Processo C-427/05
Agenzia delle Entrate – Ufficio di Genova 1
contra
Porto Antico di Genova SpA
(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Commissione tributaria regionale di Genova)
«Fundos estruturais – Regulamento (CEE) n.° 4253/88 – Artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo – Proibição de dedução – Cálculo do rendimento tributável – Tomada em consideração das subvenções comunitárias recebidas»
Conclusões do advogado-geral J. Mazák apresentadas em 8 de Maio de 2007
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 25 de Outubro de 2007
Sumário do acórdão
Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Atribuição de uma contribuição financeira
(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, na redacção dada pelo Regulamento 2082/93, artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo)
O artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação fiscal nacional que inclui as subvenções pagas pelos fundos estruturais comunitários na determinação do rendimento tributável. Com efeito, as deduções ou retenções que têm por efeito reduzir o montante das subvenções comunitárias recebidas pelo beneficiário e que não têm uma relação directa e intrínseca com estas últimas não entravam a aplicação efectiva do mecanismo instituído pelo Regulamento n.° 4253/88.
Além disso, as diferenças existentes entre os beneficiários dos fundos estruturais, resultantes do facto de os montantes dos auxílios comunitários serem tributados com base em taxas diferentes nos Estados-Membros, não devem ser consideradas como sendo de natureza a infringir o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, para que assim fosse, seria necessário que a situação dos beneficiários dos auxílios comunitários fosse comparável. Ora, tal não pode ser o caso, uma vez que estes últimos recebem esses auxílios num contexto socioeconómico próprio de cada Estado-Membro e que, na falta de harmonização comunitária em matéria de determinação do rendimento tributável, subsistem ainda, na matéria, disparidades objectivas entre as legislações dos Estados-Membros, que criam assim, inelutavelmente, tais diferenças entre os referidos beneficiários.
(cf. n.os 18-21 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
25 de Outubro de 2007 (*)
«Fundos estruturais – Regulamento (CEE) n.° 4253/88 – Artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo – Proibição de dedução – Cálculo do rendimento tributável – Tomada em consideração das subvenções comunitárias recebidas»
No processo C-427/05,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Commissione tributaria regionale di Genova (Itália), por decisão de 31 de Janeiro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de Dezembro de 2005, no processo
Agenzia delle Entrate – Ufficio di Genova 1
contra
Porto Antico di Genova SpA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis (relator), R. Silva de Lapuerta, E. Juhász e J. Malenovský, juízes,
advogado-geral: J. Mazák,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 15 de Fevereiro de 2007,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Porto Antico di Genova SpA, por I. Vigliotti, avvocato,
– em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por M. Massella Ducci Teri, avvocato dello Stato,
– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.-C. Gracia, na qualidade de agentes,
– em representação da Irlanda, por D. O’Hagan e N. O’Hanlon, na qualidade de agentes, assistidos por A. Aston, SC,
– em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e P. van Ginneken, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,
– em representação do Governo do Reino Unido, por C. White, na qualidade de agente, assistida por J. Stratford, barrister,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e L. Flynn, na qualidade de agentes, assistidos por A. Colabianchi, avvocato,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 8 de Maio de 2007,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 4253/88 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO L 374, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 20, a seguir «Regulamento n.° 4253/88»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Agenzia delle Entrate – Ufficio di Genova 1 (Agência das receitas – Repartição de Génova 1, a seguir «Agenzia») e a sociedade Porto Antico di Genova SpA (a seguir «Porto Antico»), na sequência do indeferimento do pedido, apresentado por esta última, de reembolso dos montantes que pagou durante o ano 2000 a título do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e do imposto regional sobre as actividades produtivas.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
3 Sob o título «Pagamentos», o artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88 dispunha o seguinte:
«Os pagamentos devem ser feitos aos beneficiários finais, sem qualquer dedução ou retenção que possa reduzir o montante da ajuda financeira a que têm direito.»
