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Processo C-97/06

Navicon SA

contra

Administración del Estado

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Madrid)

«Sexta Directiva IVA – Isenções – Artigo 15.°, n.° 5 – Conceito de ‘fretamento de barcos’ – Compatibilidade de uma lei nacional que apenas permite a isenção do fretamento total»

Conclusões do advogado-geral J. Mazák apresentadas em 29 de Março de 2007 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 18 de Outubro de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenções previstas na Sexta Directiva

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 15.°, n.° 5)

2.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenções previstas na Sexta Directiva

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 15.°, n.os 5 e 13)

1.     O artigo 15.°, n.° 5, Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, alterada pela Directiva 92/111, que prevê a isenção de fretamento de barcos afectos à navegação em alto mar, deve ser interpretado no sentido de que se refere tanto ao fretamento total como ao fretamento parcial destes barcos. Assim, esta disposição opõe-se a uma legislação nacional que apenas concede o benefício da isenção de imposto sobre o valor acrescentado em caso de fretamento parcial dos referidos barcos.

Com efeito, no âmbito do comércio internacional, a isenção de imposto sobre o valor acrescentado das operações de exportação para fora da Comunidade, das operações equiparadas e dos transportes internacionais, prevista no artigo 15.° da Sexta Directiva, visa respeitar o princípio da tributação dos bens ou dos serviços em questão no seu lugar de destino. Qualquer operação de exportação assim como qualquer operação que lhe seja equiparada devem estar isentas do referido imposto, de modo a garantir que a operação em causa seja exclusivamente tributada no lugar onde os produtos em causa serão consumidos.

Uma legislação nacional que limite a isenção de imposto sobre o valor acrescentado ao fretamento total, faz depender o benefício da isenção do tamanho do barco utilizado para a operação de fretamento, dado que um mesmo volume de carga pode ser tributado ou isento consoante esta última cubra a totalidade ou apenas uma parte da superfície de carga deste barco. Ora, impõe-se concluir que tal circunstância priva do seu efeito útil a isenção do fretamento prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

Nestas condições, embora seja verdade que os termos utilizados para designar a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva devem ser interpretados estritamente, adoptar uma interpretação particularmente estrita do conceito de fretamento conduziria ao desrespeito tanto da redacção como do objectivo desta disposição.

(cf. n.os 29, 31-33, disp. 1)

2.     O contrato de fretamento na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, alterada pela Directiva 92/111, distingue-se do contrato de transporte de bens pelo facto de implicar que uma pessoa, o fretador, coloque à disposição de outra pessoa, o afretador, todo ou parte do navio, enquanto no caso de transporte de bens na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva, o compromisso do transportador para com o seu cliente tem unicamente por objecto a deslocação dos referidos bens. Compete ao órgão jurisdicional nacional tomar em consideração as circunstâncias pertinentes nas quais uma operação de fretamento se desenrolou, a fim de procurar os seus elementos característicos para poder concluir se esta operação deve ser qualificada de fretamento ou de prestação de serviços de transporte de bens. O referido órgão jurisdicional deve ter em conta, nomeadamente, os termos do contrato concluído entre as partes e a natureza e o conteúdo particulares do serviço prestado, para determinar se este contrato reúne as condições de um contrato de fretamento, na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva. Um exame da natureza jurídica do contrato em causa é ainda necessário para assegurar a aplicação correcta e simples das isenções previstas na Sexta Directiva e para prevenir qualquer fraude, evasão e quaisquer eventuais abusos na execução desta directiva.

(cf. n.os 37-40, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de Outubro de 2007 (*)

«Sexta Directiva IVA – Isenções – Artigo 15.°, n.° 5 – Conceito de ‘fretamento de barcos’ – Compatibilidade de uma lei nacional que apenas permite a isenção do fretamento total»

No processo C-97/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Madrid (Espanha), por decisão de 23 de Janeiro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de Fevereiro de 2006, no processo

Navicon SA

contra

Administración del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis (relator), R. Silva de Lapuerta, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: R. Grass,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo belga, por A. Hubert, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo grego, por K. Georgiadis e M. Papida, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Afonso e L. Escobar Guerrero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 29 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 384, p. 47, a seguir «Sexta Directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Navicon SA (a seguir «Navicon»), recorrente no processo principal, à Administración del Estado a propósito da recusa desta última de a isentar do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») relativo aos montantes pagos por força de um contrato de fretamento parcial dos navios da Navicon.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       Sob o título «Isenções das operações de exportação para fora da Comunidade, das operações equiparadas e dos transportes internacionais», o artigo 15.°, n.os 1, 4, 5 e 13, da Sexta Directiva dispõe:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

