Processo C-132/10
Olivier Halley e o.
contra
Belgische Staat
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank van eerste aanleg te Leuven)
«Fiscalidade directa – Livre circulação de capitais – Artigo 63.° TFUE – Imposto sucessório sobre as acções nominativas – Prazo de caducidade da avaliação das acções em sociedades não residentes superior ao prazo aplicável às acções em sociedades residentes – Restrição – Justificação»
Sumário do acórdão
Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre as sucessões
(Artigo 63.º TFUE)
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro que prevê, em matéria de imposto sucessório, um prazo de caducidade de dez anos para a avaliação de acções nominativas de uma sociedade de que o de cujus era accionista e cuja direcção efectiva se situa noutro Estado-Membro, ao passo que este mesmo prazo é de dois anos quando a direcção efectiva se situa no primeiro Estado-Membro.
Com efeito, a aplicação desse prazo de caducidade superior aos herdeiros que detêm acções numa sociedade cuja direcção efectiva se situa num Estado-Membro diferente pode ter como resultado dissuadir os residentes do primeiro Estado de investirem ou manterem investimentos em activos fora desse Estado-Membro, uma vez que os seus herdeiros vão ficar mais tempo na incerteza quanto à possibilidade de serem sujeitos a uma liquidação adicional.
Essa legislação não é justificada pela necessidade de garantir a eficácia das inspecções tributárias nem pelo objectivo da luta contra a fraude fiscal na medida em que a aplicação geral de um prazo de dez anos não tem qualquer relação com o período de tempo necessário para recorrer eficazmente a mecanismos de assistência mútua ou a outros meios que permitam averiguar o valor das acções em causa. Com efeito, importa distinguir uma situação em que elementos tributáveis foram dissimulados às autoridades fiscais nacionais, não dispondo estas últimas de nenhum indício que permita a abertura de um inquérito, da situação em que as referidas autoridades dispõem de informações relativas a estes elementos tributáveis. Quando as autoridades fiscais de um Estado-Membro dispõem de indícios que lhes permitem dirigir-se às autoridades competentes de outros Estados-Membros, no uso da faculdade de assistência mútua prevista pela Directiva 77/799, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos, ou da assistência prevista pelos acordos bilaterais, para que estas últimas autoridades lhes comuniquem as informações necessárias para o estabelecimento do montante correcto do imposto, o simples facto de os elementos tributáveis em questão se situarem noutro Estado-Membro não justifica a aplicação geral de um prazo suplementar do direito à liquidação adicional que não tem qualquer relação com o período de tempo necessário para recorrer eficazmente a esses mecanismos de assistência mútua.
(cf. n.os 24, 30, 33, 36, 39 e 40 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
15 de Setembro de 2011 (*)
«Fiscalidade directa – Livre circulação de capitais – Artigo 63.° TFUE – Imposto sucessório sobre as acções nominativas – Prazo de caducidade da avaliação das acções em sociedades não residentes superior ao prazo aplicável às acções em sociedades residentes – Restrição – Justificação»
No processo C-132/10,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo rechtbank van eerste aanleg te Leuven (Bélgica), por decisão de 12 de Fevereiro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Março de 2010, no processo
Olivier Halley,
Julie Halley,
Marie Halley
contra
Belgische Staat,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,
advogado-geral: N. Jääskinen,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 13 de Janeiro de 2011,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de O. Halley, J. Halley e M. Halley, por A. Biesmans e R. Deblauwe, advocaten,
– em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal, P. van Nuffel e W. Roels, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 26.° TFUE, 49.° TFUE, 63.° TFUE e 65.° TFUE.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe O. Halley, J. Halley e M. Halley ao Belgische Staat a propósito do imposto sucessório devido sobre acções nominativas de uma empresa cuja direcção efectiva não se situa na Bélgica.
Quadro jurídico
Regulamentação da União
3 Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5):
«Os Estados-Membros suprimirão as restrições aos movimentos de capitais efectuados entre pessoas residentes nos Estados-Membros, sem prejuízo das disposições seguintes. A fim de facilitar a aplicação da presente directiva, os movimentos de capitais são classificados de acordo com a nomenclatura estabelecida no anexo I.»
4 Entre os movimentos de capitais enumerados no artigo 1.° da Directiva 88/361, o seu anexo I menciona, na sua rubrica XI, sob a epígrafe «Movimentos de capitais de carácter pessoal», nomeadamente, as sucessões e os legados.
