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Processo C-352/08

Modehuis A. Zwijnenburg BV

contra

Staatssecretaris van Financiën

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

«Aproximação das legislações – Directiva 90/434/CEE – Regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes – Artigo 11.°, n.° 1, alínea a) – Aplicabilidade a impostos sobre transmissões de direitos»

Sumário do acórdão

1.        Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Interpretação solicitada em razão da aplicabilidade a uma situação interna de uma disposição do direito da União tornada aplicável pelo direito nacional – Competência para fazer esta interpretação

(Artigo 267.° TFUE)

2.        Aproximação das legislações – Regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes – Directiva 90/434 – Operações que têm por objectivo lutar contra a fraude ou a evasão fiscais

[Directiva 90/434 do Conselho, artigo 11.°, n.° 1, alínea a)]

1.        Quando a legislação nacional se adequa, nas soluções que dá a situações puramente internas, às soluções do direito da União, nomeadamente, com o objectivo de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar.

(cf. n.° 33)

2.        O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes, deve ser interpretado no sentido de que os regimes de favor que esta institui não podem ser recusados ao sujeito passivo que gizou uma construção jurídica que compreendia uma fusão de empresas, com o intuito de evitar o pagamento de um imposto sobre as transmissões de direitos, uma vez que este imposto não cabe no âmbito de aplicação desta directiva.

Com efeito, só a título excepcional e em casos específicos, os Estados-Membros podem, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, recusar aplicar todas ou parte das disposições desta directiva, ou retirar os benefícios das mesmas. Por conseguinte, o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, enquanto disposição excepcional, deve ser interpretado estritamente, tendo em conta a redacção, a finalidade e o contexto em que se insere. Ao referir-se, no que toca a razões económicas válidas, à reestruturação ou à racionalização das actividades de sociedades que participam na operação visada, casos em que a presunção de fraude ou evasão fiscais não funciona, a dita disposição limita-se, assim, claramente, à matéria de fusões de sociedades e de outras operações de reorganização com elas conexionadas e aplica-se unicamente aos impostos gerados por estas operações.

Além disso, a Directiva 90/434 não conduz a uma harmonização completa dos impostos e taxas passíveis de serem cobrados por ocasião de uma fusão ou de uma operação similar entre sociedades de Estados-Membros diferentes. Ao instituir regras fiscais neutras para a concorrência, esta directiva limita-se a eliminar determinados inconvenientes fiscais ligados à reestruturação transfronteiriça de empresas. Daí decorre que apenas os impostos expressamente visados na Directiva 90/434 podem beneficiar de regimes de favor instituídos por esta e são, por conseguinte, passíveis de cair no âmbito de aplicação da excepção prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da mesma directiva. Quando não há nenhum indício na referida directiva que permita concluir que ela tenha pretendido alargar a outros impostos o benefício dos regimes de favor que constitui um direito a cobrar no caso de aquisição de um imóvel situado no território nacional estes devem ser considerados abrangidos sempre pela competência fiscal dos Estados-Membros e o benefício dos regimes de favor instituídos pela Directiva 90/434 não pode ser recusado, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, alínea a) desta directiva, para compensar o não pagamento de um imposto, cuja matéria colectável e a taxa diferem necessariamente das aplicáveis às fusões de sociedades e às outras operações de reorganização a elas referentes.

(cf. n.os 45-47, 49-50, 52-54, 56 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de Maio de 2010 (*)

«Aproximação das legislações – Directiva 90/434/CEE – Regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes – Artigo 11.°, n.° 1, alínea a) – Aplicabilidade a impostos sobre transmissões de direitos»

No processo C-352/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 11 de Julho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Julho de 2008, no processo

Modehuis A. Zwijnenburg BV

contra

Staatssecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Ilešič e J.-J. Kasel (relator), juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Modehuis A. Zwijnenburg BV, por A. Bremmer, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.-C. Gracia, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por I. Bruni, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e W. Roels, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 16 de Julho de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Modehuis A. Zwijnenburg BV (a seguir «Zwijnenburg») ao Staatssecretaris van Financiën, relativamente a um pedido de reembolso do imposto sobre as transmissões de direitos pago, baseado numa isenção prevista na lei no caso de fusão de empresas.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        A Directiva 90/434 visa, nos termos do seu primeiro considerando, garantir que as operações de reestruturação de sociedades de Estados-Membros diferentes, tais como as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções, não sejam entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-Membros.

