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Processos apensos C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09

Finanzamt Burgdorf e o.

contra

Manfred Bog e o.

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesfinanzhof)

«Fiscalidade – IVA – Sexta Directiva 77/388/CEE – Artigos 5.° e 6.° – Qualificação de uma actividade comercial como ‘entrega de bens’ ou ‘prestação de serviços’ – Fornecimento de refeições ou de alimentos prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração – Fornecimento, num cinema, de pipocas e de chips ‘tortilla’ (‘nachos’) para consumo imediato – Caterer ao domicílio – Anexo H, categoria 1 – Interpretação dos termos ‘produtos alimentares’»

Sumário do acórdão

1.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Entregas de bens

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 5.°)

2.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Prestações de serviços

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 6.°)

3.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Faculdade de os Estados-Membros aplicarem uma taxa reduzida a determinadas entregas de bens e prestações de serviços

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 12.°, n.° 3, alínea a), e anexo H]

1.        O artigo 5.° da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na acepção do referido artigo, quando uma análise qualitativa do conjunto da operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e acompanham a entrega dos alimentos não são preponderantes.

A esse respeito, uma vez que a preparação do produto final quente em estabelecimentos ou veículos de restauração se limita, no essencial, a actividades sumárias e estandardizadas e visto não ocorrer, na maior parte das vezes, mediante encomenda de um cliente particular, mas de forma constante ou regular, em função da procura previsível em geral, não constitui o elemento preponderante da operação em causa e não confere, só por si, o carácter de prestação de serviços a essa operação.

Por outro lado, a mera presença de mobiliário nos cinemas, destinado, de forma não exclusiva, a facilitar eventualmente o consumo desses alimentos, não pode ser considerada um elemento de prestação de serviços capaz de conferir à operação, no seu conjunto, a qualidade de prestação de serviços.

(cf. n.os 68, 73, 81, disp. 1)

2.        O artigo 6.° da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou em que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante de uma operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços na acepção do referido artigo.

Com efeito, ao contrário dos pratos entregues em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, os pratos fornecidos ao domicílio por um caterer, não são, em geral, o resultado de uma simples preparação estandardizada, mas contêm uma dimensão de prestação de serviços claramente maior e exigem um trabalho e um conhecimento técnico superiores.

(cf. n.os 77, 81 e disp. 1)

3.        Segundo o artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, conforme alterada pela Directiva 92/111, as taxas reduzidas de imposto sobre o valor acrescentado podem ser aplicadas unicamente às entregas de bens e às prestações de serviços referidas no anexo H dessa directiva.

No caso de entrega de bens, o conceito de «produtos alimentares» que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para consumo imediato. Com efeito, esta disposição visa os produtos alimentares em geral e não faz nenhuma distinção ou restrição em função do tipo de comércio, do modo de venda, da embalagem, da preparação ou da temperatura.

(cf. n.os 84, 85, 88, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de Março de 2011 (*)

«Fiscalidade – IVA – Sexta Directiva 77/388/CEE – Artigos 5.° e 6.° – Qualificação de uma actividade comercial como ‘entrega de bens’ ou ‘prestação de serviços’ – Fornecimento de refeições ou de alimentos prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração – Fornecimento, num cinema, de pipocas e de chips ‘tortilla’ (‘nachos’) para consumo imediato – Caterer ao domicílio – Anexo H, categoria 1 – Interpretação dos termos ‘produtos alimentares’»

Nos processos apensos C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisões de 15 e 27 de Outubro de 2009, entrados no Tribunal de Justiça em 3 de Dezembro de 2009, nos processos

Finanzamt Burgdorf (C-497/09)

contra

Manfred Bog,

CinemaxX Entertainment GmbH & Co. KG, anteriormente Hans-Joachim Flebbe Filmtheater GmbH & Co. KG (C-499/09)

contra

Finanzamt Hamburg-Barmbek-Uhlenhorst,

Lothar Lohmeyer (C-501/09)

contra

Finanzamt Minden,

e

Fleischerei Nier GmbH & Co. KG (C-502/09)

contra

Finanzamt Detmold,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, D. Šváby (relator), E. Juhász, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: K. Malaček, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Novembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Bog, por H. Apking e T. Mittrach, Rechtsanwälte,

–        em representação da CinemaxX Entertainment GmbH & Co. KG, anteriormente Hans-Joachim Flebbe Filmtheater GmbH & Co. KG, por G. Dzieyk e A. Müller, Rechtsanwälte, e A. Lukat, Steuerberater,

–        em representação de M. Lohmeyer, por K. Meger, Steuerberater,

–        em representação da Fleischerei Nier GmbH & Co. KG, por M. Becker, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Triantafyllou, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação dos artigos 2.°, 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 384, p. 47, a seguir «Sexta Directiva»), bem como da expressão «produtos alimentares» que figura no seu anexo H, categoria 1.

