Processo C-377/07
Finanzamt Speyer-Germersheim
contra
STEKO Industriemontage GmbH
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)
«Imposto sobre as sociedades – Disposições transitórias – Dedução da depreciação de participações em sociedades não residentes»
Sumário do acórdão
Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades
(Artigo 56.° CE)
Em circunstâncias em que uma sociedade de capitais residente detém uma participação inferior a 10% noutra sociedade de capitais e sofre diminuição de lucros devida a uma amortização parcial nessa última sociedade, o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma proibição de deduzir as diminuições de lucros relacionadas com essa participação entre em vigor mais cedo para a participação numa sociedade não residente do que para a participação numa sociedade residente.
Com efeito, essa diferença de tratamento em função do local de investimento dos capitais é susceptível de dissuadir um accionista de investir os seus capitais numa sociedade estabelecida num Estado diferente e de produzir ainda um efeito restritivo face às sociedades estabelecidas noutros Estados, constituindo um obstáculo à colecta de capitais no Estado-Membro em questão. Além disso, o facto de saber que a possibilidade de diminuir o montante dos lucros tributáveis através das amortizações parciais se extinguiria mais cedo para uma participação numa sociedade não residente do que para uma participação numa sociedade residente é susceptível de dissuadir a sociedade em causa de conservar participações numa sociedade não residente e de a incitar a delas se desfazer mais rapidamente do que faria quanto a participações em sociedades residentes. Importa pouco, a este respeito, que a diferença de tratamento apenas tenha existido durante um período limitado de tempo, porque este simples facto não impede que a diferença de tratamento produza efeitos importantes e, assim, que a restrição à livre circulação de capitais seja real.
Tratando-se da possibilidade de uma sociedade residente deduzir dos seus rendimentos tributáveis as diminuições de lucros resultantes de uma amortização parcial das suas participações, consoante estas sejam detidas numa sociedade residente ou numa sociedade não residente, a diferença de tratamento não assenta numa diferença objectiva de situações.
Tal diferença de tratamento não é justificada pela margem de manobra de que dispõem os Estados-Membros na implementação de um regime transitório a fim de instaurar a compatibilidade do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nacional com o direito comunitário e suprimir eventuais discriminações. Com efeito, essa margem de manobra encontra sempre os seus limites no respeito pelas liberdades fundamentais e, em especial, na livre circulação de capitais. Ainda que se possa compreender um regime transitório pela preocupação legítima de garantir uma transição sem rupturas do regime anterior para o novo regime, e ainda que os argumentos que permitam explicar a razão pela qual a nova regulamentação foi introduzida mais tarde para as sociedades com participações em sociedades residentes, estes argumentos não podem justificar a referida diferença de tratamento em detrimento das sociedades com participações em sociedades não residentes.
Essa diferença de tratamento também não é justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal dado que o facto de ser possível, posteriormente, obter uma isenção das mais-valias realizadas em caso de alienação, na hipótese de ser alcançado um nível suficiente de lucro, não constitui uma consideração de coerência fiscal susceptível de justificar a recusa de dedução imediata das perdas sofridas pelas sociedades que detêm participações em sociedades não residentes.
No respeitante à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, essa razão imperiosa de interesse geral é, de qualquer modo, irrelevante quando a depreciação do valor das participações em sociedades não residentes resulta da baixa da cotação em bolsa.
(cf. n.os 27-29, 35, 49, 50, 54-56, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
22 de Janeiro de 2009 (*)
«Imposto sobre as sociedades – Disposições transitórias – Dedução da depreciação de participações em sociedades não residentes»
No processo C-377/07,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 4 de Abril de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Agosto de 2007, no processo
Finanzamt Speyer- Germersheim
contra
STEKO Industriemontage GmbH,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: P. Jann, presidente de secção, M. Ilešič, A. Tizzano, A. Borg Barthet e E. Levits (relator), juízes,
advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: R. Grass,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 56.° CE.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Finanzamt Speyer-Germersheim (a seguir «Finanzamt») à STEKO Industriemontage GmbH (a seguir «STEKO») quanto à determinação da base tributável do imposto sobre as actividades produtivas e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas da STEKO relativos aos anos 2001 e 2002.