4        Resulta do quarto considerando desta directiva que o regime fiscal comum deve evitar a tributação das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções, salvaguardando os interesses financeiros do Estado da sociedade contribuidora ou adquirida.

5        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da dita directiva, «[a] fusão ou a cisão não implicam qualquer tributação das mais-valias determinadas pela diferença entre o valor real dos elementos do activo e do passivo transferidos e o respectivo valor fiscal».

6        Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 90/434, «[e]m caso de fusão, cisão ou permuta de acções, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do referido sócio».

7         O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434 está assim redigido:

«1.      Qualquer Estado-Membro poderá recusar aplicar, no todo ou em parte, o disposto nos títulos II, III e IV ou retirar o benefício de tais disposições sempre que a operação de fusão, de cisão, de entrada de activos ou de permuta de acções:

a)      Tenha como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais; o facto de uma das operações referidas no artigo 1.° não ser realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que participam na operação, pode constituir presunção de que essa operação tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais;».

 Legislação nacional

8        O artigo 14.° da Lei de 1969 relativa ao Imposto sobre as Sociedades (Wet op de vennootschapsbelasting 1969), na versão aplicável ao processo no caso principal, dispõe:

«1.      O sujeito passivo que cede a totalidade ou uma parte autónoma da sua empresa (o cedente) a outra entidade que é já sujeito passivo ou que virá a sê-lo devido a cessão (o cessionário) contra a emissão de acções do cessionário (a fusão de empresas) não deve tomar em consideração os lucros realizados com a cessão ou no momento desta […]. Se os lucros não forem tomados em consideração, o cessionário substitui-se ao cedente no que se refere a todos os elementos do património obtidos no âmbito da fusão de empresas.

[…]

4.      Por derrogação aos n.os 1 e 2, os lucros são tomados em consideração se a fusão de empresas tiver por objectivo principal elidir ou diferir a tributação. Até prova em contrário, presume-se que a fusão de empresas visa principalmente elidir ou diferir a tributação, quando não for realizada por razões economicamente válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades do cedente e do cessionário. Se, três anos após a cessão, as acções do cedente ou do cessionário forem transmitidas, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, a uma entidade sem vínculo com o cedente e o cessionário, as razões económicas válidas presumem-se inexistentes, até prova em contrário.

[…]

8.      O cedente que pretenda ter a certeza de que a fusão de empresas não se presume ter como objectivo principal elidir ou diferir o pagamento do imposto pode recorrer ao Inspecteur através de um pedido prévio à cessão, o qual decidirá, sendo a decisão passível de reclamação.»

9        Por força do artigo 2.° da Lei de 1970 relativa aos Impostos sobre as Transmissões de Direitos (wet op belastingen van rechtsverkeer 1970), na versão aplicável ao processo principal, entende-se por impostos sobre transmissões de direitos «os direitos pagos no caso de aquisição de bens imóveis situados nos Países Baixos, ou dos direitos a que estes bens estão sujeitos».

10       O artigo 4.° desta lei precisa:

«Por ‘bens’, na acepção do artigo 2.°, entende-se (bens imóveis fictos):

a.      acções em sociedades cujo capital seja constituído por acções e cujo património, no momento da aquisição ou em qualquer momento durante o ano anterior, consista ou tenha consistido principalmente em bens imóveis situados nos Países Baixos, desde que estes bens imóveis, considerados no seu conjunto, sirvam ou tenham servido, total ou principalmente, para a aquisição, cessão ou exploração desses bens imóveis;

[…]»

