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Processo C-105/08

Comissão Europeia

contra

República Portuguesa

«Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços e livre circulação de capitais – Artigos 49.° CE e 56.° CE e artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE – Fiscalidade directa – Tributação dos juros recebidos – Tratamento desfavorável dos não residentes – Ónus da prova»

Sumário do acórdão

Acção por incumprimento – Prova do incumprimento – Ónus que incumbe à Comissão

(Artigo 226.° CE)

No quadro de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a Comissão que deve fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos de facto necessários à verificação, por este, da existência desse incumprimento, não podendo basear-se numa qualquer presunção.

Assim, quando a Comissão pretende demonstrar que uma legislação fiscal nacional faz incidir um imposto mais gravoso sobre os juros pagos a instituições não residentes e, para o efeito, se baseia num exemplo quantitativo, incumbe-lhe demonstrar que os números em que baseou o seu cálculo são conformes com a realidade económica, na medida em que, por um lado, esse cálculo, que a própria Comissão qualifica de «teórico», é posto em causa pelo Governo nacional por a premissa em que assenta não ter nenhuma ligação com a realidade, e, por outro, este governo apresenta um cálculo baseado noutra margem de lucro que conduz a uma solução em que as instituições residentes são mais gravosamente tributadas. Assim, a Comissão pode apresentar, por exemplo, dados estatísticos ou dados referentes ao nível dos juros pagos em relação aos créditos bancários e às condições de refinanciamento para sustentar que os seus cálculos são plausíveis. Como a Comissão não apresentou, nem durante a fase escrita do processo nem na audiência, nem mesmo após pedido expresso do Tribunal de Justiça nesse sentido, qualquer elemento conclusivo, susceptível de demonstrar que os números que apresenta para sustentar a sua tese têm eco na realidade e que o exemplo quantitativo que invoca é mais do que uma simples hipótese académica, a Comissão não logrou provar o incumprimento que alega.

(cf. n.os 26, 27, 29-31)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

17 de Junho de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços e livre circulação de capitais – Artigos 49.° CE e 56.° CE e artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE – Fiscalidade directa – Tributação dos juros recebidos – Tratamento desfavorável dos não residentes – Ónus da prova»

No processo C-105/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 6 de Março de 2008,

Comissão Europeia, representada por R. Lyal e M. Afonso, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, J. Menezes Leitão e C. Guerra Santos, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

República da Lituânia, representada por D. Kriaučiūnas e V. Kazlauskaitė-Švenčionienė, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J.-J. Kasel (relator) e M. Berger, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Fevereiro de 2010,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 25 de Março de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que, ao tributar os pagamentos de juros a instituições financeiras não residentes de uma forma mais gravosa do que os pagamentos de juros a instituições financeiras residentes em território português, a República Portuguesa impõe restrições à livre prestação de serviços de crédito hipotecário e de outras formas de crédito por parte das instituições financeiras residentes noutros Estados-Membros e em Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»), e, por consequência, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° CE e 56.° CE e dos artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-B/88, de 30 de Novembro de 1988, conforme alterado pelo Decreto-Lei n.° 211/2005, de 7 de Dezembro de 2005 (Diário da República, I série-A, n.° 234, de 7 de Dezembro de 2005, a seguir «CIRC»), as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (a seguir «IRC») apenas quanto aos rendimentos obtidos neste território. Destes rendimentos fazem parte, por força do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do CIRC, os juros pagos por devedores que tenham residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável situado neste Estado.

3        Na falta de convenção contra a dupla tributação (a seguir «CDT»), tais rendimentos são, nos termos do artigo 80.°, n.° 2, alínea c), do CIRC, em princípio, tributados à taxa de 20%.

4        Nos termos do artigo 88.°, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, do CIRC, o IRC em causa é liquidado sob a forma de retenção na fonte com carácter definitivo.

5        As CDT concluídas entre a República Portuguesa e os outros Estados-Membros da União Europeia e os Estados partes no Acordo EEE prevêem, nos termos do artigo 11.° do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE), que a taxa aplicada a estes rendimentos pelo Estado da fonte se situa entre 10% e 15%. Por força do artigo 90.°-A, n.° 1, do CIRC, em tais casos, a obrigação de retenção na fonte é limitada à parte correspondente do IRC. No que se refere aos dois Estados com os quais a República Portuguesa não celebrou CDT, a saber, a República de Chipre e o Principado do Liechtenstein, a taxa é de 20%.