Quadro jurídico nacional
3 Nos termos do § 8b, n.° 2, primeiro período, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas de 1999 (Körperschaftsteuergesetz 1999), na sua versão alterada de 14 de Setembro de 2000 (a seguir «KStG, antiga versão»), os lucros obtidos pelas pessoas colectivas ilimitadamente sujeitas ao imposto aí mencionadas em virtude da alienação de participações numa sociedade não residente não eram tidos em conta na determinação da matéria colectável. Resultava da referida disposição, lida em conjugação com os §§ 8b, n.° 5, ou 26, n.os 2 e 3, da mesma lei, que a condição exigida para este efeito era uma participação mínima de 10%.
4 Nas mesmas condições, o § 8b, n.° 2, segundo período, da KStG, antiga versão, proibia a dedução de perdas decorrentes da venda de participações. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que esta proibição não abrangia a diminuição de lucros resultante da inscrição dessas participações pelo seu valor parcial inferior (amortização parcial).
5 Na medida em que uma sociedade residente detivesse participações em sociedades residentes – e independentemente do montante dessas participações – ou participações inferiores a 10% em sociedades não residentes, a determinação dos lucros resultava das disposições conjugadas dos §§ 8, n.° 2, da KStG, antiga versão, e 4, n.° 1, da Lei do imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz).
6 Resultava dessas disposições que os lucros resultantes da alienação de participações por uma sociedade de capitais residente eram tributáveis e que as perdas relativas à alienação das referidas participações, bem como as perdas provenientes de amortizações parciais sobre o valor dessas participações, podiam ser tidas em conta em termos fiscais.
7 No âmbito da passagem do regime de imputação, aplicável anteriormente, para o de abatimento de 50% dos rendimentos, para efeitos de tributação das sociedades, a Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas foi alterada pela Lei de redução das taxas do imposto e de reforma da tributação das empresas para os anos de 2001-2002 (Gesetz zur Senkung der Steuersätze und zur Reform der Unternehmensbesteuerung 2001/2002), de 23 de Outubro de 2000 (BGBl. 2000 I, p. 1433).
8 Nos termos do § 8b, n.° 2, primeiro período, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, na sua versão alterada de 23 de Outubro de 2000 (a seguir «KStG, nova versão»), os lucros resultantes da alienação de participações em pessoas colectivas deixaram de ser tomados em consideração, independentemente de se tratar de participações em sociedades residentes ou não residentes e do valor das mesmas.
9 O § 8b, n.° 3, da KStG, nova versão, prevê que as diminuições de lucros resultantes da tomada em consideração do valor parcial inferior dessas participações (amortização parcial) ou da sua alienação não são tidas em conta na determinação do lucro tributável.
10 O § 34, n.° 4, primeiro período, ponto 2, da KStG, nova versão, constitui uma disposição transitória para a aplicação do § 8b, n.os 2 e 3, da mesma lei.
11 De acordo com esta disposição, no caso de participações em sociedades residentes, o § 8b, n.os 2 e 3, da KStG, nova versão, é normalmente aplicável, pela primeira vez, ao exercício fiscal de 2002, só sendo possível a sua aplicação ao exercício fiscal de 2001 se no decurso desse ano a sociedade de capitais tiver determinado que o seu exercício contabilístico deixava de coincidir com o ano civil.
12 Pelo contrário, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no caso de participações em sociedades não residentes, o § 8b, n.os 2 e 3, da KStG, nova versão, é aplicável ao exercício fiscal de 2001, desde que o exercício contabilístico da sociedade de capitais coincida com o ano civil.
Litígio no processo principal e questão prejudicial
13 A STEKO, uma sociedade de responsabilidade limitada com sede na Alemanha, possuía, em 2001, acções de sociedades não residentes no seu activo imobilizado. Essas participações eram inferiores a 10%. O órgão jurisdicional de reenvio indica que ignora se as referidas participações eram de sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros ou em Estados terceiros.
14 No seu balanço relativo ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2001, a STEKO atribuiu às referidas acções, não já o seu valor contabilístico anterior que correspondia a 220 021,09 DEM, mas, devido a uma baixa das cotações, um valor parcial inferior de 139 775,35 DEM. Daí resultou uma diminuição dos lucros tributáveis de 80 245,74 DEM.
15 O Finanzamt admitiu a inscrição do referido valor parcial inferior, por considerar que a baixa da cotação das acções representava uma menos-valia durável. No entanto, em sua opinião, a diminuição dos lucros não podia ser tida em conta em termos fiscais, uma vez que o § 8b, n.° 3, da KStG, nova versão, e portanto a proibição de dedução de uma tal menos-valia prevista por essa disposição, se aplicavam, a partir do exercício fiscal de 2001, às participações em sociedades não residentes.