1.      As entregas de bens expedidos ou transportados pelo vendedor ou por sua conta, para fora da Comunidade.

[…]

4.      As entregas de bens destinados ao abastecimento de barcos:

a)      Afectos à navegação no alto mar, e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca;

b)      De salvamento e de assistência no mar, ou afectos à pesca costeira, com excepção, relativamente a estes últimos, das provisões de bordo;

[…]

5.      A entrega, transformação, reparação, manutenção, fretamento e locação dos barcos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 4 e bem assim a entrega, locação, reparação e manutenção dos objectos – incluindo o equipamento de pesca – incorporados nos referidos barcos ou que sejam utilizados na sua exploração.

[…]

13.      As prestações de serviços, incluindo os transportes e as operações acessórias, mas com excepção das prestações de serviços isentas em conformidade com o artigo 13.°, quando estiverem ligadas directamente à exportação de bens ou às importações de bens que beneficiem das disposições previstas no n.° 3 do artigo 7.° ou no n.° 1, ponto A, do artigo 16.°»

 Legislação nacional

4       O artigo 22.°, n.° 1, da Lei 37/1992 relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (Ley 37/1992 del Impuesto sobre el Valor Añadido), de 28 de Dezembro de 1992 (BOE n.° 312, de 29 de Dezembro de 1992, p. 44247, a seguir «lei relativa ao IVA»), tem a seguinte redacção:

«Isenções das operações equiparadas a exportações

Estão isentas do imposto, segundo as condições e requisitos que venham a ser estabelecidos na regulamentação, as seguintes operações:

Em primeiro lugar, a entrega, construção, transformação, reparação, manutenção, fretamento total e locação das embarcações que a seguir se enumeram:

1.      As embarcações aptas a navegar em alto mar afectas à navegação marítima internacional que asseguram o exercício de actividades comerciais de transporte remunerado de mercadorias ou passageiros, incluindo os circuitos turísticos, ou de actividades industriais ou de pesca.

A isenção não se aplica, em caso algum, aos barcos destinados a actividades desportivas, de recreio ou, em geral, para uso privado.»

 Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais

5       Como resulta da decisão de reenvio, a Navicon e a Compañía Transatlántica Española SA concluíram um contrato de fretamento parcial através do qual a primeira colocava à disposição da segunda, a título oneroso, uma parte da superfície de carga dos seus barcos para transportar contentores entre vários portos da Península Ibérica e das ilhas Canárias, que constituem um território extracomunitário nos termos do artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Sexta Directiva. A Navicon não mencionou o IVA nas facturas relativas ao referido contrato, uma vez que considerou que a operação de fretamento estava isenta.

6       Contudo, a Administração Fiscal espanhola, por considerar que não havia lugar a aplicar a isenção prevista no artigo 22.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA na medida em que se tratava de um fretamento parcial e não total, procedeu à liquidação do IVA relativo aos montantes pagos a título do referido contrato de fretamento.

7       A Navicon impugnou então a referida liquidação no Tribunal Económico-Administrativo Regional de Madrid, que negou provimento ao seu recurso. Na sequência desta decisão de rejeição, interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio.

8       O Tribunal Superior de Justicia de Madrid, por considerar que a decisão do litígio submetido à sua apreciação carece da interpretação da Sexta Directiva, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A expressão «fretamento», relativa à isenção prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva, deve ser interpretada no sentido de que inclui apenas o fretamento da totalidade do espaço do barco (fretamento total) ou de que inclui também o fretamento relativo a uma parte ou percentagem do espaço do barco (fretamento parcial)?

2)      A Sexta Directiva opõe-se a uma lei nacional que apenas permite a isenção do fretamento total?»

 Quanto às questões prejudiciais

9       Com as duas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se refere tanto ao fretamento total como ao fretamento parcial dos barcos afectos à navegação em alto mar. A este respeito, esse órgão jurisdicional pergunta igualmente se esta disposição se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que apenas concede o benefício da isenção de IVA em caso de fretamento total dos referidos barcos.

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

10     Os Governos espanhol e grego consideram que o conceito de «fretamento» utilizado no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva apenas se refere ao fretamento de todo o espaço dos navios e concluem, em consequência, que a lei relativa ao IVA é conforme com a referida disposição. A este respeito, alegam que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, as isenções previstas na Sexta Directiva devem ser interpretadas de forma estrita, uma vez que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual é cobrado IVA sobre cada prestação de serviço efectuada a título oneroso por um sujeito passivo.