2        Os pedidos foram apresentados no âmbito de quatro litígios que opõem, respectivamente, o Finanzamt Burgdorf (Administração de Finanças de Burgdorf) a M. Bog (processo C-497/09), a CinemaxX Entertainment GmbH & Co. KG, anteriormente Hans-Joachim Flebbe Filmtheater GmbH & Co. KG (a seguir «CinemaxX»), ao Finanzamt Hambourg-Barmbek-Uhlenhorst (Administração de Finanças de Hamburgo-Barmbek-Uhlenhorst) (processo C-499/09), L. Lohmeyer ao Finanzamt Minden (Administração de Finanças de Minden) (processo C-501/09) e a Fleischerei Nier GmbH & Co. KG (a seguir «Fleischerei Nier») ao Finanzamt Detmold (Administração de Finanças de Detmold) (processo C-502/09), sobre a questão de saber se diversas actividades de fornecimento de pratos ou de alimentos preparados prontos para consumo imediato constituem uma entrega de bens, na acepção do artigo 5.° da Sexta Directiva, ou uma prestação de serviços, na acepção do artigo 6.° dessa directiva, e, no caso de constituírem uma entrega de bens, se estão sujeitas à taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») prevista na lei alemã como vendas de «produtos alimentares», na acepção do anexo H, categoria 1, dessa directiva.

 Quadro jurídico

 O direito da União

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.»

4        O artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe:

«Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.»

5        O artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe:

«Por ‘prestação de serviços’ entende-se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.°

[…]»

6        O artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva dispõe:

«A taxa normal do [IVA] é fixada por cada Estado-Membro numa percentagem da base tributável igual para as entregas de bens e prestações de serviços […]

[…]

Os Estados-Membros podem igualmente aplicar uma ou duas taxas reduzidas. Essas taxas serão fixadas sob a forma de uma percentagem da matéria colectável que não pode ser inferior a 5% e serão aplicáveis apenas ao fornecimento de bens e à prestação de serviços das categorias referidas no anexo H.»

7        O anexo H da Sexta Directiva, intitulado «Lista dos bens e serviços a que se poderão aplicar taxas reduzidas de IVA», menciona, na categoria 1, os «Produtos alimentares (incluindo bebidas, com excepção das bebidas alcoólicas) destinados ao consumo humano e animal [...] ingredientes normalmente destinados à preparação de alimentos, bem como produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares».

8        A Directiva 2009/47/CE do Conselho, de 5 de Maio de 2009, que altera a Directiva 2006/112/CE no que diz respeito às taxas reduzidas do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 116, p. 18), autoriza os Estados-Membros a aplicarem a taxa reduzida aos «serviços de restauração e de catering». Contudo, essa directiva não estava em vigor à data dos factos nos diferentes processos principais.

 Direito nacional

9        O § 1, n.° 1, ponto 1, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Umsatzsteuergesetz, a seguir «UStG») dispõe o seguinte:

«Estão sujeitas a [IVA] as seguintes operações:

As entregas e outras prestações efectuadas por um empresário a título oneroso no território nacional, no âmbito da sua actividade empresarial.»

10      Nos termos do § 3, n.° 1, da UStG, «as entregas de uma empresa são prestações pelas quais um empresário ou um terceiro por ele mandatado dá ao tomador ou a um terceiro por ele mandatado a capacidade de dispor de um bem em seu próprio nome (transferência do poder de dispor do bem)».

11      O § 3, n.° 9, da UStG dispõe:

«São consideradas outras prestações as prestações que não constituam entregas. […] O fornecimento de pratos e de bebidas para consumo no local constitui outra prestação. Os pratos e as bebidas são fornecidos com vista ao seu consumo no local quando, tendo em conta as circunstâncias do fornecimento, se destinam a ser consumidos num local ligado ao local de fornecimento e estejam previstas instalações específicas com vista ao seu consumo no local.»

12      Resulta do § 12, n.° 2, ponto 1, da UStG que é aplicável uma taxa reduzida de IVA, nomeadamente, às entregas de «preparados de carnes, peixes, [etc.]», de «preparados à base de cereais, farinhas, amidos, féculas ou leite [e] pastelaria», de «preparados de legumes, frutos, [etc.]» e de «preparados alimentares diversos» (bens que constam, respectivamente, dos n.os 28 e 31 a 33 do anexo para o qual remete essa disposição).

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

 Processo C-497/09

13      M. Bog vendeu, em mercados semanais, bebidas e pratos preparados prontos para consumo (nomeadamente, salsichas e batatas fritas) em três veículos de restauração idênticos. Esses veículos dispunham de um balcão, de uma protecção em vidro e, debaixo desta, de uma «prancha» circular, fabricada num material comercializado com o nome de «resopal», que pode ser utilizada para o consumo dos pratos no local. De cada lado dos veículos encontrava-se, por cima do engate de reboque, um dispositivo descrito como uma «língua» desdobrável, construída como uma mesa, que era da mesma altura e fabricada no mesmo material da «prancha» circular. O local de consumo estava protegido da chuva por um tecto amovível.

14      Na sua declaração de IVA relativa ao ano de 2004, M. Bog declarou as operações de venda de bebidas como sujeitas à taxa normal de IVA, ao passo que apresentou as operações de venda de pratos como sujeitas à taxa reduzida. No âmbito de uma inspecção especial para efeitos de IVA, o inspector concluiu que, em regra, os clientes de M. Bog consumiam os produtos no local. Não tendo este dado nenhuma indicação da quantidade de produtos consumidos junto dos veículos no local, as operações sujeitas à taxa normal foram avaliadas em 70% do volume global dessas operações.

15      Em 27 de Dezembro de 2006, a Administração Fiscal emitiu, consequentemente, um aviso de liquidação rectificativa pelo ano de 2004. M. Bog reclamou dessa decisão.