16 Tendo o Finanzgericht Rheinland-Pfalz concedido provimento, por sentença de 29 de Setembro de 2005, ao recurso interposto pela STEKO dos avisos de liquidação de imposto adoptados nesta base pelo Finanzamt, este interpôs recurso de «Revision» da referida decisão para o Bundesfinanzhof.
17 O órgão jurisdicional de reenvio afirma que, quanto ao ano de 2001, a STEKO não podia, nos termos do § 8b, n.° 3, da KStG, nova versão, deduzir um montante correspondente à diminuição dos lucros relativos às suas participações em sociedades não residentes. Em contrapartida, quanto às participações em sociedades residentes, a referida disposição aplicava-se, em princípio, apenas a partir do ano de 2002. As amortizações parciais realizadas pela STEKO poderiam ter sido consideradas para fins de redução do montante dos impostos devidos caso se referissem a participações em sociedades residentes, visto que a dedução dessas amortizações não era proibida.
18 Segundo o Bundesfinanzhof, as participações em sociedades não residentes, cuja menos-valia é previsivelmente duradoura, foram objecto, em 2001, de uma tributação desvantajosa face às participações semelhantes em sociedades residentes. No entanto, dadas as circunstâncias particulares do caso em apreço, o referido órgão jurisdicional pretende saber se esta diferenciação constitui uma violação da livre circulação de capitais.
19 Em primeiro lugar, o Bundesfinanzhof duvida que uma desigualdade de tratamento de duração relativamente breve possa impedir ou dissuadir os contribuintes de investirem em sociedades não residentes.
20 Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que uma eventual restrição à livre circulação de capitais poderia admitir-se a título transitório, na medida em que a passagem do regime de imputação, aplicável anteriormente, para o de abatimento de 50% do rendimento é vantajosa no que respeita às participações em sociedades não residentes.
21 Em terceiro lugar, o referido órgão jurisdicional pergunta se, quanto às participações em sociedades estabelecidas em Estados terceiros, uma tal restrição não se justificará pela necessidade de assegurar o controlo fiscal, referindo que este aspecto pode ser determinante no caso de a diminuição dos lucros em causa se basear numa mera redução do valor das participações numa determinada sociedade, uma vez que, em regra, essa redução resulta apenas da situação da sociedade na qual a participação é detida, mas não é provavelmente relevante quando essa menos-valia resulte de uma baixa da cotação das acções.
22 Nestas condições, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O artigo 56.° CE é contrário à legislação de um Estado-Membro nos termos da qual a proibição de deduzir as diminuições de lucros [relacionadas com a] participação de uma sociedade de capitais noutra sociedade de capitais entra em vigor mais cedo para participações estrangeiras do que para participações [em sociedades residentes]?»
Quanto à questão prejudicial
23 Importa recordar que as medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, compreendem as que são de molde a dissuadir os não residentes de fazerem investimentos num Estado-Membro ou a dissuadir os residentes do referido Estado-Membro de os fazerem noutros Estados (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 2006, van Hilten-van der Heijden, C-513/03, Colect., p. I-1957, n.° 44; de 25 de Janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colect., p. I-1129, n.° 24; e de 18 de Dezembro de 2007, A, C-101/05, Colect., p. I-11531, n.° 40).
24 As medidas nacionais que podem ser qualificadas de «restrições», na acepção do artigo 56.°, n.° 1, CE, compreendem não só as medidas nacionais susceptíveis de impedir ou de limitar a aquisição de acções de sociedades estabelecidas noutros Estados (acórdão de 23 de Outubro de 2007, Comissão/Alemanha, C-112/05, Colect., p. I-8995, n.° 19 e jurisprudência aí referida) mas também as medidas susceptíveis de dissuadir a manutenção de tais participações em sociedades estabelecidas noutros Estados (v., por analogia, acórdãos de 12 de Dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst, C-324/00, Colect., p. I-11779, n.° 32, e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colect., p. I-2107, n.° 61).
25 Quanto ao processo principal, resulta da decisão de reenvio que, em 2001, uma sociedade residente não podia deduzir dos seus rendimentos tributáveis as diminuições de lucros devidas a uma amortização parcial das participações em sociedades não residentes. Em contrapartida, para o mesmo ano e em condições de resto idênticas, uma sociedade residente podia deduzir dos seus rendimentos tributáveis tais diminuições de lucros, quando respeitassem às participações em sociedades residentes.