11     O Governo espanhol acrescenta que a finalidade da isenção estabelecida nesta disposição é facilitar a aplicação do IVA em caso de entregas extracomunitárias, o que implica a isenção do fretamento apenas nos casos de navegação internacional. Segundo este governo, a interpretação mais conforme com este objectivo, e que é a mais estrita possível, consiste em conceder essa isenção apenas quando se trata de fretamento total de um barco, a saber, quando se presume que o destinatário da prestação de serviços a utiliza no âmbito da navegação internacional.

12     O Governo belga e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam, pelo contrário, que o termo «fretamentos» que consta do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva tem por objecto o fretamento quer total quer parcial dos barcos.

13     Segundo o mesmo governo, resulta claramente dos termos do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva que o objectivo desta disposição é isentar de IVA o fretamento dos barcos afectos à navegação internacional e não o de isentar certos tipos de fretamento de barcos. De qualquer modo, o referido governo recorda que, quando uma disposição de direito comunitário pode ser objecto de várias interpretações, deve ser privilegiada a que é apta a garantir o efeito útil desta. No processo principal, uma interpretação do conceito de fretamento limitada ao fretamento total comprometeria o efeito útil do referido artigo 15.°, n.° 5, no sentido de que, para a mesma viagem e o mesmo tipo de cargueiro, um fretamento parcial daria lugar ao pagamento de IVA, enquanto, no caso de um fretamento total, a operação estaria isenta.

14     A Comissão sustenta, a título preliminar, que há que aplicar o critério da interpretação estrita das disposições relativas às isenções de IVA, dado que as isenções relativas aos barcos e às aeronaves, previstas no artigo 15.° da Sexta Directiva, representam uma dupla excepção às regras gerais previstas nesta directiva, na medida em que constituem isenções e pressupõem uma excepção ao sistema comum do IVA no mercado único.

15     Todavia, segundo a Comissão, resulta da redacção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva que esta disposição se refere ao fretamento quer total quer parcial dos barcos. Com efeito, a referida disposição não faz nenhuma distinção entre estes dois tipos de fretamento e, por conseguinte, não parece possível que um Estado-Membro possa conceder à isenção em causa um alcance diferente do que resulta de modo evidente da redacção desta directiva (v., neste sentido, acórdão de 16 de Setembro de 2004, Cimber Air, C-382/02, Colect., p. I-8379). Por outro lado, a primeira frase do artigo 15.° da Sexta Directiva não confere de modo nenhum aos Estados-Membros a faculdade de influenciar o âmbito de aplicação material de uma isenção, como está definida na referida directiva.

16     A Comissão considera, além disso, que os bens que são exportados para um Estado terceiro devem estar livres de quaisquer impostos quando deixem o território da Comunidade, o que exige a não tributação do serviço de fretamento prestado, independentemente de se tratar de fretamento total ou parcial. Por último, uma aplicação da isenção limitada ao fretamento total levaria a fazer depender essa isenção do tamanho do barco que efectua a operação de fretamento, podendo um mesmo volume de carga ser isento ou não, consoante a superfície de carga do referido barco.

17     Contudo, a Comissão analisa igualmente as eventuais justificações da lei relativa ao IVA. A este respeito, examina a possibilidade de reservar ao contrato de fretamento o mesmo regime fiscal que é aplicado ao contrato de transporte de bens, previsto no artigo 15.°, n.° 13, da Sexta Directiva. Com efeito, a finalidade essencial e a causa do contrato são, em ambos os casos, a transferência de bens de um ponto para outro. Todavia, considera que esta equiparação é contrária ao conteúdo e ao objectivo da Sexta Directiva, que atribuiu aos fretamentos um regime jurídico diferente do aplicável aos serviços de transporte.

18     Por último, a Comissão conclui que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, tendo em conta os termos do contrato existente entre as partes, bem como a natureza e o conteúdo particulares do serviço prestado, se o contrato em causa no processo principal apresenta as características de um contrato de fretamento, na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

 Resposta do Tribunal de Justiça

19     Resulta da decisão de reenvio que o artigo 22.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA isenta de imposto o fretamento total de barcos afectos à navegação marítima internacional e que asseguram o exercício de actividades comerciais de transporte remunerado de mercadorias. Além disso, é pacífico que, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, as ilhas Canárias constituem um território extracomunitário e que, por força desta disposição, conjugada com o artigo 15.°, n.° 1, da mesma directiva, se considera que o transporte de bens para estas ilhas constitui uma exportação para efeitos do IVA.