11      Em conformidade com o artigo 14.° da dita lei, «a taxa é de 6%».

12       O artigo 15.°, n.° 1, alínea h), da mesma lei estatui:

«1.      Está isenta de imposto, nas condições estabelecidas pelo regulamento da Administração Pública, a aquisição: […]

h.      em caso de fusão, de cessão e de reorganização interna; […]»

13      O artigo 5a do decreto de aplicação da Lei relativa aos Impostos sobre as Transmissões de Direitos (Uitvoeringsbesluit wet op belastingen van rechtsverkeer), na sua versão aplicável ao processo no caso principal, dispõe o seguinte:

«1.      A isenção no caso de fusões, prevista no artigo 15.°, n.° 1, alínea h), da lei, aplica-se quando uma sociedade tiver adquirido a totalidade ou uma parte autónoma de outra sociedade como contrapartida de atribuições de acções.

2.      Por atribuição de acções, entende-se o caso em que, além da atribuição das acções, é pago um montante em dinheiro até ao máximo de 10% do valor do que foi transferido em acções.

[…]

7.      Para efeitos de aplicação do presente artigo, entende-se por sociedade uma sociedade anónima, uma sociedade por quotas, uma sociedade em comandita simples ou uma outra sociedade cujo capital é dividido, no todo ou em parte, em acções […]»

 Factos do processo principal e questão prejudicial

14      A Zwijnenburg explorava um estabelecimento de pronto-a-vestir em dois imóveis situados na rua Tolstraat, n.os 17 e 19, em Meerbeek (Países Baixos). A Zwijnenburg era proprietária do imóvel situado na rua Tolstraat n.° 19, tendo arrendado o imóvel da rua Tolstraat n.° 17 à A. Zwijnenburg Beheer BV (a seguir «Beheer»), que era a proprietária do mesmo e que tinha como única actividade a gestão de bens imóveis.

15      As acções da Beheer eram detidas por A. J. Zwijnenburg e sua esposa (a seguir «pais»).

16      As acções de Zwijnenburg eram detidas, por intermédio de uma holding, por L. E. Zwijnenburg (a seguir «filho») e esposa.

17      A fim de concluir a transmissão dos negócios dos pais para o filho, já iniciada em Dezembro de 1990, tinha ficado previsto que a Zwijnenburg transferiria o seu estabelecimento de pronto-a-vestir e o imóvel da rua Tolstraat n.° 19 contra a entrega de participações sociais da Beheer. Nos termos do artigo 14.°, n.° 1, da Lei de 1969 relativa ao Imposto sobre as Sociedades, esta fusão de empresas ficaria isenta de impostos.

18      Numa fase posterior, a Zwijnenburg adquiriria as participações sociais da Beheer, que pertenciam aos pais, com uma opção de compra. Esta operação beneficiaria de uma isenção do imposto sobre as transmissões de direitos, de acordo com a aplicação conjunta dos artigos 15.°, n.° 1, alínea h), da Lei de 1970 relativa ao Imposto sobre as Transmissões de Direitos e 5a, n.° 1, do decreto de aplicação dessa mesma lei.

19      Por carta de 13 de Janeiro de 2004, a Zwijnenburg solicitou à Administração Fiscal que confirmasse que a realização da fusão de empresas projectada entre a Zwijnenburg e a Beheer bem como a posterior aquisição de participações sociais da Beheer pela Zwijnenburg estariam isentas de direitos, em particular, do imposto sobre as transmissões de direitos.

20      Por decisão de 19 de Janeiro de 2004, o Inspecteur indeferiu o pedido, considerando que a fusão de empresas projectada caía no âmbito de aplicação do artigo 14.°, n.° 4, da Lei de 1969 relativa ao Imposto sobre as Sociedades, na medida em que se destinava, fundamentalmente, a elidir ou diferir a tributação.

21      Apresentada reclamação, o Inspecteur confirmou a sua decisão. Em sede de recurso, o Gerechtshof te ’s-Gravenhage negou provimento ao recurso que daquela tinha sido interposto por Zwijnenburg.