26 Como observou o órgão jurisdicional de reenvio, as sociedades residentes com participações em sociedades não residentes que tivessem sofrido uma depreciação estavam, em 2001, numa situação menos vantajosa do que as que detinham tais participações em sociedades residentes.
27 Ora, essa diferença de tratamento em função do local de investimento dos capitais, introduzida pela KStG, nova versão, anteriormente ao exercício fiscal durante o qual esta lei se tornou aplicável, era susceptível de dissuadir um accionista de investir os seus capitais numa sociedade estabelecida num Estado diferente da República Federal da Alemanha e de produzir ainda um efeito restritivo face às sociedades estabelecidas noutros Estados, constituindo um obstáculo à colecta de capitais na Alemanha.
28 Além disso, como referiu a Comissão das Comunidade Europeias, o facto de saber que a possibilidade de diminuir o montante dos lucros tributáveis através das amortizações parciais se extinguiria mais cedo para uma participação numa sociedade não residente do que para uma participação numa sociedade residente era susceptível de dissuadir a sociedade em causa de conservar participações numa sociedade não residente e de a incitar a delas se desfazer mais rapidamente do que faria quanto a participações em sociedades residentes.
29 Importa pouco, a este respeito, que a diferença de tratamento apenas tenha existido durante um período limitado de tempo (acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Grønfeldt, C-436/06, Colect., p. I-12357, n.° 15). Com efeito, este simples facto não impede que a diferença de tratamento produza efeitos importantes, como é aliás demonstrado pelos factos do processo principal, e, assim, que a restrição à livre circulação de capitais seja real.
30 Resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação fiscal nacional que faz uma distinção entre os contribuintes consoante o local onde os seus capitais são investidos possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão de 20 de Maio de 2008, Orange European Smallcap Fund, C-194/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59 e jurisprudência aí referida).
31 O Governo alemão afirma que durante o exercício fiscal de 2001 não estava em vigor apenas um regime fiscal, de que as sociedades com participações em sociedades não residentes estavam excluídas, mas dois regimes de redução fiscal diferentes. Efectivamente, as sociedades com participações em sociedades residentes ainda estavam sujeitas ao antigo sistema de redução fiscal, enquanto as sociedades com participações em sociedades não residentes estavam sujeitas a um novo regime, a saber, o de abatimento de 50%.
32 Por conseguinte, segundo o referido governo, a situação de uma sociedade com participações numa sociedade residente e a de uma sociedade com participações numa sociedade não residente não eram objectivamente comparáveis.
33 Esta argumentação não pode ser acolhida. A aplicação de regimes fiscais diferentes a uma sociedade residente consoante detenha participações em sociedades residentes ou não residentes não pode constituir um critério válido para apreciar a comparabilidade objectiva das situações e, consequentemente, para estabelecer uma diferença objectiva entre elas. Com efeito, a aplicação de regimes fiscais diferentes está precisamente na origem da diferença de tratamento cuja justificação cumpre apreciar.
34 Além disso, importa lembrar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto às perdas sofridas pelas sociedades-mãe residentes na Alemanha, resultantes da depreciação do valor das suas participações em filiais, que essas sociedades se encontram numa situação comparável, quer as filiais em que detêm participações estejam estabelecidas na Alemanha quer noutros Estados-Membros. O Tribunal de Justiça indicou que nestes dois casos, por um lado, as perdas cuja dedução é pedida são suportadas pelas sociedades-mãe e, por outro, os lucros que provenham destas filiais, quer estejam sujeitas a tributação na Alemanha quer noutros Estados-Membros, não são tributáveis a nível das sociedades-mãe (acórdão de 29 de Março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, Colect., p. I-2647, n.° 34).
35 A passagem para o regime de abatimento de 50%, no que respeita às sociedades residentes com participações em sociedades não residentes, não alterou estas características. Por consequência, impõe-se considerar que, tratando-se da possibilidade de uma sociedade residente deduzir dos seus rendimentos tributáveis as diminuições de lucros resultantes de uma amortização parcial das suas participações, consoante estas sejam detidas numa sociedade residente ou numa sociedade não residente, a diferença de tratamento não assenta numa diferença objectiva de situações.
36 Importa, por isso, analisar se uma diferença de tratamento como a que está em causa no processo principal se justifica por uma razão imperiosa de interesse geral.