Legislação nacional
5 O artigo 1.°, n.° 1, do Código do Imposto Sucessório, introduzido pelo Decreto Real n.° 308, de 31 de Março de 1936 (Belgisch Staatsblad, 7 de Abril de 1936, p. 2403), confirmado pela Lei de 4 de Maio de 1936 (Belgisch Staatsblad, 7 de Maio de 1936, p. 3426, a seguir «código»), dispõe que o imposto sucessório incide sobre o valor de tudo o que é recebido por sucessão do de cujus pelos seus herdeiros, deduzidas as dívidas.
6 O artigo 111.° do código dispõe:
«Para determinar se a totalidade ou parte dos bens da herança situados no Reino [da Bélgica], declarados pelo seu valor de mercado, foram subavaliados, a Administração Fiscal pode, sem prejuízo dos demais meios de prova previstos no artigo 105.°, promover a avaliação dos referidos bens; todavia, no caso de bens móveis corpóreos, esse direito de avaliação só se aplica a navios e embarcações.»
7 O artigo 137.°, primeiro parágrafo, n.° 2, do referido código prevê que «o direito de proceder à avaliação fiscal de bens sujeitos a avaliação assim como à liquidação de impostos, juros e coimas aplicáveis em caso de subavaliação desses bens caduca no prazo de dois anos; o direito de liquidação de impostos, juros e coimas em caso de subavaliação de bens não sujeitos a avaliação caduca no prazo de dez anos; o prazo de caducidade começa a correr no dia da entrega da declaração fiscal».
Litígio no processo principal e questão prejudicial
8 A. De Pinsun e P.-L. Halley, os pais dos demandantes no processo principal, faleceram simultaneamente em 6 de Dezembro de 2003. Eram residentes em Tervuren (Bélgica), e a declaração de bens tinha de ser apresentada em Lovaina.
9 Em 16 de Agosto de 2004 e 16 de Agosto de 2005, os demandantes no processo principal pagaram, respectivamente, 16 milhões de euros e 4 milhões de euros por conta do imposto sucessório.
10 Em 7 de Novembro de 2005, os demandantes no processo principal apresentaram, na Administração Fiscal de Lovaina, uma declaração de bens referente à herança do seu pai e outra referente à herança da sua mãe.
11 Fazia parte da herança, em cada um dos casos, metade indivisa de 2 172 600 acções nominativas da sociedade Carrefour SA, cuja sede social se situava, à época dos factos do processo principal, em Levallois-Perret (França), e metade indivisa de 2 085 acções ao portador da referida sociedade. Os demandantes no processo principal atribuíram às acções nominativas o valor de 28,31 euros por acção, correspondente ao valor em bolsa, no dia da morte dos seus pais, sujeita a uma redução de 35%.
12 Por carta de 20 de Fevereiro de 2008, o derde Ontvangkantoor van de Registratie te Leuven (terceira repartição de finanças de Lovaina) comunicou aos demandantes no processo principal que a administração central de Bruxelas tinha decidido, em 29 de Janeiro de 2008, que as acções deviam ser avaliadas em 43,55 euros cada.
13 Na sua petição, apresentada no órgão jurisdicional de reenvio, os demandantes no processo principal invocam, a título principal, a caducidade do direito da Administração Fiscal belga de verificar a subavaliação das referidas acções nominativas. A título subsidiário, contestam o valor determinado por esta administração.
14 Resulta da decisão de reenvio que, em virtude da leitura conjugada dos artigos 111.° e 137.°, primeiro parágrafo, n.° 2, do código, a avaliação das acções nominativas visada neste artigo 111.° é possível desde que sejam detidas numa sociedade situada na Bélgica. As acções consideram-se presentes nesse Estado-Membro quando a direcção efectiva da sociedade em causa está aí situada. O prazo de caducidade para a avaliação das acções é, neste caso, de dois anos. Todavia, no caso de acções detidas numa sociedade cuja direcção efectiva se situa fora do território belga, essa avaliação não é possível e o referido prazo é de dez anos.
15 Por entender que o litígio no processo principal suscita questões de interpretação do direito da União, o rechtbank van eerste aanleg te Leuven decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O artigo 137.°, [primeiro parágrafo, n.° 2], do [c]ódigo […], lido em conjugação com o artigo 111.° do mesmo [c]ódigo, é compatível com os artigos 26.° [TFUE], 49.° [TFUE], 63.° [TFUE] e 65.° [TFUE], ao prever um prazo de caducidade de dois anos para a liquidação do imposto sucessório que incide sobre acções nominativas de sociedades cuja direcção efectiva se situe na Bélgica, ao passo que o prazo de caducidade é de dez anos no caso de sociedades cuja direcção efectiva não se situe na Bélgica?»
