Processo C-282/07
État belge – SPF Finances
contra
Truck Center SA
(pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Liège)
«Liberdade de estabelecimento – Artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE) – Livre circulação de capitais – Artigos 73.°-B e 73.°-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE) – Tributação das pessoas colectivas – Rendimentos de capitais e de bens móveis – Retenção do imposto na fonte – Retenção do imposto sobre os rendimentos de valores mobiliários – Cobrança sobre os juros pagos a sociedades não residentes – Não cobrança sobre os juros pagos a sociedades residentes – Convenção fiscal preventiva da dupla tributação – Restrição – Inexistência»
Sumário do acórdão
Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre circulação de capitais – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades
[Tratado CE, artigo 52.° (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), artigo 58.° (actual artigo 48.° CE), artigos 73.°-B e 73.°-D (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE)]
Os artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), 73.°-B e 73.°-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-Membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-Membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
Com efeito, a diferença de tratamento que essa regulamentação fiscal estabelece entre as sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas no Estado-Membro em causa ou noutro Estado-Membro, tem que ver com situações que não são objectivamente comparáveis. Em primeiro lugar, quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residem no Estado-Membro em causa, a posição deste é diferente daquela que toma quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente, porquanto, no primeiro caso, o Estado-Membro actua na sua qualidade de Estado de residência das sociedades em causa e, no segundo, como Estado de origem dos juros. Em segundo lugar, o pagamento de juros por uma sociedade residente a outra sociedade residente e o pagamento de juros por uma sociedade residente a uma sociedade não residente dão lugar a tributações distintas, que têm bases jurídicas diferentes. Assim, por um lado, os juros pagos por uma sociedade residente a outra sociedade residente são tributados pelo Estado em causa pois estão sujeitos, no âmbito dessa sociedade e pelas mesmas razões que os seus outros rendimentos, ao imposto sobre as sociedades. Por outro lado, a retenção na fonte do imposto sobre os rendimentos de valores mobiliários tem lugar ao abrigo da faculdade que, por força de uma convenção fiscal para evitar a dupla tributação, esse Estado e o outro Estado-Membro se reservaram mutuamente quando da repartição dos respectivos poderes tributários. Estas diferentes modalidades de cobrança do imposto constituem o corolário do facto de as sociedade beneficiárias residentes e não residentes estarem sujeitas a tributações diversas. Por último, estas diferentes técnicas de tributação são o reflexo das situações diversas em que se encontram essas sociedades relativamente à cobrança do imposto, dado que as sociedades residentes estão directamente sujeitas ao controlo da Administração Fiscal do Estado-Membro em causa, o mesmo não se passando com as sociedades beneficiárias não residentes pois, em relação a estas, a cobrança do imposto exige a colaboração da Administração Fiscal do respectivo Estado de residência.
Acresce que, a diferença de tratamento resultante desta regulamentação fiscal não confere necessariamente uma vantagem às sociedades beneficiárias residentes pois, por um lado, estas são obrigadas a efectuar pagamentos antecipados do imposto sobre as sociedades e, por outro, a taxa do imposto sobre os rendimentos de valores mobiliários aplicada aos juros pagos a uma sociedade não residente é claramente inferior à do imposto sobre as sociedades que incide sobre os rendimentos das sociedades residentes beneficiárias de juros.
Nestas condições, a referida diferença de tratamento não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 52.° do Tratado nem uma restrição aos movimentos de capitais na acepção do artigo 73.°-B do Tratado.