16      O Finanzgericht (Tribunal Tributário) competente deu provimento ao recurso de M. Bog, entendendo, no essencial, que, para determinar a distinção entre as operações de fornecimento de alimentos sujeitas à taxa normal de IVA e as sujeitas à taxa reduzida, há que saber se os elementos de prestação de serviços são qualitativamente predominantes. No caso, estão em causa entregas de bens, pois, além de preparar os pratos, o recorrente no processo principal apenas disponibilizou nos seus veículos de restauração uma zona coberta onde os pratos podiam ser servidos e caixotes de lixo. Pelo contrário, não se verificam outros elementos de prestação de serviços característicos da imagem global dos serviços oferecidos por um restaurador quando se vai a um restaurante (nomeadamente, serviço de mesa, lugares sentados, salas fechadas e climatizadas, possibilidade de consumo na esplanada, existência de vestiário e casas de banho).

17      A Administração Fiscal interpôs recurso de «Revision» (revista) da decisão do Finanzgericht para o Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal), alegando que os fornecimentos de alimentos tinham sido ligados a prestações (preparação dos alimentos para as refeições e presença de instalações cobertas que permitem o consumo) que vão além da simples venda.

18      O tribunal de reenvio lembra que, quanto à distinção entre entrega de bens e prestação de serviços em matéria de fornecimento de pratos preparados e de bebidas, o Tribunal de Justiça fez, no acórdão de 2 de Maio de 1996, Faaborg-Gelting Linien (C-231/94, Colect., p. I-2395), uma distinção entre as operações de restauração e as operações relativas a alimentos prontos a levar. Assim, as operações de restauração (prestação de serviços) são «caracterizadas por um conjunto de elementos e de actos que vão desde a confecção dos pratos até à sua entrega material», dos quais a entrega de alimentos é apenas uma componente e no qual os serviços predominam largamente, ao passo que se trata de alimentos para levar (entrega de bens) quando, além da entrega de alimentos, «a operação não é acompanhada de serviços destinados a facilitar o consumo no local, num enquadramento adequado».

19      Além disso, o Bundesfinanzhof tem considerado de forma constante que o determinante não é a importância quantitativa dos elementos de prestação de serviços de restauração face aos elementos ligados à preparação dos pratos e à sua entrega, mas sim o facto de as prestações de serviços características serem qualitativamente preponderantes no âmbito de uma apreciação de conjunto. Por outro lado, uma apreciação quantitativa conduziria a problemas de delimitação insolúveis, devido à grande diversidade dos factos, isto é, devido à multiplicidade e à complexidade dos pratos e da sua apresentação.

20      O processo de preparação de pratos ou de refeições num determinado momento fixado pelos clientes foi considerado pelo Bundesfinanzhof um elemento essencial do serviço que, ligado a outros elementos de serviço como, por exemplo, no caso, a disponibilização de mesas altas ou de outros dispositivos que facilitam o consumo imediato, permite considerar que os serviços são qualitativamente predominantes.

21      À luz dos actuais desenvolvimentos do direito da União relativo ao IVA, o tribunal de reenvio pergunta, porém, se a preparação de pratos ou de refeições destinados a consumo imediato não caracteriza, só por si, a transacção, sendo, assim, irrelevante que outras prestações venham a acrescer.

22      Em contrapartida, se o fornecimento de refeições for considerado uma prestação de serviços unicamente quando se lhe juntarem outras prestações de serviços, o tribunal de reenvio salienta que o recorrido no processo principal previu instalações suplementares que permitem o consumo no local. Refere, porém, que, no caso, uma parte dos clientes comprou os alimentos ou refeições confeccionados, apenas «para levar», e não utilizou os equipamentos disponibilizados para o consumo no local.

23      Por último, o tribunal de reenvio observa que, se os pratos ou refeições preparados, destinados a consumo imediato, não constituíssem «produtos alimentares» na acepção do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, os Estados-Membros não poderiam, mesmo sendo uma entrega de bens, sujeitar esses pratos ou refeições à taxa reduzida de IVA.

24      Nestas circunstâncias, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      O fornecimento de alimentos ou refeições confeccionados para consumo imediato constitui uma entrega, na acepção do artigo 5.° da Sexta Directiva […]?

2)      Para a resposta à primeira questão, é relevante que sejam fornecidos elementos de prestações de serviços adicionais (disponibilização de equipamentos para o consumo dos alimentos ou refeições)?

3)      Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa: o conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva [...] deve ser interpretado no sentido de que só abrange os produtos alimentares ‘prontos a levar’, como são tipicamente vendidos no comércio de produtos alimentares, ou abrange também os alimentos ou refeições que – tendo sido cozidos, fritos, assados ou cozinhados por qualquer outro processo – são confeccionados para consumo imediato?»

 Processo C-499/09

25      A CinemaxX explora salas de cinema em várias localidades da Alemanha.

26      Nos bares desses cinemas, os cinéfilos podem comprar não só guloseimas e bebidas mas também pipocas e chips «tortilla» («nachos») de diferentes dimensões. Os pontos de venda não estão dotados de balcão de consumo, mas pode-se encontrar, nos bares de certos cinemas, um número variável de mesas altas, de bancos de bar e, por vezes, até bancos, cadeiras, mesas e lugares, ao longo das paredes. Mas nem todos estes equipamentos existem necessariamente em todos os cinemas. Em certas salas de projecção, os cadeirões têm suportes para copos.