22      De acordo com este órgão jurisdicional, o projecto de reunião dos imóveis da rua Tolstraat, n.os 17 e 19, numa única sociedade em que as vantagens reverteriam para o filho, assentava, é certo, em razões económicas válidas. Em contrapartida, considera que a via escolhida da fusão de empresas para reunir os dois imóveis não era motivada por considerações de ordem económica, uma vez que a Zwijnenburg devia transferir o seu estabelecimento para a Beheer e, posteriormente, adquirir as participações sociais por esta emitidas.

23      O Gerechtshof te ’s-Gravenhage considerou que a Zwijnenburg não demonstrou de modo juridicamente satisfatório que a fraude ou a evasão fiscais não eram o objectivo principal ou um dos objectivos principais da fusão das empresas projectada. O único motivo da opção por esta operação de fusão teria sido o de fugir ao imposto sobre as transmissões de direitos, devido no caso de transferência directa do imóvel da rua Tolstraat, n.° 17, para a Zwijnenburg, bem como o de diferir o pagamento da cobrança do imposto sobre as sociedades, devido sobre a diferença entre o valor contabilístico do imóvel e o seu valor económico no momento da cessão.

24      O Gerechtshof te ’s-Gravenhage concluiu que, ainda que o objectivo final da operação tivesse sido ditado por razões comerciais, a operação financeira arquitectada para o efeito mais não era do que um artifício para obter as vantagens fiscais concedidas às fusões de empresas.

25      A Zwijnenburg interpôs recurso de cassação para o Hoge Raad der Nederlanden.

26      Este órgão jurisdicional concluiu que, com a operação em causa, os pais continuavam a ter interesses na empresa, quando a sua vontade tinha sido a de se retirarem dela a favor do filho e esposa. Daí inferiu que um dos objectivos principais da fusão projectada foi o de elidir determinadas consequências fiscais, nomeadamente o imposto sobre as transmissões de direitos devido pela Zwijnenburg, que teriam resultado se o imóvel da rua Tolstraat n.° 17 tivesse sido adquirido por esta ou se as participações sociais da Beheer lhe tivessem sido cedidas.

27      O Hoge Raad der Nederlanden salienta que o artigo 14.° da Lei de 1969 relativa ao Imposto sobre as Sociedades reproduz as disposições do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, aplicando-as igualmente a situações puramente internas. Constata, contudo, que os impostos sobre transmissões de direitos não fazem parte dos impostos cujo pagamento deva ser evitado nos termos desta directiva.

28      Neste contexto, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE [...] deve ser interpretado no sentido de que os benefícios nela previstos podem ser recusados ao sujeito passivo, no caso de um conjunto de operações ter por objectivo evitar a tributação em sede de um imposto diferente daqueles a que se referem os benefícios estabelecidos pela directiva?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

29      Todas as partes que apresentaram observações escritas, com excepção da Zwijnenburg, pediram que o Tribunal de Justiça se declarasse competente para responder à questão prejudicial.

30      A este propósito, cabe recordar desde logo que, por força do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Tratado CE e dos actos adoptados pelas instituições da União.

31      Ora, é pacífico que o litígio no processo principal incide sobre uma disposição de direito nacional que se aplica num contexto puramente nacional.

32      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que o legislador neerlandês, ao transpôr as disposições da Directiva 90/434, decidira aplicar o tratamento fiscal previsto por esta directiva também às situações puramente internas, de modo que as reestruturações nacionais e transfronteiriças estão sujeitas ao mesmo regime fiscal das fusões.

33      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando a legislação nacional se adequa, nas soluções que dá a situações puramente internas, às soluções do direito da União, nomeadamente, com o objectivo de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v. acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem, C-28/95, Colect., p. I-4161, n.° 32, e de 15 de Janeiro de 2002, Andersen og Jensen, C-43/00, Colect., p. I-379, n.° 18).

34      Acrescente-se que só ao órgão jurisdicional nacional compete apreciar o alcance exacto dessa remissão para o direito da União, limitando-se a competência do Tribunal de Justiça à análise das disposições deste direito (acórdão Leur-Bloem, já referido, n.° 33).