Legislação nacional
4 O artigo 55.°, n.° 3, do Decreto n.° 917 do Presidente da República, de 22 de Dezembro de 1986 (suplemento ordinário à GURI n.° 302, de 31 de Dezembro de 1986, a seguir «Decreto presidencial n.° 917/86»), na versão aplicável ao litígio no processo principal, previa:
«São considerados rendimentos extraordinários, entre outros,
a) […]
b) os rendimentos em dinheiro ou espécie obtidos a título de subvenção ou de liberalidade, com excepção das subvenções referidas nas alíneas e) e f) do n.° 1 do artigo 53.° e das destinadas à aquisição de bens amortizáveis, independentemente do tipo de financiamento utilizado. Esses rendimentos contribuem para formar o rendimento no exercício financeiro em que foram auferidos ou, de forma linear, no exercício financeiro em que foram auferidos e nos exercícios seguintes, no máximo de quatro. […]»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
5 Resulta da decisão de reenvio que, no que diz respeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e ao imposto regional sobre as actividades produtivas, a Porto Antico, em conformidade com o artigo 55.°, n.° 3, alínea b), do Decreto presidencial n.° 917/86, incluiu na sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2000 as subvenções pagas pelos fundos estruturais comunitários e pela Região da Ligúria no âmbito do período de programação de 1994-1999.
6 Em 22 de Abril de 2002, considerando que tinha cometido um erro ao incluir as referidas subvenções no cálculo do seu rendimento tributável referente ao ano de 2000, a Porto Antico apresentou uma reclamação à Agenzia, solicitando o reembolso dos montantes indevidamente pagos. Nesta reclamação, defendeu que o artigo 55.°, n.° 3, alínea b), do Decreto presidencial n.° 917/86 era contrário ao disposto no artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88.
7 Dado o silêncio da Agenzia, equivalente a um acto de indeferimento tácito da reclamação da Porto Antico, esta última interpôs um recurso para a Commissione tributaria provinciale di Genova, que, por sentença de 10 de Abril de 2003, deu provimento ao mesmo e ordenou a restituição dos montantes indevidamente pagos por esta sociedade.
8 Em 10 de Março de 2004, a Agenzia interpôs recurso da referida sentença para a Commissione tributaria regionale di Genova, a qual, interrogando-se sobre a compatibilidade do artigo 55.°, n.° 3, alínea b), do Decreto presidencial n.° 917/86 com o Regulamento n.° 4253/88, considerou necessário suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:
«1) O artigo 55.° do [Decreto presidencial n.° 917/86] (na versão vigente no ano de 2000), segundo o qual as subvenções comunitárias são consideradas na determinação do rendimento tributável, é compatível com o artigo 21.°, n.° 3, [segundo parágrafo,] do Regulamento n.° [4253/88] […]?
2) Caso seja declarada a incompatibilidade da referida disposição, essa incompatibilidade apenas afecta as subvenções concedidas pelos organismos comunitários ou também afecta as subvenções estabelecidas no DOCUP (documento único de programação) a cargo de entidades nacionais?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
9 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação fiscal nacional, como a do artigo 55.°, n.° 3, alínea b) do Decreto presidencial n.° 917/86, que inclui as subvenções pagas pelos fundos estruturais comunitários na determinação do rendimento tributável.
10 A título preliminar, há que recordar que, segundo uma jurisprudência consagrada, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16, e de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 19). Em particular, a legislação nacional não deve entravar o funcionamento do mecanismo instituído pelo Regulamento n.° 4253/88 (v., neste sentido, acórdão de 10 de Março de 1981, Irish Creamery Milk Suppliers Association e o., 36/80 e 71/80, Recueil, p. 735, n.° 15).
11 A este respeito, o artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do referido regulamento dispõe: «[o]s pagamentos devem ser feitos aos beneficiários finais, sem qualquer dedução ou retenção que possa reduzir o montante da ajuda financeira a que têm direito».
12 Resulta inequivocamente da redacção dessa disposição que a mesma proíbe qualquer imposição sobre as subvenções atribuídas aos beneficiários de fundos estruturais. Há que observar que essa mesma redacção não exclui que o rendimento de que estas subvenções fazem parte, nos termos do Decreto presidencial n.° 917/86, possa ser objecto de tributação.
13 É necessário referir que o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o alcance do artigo 21, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88, no contexto de montantes pagos sob a forma de ajudas do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Orientação». Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a proibição de deduções prevista nesta disposição não pode ser interpretada de modo puramente formal como aplicando-se apenas às deduções efectivamente feitas no momento dos pagamentos e que, por conseguinte, a proibição de toda e qualquer dedução deve, necessariamente, ser alargada a todos os encargos que tenham uma relação directa e intrínseca com os montantes pagos (v. acórdão de 5 de Outubro de 2006, Comissão/Portugal, C-84/04, Colect., p. I-9843, n.° 35).