(cf. n.os 41-52 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
22 de Dezembro de 2008 (*)
«Liberdade de estabelecimento – Artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE) – Livre circulação de capitais – Artigos 73.°-B e 73.°-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE) – Tributação das pessoas colectivas – Rendimentos de capitais e de bens móveis – Retenção do imposto na fonte – Retenção do imposto sobre os rendimentos de valores mobiliários – Cobrança sobre os juros pagos a sociedades não residentes – Não cobrança sobre os juros pagos a sociedades residentes – Convenção fiscal preventiva da dupla tributação – Restrição – Inexistência»
No processo C-282/07,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour d’appel de Liège (Bélgica), por decisão de 6 de Junho de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Junho de 2007, no processo
État belge – SPF Finances
contra
Truck Center SA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, T. von Danwitz, R. Silva de Lapuerta (relatora), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,
advogada-geral: J. Kokott,
secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 15 de Maio de 2008,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Truck Center SA, por X. Thiebaut e X. Pace, avocats,
– em representação do Governo belga, por C. Pochet e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo francês, por J.-C. Gracia, na qualidade de agente,
– em representação do Governo neerlandês, por C. M. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo português, por L. I. Fernandes e M. V. B. Guimarães, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo do Reino Unido, por T. Harris, na qualidade de agente, assistida por K. Bacon, barrister,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.-P. Keppenne e R. Lyal, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 18 de Setembro de 2008,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 73.°-B e 73.°-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Estado belga à Truck Center SA (anteriormente Truck Restaurant Habay, a seguir «Truck Center»), com sede na Bélgica, a propósito da tributação de juros devidos por esta sociedade, de 1994 a 1996, como remuneração de um empréstimo concedido pela SA Wickler Finances (a seguir «Wickler Finances»), com sede no Luxemburgo.
Quadro jurídico
3 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as disposições da regulamentação nacional aplicáveis ao processo principal são as seguintes.
4 O artigo 266.° do Código dos Impostos sobre os Rendimentos de 1992 (code des impôts sur les revenus 1992, a seguir «CIR 1992») determina:
«O Rei pode renunciar, nas condições e nos limites por ele determinados, total ou parcialmente à cobrança do précompte mobilier [retenção do imposto sobre os rendimentos de valores mobiliários] sobre os rendimentos de capitais e bens mobiliários e rendimentos diversos, desde que se trate de rendimentos recebidos por beneficiários susceptíveis de serem identificados […]»
5 O artigo 267.° do CIR 1992 está redigido nos seguintes termos:
«A atribuição ou o pagamento dos rendimentos, em dinheiro ou em espécie, implica a exigibilidade do précompte mobilier. Considera-se atribuição, nomeadamente, a inscrição de um rendimento numa conta aberta em favor do beneficiário, mesmo que essa conta se encontre indisponível, desde que a indisponibilidade resulte de um acordo expresso ou tácito com o beneficiário.[…]»
6 Os artigos 105.° a 119.° do Decreto real de execução do Código dos Impostos sobre os Rendimentos de 1992, de 27 de Agosto de 1993 (a seguir «DR/CIR 1992»), dizem respeito à renúncia, total ou parcial, à cobrança do précompte mobilier.
7 O artigo 105.°, n.° 3, alínea b), do DR/CIR 1992 estabelece que, para efeitos da aplicação desses artigos, consideram-se «investidores profissionais» as sociedades residentes.
8 Por força do artigo 107.°, n.° 2, ponto 9, alínea c), do DR/CIR 1992, renuncia-se totalmente à cobrança do précompte mobilier sobre os rendimentos de créditos e empréstimos cujos beneficiários são identificados como sendo investidores profissionais.
9 A Convenção entre a Bélgica e o Luxemburgo para evitar a dupla tributação e regular outras questões em matéria de impostos sobre os rendimentos e a fortuna, e o respectivo protocolo final, assinados no Luxemburgo em 17 de Setembro de 1970 (a seguir «Convenção Belgo-Luxemburguesa»), definem as regras de repartição da competência fiscal entre o Reino da Bélgica e o Grão-Ducado do Luxemburgo.
10 O artigo 11.° desta convenção prevê:
«§ 1. Os juros provenientes de um Estado contratante e atribuídos a um residente do outro Estado contratante são tributáveis neste outro Estado.
§ 2. Não obstante, estes juros podem ser tributados no Estado contratante onde têm origem e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim determinado não pode exceder 15% do montante dos referidos juros.
§ 3. Em derrogação do § 2, os juros não podem ser tributados no Estado contratante onde têm origem se forem atribuídos a uma empresa do outro Estado contratante.
O parágrafo anterior não se aplica no caso de:
1.° juros de obrigações e de outros títulos de empréstimos, com excepção dos títulos comerciais representativos de créditos comerciais;
2.° juros atribuídos por uma sociedade residente de um Estado contratante a uma sociedade residente do outro Estado contratante que detenha, directa ou indirectamente, pelo menos 25% das acções ou partes sociais com direito de voto da primeira sociedade.»
