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Processo C-472/08

Alstom Power Hydro

contra

Valsts ieņēmumu dienests

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākās Tiesas Senāts)

«Pedido de decisão prejudicial – Sexta Directiva IVA – Artigo 18.°, n.° 4 – Legislação nacional que prevê um prazo de caducidade de três anos para o reembolso do IVA pago em excesso»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Restituição do excedente

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 18.°, n.° 4)

O artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado-Membro que prevê um prazo de caducidade de três anos para a apresentação de um pedido de reembolso dos montantes de IVA recebidos indevidamente pela Administração Fiscal desse Estado.

Esse prazo não pode, por si só, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução, pois um prazo de caducidade de três anos permite, em princípio, a qualquer sujeito passivo normalmente diligente fazer valer os direitos que lhe confere o ordenamento jurídico da União.

(cf. n.os 20-22 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de Janeiro de 2010 (*)

«Pedido de decisão prejudicial – Sexta Directiva IVA – Artigo 18.°, n.° 4 – Legislação nacional que prevê um prazo de caducidade de três anos para o reembolso do IVA pago em excesso»

No processo C-472/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Augstākās Tiesas Senāts (Letónia), por decisão de 23 de Outubro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de Novembro de 2008, no processo

Alstom Power Hydro

contra

Valsts ieņēmumu dienests,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, J.-J. Kasel (relator) e M. Berger, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Outubro de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Alstom Power Hydro, por V. Gencs, advokāts,

–        em representação do Valsts ieņēmumu dienests, por D. Jakāns e I. Pētersone, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo letão, por D. Jakāns, K. Drēviņa e E. Eihmane, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, na qualidade de agente, assistida por M. Angiolini, barrister,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Sauka e M. Afonso, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Alstom Power Hydro (a seguir «Alstom»), filial letã da sociedade Alstom Hydro France, ao Valsts ieņēmumu dienests (Administração Fiscal da Letónia, a seguir «VID») a propósito do reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago em excesso pela Alstom.

 Quadro jurídico

 Sexta Directiva

3        O artigo 18.°, n.os 2 a 4, da Sexta Directiva dispõe:

«2.      O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n.° 1.

[…]

3.      Os Estados-Membros fixarão as condições e as regras nas quais o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder a uma dedução a que não tenha procedido em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2.

4.      Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

Todavia, os Estados-Membros podem recusar o transporte ou o reembolso quando o excedente for insignificante.»

 Legislação nacional

4        Nos termos do artigo 12.°, n.° 10, da Lei relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (likums par pievienotās vērtības nodokļi, Latvijas Vēstnesis, 1995, n.° 49, a seguir «lei relativa ao IVA»), o sujeito passivo pode pedir que o montante do IVA indevidamente pago seja imputado ao pagamento de outras contribuições, impostos ou taxas devidos ao Estado.

5        Nos termos do artigo 12.°, n.° 11, da mesma lei, o VID dispõe de 30 dias a contar da recepção dum pedido legítimo do sujeito passivo, acompanhado dos documentos justificativos, para lhe reembolsar o imposto que lhe foi cobrado em excesso.

6        O artigo 16.°, n.° 10, da Lei tributária (likums par nodokļiem un nodevām, Latvijas Vēstnesis, 1995, n.° 26, a seguir «lei tributária»), aplicável a todas as contribuições e impostos, prevê que os sujeitos passivos podem apresentar o seu pedido de reembolso dos impostos pagos em excesso no prazo de três anos consecutivos ao termo do prazo de pagamento dos mesmos.

7        O artigo 18.°, n.° 2, da lei tributária confere ao VID a missão de verificar se o cálculo das referidas contribuições e impostos foi feito correctamente pelo sujeito passivo e se o seu pagamento foi efectivamente realizado. Nos termos do artigo 23.°, n.° 1, desta lei, o VID pode rectificar o montante do IVA devido e aplicar coimas durante o período de três anos seguintes ao termo do prazo de pagamento desse imposto, quando uma fiscalização revelar a existência duma infracção às disposições fiscais.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        Em 7 de Outubro de 2004, a Alstom pediu, ao abrigo do artigo 12.°, n.os 10 e 11, da lei relativa ao IVA, o reembolso dos montantes que considerou ter pago indevidamente no período compreendido entre 1998 e 1 de Outubro de 2004.

9        O VID decidiu não conceder o reembolso do IVA no montante de 288 184 LVL e iniciar uma acção de fiscalização sobre o montante restante, de 31 265 LVL. Na sua decisão, declarou que a Alstom tinha ultrapassado o prazo de três anos para a apresentação dos pedidos de reembolso de impostos pagos em excesso previsto no artigo 16.°, n.° 10, da lei tributária.