27      Para fazer pipocas, há que deitar numa máquina de pipocas, onde são confeccionadas, as proporções adequadas de açúcar, milho, sal de pipocas e óleo. Uma parte da produção é imediatamente armazenada em recipientes aquecidos colocados nos pontos de venda. A pedido do cliente, as pipocas são retiradas desse recipiente com uma pequena pá e servidas em cartuchos de papel de diferentes tamanhos. O resto da produção é armazenado em grandes sacos ou embalagens e depois transferido para esses recipientes aquecidos, à medida do que for necessário. Em geral, as chips «tortilla» são encomendadas a fornecedores, em pacotes de 500 g. São igualmente colocadas em recipientes térmicos onde são mantidas a uma temperatura morna. São propostos vários molhos («dips») como acompanhamento. Estes são entregues em recipientes e prontos a servir. Esses molhos são aquecidos e entregues em doses.

28      Na sua declaração de entrega de IVA relativa a Junho de 2005, a CinemaxX declarou o volume de negócios relativo à venda de pipocas e de chips «tortilla» como operações sujeitas à taxa reduzida de IVA. A autoridade fiscal não aceitou essa declaração e adoptou uma decisão em que sujeitava essas operações à taxa normal.

29      Foi indeferida a reclamação da CinemaxX junto da Administração Fiscal e negado provimento ao seu recurso para o Finanzgericht competente. Este considerou que as operações em causa não consistiam em entregas de bens, mas sim em «outras prestações» na acepção do § 3, n.° 9, da UStG, pois a CinemaxX não fornecia alimentos para levar, mas sim pratos para consumo imediato.

30      A CinemaxX interpôs recurso de «Revision» para o tribunal de reenvio, onde alega que, visto estar em causa o fornecimento de pratos ou de refeições, só existe uma operação de restauração sujeita à taxa normal de IVA quando for predominante o elemento de prestação de serviços. Não é esse o caso quando se mantêm mornas as pipocas e os «nachos», porque se trata somente de uma conservação de produtos alimentares ou de garantir a manutenção de uma temperatura óptima. Também a ausência de embalagens para levar os alimentos não tem consequências negativas, pois isso não supre a inexistência da prestação de serviços nem de um enquadramento para consumo no local. Também a limpeza das salas de cinema não pode ser tomada em consideração de uma forma desfavorável à CinemaxX. As mesas altas, os bancos de bar e outros equipamentos não se destinam ao consumo de pipocas ou das chips «tortilla», pois a maior parte das pessoas que adquirem esses alimentos num cinema consomem-nos nas salas de projecção e não no ponto de venda. Além disso, as prestações realizadas pela recorrente não se distinguem das que são realizadas em supermercados ou quiosques no quadro da venda de produtos alimentares. Estas vendas, na perspectiva do cliente de cinema médio, apenas vêm completar a sessão de cinema. A CinemaxX não presta serviços de restauração como os serviços de mesa.

31      Na sequência de considerações idênticas às que acima foram feitas nos n.os 18 a 23 do presente acórdão, no âmbito do processo C-497/09, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais.

«1)      O fornecimento de alimentos ou refeições confeccionados para consumo imediato constitui uma entrega [de bens] na acepção do artigo 5.° da Sexta Directiva […]?

2)      Para a resposta à primeira questão, é relevante que sejam fornecidos elementos de prestações de serviços adicionais (utilização de mesas, de cadeiras, de outros equipamentos de consumo, projecção de um filme)?

3)      Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa: o conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva [...] deve ser interpretado no sentido de que só abrange os produtos alimentares ‘prontos a levar’, como são tipicamente vendidos no comércio de produtos alimentares, ou abrange também os alimentos ou refeições que – tendo sido cozidos, fritos, assados ou cozinhados por qualquer outro processo – são confeccionados para consumo imediato?»

 Processo C-501/09

32      L. Lohmeyer explorou, de 1996 a 1999, vários estabelecimentos de restauração e uma churrasqueira. Neles vendia pratos prontos a consumir (salsichas grelhadas, salsichas com caril, cachorros quentes, batatas fritas, bifes, entremeada, espetadas e costeletas). Declarou todo o seu volume de negócios global realizado com a venda desses pratos como sujeito à taxa reduzida de IVA.

33      A Administração Fiscal considerou, porém, que esses estabelecimentos tinham balcão e que se tratava de instalações particulares previstas para o consumo dos pratos no local, pelo que as operações em causa deviam, em princípio, estar sujeitas à taxa normal de IVA. Na medida em que não excluía a possibilidade de uma parte dos clientes não utilizarem os balcões para consumir os alimentos, mas sim para adquirirem os alimentos para os levarem consigo, estimou em 80% do conjunto das operações a parte das operações sujeitas à taxa normal.

34      Consequentemente, em 28 de Maio de 2002, emitiu uma rectificação da liquidação do IVA relativa aos anos de 1996 a 1999. Não tiveram provimento a reclamação e o recurso dela interpostos por L. Lohmeyer.

35      Este interpôs recurso de «Revision» para o tribunal de reenvio, no qual alega, no essencial, que um balcão instalado num estabelecimento de restauração não constitui uma infra-estrutura na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

36      Com base no acórdão Faaborg-Gelting Linien, já referido, o Bundesfinanzhof considerou, num acórdão de 18 de Dezembro de 2008, que o processo de preparação de pratos e de refeições, a uma hora determinada, em função de cada cliente, constitui um elemento essencial de uma prestação de serviço. Contudo, face às críticas feitas a essa jurisprudência, o tribunal de reenvio considera que deixou de ser possível afirmar com certeza que a confecção de um prato num determinado momento deve ser considerada um elemento essencial de uma prestação de serviço que, por si só ou acrescido de uma prestação de serviço adicional não despicienda no momento da entrega ao cliente, permite considerar que se trata efectivamente de uma prestação de serviços.

