zonas geográficas em que os referidos direitos podem ser exercidos, estão assim ligados a uma superfície coberta de água delimitada de forma permanente.

22     Por conseguinte, os sectores do rio sobre os quais incidem as referidas licenças de pesca devem ser considerados «bens imóveis» na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

23     Nestas condições, há que verificar ainda se o vínculo que une o serviço em questão a estes bens imóveis é suficiente. Com efeito, seria contrário à economia do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva incluir no âmbito de aplicação desta regra especial qualquer prestação de serviços que apresente uma conexão, mesmo muito ténue, com um bem imóvel, dado que um grande número de serviços está ligado, de uma forma ou de outra, a um bem imóvel.

24     Assim, apenas as prestações de serviços que apresentem uma relação suficientemente directa com um bem imóvel são abrangidas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva. Tal relação caracteriza, aliás, todas as prestações de serviços enumeradas nesta disposição.

25     Os direitos de pesca que constituem o cerne do litígio no processo principal só podem ser exercidos em conexão com o rio em causa e nos sectores deste rio mencionados nas licenças. Por conseguinte, o próprio curso de água é um elemento constitutivo das licenças de pesca e, portanto, da cessão dos direitos de pesca. Na medida em que uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal consiste na cessão do próprio direito de uso do bem que é o rio, este imóvel constitui um elemento central e indispensável da referida prestação. Além disso, o local em que se situa o imóvel corresponde ao local de efectivação final do serviço.

26     Resulta dos elementos expostos que existe uma relação suficientemente directa entre a cedência de direitos de pesca e os sectores do curso de água a que estes respeitam. Consequentemente, um serviço como o prestado pela Heger é um serviço conexo com um bem imóvel na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

27     Por conseguinte, há que responder à questão prejudicial que a cedência de um direito de pesca através da cessão a título oneroso de licenças de pesca constitui uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

 Quanto às despesas

28     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

A cedência de um direito de pesca através da cessão a título oneroso de licenças de pesca constitui uma prestação de serviços conexa com um bem imóvel na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.