11 O artigo 23.° da referida convenção enuncia:
«§ 1. Relativamente aos residentes no Luxemburgo, a dupla tributação é evitada do seguinte modo:
[…]
2.° O imposto cobrado na Bélgica nos termos da presente Convenção:
[…]
b) sobre os juros sujeitos ao regime previsto no artigo 11.°, § 2, é imputado ao imposto cobrado no Luxemburgo sobre estes mesmos rendimentos. O montante assim deduzido não pode, no entanto, exceder a fracção do imposto que corresponda proporcionalmente aos referidos rendimentos recebidos na Bélgica nem um montante correspondente ao imposto cobrado na fonte, no Luxemburgo, sobre rendimentos análogos atribuídos a residentes na Bélgica. O referido imposto cobrado na Bélgica só é dedutível dos rendimentos tributáveis no Luxemburgo na medida em que exceder o imposto cobrado na fonte, no Luxemburgo, sobre rendimentos análogos atribuídos a residentes na Bélgica.
[…]»
Litígio no processo principal e questão prejudicial
12 Em 25 de Fevereiro de 1992, a Wickler Finances, que detém 48% do capital da Truck Center, emprestou a esta sociedade a quantia de 50 milhões de BEF.
13 De 1994 a 1996, os juros deste empréstimo foram contabilizados sem que tivessem sido pagos e sem que se procedesse à retenção do imposto.
14 Em 11 de Dezembro de 1997, a Truck Center foi notificada da liquidação oficiosa do imposto à taxa de 13,39% para os anos de 1994 e 1995 e à taxa de 15% para o ano de 1996.
15 Em 17 de Dezembro de 1998, a Truck Center reclamou dessa liquidação oficiosa para o director regional das contribuições competente.
16 Por decisão de 15 de Dezembro de 2004, este manteve o princípio da tributação dos juros a título do imposto em causa.
17 Em 15 de Março de 2005, a Truck Center interpôs recurso para o tribunal de première instance d’Arlon.
18 O tribunal de première instance d’Arlon, por decisão de 17 de Maio de 2006, julgou procedente o recurso interposto pela Truck Center, por considerar que, ao reservar unicamente às sociedades residentes no Reino da Bélgica o beneficio da renúncia à cobrança do précompte mobilier, a regulamentação belga era contrária ao artigo 56.° CE.
19 Em 7 de Julho de 2006, o Estado belga recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.
20 Foi nestas condições que a cour d’appel de Liège decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Os artigos 105.°, n.° 3, alínea b), e 107.°, § 2, n.° 9, do [DR/CIR] 1992, adoptado nos termos do artigo 266.° do CIR 1992, conjugados com o artigo 23.° da Convenção Belgo-Luxemburguesa […], violam o artigo 73.° […] do Tratado […], na medida em que, ao reservar[em] a renúncia [à retenção na fonte do] imposto sobre o rendimento de valores mobiliários, previst[a] pelo artigo 107.°, § 2, n.° 9, exclusivamente […] aos juros atribuídos às sociedades residentes, têm nomeadamente por efeito, por um lado, dissuadir as sociedades residentes de contrair empréstimos junto [de] sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro e constituem, por outro, um obstáculo a que as sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro invistam capitais, sob a forma de empréstimos, [em] sociedades que têm a sua sede na Bélgica?»
Quanto à questão prejudicial
21 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende fundamentalmente saber se os artigos 73.°-B e 73.°-D do Tratado se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro que prevê a retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-Membro.
22 A título preliminar, cabe recordar que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização comunitária, em especial nos termos do artigo 293.°, segundo travessão, CE, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário de modo a, nomeadamente, eliminarem a dupla tributação (v. acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I-2793, n.os 24 e 30; de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colect., p. I-6161, n.° 57; de 5 de Julho de 2005, D., C-376/03, Colect., p. I-5821, n.° 52; de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C-265/04, Colect., p. I-923, n.° 49; de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, Colect., p. I-7409, n.° 44; de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, n.° 52, e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, n.° 43).