37      Nestas condições, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que só abrange os produtos alimentares ‘prontos a levar’, como são tipicamente vendidos no comércio de produtos alimentares, ou abrange também os alimentos ou refeições que – tendo sido cozidos, fritos, assados ou cozinhados por qualquer outro processo – são confeccionados para consumo imediato?

2)      Caso o conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva […] abranja igualmente alimentos ou refeições confeccionados para consumo imediato[,] [o] artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que se aplica ao fornecimento de alimentos ou refeições acabadas de confeccionar que o cliente, utilizando equipamentos para o seu consumo, como, por exemplo, prateleiras, mesas altas ou outros semelhantes, consome no local e não leva consigo?»

 Processo C-502/09

38      A Fleischerei Nier é uma sociedade em comandita que explora uma charcutaria e presta serviços de catering. No âmbito dessa actividade, fornece as refeições em embalagens térmicas fechadas, podendo igualmente ser fornecidos, se os clientes o desejarem, louça, talheres, mesas altas e pessoal.

39      Na sua facturação, a Fleischerei Nier aplicou a taxa normal de IVA aos preços da disponibilização de louça, talheres, mesas altas e pessoal, e a taxa reduzida de IVA, aos preços do fornecimento de refeições.

40      A Administração Fiscal considerou, porém, que as entregas de alimentos deviam também estar sujeitas à taxa normal de IVA, na medida em que estavam ligadas ao fornecimento de louça, talheres, mesas altas ou pessoal. Consequentemente, emitiu um aviso de liquidação rectificativa.

41      No processo de reclamação, as partes chegaram a acordo em que as remunerações pelo fornecimento de refeições estão sujeitas à taxa normal nos casos em que a Fleischerei Nier fornecesse igualmente o pessoal. Não tiveram provimento a reclamação e o recurso interpostos da rectificação da liquidação.

42      No recurso de «Revision» que interpôs, alega, no essencial, que a disponibilização de louça e talheres é uma prestação acessória do fornecimento de refeições, que não justifica a qualificação da totalidade da prestação como prestação de serviços. Habitualmente, nos serviços de catering, o cliente pretende receber os seus convidados em sua casa, de modo que a prestação não é equiparável a uma operação de restauração.

43      O Bundesfinanzhof, com base no acórdão Faaborg-Gelting Linien, já referido, considerou que as prestações de uma empresa de catering constituem uma prestação única, quando, como complemento do fornecimento dos pratos preparados, são fornecidos e depois lavados a louça e os talheres, e o processo de preparação de pratos e de refeições, a uma hora determinada, em função de cada cliente, constitui um elemento essencial de uma prestação de serviço. Contudo, tendo em conta os argumentos da Fleischerei Nier e as críticas da doutrina, esse tribunal considera que já não há certeza suficiente para afirmar que essa jurisprudência está em conformidade com os princípios de direito da União.

44      O tribunal de reenvio considera que um caterer fornece aos seus clientes uma prestação única, e não várias prestações principais autónomas, independentemente de o comprador utilizar ou não, além do fornecimento de refeições, uma ou mais prestações complementares propostas facultativamente, como a disponibilização de talheres, louça, mesas altas ou pessoal.

45      Segundo o tribunal de reenvio, é necessário esclarecer se está em conformidade com o direito comunitário, na qualificação de uma prestação unitária de uma empresa de catering, considerar a confecção das refeições a partir de diversos alimentos como uma prestação de serviço.

46      O tribunal de reenvio entende que há que definir critérios utilizáveis na prática, para obter resultados previsíveis na qualificação dessas prestações e garantir a segurança jurídica a qualquer explorador. Entende que não há dúvidas de que a prestação única deve sempre ser qualificada de prestação de serviço, quando são disponibilizados criados, enquanto as outras prestações que são tidas em conta não devem ser consideradas características ou dominantes, quando o total dos seus custos efectivos ficar muito aquém dos custos efectivos ligados aos pratos preparados e prontos a servir.

47      O tribunal de reenvio pergunta, porém, se esse critério é efectivamente compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e refere que, segundo o acórdão de 27 de Outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C-41/04, Colect., p. I-9433, n.° 28), na determinação dos elementos dominantes de uma prestação complexa, os custos podem ser relevantes, mas que, segundo o acórdão de 29 de Março de 2007, Aktiebolaget NN (C-111/05, Colect., p. I-2697, n.° 37), na qualificação de uma operação complexa, os custos não devem, só por si, revestir uma importância significativa.

48      Nestas condições, o Bundesfinanzgericht suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      O conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que só abrange os produtos alimentares ‘prontos a levar’, como são tipicamente vendidos no comércio de produtos alimentares, ou abrange também os alimentos ou refeições que – tendo sido cozidos, fritos, assados ou cozinhados por qualquer outro processo – são confeccionados para consumo imediato?

2)      Caso o conceito de ‘produtos alimentares’ constante do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva […] abranja igualmente alimentos ou refeições confeccionados para consumo imediato[,] [a] confecção dos alimentos ou das refeições deve ser considerada como um elemento da prestação de serviços quando se tem de decidir se uma prestação unitária levada a cabo por uma empresa de catering (fornecimento de alimentos ou de refeições prontos a consumir e do seu transporte e, eventualmente, de talheres e louça e/ou de mesas altas e ainda a recolha dos objectos fornecidos) deve ser qualificada como uma entrega de produtos alimentares que beneficiam da taxa reduzida de IVA (categoria 1 do anexo H desta directiva) ou como uma prestação de serviços (artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva) que não beneficia dessa taxa reduzida?