37 Em primeiro lugar, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, o Governo alemão considera que a referida diferença de tratamento deve ser admitida na medida em que constitui um elemento de um regime transitório, aplicável durante um período limitado, estando o diferimento no tempo da entrada em vigor do novo regime ligado à substituição progressiva do regime da dedução integral pelo do abatimento de 50%, que foi efectuada para assegurar a compatibilidade do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas com o direito comunitário.
38 O Governo alemão esclarece que, nos termos do regime de dedução integral, uma sociedade de capitais era em princípio tributada à taxa de 40%. O lucro que distribuía aos seus accionistas era tributado apenas em 30%. O accionista devia novamente pagar o imposto sobre o rendimento relativo aos lucros distribuídos, em função da sua taxa de tributação pessoal. Podia, no entanto, deduzir totalmente da sua dívida de imposto pessoal o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas já pago na Alemanha pela sociedade de capitais. Evitava-se deste modo uma dupla tributação dos lucros.
39 Em contrapartida, no que se refere ao regime de abatimento de 50% dos rendimentos, a sociedade de capitais passou, segundo este mesmo governo, a ser tributada pelos seus lucros à taxa uniforme de apenas 25%, independentemente da questão de saber se distribui ou não os lucros obtidos aos seus accionistas. A dupla tributação dos dividendos distribuídos é evitada mediante a integração de apenas metade dos dividendos na matéria colectável do imposto sobre o rendimento do accionista, enquanto as distribuições de lucros de uma sociedade a outra sociedade beneficiam, em princípio, de uma isenção geral dos dividendos. Evita-se assim que os lucros de uma sociedade que já foram sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas uniforme de 25% sejam de novo tributados em imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas no caso de redistribuição a outra sociedade.
40 Uma vez que, segundo o Governo alemão, a alienação de participações corresponde, do ponto de vista económico, a uma distribuição integral, esta alienação é tratada como uma distribuição de lucros. Por conseguinte, como acontece com a isenção de dividendos prevista no § 8b, n.° 1, da KStG, nova versão, a isenção das mais-valias da alienação de participações nos termos do n.° 2 da mesma disposição destina-se também a evitar a dupla tributação económica quando se trate de participações em cascata. Ao invés, as perdas relativas à alienação de participações e as menos-valias resultantes da sua depreciação já não podem, de acordo com o n.° 3 da referida disposição, ser tidas em consideração em termos fiscais.
41 O Governo alemão precisa que o regime de abatimento de 50% entrou em vigor, em princípio, em 2001 para as sociedades que distribuíssem lucros.
42 No entanto, para garantir que os lucros que tinham sido tributados ao nível da sociedade de capitais segundo o regime da dedução fossem ainda tributados segundo esse mesmo regime ao nível do detentor de participações e para permitir que este deduzisse pela última vez da sua dívida fiscal pessoal o imposto pago por essa sociedade, foi decidido manter, ao nível do detentor de participações, tal regime para o ano de 2001, quando os dividendos assentavam em distribuições ordinárias de uma sociedade residente relativamente ao ano de 2000.
43 Ora, uma vez que o regime da dedução não era aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades de capitais não residentes, o novo regime de abatimento de 50% do rendimento podia ser aplicado ao nível do detentor de participações a partir de 2001.
44 O Governo alemão acrescenta que um Estado-Membro deve dispor de uma certa margem de manobra quando pretenda estabelecer um regime de tributação compatível com o direito comunitário, o que implica a não obrigação de configurar o regime transitório de forma diferente e, nomeadamente, de estender, em relação ao último ano de aplicação, às participações em sociedades não residentes o regime aplicado às participações em sociedades residentes.
45 Em segundo lugar, o Governo alemão entende que as disposições em vigor para o exercício fiscal de 2001 são justificadas por razões relativas à coerência do regime fiscal considerado no seu todo. Em sua opinião, a regulamentação fiscal nacional está concebida de forma a oferecer vantagens e desvantagens absolutamente simétricas às sociedades de capitais, quer as suas participações sejam em sociedades não residentes quer em sociedades residentes.
46 Efectivamente, segundo o referido governo, se uma sociedade de capitais tivesse alienado, no decurso do exercício fiscal de 2001, com obtenção de lucros, uma participação numa sociedade de capitais não residente, podia encaixar esses lucros ao abrigo do § 8b, n.° 2, da KStG, nova versão, por estar isenta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, mas devia, em contrapartida, aceitar que uma perda correspondente – quer directamente no momento da alienação das suas participações, quer através da inscrição do valor parcial inferior destas – também não fosse tida em conta para efeitos desse imposto. Segundo a mesma lógica, se uma sociedade de capitais obtivesse lucros por ocasião da alienação de participações em sociedades residentes, estes eram tributáveis, mas esta tributação era compensada pelo facto de uma perda relativa a essas participações poder ser imputada para efeitos de redução da matéria colectável do imposto. O referido regime fiscal estava assim configurado de forma coerente.