Quanto à questão prejudicial
Quanto à liberdade em causa no processo principal
16 A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa os artigos 26.° TFUE, 49.° TFUE, 63.° TFUE e 65.° TFUE. Nas observações que apresentaram ao Tribunal de Justiça, o Governo belga e a Comissão Europeia alegam que apenas as duas últimas disposições, a saber, as relativas à livre circulação de capitais, são pertinentes para o processo principal.
17 A este respeito, resulta de jurisprudência actualmente bem assente que, para determinar se uma legislação nacional se inscreve no âmbito de uma ou outra das liberdades de circulação, deve ter-se em conta o objecto da legislação em causa (acórdãos de 24 de Maio de 2007, Holböck, C-157/05, Colect., p. I-4051, n.° 22, e de 17 de Setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colect., p. I-8591, n.° 36).
18 No processo principal, o objecto da legislação nacional em causa consiste em fixar o prazo em que se pode proceder à avaliação das acções nominativas detidas numa sociedade cuja direcção efectiva se situa fora do território belga e transmitidas por via sucessória.
19 Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as sucessões, que consistem na transmissão, a uma ou mais pessoas, do património deixado por uma pessoa falecida, que se inserem na rubrica XI do anexo I da Directiva 88/361, intitulada «Movimentos de capitais de carácter pessoal», constituem movimentos de capitais, na acepção do artigo 63.° TFUE, com excepção dos casos em que os elementos que as integram se situam no interior de um só Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão de 11 de Setembro de 2008, Eckelkamp e o., C 11/07, Colect., p. I-6845, n.° 39 e jurisprudência referida). Uma situação, como a que está em causa no processo principal, na qual as acções são detidas por um residente belga numa sociedade cuja direcção efectiva se situa em França não constitui, de forma alguma, uma situação puramente interna.
20 Daqui decorre que as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais são aplicáveis num caso como o do processo principal.
21 Por conseguinte, deve considerar-se que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que prevê, em matéria de imposto sobre as sucessões, um prazo diferente para a avaliação de acções nominativas consoante a direcção efectiva da sociedade emitente de que o de cujus era accionista se situe ou não nesse Estado-Membro.
Quanto à existência de uma restrição à liberdade de circulação de capitais
22 Importa recordar que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, compreendem, entre outras, as que são de molde a dissuadir os não residentes de fazerem investimentos num Estado-Membro ou manterem tais investimentos (v., neste sentido, acórdãos de 22 de Janeiro de 2009, STEKO Industriemontage, C-377/07, Colect., p. I-299, n.os 23 e 24, e de 31 de Março de 2011, Schröder, C-450/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).
23 No que respeita à legislação em causa no processo principal, resulta da decisão de reenvio que a mesma leva a estabelecer uma distinção relativamente ao prazo de caducidade para a avaliação de acções nominativas, para efeitos da tributação de uma sucessão, em função da localização da direcção efectiva da empresa emitente, uma vez que o prazo de caducidade para a avaliação das acções emitidas por uma sociedade cuja direcção efectiva se situa na Bélgica é de dois anos, ao passo que, se as acções forem detidas numa sociedade cuja direcção efectiva se situa num outro Estado-Membro, o referido prazo de caducidade é de dez anos.
24 Ora, a aplicação desse prazo de caducidade superior aos herdeiros que detêm acções numa sociedade cuja direcção efectiva se situa num Estado-Membro diferente do Reino da Bélgica pode ter como resultado dissuadir os residentes belgas de investirem ou manterem investimentos em activos fora desse Estado-Membro, uma vez que os seus herdeiros vão ficar mais tempo na incerteza quanto à possibilidade de serem sujeitos a uma liquidação adicional.
25 Essa legislação nacional constitui, pois, uma restrição à livre circulação de capitais na acepção do artigo 63.°, n.° 1, TFUE.
Quanto à justificação da restrição à livre circulação de capitais
26 Para justificar a restrição à livre circulação de capitais, o Governo belga invoca argumentos relativos, por um lado, à necessidade de garantir a eficácia das inspecções tributárias e, por outro lado, à luta contra a fraude fiscal.
27 Segundo o referido governo, no que respeita à eficácia das inspecções tributárias, a aplicação de um prazo de caducidade superior da avaliação das acções de sociedades situadas num Estado-Membro diferente do Reino da Bélgica é necessária para obter as informações relativas a estas.
28 No que respeita à luta contra a fraude fiscal, esse prazo faculta às autoridades fiscais belgas a possibilidade de abrir um inquérito em caso de verificação de uma subavaliação das acções de sociedades localizadas no estrangeiro e, caso se verificasse que essas acções foram sujeitas ao imposto com base num valor demasiado baixo, a possibilidade de aplicar uma tributação complementar.