6        É facto assente entre as partes no litígio que a tributação dos rendimentos provenientes de juros pagos a instituições financeiras não residentes tem por base o montante ilíquido dos rendimentos, ao passo que os rendimentos provenientes de juros auferidos por instituições financeiras residentes são incorporados no lucro tributável destas. É efectuada a dedução dos custos quando se procede à determinação deste lucro. Nos termos do artigo 80.°, n.° 1, do CIRC, o referido lucro é tributado à taxa geral de 25%. Segundo a República Portuguesa, pode considerar-se que, no segundo caso, é sujeito ao imposto o montante líquido dos juros, o qual pode, designadamente, corresponder à diferença entre os juros auferidos e os juros pagos a terceiros para obter o capital necessário à realização da operação de crédito.

 Procedimento pré-contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

7        Em 21 de Março de 2005, a Comissão enviou à República Portuguesa uma notificação para cumprir, na qual chamava a atenção das autoridades portuguesas para o facto de que, ao tributar os juros hipotecários recebidos pelas instituições financeiras não residentes de forma mais gravosa do que os recebidos por instituições financeiras residentes, este Estado-Membro restringe a prestação de serviços de crédito hipotecário e de outros tipos de crédito por instituições financeiras estrangeiras, não cumprindo, assim, as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° CE e 56.° CE e dos artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE.

8        Não tendo a resposta da República Portuguesa convencido a Comissão, esta enviou, em 19 de Dezembro de 2005, um parecer fundamentado a este Estado-Membro, convidando-o a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses após a sua recepção.

9        Na sua resposta de 24 de Fevereiro de 2006, a República Portuguesa manteve o seu ponto de vista de que o CIRC é conforme com o direito comunitário e, de qualquer modo, se justifica por razões de coerência e de lógica interna do sistema fiscal nacional. Além disso, a solução preconizada pela Comissão implicaria a divulgação, pelas instituições financeiras não residentes, dos elementos necessários à determinação do seu rendimento líquido. Ora, o controlo destes elementos suscitaria dificuldades óbvias à Administração Fiscal portuguesa.

10      Não satisfeita com a resposta da República Portuguesa, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

11      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de Agosto de 2008, foi admitida a intervenção da República da Lituânia em apoio dos pedidos da República Portuguesa.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

12      A Comissão alega que, apesar de a taxa de tributação aplicável aos rendimentos das instituições financeiras não residentes ser inferior à aplicável a rendimentos de natureza similar das instituições financeiras residentes, a carga fiscal suportada em Portugal pelas primeiras é, de facto, claramente mais elevada, porquanto, ao contrário das entidades residentes, aquelas não podem deduzir do montante dos rendimentos tributáveis as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade exercida. Ora, tal diferença de tratamento constitui, como decorre do acórdão de 11 de Outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, Colect., p. I-8491, n.os 35 a 38), uma discriminação em detrimento das instituições financeiras não residentes.

13      Ao prever a retenção na fonte a uma taxa compreendida entre 10% e 20%, aplicável ao montante ilíquido dos juros obtidos em Portugal, a regulamentação em causa dissuade as instituições de crédito estrangeiras de oferecer os seus serviços em Portugal, a não ser que a sua margem de lucro, nas operações em causa, seja significativamente superior à taxa do imposto retido na fonte. Ora, tendo em conta o carácter extremamente concorrencial dos mercados financeiros internacionais, o contexto decorrente da existência de uma moeda comum na zona euro e os níveis semelhantes das taxas de juro na maioria dos Estados-Membros, é muito pouco provável que uma instituição financeira estrangeira consiga obter uma margem de lucro superior a 10%. Além disso, para restabelecer a igualdade com as instituições financeiras residentes, que estão sujeitas a uma carga fiscal de 25% sobre os seus rendimentos líquidos, seria necessário que as instituições financeiras estrangeiras conseguissem realizar margens de lucro quatro vezes superiores às obtidas pelas instituições financeiras residentes nas suas actividades respectivas realizadas em Portugal.

14      Segundo a Comissão, não se pode, no caso em apreço, validamente defender que as instituições financeiras residentes e as instituições financeiras não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e mais particularmente dos acórdãos de 12 de Junho de 2003, Gerritse (C-234/01, Colect., p. I-5933, n.° 27), e de 15 de Fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande (C-345/04, Colect., p. I-1425, n.° 24), que, em matéria de despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade exercida num Estado-Membro por um não residente e que aí tenha gerado rendimentos tributáveis, os residentes e os não residentes estão numa situação comparável, pelo que estas despesas devem, em princípio, ser levadas em conta nesse Estado se os residentes aí forem tributados pelos seus rendimentos líquidos, ou seja, após dedução dessas despesas. Segundo o acórdão Hollmann, já referido (n.os 50 e 51), o princípio da não discriminação exige, além disso, que quando os residentes e os não residentes são sujeitos ao mesmo imposto, os rendimentos destes últimos não sejam tributados a uma taxa superior à aplicada aos rendimentos dos residentes e a matéria colectável não seja mais extensa do que a prevista para os residentes. As instituições financeiras não residentes deveriam, por conseguinte, ser autorizadas a deduzir, no mínimo, o montante dos juros que tiveram de pagar a terceiros para obter os capitais utilizados nas operações de crédito efectuadas em Portugal.