3)      Caso a resposta à segunda questão seja negativa[,] é compatível com o artigo 2.°, n.° 1, em conjugação com os artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva […], que para a qualificação de uma prestação unitária de uma empresa de catering como entrega de bens ou como prestação de serviços sui generis se proceda à tipificação apenas com base no número de elementos com natureza de prestação de serviços (dois ou mais) em comparação com a parte que consiste na entrega, ou os elementos com natureza de prestação de serviços, independentemente do seu número, devem obrigatoriamente ser determinantes e, em caso afirmativo, segundo que critérios?»

49      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2010, os processos C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09 foram apensados para efeitos de fase escrita e oral e de acórdão, devido à sua ligação, de acordo com o artigo 43.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto às questões prejudiciais

50      Com as duas primeiras questões nos processos C-497/09 e C-499/09, a segunda questão no processo C-501/09 e a segunda e terceira questões no processo C-502/09, que há que tratar em conjunto, o tribunal de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, no essencial, quanto à questão de saber se as diversas actividades de fornecimento de pratos ou de refeições preparados, prontos para consumo imediato, em causa nos quatro processos principais, constituem entregas de bens, na acepção do artigo 5.° da Sexta Directiva, ou prestações de serviços, na acepção do artigo 6.° dessa directiva, e quanto à incidência que os elementos complementares de prestação de serviços podem ter a esse respeito.

 Observações preliminares

51      A título preliminar, há que determinar se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos.

52      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços (v. acórdãos, já referidos, Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 19, e Aktiebolaget NN, n.° 21).

53      O Tribunal de Justiça considerou igualmente que, por um lado, resulta do artigo 2.° da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estejam tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição teria carácter artificial (acórdãos, já referidos, Levob Verzekeringen e OV Bank, n.os 20 e 22, e Aktiebolaget NN, n.os 22 e 23).

54      Por outro lado, está-se em presença de uma prestação única, quando um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (v., nomeadamente, acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, Colect., p. I-973, n.° 30; acórdão Levob Verzekeringen e OV Bank, já referido, n.° 21; e acórdãos de 11 de Junho de 2009, RLRE Tellmer Property, C-572/07, Colect., p. I-4983, n.° 18, e de 2 de Dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 24 e 25).

55      No âmbito da cooperação instituída pelo artigo 267.° TFUE, cabe aos tribunais nacionais determinar se é o que acontece em cada caso concreto e fazer todas as apreciações de facto definitivas a esse respeito (v. acórdãos, já referidos, CPP, n.° 32, e Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 23).

56      No caso, no conjunto dos processos principais, existe uma combinação da entrega de um ou mais bens e de diversos elementos de prestação de serviços, e o tribunal de reenvio considera que esses diversos elementos formam uma operação única para efeitos de IVA. Não resulta das decisões de reenvio nem das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que essa qualificação não foi efectuada em conformidade com os critérios acima referidos.

57      Quanto às prestações abrangidas pelo quadro da actividade de catering ao domicílio como a do processo C-502/09, é relevante que a existência de uma prestação única seja independente da circunstância de o caterer emitir uma só factura com todos os elementos ou, pelo contrário, emitir uma factura separada pela entrega dos pratos (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, CPP, n.° 31, Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 25, e Everything Everywhere, n.° 29).

 Quanto à qualificação como entrega de bens ou prestação de serviços

58      Há que recordar que a Sexta Directiva institui um sistema comum de IVA baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, Colect., p. I-1609, n.° 48).

59      No que respeita ao conceito de «entrega de bens», o artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe que por tal entrega se entende a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário. A este propósito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça precisa que este conceito inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira à outra parte o poder de dispor desse bem como se fosse o seu proprietário (v., nomeadamente, acórdão Halifax e o., já referido, n.° 51).

60      Resulta do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva que o conceito de «prestação de serviços» abrange qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.° dessa directiva.

61      Para determinar se uma prestação complexa única, como as dos processos principais, deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrola a operação, para encontrar todos os elementos característicos e identificar os elementos predominantes (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos, já referidos, Faaborg-Gelting Linien, n.os 12 e 14, Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 27, e Aktiebolaget NN, já referido, n.° 27; e acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, Graphic Procédé, C-88/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

62      Há que precisar também que o elemento predominante deve ser determinado com base no ponto de vista do consumidor médio [v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos, já referidos, Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 22, e Everything Everywhere, n.° 26] e tendo em conta, numa apreciação de conjunto, a importância qualitativa, e não simplesmente quantitativa, dos elementos de prestação de serviços face aos de uma entrega de bens.

63      Há que lembrar que, uma vez que a comercialização de um bem é sempre acompanhada de uma prestação de serviços mínima, como a apresentação de produtos em expositores ou a emissão de uma factura, só os serviços diferentes dos necessariamente associados à comercialização de um bem podem ser tidos em conta para se determinar a parte que a prestação de serviços representa no conjunto de uma transacção complexa que inclui também a entrega de um bem (acórdão de 10 de Março de 2005, Hermann, C-491/03, Colect., p. I-2025, n.° 22).

64      No n.° 14 do acórdão Faaborg-Gelting, já referido, o Tribunal de Justiça declarou, mais em particular, que a restauração se caracteriza por um conjunto de elementos e de actos, do qual o fornecimento de comida é apenas uma componente e no qual os serviços predominam largamente. Deve, por conseguinte, considerar-se como prestação de serviços, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Em contrapartida, já não é esse o caso quando a operação incide sobre alimentos para levar e não é acompanhada de serviços destinados a facilitar o consumo no local, num enquadramento adequado.