35      Resulta das considerações que precedem que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições da Directiva 90/434, embora estas não regulem directamente a situação em causa no processo principal. Cabe, assim, responder à questão submetida pelo Hoge Raad der Nederlanden.

 Quanto à questão prejudicial

36      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434 deve ser interpretado no sentido de que os regimes de favor que institui podem ser recusados ao sujeito passivo que gizou uma construção jurídica que compreendia uma fusão de empresas, com o intuito de fugir ao pagamento de um imposto como o que está em causa no caso principal, a saber, o imposto sobre as transmissões de direitos, sendo que este imposto não é objecto desta directiva.

37      Resulta dos autos que – na falta de uma disposição nacional expressa que lhes permita recusar o benefício da isenção do imposto sobre as transmissões de direitos no caso de fusão de empresas, quando se demonstre que a fraude ao dito imposto constitui a razão preponderante para o sujeito passivo proceder à fusão – as autoridades fiscais neerlandesas se propõem aplicar o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434 de modo a cobrar o imposto sobre as sociedades como compensação do imposto sobre as transmissões de direitos.

38      No tocante ao objectivo prosseguido por esta directiva, o Tribunal de Justiça esclareceu que a mesma visa, em conformidade com o seu primeiro considerando, instaurar regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional. Este mesmo considerando prevê também que as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-Membros (acórdão Leur-Bloem, já referido, n.° 45).

39      Mais exactamente, o objectivo da Directiva 90/434 consiste em eliminar os obstáculos fiscais às reestruturações transfronteiriças de empresas, ao garantir que os eventuais aumentos do valor das participações sociais não sejam tributados antes da sua realização efectiva (acórdãos de 5 de Julho de 2007, Kofoed, C-321/05, Colect., p. I-5795, n.° 32, e de 11 de Dezembro de 2008, A.T., C-285/07, Colect., p. I-9329, n.° 28).

40      Para o efeito, a Directiva 90/434 estatui, no seu artigo 4.°, que a fusão ou a cisão não implicam qualquer tributação das mais-valias determinadas pela diferença entre o valor real dos elementos do activo e do passivo transferidos e o respectivo valor fiscal, e, no artigo 8.°, que, em caso de fusão, cisão ou permuta de acções, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do referido sócio.

41      O Tribunal de Justiça decidiu também que o regime fiscal comum instituído pela Directiva 90/434, o qual inclui diferentes benefícios fiscais, se aplica indistintamente a todas as operações de fusão, de cisão, de entradas de activos e de permuta de acções, independentemente dos seus fundamentos, quer sejam financeiros, económicos ou puramente fiscais (acórdãos, já referidos, Leur-Bloem, n.° 36, e Kofoed, n.° 30).

42      Daí decorre que a determinação das operações que podem beneficiar dos regimes de favor instituídos pela Directiva 90/434 não depende de considerações financeiras, económicas ou fiscais. Ao invés, as razões da operação projectada têm relevância na aplicação da faculdade prevista no artigo 11.°, n.° 1, da dita directiva.

43      Ao abrigo do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, os Estados-Membros poderão recusar aplicar, no todo ou em parte, o disposto nessa directiva ou retirar o benefício de tais disposições sempre que a operação de permuta de acções tenha, nomeadamente, como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais. Esta mesma disposição precisa, além disso, que o facto de a operação não ser realizada por razões económicas válidas, como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que participam na operação, pode constituir uma presunção de que essa operação tem semelhante objectivo (acórdãos, já referidos, Leur-Bloem, n.os 38 e 39, e Kofoed, n.° 37).

44      Para verificar se a operação projectada tem esse objectivo, as autoridades nacionais competentes não se podem limitar a aplicar critérios gerais predeterminados, mas devem proceder, caso a caso, a uma análise global da operação (acórdão Leur-Bloem, já referido, n.° 41).

45      Só a título excepcional e em casos específicos, os Estados-Membros podem, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, recusar aplicar todas ou parte das disposições desta directiva, ou retirar os benefícios das mesmas (acórdãos, já referidos, Kofoed, n.° 37, e A.T., n.° 31).