47 Em terceiro lugar, o Governo alemão considera que, se as participações forem detidas em sociedades estabelecidas em Estados terceiros, a diferença de tratamento pode ser justificada pela necessidade de assegurar um controlo fiscal efectivo.
48 As justificações assim invocadas pelo Governo alemão não podem ser acolhidas.
49 Relativamente ao argumento segundo o qual um Estado-Membro que pretenda instaurar a compatibilidade do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nacional com o direito comunitário e suprimir eventuais discriminações deve dispor de uma certa margem de manobra na implementação de um regime transitório, basta responder que o Tribunal de Justiça já declarou que essa margem de manobra encontra sempre os seus limites no respeito pelas liberdades fundamentais e, em especial, na livre circulação de capitais (v. acórdão Grønfeldt, já referido, n.° 32).
50 Ora, ainda que se possa compreender um regime transitório, como o que está em causa no processo principal, pela preocupação legítima de garantir uma transição sem rupturas do regime anterior para o novo regime, e ainda que os argumentos do Governo alemão permitam explicar a razão pela qual o novo regime do abatimento de 50% dos rendimentos só foi introduzido a partir de 2002 para as sociedades com participações em sociedades residentes, estes argumentos não podem justificar uma diferença de tratamento em detrimento das sociedades com participações em sociedades não residentes, como a que está em causa no processo principal.
51 Com efeito, mesmo que as sociedades com participações em sociedades não residentes não estivessem sujeitas, como afirma o Governo alemão, ao regime da dedução integral, resulta no entanto das observações deste mesmo governo que, até ao ano fiscal de 2001, uma sociedade residente cujas participações numa sociedade não residente fossem inferiores a 10% estava sujeita ao mesmo tratamento que uma sociedade residente com participações numa sociedade residente no que respeita à dedução do valor parcial destas que podia ser tida em conta em termos fiscais.
52 Quanto ao argumento relativo à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal como um todo, importa lembrar que o Tribunal de Justiça declarou que, para que um argumento baseado nessa justificação possa proceder, há que estabelecer a existência de uma ligação directa entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de uma determinada tributação (v. acórdão de 28 de Fevereiro de 2008, Deutsche Shell, C-293/06, Colect., p. I-1129, n.° 38 e jurisprudência aí referida).
53 Além disso, o carácter directo desta ligação deve ser estabelecido, à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação fiscal em causa, ao nível dos contribuintes em questão, através de uma correlação rigorosa entre o elemento de dedutibilidade e o relativo à tributação (acórdão Deutsche Shell, já referido, n.° 39).
54 Ora, no atinente à determinação do rendimento tributável das sociedades residentes que detêm participações em sociedades não residentes, o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de ser possível, posteriormente, obter uma isenção das mais-valias realizadas em caso de alienação, na hipótese de ser alcançado um nível suficiente de lucro, não constitui uma consideração de coerência fiscal susceptível de justificar a recusa de dedução imediata das perdas sofridas pelas sociedades que detêm participações em sociedades não residentes (v., por analogia, acórdão Rewe Zentralfinanz, já referido, n.° 67).
55 Por fim, no que respeita ao argumento relativo à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, admitindo que constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar as restrições à livre circulação de capitais provenientes ou destinados a Estados terceiros, cumpre observar que essa razão imperiosa de interesse geral é, de qualquer modo, irrelevante quando a depreciação do valor das participações em sociedades não residentes resulta, como no processo principal, da baixa da cotação em bolsa.
56 Em face do exposto, há que responder à questão submetida que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que uma sociedade de capitais residente detém uma participação inferior a 10% noutra sociedade de capitais, o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma proibição de deduzir as diminuições de lucros relacionadas com essa participação entre em vigor mais cedo para a participação numa sociedade não residente do que para a participação numa sociedade residente.
Quanto às despesas
57 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que uma sociedade de capitais residente detém uma participação inferior a 10% noutra sociedade de capitais, o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma proibição de deduzir as diminuições de lucros relacionadas com essa participação entre em vigor mais cedo para a participação numa sociedade não residente do que para a participação numa sociedade residente.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.