65      Assim, quanto às operações de restauração efectuadas a bordo de ferry-boats, o Tribunal de Justiça salientou que o fornecimento de pratos preparados e de bebidas prontos para consumo imediato é o resultado de uma série de serviços que vão desde a confecção dos pratos até à sua entrega material num suporte e que é acompanhado da disponibilização ao cliente de uma infra-estrutura que inclui tanto uma sala de restauração com dependências (vestiário, etc.) como o mobiliário e a louça. Eventualmente, as pessoas singulares cuja actividade profissional consiste em efectuar estas operações de restauração são chamadas a pôr as mesas, a aconselhar os clientes e a dar-lhes esclarecimentos sobre os pratos ou as bebidas propostas, a servir esses produtos à mesa e, finalmente, a levantar as mesas depois do consumo (acórdão Faaborg-Gelting Linien, já referido, n.° 13).

66      No caso, segundo os elementos fornecidos pelo tribunal de reenvio, as actividades em causa nos processos C-497/09 e C-501/09 são relativas a vendas, em veículos ou estabelecimentos de restauração, de salsichas, batatas fritas e outros alimentos prontos a ser imediatamente consumidos quentes.

67      Há que considerar, a esse respeito, antes de mais, que o fornecimento desses produtos pressupõe que sejam cozinhados ou aquecidos, o que constitui um serviço que deve ser tomado em consideração no âmbito da apreciação global da operação em causa, para efeitos de qualificação como entrega de bens ou prestação de serviços.

68      Ora, uma vez que a preparação do produto final quente se limita, no essencial, a actividades sumárias e estandardizadas e visto não ocorrer, na maior parte das vezes, mediante encomenda de um cliente particular, mas de forma constante ou regular, em função da procura previsível em geral, não constitui o elemento preponderante da operação em causa e não confere, só por si, o carácter de prestação de serviços a essa operação.

69      Por outro lado, quanto aos elementos de prestação de serviços característicos das operações de restauração, tal como resultam da jurisprudência acima referida nos n.os 63 a 65 do presente acórdão, há que observar que, nas actividades em causa nos processos C-497/09 e C-501/09, não existe um criado, um verdadeiro aconselhamento aos clientes, um serviço propriamente dito, que consista, em particular, na transmissão das encomendas à cozinha, na apresentação posterior dos pratos e no seu serviço à mesa aos clientes, instalações fechadas e climatizadas, especialmente dedicadas ao consumo dos alimentos fornecidos, vestiário nem casa de banho, nem, no essencial, louça, mobiliário ou talheres de mesa.

70      Com efeito, os elementos de prestação de serviços mencionados pelo tribunal de reenvio apenas consistem na existência de instalações rudimentares, a saber, simples balcões de consumo, sem nenhuma possibilidade de o cliente se sentar, que permitem a um número limitado de clientes o consumo no local ao ar livre. Essas instalações rudimentares pressupõem apenas uma intervenção humana despicienda. Nestas condições, esses elementos constituem apenas prestações acessórias mínimas e não são susceptíveis de modificar o carácter predominante da prestação principal, a saber, o de entrega de bens.

71      Isto vale igualmente para as actividades de venda de pipocas e de chips «tortilla» nos bares dos cinemas, como as que estão em causa na lide principal no processo C-499/09.

72      Tal como resulta da descrição dos factos fornecida pelo tribunal de reenvio, a preparação de pipocas, que se confunde com a sua produção, e tanto a sua distribuição como a de chips «tortilla» em embalagens fazem parte integrante da venda desses produtos, pelo que não constituem operações independentes dela. Além disso, tanto a preparação como a manutenção dos alimentos a uma certa temperatura são efectuadas de forma regular, e não em função do pedido de um cliente em particular.

73      Há que observar igualmente que a disponibilização de mobiliário (mesas altas, bancos e cadeiras), além de não existir no conjunto dos cinemas, é, em regra, independente da venda de pipocas e de chips «tortillas», e que as instalações equipadas com este mobiliário também têm por função servir de sala de espera ou de ponto de encontro. O consumo é feito noutro lugar, na prática, nas salas de cinema. Para esse efeito, os cadeirões de certas salas estão equipados com suportes para copos cuja finalidade é também garantir a limpeza da sala de cinema. A simples presença desse mobiliário, destinado, de forma não exclusiva, a facilitar eventualmente o consumo desses alimentos, não pode ser considerada um elemento de prestação de serviços capaz de conferir à operação, no seu conjunto, a qualidade de prestação de serviços.

74      Resulta do exposto que, nas actividades como as que estão em causa nos processos C-497/09, C-499/09 e C-501/09, o elemento preponderante das operações em causa, tomadas na sua globalidade, é constituído pela entrega de pratos ou de alimentos prontos para consumo imediato, uma vez que a sua preparação, sumária e estandardizada, está intrinsecamente ligada a eles e que a disponibilização de instalações rudimentares que permitem a um número limitado de clientes o consumo no local tem um carácter puramente acessório e menor. O facto de os clientes utilizarem ou não essas instalações rudimentares é irrelevante, uma vez que, visto o consumo imediato no local não constituir uma característica essencial da operação em causa, não pode determinar a sua natureza.