20     Quanto às isenções previstas na Sexta Directiva, há que recordar que constituem conceitos autónomos do direito comunitário que devem ser colocados no contexto geral do sistema comum do IVA instaurado pela Sexta Directiva (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, 235/85, Colect., p. 1471, n.° 18; de 5 de Junho de 1997, SDC, C-2/95, Colect., p. I-3017, n.° 21; e Cimber Air, já referido, n.° 23).

21     Esse sistema assenta, designadamente, em dois princípios. Por um lado, o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços e cada entrega de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo. Por outro lado, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que os operadores económicos que efectuam as mesmas operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança do IVA (acórdão Cimber Air, já referido, n.° 24).

22     Com base nestes princípios, as referidas isenções devem ser interpretadas estritamente, dado que constituem uma derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada entrega de bens e sobre cada prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (v., neste sentido, acórdãos SDC, já referido, n.° 20; Cimber Air, já referido, n.° 25; e de 14 de Junho de 2007, Haderer, C-445/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 18). Esta regra de interpretação estrita não significa, todavia, que os termos utilizados para definir estas isenções devam ser interpretados de um modo que prive estas últimas dos seus efeitos (acórdão de 18 de Novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, Colect., p. I-11237, n.° 17, e acórdão Haderer, já referido, n.° 18).

23     É à luz destes critérios de interpretação enunciados pela jurisprudência, referida nos n.os 20 a 22 do presente acórdão, que deve ser interpretado o conceito de fretamento previsto no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

24     Observe-se, a este respeito, que o referido artigo não contém nenhuma definição do conceito de fretamento. Segundo jurisprudência assente, há que atender, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, não apenas aos termos desta última mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Maio de 2000, KVS International, C-301/98, Colect., p. I-3583, n.° 21, e de 6 de Julho de 2006, Comissão/Portugal,C-53/05, Colect., p. I-6215, n.° 20).

25     Resulta, em primeiro lugar, da redacção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva que os Estados-Membros isentam a entrega, transformação, reparação, manutenção, fretamento e locação dos barcos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 4 do mesmo artigo, designadamente os afectos à navegação em alto mar e que asseguram o exercício de uma actividade comercial, bem como a entrega, locação, reparação e manutenção dos objectos, incluindo o equipamento de pesca, incorporados nos referidos barcos ou que sejam utilizados na sua exploração.

26     Desta forma, importa observar que o referido artigo 15.°, n.° 5, não contém nenhuma distinção entre um fretamento total e um fretamento parcial. Esta disposição limita-se a mencionar os fretamentos dos barcos afectos à navegação em alto mar entre os casos de isenção de IVA previstos no artigo 15.°, sem dar qualquer precisão quanto ao carácter total ou parcial destes fretamentos.

27     Além disso, na medida em que o artigo 22.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA se baseia numa interpretação particular do conceito de fretamento, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, embora, por força da frase que introduz o artigo 15.° da Sexta Directiva, os Estados-Membros fixem as condições de isenção com vista a assegurar a aplicação correcta e simples e prevenir quaisquer fraudes, evasões e abusos eventuais, estas condições não podem dizer respeito à definição do conteúdo das isenções previstas (v., por analogia, acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França, C-76/99, Colect., p. I-249, n.° 26, e de 26 de Maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello, C-498/03, Colect., p. I-4427, n.° 24).

28     Nesta perspectiva, a sujeição a IVA de uma operação determinada, ou a isenção desta, não podem depender da sua qualificação em direito nacional (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Kingscrest Associates e Montecello, n.° 25, e Haderer, n.° 25).

29     Em segundo lugar, quanto ao objectivo prosseguido pelo artigo 15.° da Sexta Directiva, assinale-se que este diz respeito à isenção de IVA das operações de exportação para fora da Comunidade, das operações equiparadas e dos transportes internacionais. Com efeito, no âmbito do comércio internacional, essa isenção visa respeitar o princípio da tributação dos bens ou dos serviços em questão no seu lugar de destino. Qualquer operação de exportação assim como qualquer operação que lhe seja equiparada devem estar isentas de IVA, de modo a garantir que a operação em causa seja exclusivamente tributada no lugar onde os produtos em causa serão consumidos.

30     No processo principal, resulta dos termos do artigo 22.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA que apenas o fretamento total dos barcos afectos à navegação em alto mar e utilizados para a navegação internacional está isento de IVA. Por conseguinte, não obstante o facto de se tratar de operações equiparadas a exportações, esta lei não permite a isenção do fretamento parcial destes barcos. Daí resulta que a tributação deste tipo de fretamento nas referidas operações viola o princípio da tributação dos bens ou dos serviços em questão no lugar de destino e é contrária ao objectivo prosseguido pelo regime de isenções previsto no artigo 15.° da Sexta Directiva.