23 No entanto, também é verdade que, no que toca ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem eximir-se ao respeito das regras comunitárias (v. acórdãos, já referidos, Saint-Gobain ZN, n.° 58, e Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 44). Mais especificamente, esta repartição da competência fiscal não permite que os Estados-Membros introduzam uma discriminação contrária às regras comunitárias (acórdãos, já referidos, Bouanich, n.° 50, e Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 44).
24 Nestas condições, há que determinar se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 73.°-B do Tratado, relativo à livre circulação de capitais, ou dos artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), relativos à liberdade de estabelecimento.
25 A este respeito, recorde-se que, segundo jurisprudência assente, incluem-se no âmbito de aplicação material das disposições relativas à liberdade de estabelecimento as disposições nacionais que se aplicam à detenção, por um nacional do Estado-Membro em causa, de uma participação no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, que lhe permita exercer uma influência certa nas decisões dessa sociedade e determinar as respectivas actividades (acórdãos de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, Colect., p. I-7995, n.° 31; de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colect., p. I-2107, n.° 27, e de 6 de Dezembro de 2007, Columbus Container Services, C-298/05, Colect., p. I-10451, n.° 29).
26 No presente caso, a aplicação do artigo 11.°, n.° 3, segundo parágrafo, ponto 2, da Convenção Belgo-Luxemburguesa depende da dimensão da participação da sociedade beneficiária de juros no capital da sociedade distribuidora desses juros.
27 Com efeito, essa disposição determina que os juros atribuídos por uma sociedade residente de um Estado contratante a uma sociedade residente do outro Estado contratante que detém directa ou indirectamente pelo menos 25% das acções ou partes sociais com direito de voto da primeira sociedade podem ser tributados no Estado contratante de onde provêm.
28 Além disso, resulta da decisão de reenvio que a Wickler Finances detém 48% do capital da Truck Center.
29 Esta taxa de participação é, em princípio, susceptível de conferir à Wickler Finances uma influência certa nas decisões e actividades da Truck Center.
30 Por conseguinte, a referida regulamentação deve ser analisada à luz dos artigos 52.° e 58.° do Tratado.
31 A liberdade de estabelecimento, que o artigo 52.° do Tratado reconhece aos nacionais da Comunidade e que compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício como a constituição e a gestão de empresas, nas mesmas condições que a legislação do Estado-Membro de estabelecimento define para os seus nacionais, inclui, nos termos do artigo 58.° do Tratado, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a administração central ou o estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua actividade no Estado-Membro em causa através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v. acórdão de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 20, e acórdãos, já referidos, Saint-Gobain ZN, n.° 35; Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, n.° 41; Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 42, e Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 20).
32 Em relação às sociedades, importa referir que a sua sede, na acepção do artigo 58.° do Tratado, serve para determinar, à semelhança da nacionalidade das pessoas singulares, a sua sujeição à ordem jurídica de um Estado-Membro. Admitir que o Estado-Membro de residência possa livremente aplicar um tratamento diferente unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado-Membro esvaziaria o artigo 52.° do Tratado do seu conteúdo. A liberdade de estabelecimento tem, assim, por objectivo garantir o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, proibindo qualquer discriminação baseada na sede das sociedades (v. acórdãos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 43; Denkavit Internationaal e Denkavit France, já referido, n.° 22, e de 26 de Junho de 2008, Burda, C-284/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 77).
33 Além disso, segundo jurisprudência constante, todas as medidas que proíbem, dificultam ou tornam menos atractivo o exercício da liberdade de estabelecimento devem ser consideradas restrições a essa liberdade (v. acórdãos de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C-55/94, Colect., p. I-4165, n.° 37; de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C-442/02, Colect., p. I-8961, n.° 11, e Columbus Container Services, já referido, n.° 34).
34 No presente caso, resulta da regulamentação em causa no processo principal que as modalidades de cobrança do imposto variam em função do local onde se situa a sede da sociedade beneficiária dos juros.
35 Efectivamente, nos termos dessa regulamentação, o imposto em causa incide sobre os juros pagos a uma sociedade beneficiária não residente e não sobre os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente, que são tributados, se for caso disso, a título do imposto sobre as sociedades a que esta última sociedade está sujeita.