14 Daqui resulta que, com vista a determinar se o artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88 se opõe a uma legislação como a que está em causa no processo principal, há que examinar se a imposição fiscal prevista pelo Decreto presidencial n.° 917/86 tem uma relação directa e intrínseca com o pagamento das subvenções concedidas pelos fundos estruturais comunitários.
15 No caso em apreço, como o advogado-geral observou no n.° 28 das suas conclusões, o montante das subvenções comunitárias recebido pela Porto Antico constitui um elemento do activo desta sociedade que, eventualmente cumulado com outros rendimentos, é tomado em consideração no cálculo da matéria colectável do imposto sobre o rendimento. Este montante é assim submetido ao regime geral de tributação instituído pelo referido decreto presidencial, da mesma forma que todos os outros rendimentos da Porto Antico.
16 Ora, é necessário observar que a tributação prevista pelo Decreto presidencial n.° 917/86 é independente da existência das subvenções comunitárias pagas à Porto Antico. A referida tributação não corresponde a uma imposição especificamente ligada ao apoio financeiro de que esta sociedade beneficiou, mas aplica-se, indistintamente, a todos os rendimentos desta última.
17 Por consequência, não se pode afirmar que a imposição fiscal em causa no processo principal, como está prevista no referido decreto presidencial, constitua uma dedução ou uma retenção no sentido do artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88, que reduza as quantias pagas pelos fundos estruturais comunitários e que tenha uma relação directa e intrínseca com estas, apesar de, como alega a Porto Antico, ser possível determinar de maneira precisa o montante do imposto nacional que incide sobre estas quantias.
18 Daqui resulta que as deduções ou retenções que têm por efeito reduzir o montante das subvenções comunitárias recebidas pelo beneficiário e que não têm uma relação directa e intrínseca com estas últimas, como as que resultam de uma imposição fiscal como a prevista pelo Decreto presidencial n.° 917/86, não entravam a aplicação efectiva do mecanismo instituído pelo Regulamento n.° 4253/88 e, por conseguinte, este não se opõe à execução de tais deduções ou retenções.
19 Além disso, há que acrescentar que, ao contrário do que alega a Porto Antico, as diferenças existentes entre os beneficiários dos fundos estruturais, resultantes do facto de os montantes dos auxílios comunitários serem tributados com base em taxas diferentes nos Estados-Membros, não devem ser consideradas como sendo de natureza a infringir o princípio da igualdade de tratamento, o qual exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que esse tratamento seja objectivamente justificado (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Julho de 2001, Jippes e o., C-189/01, Colect., p. I-5689, n.° 129, e de 12 de Setembro de 2006, Laserdisken, C-479/04, Colect., p. I-8089, n.° 68).
20 Com efeito, para que assim fosse, seria necessário que a situação dos beneficiários dos auxílios comunitários fosse comparável. Ora, tal não pode ser o caso, uma vez que estes últimos recebem tais auxílios num contexto socioeconómico próprio de cada Estado-Membro e que, na falta de harmonização comunitária em matéria de determinação do rendimento tributável, subsistem ainda, na matéria, disparidades objectivas entre as legislações dos Estados-Membros, que criam assim, inelutavelmente, tais diferenças entre os referidos beneficiários.
21 Tendo em consideração o acima exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4253/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação fiscal nacional, como a do artigo 55.°, n.° 3, alínea b), do Decreto presidencial n.° 917/86, que inclui as subvenções pagas pelos fundos estruturais comunitários na determinação do rendimento tributável.
Quanto à segunda questão
22 Tendo em consideração a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.
Quanto às despesas
23 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 21.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 4253/88, do Conselho, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação fiscal nacional, como a do artigo 55.°, n.° 3, alínea b), do Decreto n.° 917 do Presidente da República, de 22 de Dezembro de 1986, que inclui as subvenções pagas pelos fundos estruturais comunitários na determinação do rendimento tributável.
Assinaturas
* Língua do processo: italiano.