75      Quanto às actividades de catering no âmbito de festas e de cerimónias como as que estão em causa na lide principal no processo C-502/09, há que salientar, antes de mais, que, tal como resulta do n.° 37 do presente acórdão, são possíveis várias combinações de operações, consoante os desejos dos clientes, que vão desde a simples preparação e entrega de pratos até à prestação completa que inclua, além disso, a disponibilização de louça, mobiliário (mesas e cadeiras), a apresentação dos pratos, a decoração, a disponibilização do pessoal encarregado do serviço e o aconselhamento na composição da ementa e, sendo esse o caso, na escolha das bebidas.

76      Há que lembrar seguidamente que, visto se tratar de uma prestação única, a qualificação da operação como entrega de bens ou prestação de serviços dependerá do conjunto das circunstâncias de facto, considerando, do ponto de vista do consumidor, os elementos qualitativamente preponderantes.

77      Quanto aos pratos fornecidos ao domicílio por um caterer, refira-se que, ao contrário dos entregues nos estabelecimentos, veículos de restauração e cinemas, não são, em geral, o resultado de uma simples preparação estandardizada, mas contêm uma dimensão de prestação de serviços claramente maior e exigem um trabalho e um conhecimento técnico superiores. A qualidade dos pratos, a criatividade e a apresentação são, neste caso, elementos que, na maior parte das vezes, têm uma importância determinante para o cliente. Frequentemente, o cliente tem não só a possibilidade de compor a sua ementa mas, inclusivamente, de pedir pratos individuais. De resto, esta dimensão de serviço tem tradução no plano terminológico, na medida em que, na linguagem corrente, se fala, em geral, de «serviço de catering» tal como de pratos «encomendados», e não de «comprados», a um caterer ao domicílio.

78      Os pratos são seguidamente entregues por este em embalagens térmicas fechadas ou aquecidos por ele no local. É igualmente essencial para o cliente que a entrega dos pratos ocorra no momento preciso por ele fixado.

79      Por outro lado, as prestações de um caterer ao domicílio podem abranger elementos que permitem o consumo, tais como o fornecimento de louça, de talheres ou mesmo de mobiliário. Esses elementos, ao contrário da simples disponibilização de uma infra-estrutura rudimentar no caso de estabelecimentos ou de veículos de restauração e de cinemas, implica também uma certa intervenção humana para trazer, recolher e eventualmente limpar o material.

80      À luz destas considerações, há que considerar que, salvo nos casos em que o caterer se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou quando outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante da operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços.

81      Resulta do exposto que há que responder às duas primeiras questões nos processos C-497/09 e C-499/09, à segunda questão no processo C-501/09 e à segunda e terceira questões no processo C-502/09 que os artigos 5.° e 6.° da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que:

–        o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na acepção do referido artigo 5.°, quando uma análise qualitativa do conjunto da operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e acompanham a entrega dos alimentos não são preponderantes;

–        salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de prestação de serviços suplementar, ou em que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante de uma operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços na acepção do referido artigo 6.°

 Quanto ao conceito de «produtos alimentares» referido no anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva

82      Com a terceira questão nos processos C-497/09 e C-499/09 e a primeira questão nos processos C-501/09 e C-502/09, que há que tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no caso de as operações em causa nos vários processos principais constituírem entregas de bens, se o conceito de «produtos alimentares» referido na categoria 1 do anexo H da Sexta Directiva abrange igualmente os pratos ou refeições preparados para consumo imediato.

83      Na falta de definição, na Sexta Directiva, desse conceito de produtos alimentares, há que interpretá-lo à luz do contexto em que se situa no interior da Sexta Directiva (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Janeiro de 2001, Comissão/Espanha, C-83/99, Colect., p. I-445, n.° 17, e de 18 de Março de 2010, Erotic Center, C-3/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 14).

84      A esse respeito, resulta do artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva que a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados-Membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Além disso, segundo essa disposição, as taxas reduzidas de IVA podem ser aplicadas unicamente às entregas de bens e às prestações de serviços referidas no anexo H dessa directiva (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Espanha, n.° 18, e Erotic Center, n.° 15). Ora, resulta de jurisprudência assente que as disposições que têm o carácter de derrogação de um princípio devem ser objecto de interpretação estrita, não deixando, porém, de garantir que a derrogação não fique sem efeito útil (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Setembro de 2010, EMI Group, C-581/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 20, e de 28 de Outubro de 2010, Axa UK, C-175/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

85      A esse respeito, há que observar que a disposição em causa visa os produtos alimentares em geral e não faz nenhuma distinção ou restrição em função do tipo de comércio, do modo de venda, da embalagem, da preparação ou da temperatura.

86      Além disso, essa disposição menciona igualmente os «ingredientes normalmente destinados à preparação de alimentos» bem como os «produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares».

87      Por último, esses pratos e refeições preparados servem de alimento aos consumidores.

88      Há que responder, portanto, à terceira questão submetida nos processos C-497/09 e C-499/09 e à primeira questão submetida nos processos C-501/09 e C-502/09 que, no caso de entrega de bens, o conceito de «produtos alimentares» que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para consumo imediato.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Os artigos 5.° e 6.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, devem ser interpretados no sentido de que:

–        o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na acepção do referido artigo 5.°, quando uma análise qualitativa do conjunto da operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e acompanham a entrega dos alimentos não são preponderantes;

–        salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou em que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante de uma operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços na acepção do referido artigo 6.°

2)      No caso de entrega de bens, o conceito de «produtos alimentares» que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para consumo imediato.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.