36 Contudo, para se determinar se uma diferença de tratamento fiscal é discriminatória, há que procurar saber se, tendo em conta a medida nacional em questão, as sociedades em causa se encontram numa situação objectivamente comparável (acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 46).
37 Nos termos de uma jurisprudência assente, a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (v. acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 30; de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 17, e Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 46).
38 Ora, em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis (acórdãos, já referidos, Schumacker, n.° 31, e Wielockx, n.° 18).
39 Uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes não pode, por conseguinte, ser qualificada, enquanto tal, de discriminação na acepção do Tratado (v. acórdãos, já referidos, Wielockx, n.° 19, e Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 24).
40 Por conseguinte, há que determinar se é isto o que se verifica no processo principal.
41 A este propósito, importa observar que a diferença de tratamento que a regulamentação fiscal em causa no processo principal estabelece entre as sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas na Bélgica ou noutro Estado-Membro, tem que ver com situações que não são objectivamente comparáveis.
42 Com efeito, em primeiro lugar, quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residem na Bélgica, a posição do Estado belga é diferente daquela que toma quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente, porquanto, no primeiro caso, o Estado belga actua na sua qualidade de Estado de residência das sociedades em causa e, no segundo, como Estado de origem dos juros.
43 Em segundo lugar, o pagamento de juros por uma sociedade residente a outra sociedade residente e o pagamento de juros por uma sociedade residente a uma sociedade não residente dão lugar a tributações distintas, que têm bases jurídicas diferentes.
44 Assim, por um lado, embora seja verdade que o imposto em causa não incide sobre os juros pagos por uma sociedade residente a outra sociedade residente, também é verdade que, nos termos das disposições do CIR 1992, esses juros são tributados pelo Estado belga pois estão sujeitos, no âmbito dessa sociedade e pelas mesmas razões que os seus outros rendimentos, ao imposto sobre as sociedades.
45 Por outro lado, o Estado belga retém na fonte o imposto que incide sobre os juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade não residente ao abrigo da possibilidade que, nos termos da Convenção Belgo-Luxemburguesa, esse Estado e o Grão-Ducado do Luxemburgo mutuamente se reservaram quando da repartição dos respectivos poderes tributários.
46 Por conseguinte, estas diferentes modalidades de cobrança do imposto constituem o corolário do facto de as sociedade beneficiárias residentes e não residentes estarem sujeitas a tributações diversas.
47 Por último, estas diferentes técnicas de tributação são o reflexo das situações diversas em que se encontram essas sociedades relativamente à cobrança do imposto.
48 Efectivamente, se as sociedades beneficiárias residentes estão directamente sujeitas ao controlo da Administração Fiscal belga, que pode assegurar a cobrança coerciva do imposto, o mesmo não se passa com as sociedades beneficiárias não residentes pois, em relação a estas, a cobrança do imposto exige a colaboração da Administração Fiscal do respectivo Estado de residência.
49 Acresce que, para além de dizer respeito a situações que não são objectivamente comparáveis, a diferença de tratamento resultante da regulamentação fiscal em causa no processo principal não confere necessariamente uma vantagem às sociedades beneficiárias residentes pois, por um lado, como o Governo belga referiu na audiência, estas são obrigadas a efectuar pagamentos antecipados do imposto sobre as sociedades e, por outro, a taxa do referido imposto aplicada aos juros pagos a uma sociedade não residente é claramente inferior à do imposto sobre as sociedades, que incide sobre os rendimentos das sociedades residentes beneficiárias de juros.
50 Nestas condições, a referida diferença de tratamento não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 52.° do Tratado.
51 Relativamente à existência de uma restrição aos movimentos de capitais na acepção do artigo 73.°-B do Tratado, basta observar que a conclusão a que se chegou no número anterior do presente acórdão também vale para as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais (acórdãos de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, n.° 60, e Columbus Container Services, já referido, n.° 56).
52 Por conseguinte, atentas as considerações que precedem, deve responder-se à questão submetida que os artigos 52.°, 58.°, 73.°-B e 73.°-D do Tratado devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-Membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
Quanto às despesas
53 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
Os artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), 73.°-B do Tratado CE e 73.°-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56.° CE e 58.° CE) devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-Membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
Assinaturas
* Língua do processo: francês.