15      A Comissão alega ainda que, ao contrário do que defende a República Portuguesa, não compete ao Estado de residência fixar, por meio de medidas convencionais ou unilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, a carga fiscal que será suportada a final pelo investidor. Pelo contrário, é ao Estado-Membro cuja legislação prevê uma discriminação que compete eliminá-la. No caso em apreço, o argumento da República Portuguesa é, aliás, irrelevante, visto que o nível da retenção na fonte efectuada por este Estado-Membro é a tal ponto elevado que é susceptível de absorver a totalidade do lucro resultante de uma operação de crédito efectuada em condições normais de mercado.

16      Por fim, no que se refere ao argumento segundo o qual a diferença de tratamento em questão no caso em apreço se justifica por razões imperiosas de interesse geral, isto é, por um lado, a salvaguarda da repartição do poder de tributação entre os Estados-Membros e, por outro, a luta contra a evasão fiscal, a Comissão afirma, nomeadamente, que existem outras medidas, em especial as previstas pela Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua aos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), que, respeitando o princípio da proporcionalidade, permitem aos Estados-Membros alcançar os objectivos tidos em vista por essas razões imperiosas de interesse geral.

17      Na réplica, a Comissão precisou que o incumprimento imputado não reside na existência efectiva de situações como a apresentada a título de exemplo no presente processo, mas antes na manutenção em vigor de disposições nacionais cuja aplicação provoca uma diferença óbvia de tratamento fiscal entre as instituições financeiras residentes e as instituições financeiras não residentes, em prejuízo destas últimas.

18      A Comissão reconhece que não é possível determinar quais os capitais obtidos junto de terceiros que foram concretamente utilizados por uma entidade para financiar operações individuais de crédito realizadas num determinado Estado. Afirma, contudo, que não é impossível calcular o montante dos rendimentos líquidos obtidos por esta entidade para efeitos de tributação no Estado da fonte do rendimento. No caso em apreço, bastaria que a República Portuguesa permitisse ao contribuinte deduzir do montante dos rendimentos ilíquidos obtidos no território deste Estado-Membro um montante correspondente à média dos custos que são, regra geral, suportados pelo mesmo contribuinte para obter rendimentos semelhantes no Estado de residência. Para evitar que as instituições financeiras não residentes deduzam custos médios que possam ser considerados excessivos pelo Estado da fonte do rendimento, este Estado poderia limitar a possibilidade de dedução de custos a um montante máximo fixado, por exemplo, em função do montante médio dos custos suportados pelos bancos residentes para operações de natureza similar. De qualquer modo, a dificuldade de imputar custos determinados a certos rendimentos específicos não constitui uma razão válida que justifique a tributação dos rendimentos ilíquidos dos não residentes no Estado da fonte dos rendimentos ou a aplicação, a estes rendimentos, de uma carga fiscal efectiva superior à que é aplicada aos rendimentos de natureza similar auferidos por contribuintes residentes.

19      A República Portuguesa afirma que o tratamento discriminatório alegado pela Comissão assenta numa simples presunção. Na medida em que a Comissão não demonstrou a existência do incumprimento alegado, a acção deve ser julgada improcedente.

20      Este Estado-Membro explica que, mesmo admitindo que haja casos em que, tendo em conta as circunstâncias concretas da operação financeira, se possa constatar uma diferença de pressão fiscal entre a tributação dos juros obtidos por instituições financeiras residentes e a tributação dos juros obtidos por instituições financeiras não residentes, esta diferença de tratamento não é discriminatória e não provoca restrição das liberdades referidas nos artigos 49.° CE e 56.° CE e nos artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE.

21      Com efeito, as instituições financeiras residentes e as instituições financeiras não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável, pelo que se justifica a existência de uma diferença de tratamento no que se refere à matéria colectável relativa aos juros obtidos em território português. Esta diferença decorre da natureza específica das operações financeiras e das prestações de serviços relativas à concessão de crédito, a qual está relacionada com o facto de não ser possível, em geral, estabelecer uma relação característica entre os custos suportados e os rendimentos obtidos, nem associar, em relação a cada operação, os lucros obtidos aos recursos utilizados para o financiamento. Assim, o cálculo da tributação dos juros obtidos pelas instituições financeiras não residentes deve ter por base os rendimentos ilíquidos, enquanto a tributação dos rendimentos das instituições financeiras residentes é efectuada com base nos rendimentos líquidos. Na medida em que, no que se refere a estas últimas, é tomada em consideração a totalidade dos seus rendimentos, independentemente do local onde foram obtidos, é igualmente possível levar em conta a totalidade dos custos suportados.