10      A Alstom recorreu dessa decisão, alegando, nomeadamente, que o VID estava obrigado a aplicar o artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva, que não prevê qualquer limitação no tempo do direito do recorrente de pedir o reembolso dos impostos pagos em excesso, e que, por conseguinte, não tinha o direito de invocar o prazo de caducidade previsto no artigo 16.°, n.° 10, da lei tributária.

11      Tendo o seu recurso sido julgado improcedente em primeira instância e no tribunal de recurso, a Alstom interpôs recurso de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando nomeadamente que a República da Letónia, como Estado-Membro da União Europeia, tem a obrigação de transpor o artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva para o seu direito nacional e que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros não podem suprimir o direito ao reembolso do IVA pago em excesso, como acontece no caso vertente.

12      Na decisão de reenvio, o Augstākās Tiesas Senāts observa que, quando o VID aprecia os pedidos de reembolso de montantes de IVA cobrados em excesso, deve proceder a acções de fiscalização. Todavia, nessa situação, deve respeitar o prazo de três anos previsto pelo artigo 23.°, n.° 1, da lei tributária. Ora, não havendo prazo de caducidade do direito dos sujeitos passivos de pedirem o reembolso do IVA pago em excesso correspondente ao prazo durante o qual o VID tem o direito de tomar uma decisão fiscal rectificativa no termo duma acção de fiscalização, este seria obrigado em todos os casos a apreciar os pedidos. Nestas condições, a legislação nacional poderia ser usada de modo abusivo por um devedor de imposto, quando pede o reembolso dos montantes de IVA pagos em excesso num período em que o VID já não tem a faculdade de proceder a uma acção de fiscalização.

13      Nestas circunstâncias, o Augstākās Tiesas Senāts decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação nacional de um Estado-Membro preveja um prazo de caducidade de três anos para o exercício do direito ao reembolso dos montantes de IVA pagos em excesso (a diferença entre o imposto calculado e o pagamento efectuado)?»

 Quanto à questão prejudicial

14      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro que prevê um prazo de caducidade de três anos para a apresentação de um pedido de reembolso do IVA recebido em excesso pela Administração Fiscal desse Estado.

15      Deve observar-se antes de mais que, embora, como sublinhou a Alstom, o artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva não preveja expressamente esse prazo de caducidade, essa circunstância não permite por si só concluir que a mesma disposição deve ser interpretada no sentido de que o exercício do direito ao reembolso dos montantes de IVA pagos em excesso não pode estar condicionado por um prazo de caducidade.

16      Com efeito, por um lado, por analogia com o que está estabelecido para o direito a dedução, a possibilidade de apresentar um pedido de reembolso do montante de IVA pago em excesso sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, Colect., p. I-3457, n.° 44).

17      Por outro lado, é jurisprudência consagrada que, na falta de regulamentação comunitária em matéria de restituição de tributos nacionais indevidamente cobrados, cabe, nomeadamente, ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdãos de 17 de Novembro de 1998, Aprile, C-228/96, Colect., p. I-7141, n.° 18, e de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer, C-62/00, Colect., p. I-6325, n.° 34).

18      No que respeita ao princípio da equivalência, não resulta dos autos e, de resto, também não foi alegado no Tribunal de Justiça que o prazo de caducidade previsto no artigo 16.°, n.° 10, da lei tributária não respeita esse princípio.

19      No que se refere ao princípio da efectividade, o Tribunal de Justiça já considerou compatível com o direito da União a fixação de prazos razoáveis de actuação judicial, sob pena de preclusão, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a entidade administrativa em causa (v., neste sentido, acórdão Aprile, já referido, n.° 19 e jurisprudência referida). Com efeito, esses prazos não podem, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.

20      Quanto à questão de saber o que deve entender-se por prazo «razoável», há que notar também que o Tribunal de Justiça já decidiu, designadamente, que o prazo de caducidade de dois anos não pode, por si só, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito a dedução, pois o artigo 18.°, n.° 2, da Sexta Directiva permite aos Estados-Membros exigir que um sujeito passivo exerça o seu direito a dedução no mesmo período em que esse direito surgiu (acórdão Ecotrade, já referido, n.° 48).

21      A mesma conclusão se impõe por maioria de razão quando se trata de um prazo de caducidade de três anos, como o aplicável no processo principal, uma vez que este prazo permite, em princípio, a qualquer sujeito passivo diligente fazer valer os direitos que lhe confere o ordenamento jurídico da União.

22      Tendo em conta as considerações precedentes, deve responder-se à questão submetida que o artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê um prazo de caducidade de três anos para a apresentação de um pedido de reembolso dos montantes de IVA recebidos indevidamente pela Administração Fiscal desse Estado.

 Quanto às despesas

23      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê um prazo de caducidade de três anos para a apresentação de um pedido de reembolso dos montantes de IVA recebidos indevidamente pela Administração Fiscal desse Estado.

Assinaturas


* Língua do processo: letão.