31     Além disso, importa acrescentar que, como observa o órgão jurisdicional de reenvio, a referida lei, ao limitar a isenção de IVA ao fretamento total, faz depender o benefício da isenção do tamanho do barco utilizado para a operação de fretamento, dado que um mesmo volume de carga pode ser tributado ou isento consoante esta última cubra a totalidade ou apenas uma parte da superfície de carga deste barco. Ora, impõe-se concluir que tal circunstância priva do seu efeito útil a isenção do fretamento prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

32     Nestas condições, embora seja verdade que os termos utilizados para designar a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva devem ser interpretados estritamente, adoptar uma interpretação particularmente estrita do conceito de fretamento conduziria ao desrespeito tanto da redacção como do objectivo desta disposição.

33     Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se refere tanto ao fretamento total como ao fretamento parcial dos barcos afectos à navegação em alto mar. Assim, esta disposição opõe-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que apenas concede o benefício da isenção de IVA no caso de fretamento total dos referidos barcos.

34     A Comissão examina, todavia, nas observações submetidas ao Tribunal de Justiça, a possibilidade de equiparar o fretamento parcial de um barco a um contrato de transporte de bens, o que permitiria que o referido fretamento beneficiasse da isenção reservada às prestações de serviços de transporte ligadas a bens exportados, prevista no artigo 15.°, n.° 13, da Sexta Directiva, quando estes bens preencham as condições previstas nesta disposição. Neste contexto, e através de tal equiparação, poderia ser concedida a isenção de fretamento parcial de um barco no âmbito de uma operação equiparada à exportação.

35     Observe-se a este respeito que, no que se refere às isenções relativas às exportações, a Sexta Directiva reservou a estes dois tipos de contratos, a saber, o contrato de fretamento e o relativo a uma prestação de serviços de transporte, regimes jurídicos diferentes. A isenção de fretamento dos barcos afectos à navegação em alto mar foi prevista no artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva, ao passo que a dos serviços de transporte de bens está regulada no n.° 13 do mesmo artigo. Resulta assim da redacção deste artigo que uma equiparação dos referidos contratos, no sentido de lhes reservar o mesmo regime em matéria de IVA, não encontra qualquer fundamento no sistema de isenções instaurado pela Sexta Directiva.

36     Como referiu o advogado-geral no n.° 27 das suas conclusões, há que observar que, se tivesse tido a intenção de limitar o conceito de fretamento dos barcos afectos à navegação em alto mar ao fretamento total destes e de equiparar o fretamento parcial a uma prestação de serviços de transporte de bens, o legislador comunitário tê-lo-ia precisado de forma explícita no artigo 15.° da Sexta Directiva.

37     Compete, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração as circunstâncias pertinentes nas quais a operação de fretamento em causa no processo principal se desenrolou, a fim de procurar os seus elementos característicos para poder concluir se esta operação deve ser qualificada de fretamento ou de prestação de serviços de transporte de bens. O referido órgão jurisdicional deve ter em conta, nomeadamente, os termos do contrato concluído entre as partes e a natureza e o conteúdo particulares do serviço prestado, para determinar se este contrato reúne as condições de um contrato de fretamento, na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

38     A este respeito, como referiu a Comissão, o contrato de fretamento distingue-se do contrato de transporte de bens pelo facto de implicar que uma pessoa, o fretador, coloque à disposição de outra pessoa, o afretador, todo ou parte do navio, enquanto no caso de transporte de bens o compromisso do transportador para com o seu cliente tem unicamente por objecto a deslocação dos referidos bens.

39     Afigura-se que um exame da natureza jurídica do contrato em causa no processo principal é necessário para assegurar a aplicação correcta e simples das isenções previstas na Sexta Directiva e para prevenir qualquer fraude, evasão e quaisquer eventuais abusos na execução desta directiva.

40     Resulta do exposto que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o contrato em causa no processo principal preenche as condições de um contrato de fretamento, na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

 Quanto às despesas

41     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 15.°, n.° 5, Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, deve ser interpretado no sentido de que se refere tanto ao fretamento total como ao fretamento parcial dos barcos afectos à navegação em alto mar. Assim, esta disposição opõe-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que apenas concede o benefício da isenção de imposto sobre o valor acrescentado em caso de fretamento total dos referidos barcos.

2)      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o contrato em causa no processo principal preenche as condições de um contrato de fretamento, na acepção do artigo 15.°, n.° 5, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 92/111.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.