22      A República Portuguesa alega ainda que, de qualquer modo, se deve considerar que a regulamentação controvertida é justificada por razões imperiosas de interesse geral. A este respeito, invoca a salvaguarda da repartição do poder de tributação, em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal, e a luta contra a evasão fiscal.

23      Na tréplica, a República Portuguesa acrescenta, designadamente, que, na medida em que a Comissão reconhece que não é possível determinar quais os capitais que foram concretamente utilizados por uma instituição para financiar operações de crédito realizadas num determinado Estado, a «criação jurídica» na qual se funda a argumentação apresentada pela Comissão vai muito além do que permite o direito comunitário. Por conseguinte, não se pode considerar que a regulamentação controvertida seja incompatível com o Tratado CE ou o com Acordo EEE.

24      O sistema preconizado pela Comissão equivaleria a aplicar aos rendimentos das instituições financeiras não residentes uma dedução abstracta e artificial, o que teria por consequência que o resultado desta operação não corresponderia de forma alguma à realidade concreta dos rendimentos líquidos dos operadores não residentes. Além disso, neste sistema, não existiria, ao contrário do que é exigido pela jurisprudência invocada a este propósito pela Comissão, nenhuma relação entre as despesas tomadas em consideração e a actividade que gerou os rendimentos tributáveis. Daqui decorre que, à luz da regulamentação em causa no caso vertente, as instituições financeiras residentes e as instituições financeiras não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável.

25      A República da Lituânia, que intervém em apoio da República Portuguesa, considera que, a fim de poder determinar se existe uma diferença de tratamento em detrimento das instituições financeiras não residentes, há que ter em conta não apenas a tributação cobrada no Estado da fonte do rendimento mas também a aplicada no Estado de residência das instituições em questão. Ora, no caso em apreço, a Comissão limita-se a examinar o tratamento que resulta da aplicação da legislação portuguesa e abstrai dos efeitos que a legislação do Estado de residência das referidas instituições financeiras produz na capacidade e na vontade destas de oferecer os seus serviços em território português. Assim, deve necessariamente concluir-se que a Comissão não provou o incumprimento alegado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

26      Antes de mais, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, no quadro de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É esta que deve fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos de facto necessários à verificação, por este, da existência desse incumprimento, não podendo basear-se numa qualquer presunção (v., designadamente, acórdãos de 5 de Outubro de 1989, Comissão/Países Baixos, 290/87, Colect., p. 3083, n.os 11 e 12, e de 4 de Março de 2010, Comissão/França, C-241/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 22).

27      No presente caso, para demonstrar que a legislação portuguesa – relativamente à qual é pacífico que, no que respeita ao IRC, trata de forma diferente as instituições residentes e as não residentes – faz incidir sobre estas últimas um imposto mais gravoso, a Comissão baseia-se num exemplo quantitativo que assenta na premissa de que a margem de lucro obtida pela instituição em causa nesse exemplo é de 10%.

28      Ora, como resulta do quadro apresentado pela advogada-geral no n.° 31 das suas conclusões e pelas razões mais amplamente expostas nos n.os 37 a 39 das mesmas, essa margem de lucro é determinante para apreciar se uma legislação como a que está em causa conduz a uma tributação mais gravosa das instituições não residentes, já que, na verdade, a taxa do imposto não é o único elemento a atender para o efeito.

29      Na medida em que, por um lado, esse cálculo, que a própria Comissão qualifica de «teórico», é posto em causa pelo Governo português por a premissa em que assenta não ter nenhuma ligação com a realidade, e, por outro, este governo apresenta um cálculo baseado noutra margem de lucro que conduz a uma solução em que as instituições residentes são mais gravosamente tributadas, cabia à Comissão, como a advogada-geral sublinhou no n.° 40 das suas conclusões, demonstrar que os números em que baseou o seu cálculo são conformes com a realidade económica. Assim, a Comissão poderia ter apresentado, por exemplo, dados estatísticos ou dados referentes ao nível dos juros pagos em relação aos créditos bancários e às condições de refinanciamento, para sustentar que os seus cálculos eram plausíveis.

30      É forçoso reconhecer que, no presente caso, nem durante a fase escrita do processo, nem na audiência, nem mesmo após pedido expresso do Tribunal de Justiça nesse sentido, a Comissão apresentou o menor elemento conclusivo, susceptível de demonstrar que os números que apresenta para sustentar a sua tese têm eco na realidade e que o exemplo quantitativo que invoca é mais do que uma simples hipótese académica.

31      Nestas condições, há que concluir que, no presente caso, a Comissão não fez prova do incumprimento imputado à República Portuguesa.

32      Assim, o pedido deve ser julgado improcedente.

 Quanto às despesas

33      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Portuguesa pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. A República da Lituânia, que interveio em apoio da República Portuguesa, suportará, em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

3)      A República da Lituânia suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: português.