46      Por conseguinte, o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434, enquanto disposição excepcional, deve ser interpretado estritamente, tendo em conta a redacção, a finalidade e o contexto em que se insere.

47      Ao referir-se, no que toca a razões económicas válidas, à reestruturação ou à racionalização das actividades de sociedades que participam na operação visada, casos em que a presunção de fraude ou evasão fiscais não funciona, a dita disposição limita-se, assim, claramente, à matéria de fusões de sociedades e de outras operações de reorganização com elas conexionadas e aplica-se unicamente aos impostos gerados por estas operações.

48      As conclusões que precedem são ainda corroboradas pelo facto de, no estádio actual do direito da União, a matéria de impostos directos não caber, enquanto tal, no âmbito da sua competência.

49      Com efeito, como a advogada-geral frisou no n.° 52 das suas conclusões, a Directiva 90/434 não conduz a uma harmonização completa dos impostos e taxas passíveis de serem cobrados por ocasião de uma fusão ou de uma operação similar entre sociedades de Estados-Membros diferentes. Ao instituir regras fiscais neutras para a concorrência, esta directiva limita-se a eliminar determinados inconvenientes fiscais ligados à reestruturação transfronteiriça de empresas.

50      Daí decorre que apenas os impostos expressamente visados na Directiva 90/434 podem beneficiar de regimes de favor instituídos por esta e são, por conseguinte, passíveis de cair no âmbito de aplicação da excepção prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da mesma directiva.

51      Ora, no âmbito dos regimes de favor instituídos, a Directiva 90/434, ao atribuir um lugar especial à tributação das mais-valias, refere-se essencialmente aos impostos sobre as sociedades bem como aos devidos pelos seus sócios.

52      Ao invés, não há nenhum indício na referida directiva que permita concluir que ela tenha pretendido alargar a outros impostos o benefício dos regimes de favor, como aquele em causa no processo principal, que constitui um direito a cobrar no caso de aquisição de um imóvel situado no Estado-Membro em causa.

53      Com efeito, essa hipótese deve ser sempre considerada dentro da competência fiscal dos Estados-Membros.

54      Nestas condições, o benefício dos regimes de favor instituídos pela Directiva 90/434 não pode ser recusado, nos termos do seu artigo 11.°, n.° 1, alínea a), para compensar o não pagamento de um imposto, como o que está em causa no processo principal, cuja matéria colectável e a taxa diferem necessariamente das aplicáveis às fusões de sociedades e às outras operações de reorganização a elas referentes.

55      Optar por uma abordagem diferente significaria não só comprometer a interpretação uniforme e coerente da Directiva 90/434 mas também ultrapassar o necessário para salvaguardar os interesses financeiros do Estado-Membro em causa, como prescrito no quarto considerando desta directiva. Assim, como a advogada-geral salientou no n.° 66 das suas conclusões, quando o objectivo principal da fusão projectada seja a fuga ao imposto sobre as transmissões de direitos, o interesse financeiro do Estado-Membro em causa limita-se à cobrança desse imposto sobre as transmissões de direitos e não se inclui assim, no âmbito de aplicação da dita directiva.

56      Atento o que precede, é de responder à questão colocada que o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434 deve ser interpretado no sentido de que os regimes de favor que esta institui não podem ser recusados ao sujeito passivo que gizou uma construção jurídica que compreendia uma fusão de empresas, com o intuito de evitar o pagamento de um imposto como o que está em causa no processo principal, a saber, o imposto sobre as transmissões de direitos, uma vez que este imposto não cabe no âmbito de aplicação desta directiva.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes, deve ser interpretado no sentido de que os regimes de favor que esta institui não podem ser recusados ao sujeito passivo que gizou uma construção jurídica que compreendia uma fusão de empresas, com o intuito de evitar o pagamento de um imposto como o que está em causa no processo principal, a saber, o imposto sobre as transmissões de direitos, uma vez que este imposto não cabe no âmbito de aplicação desta directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.