29 Ademais, o Governo belga sustenta que uma legislação como a que está em causa no processo principal é necessária para colmatar a inexistência de possibilidade real dessas autoridades de obter informações sobre os activos detidos num Estado-Membro diferente do Reino da Bélgica. Esse governo observa que um pedido de informações apresentado com base no artigo 2.° da Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), apenas pode ser introduzido por um Estado-Membro no caso preciso de este último dispor desde logo de elementos suficientes.
30 A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que constituem razões imperiosas de interesse geral susceptíveis de justificar uma restrição ao exercício das liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE o objectivo da luta contra a fraude e a necessidade de garantir a eficácia das inspecções tributárias (v., designadamente, no que toca à luta contra a fraude, acórdão de 14 de Setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer, C-386/04, Colect., p. I-8203, n.° 32, e, no que toca à eficácia das inspecções tributárias, acórdão de 27 de Janeiro de 2009, Persche, C-318/07, Colect., p. I-359, n.° 52).
31 Todavia, uma restrição à liberdade de circulação de capitais apenas pode ser admitida a este título na condição de ser adequada para garantir a realização do objectivo em causa sem ir além do necessário para alcançar esse objectivo (v., designadamente, acórdão de 28 de Outubro de 2010, Établissements Rimbaud, C-72/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33 e jurisprudência referida).
32 Ora, admitindo que a legislação nacional em causa no processo principal seja adequada a alcançar os objectivos relativos à necessidade de assegurar a eficácia das inspecções tributárias e a lutar contra a fraude fiscal, deve notar-se que essa legislação ultrapassa o necessário para a realização desses objectivos.
33 Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao prazo de liquidação adicional em caso de dissimulação às autoridades fiscais de activos provenientes da poupança e/ou de rendimentos desses activos que importa distinguir duas situações, correspondendo a primeira à situação em que elementos tributáveis foram dissimulados, não dispondo estas últimas de nenhum indício que permita a abertura de um inquérito, e a segunda a uma situação em que as referidas autoridades dispõem de informações relativas a estes elementos tributáveis (acórdão de 11 de Junho de 2009, X e Passenheim-van Schoot, C-155/08 e C-157/08, Colect., p. I-5093, n.os 62 e 63).
34 No processo principal, é pacífico que as acções nominativas em causa foram mencionadas nas declarações de bens, de modo que as autoridades fiscais do Estado-Membro em questão dispõem de informações relativas a essas acções. A legislação em causa no processo principal cabe, assim, na segunda situação mencionada no número anterior.
35 Ora, no que toca a esta segunda situação, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 74 do acórdão X e Passenheim-van Schoot, já referido, que não se pode justificar a aplicação por um Estado-Membro de um prazo prolongado do direito à liquidação adicional que não se destine especificamente a permitir que as suas autoridades fiscais recorram eficazmente a mecanismos de assistência mútua entre Estados-Membros e que se inicie logo que os elementos tributáveis em causa se situem noutro Estado-Membro.
36 Com efeito, quando as autoridades fiscais de um Estado-Membro dispõem de indícios que lhes permitem dirigir-se às autoridades competentes de outros Estados-Membros, no uso da faculdade de assistência mútua prevista pela Directiva 77/799 ou da assistência prevista pelos acordos bilaterais, para que estas últimas autoridades lhes comuniquem as informações necessárias para o estabelecimento do montante correcto do imposto, o simples facto de os elementos tributáveis em questão se situarem noutro Estado-Membro não justifica a aplicação geral de um prazo suplementar do direito à liquidação adicional que não tem qualquer relação com o período de tempo necessário para recorrer eficazmente a esses mecanismos de assistência mútua (acórdão X e Passenheim-van Schoot, já referido, n.° 75).
37 Ora, neste caso concreto, se é verdade que a referida directiva não se aplica ao imposto sucessório, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que não é de excluir que as autoridades fiscais belgas podiam, não obstante, ter recorrido, para verificar o valor das acções em causa, a outros instrumentos de assistência mútua, tais como, nomeadamente, a Convenção entre a França e a Bélgica para evitar duplas tributações e regular outras questões em matéria de impostos sobre as sucessões e imposições de registo, assinada em Bruxelas, em 20 de Janeiro de 1959.
38 Em todo o caso, como o sublinhou acertadamente a Comissão, para avaliar o valor das acções de sociedades cotadas na bolsa, como as que estão em causa no processo principal, nada impede as autoridades fiscais belgas, para abrir um inquérito, de se referirem ao curso dessas acções à data do falecimento do seu proprietário, quer na imprensa quer na Internet. Como resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, foi até sobre esta base que as acções em causa no processo principal foram finalmente avaliadas por essas autoridades mais de dois anos depois da entrega das declarações de sucessão.
39 Daqui se conclui que a aplicação de um prazo de dez anos para avaliar as acções detidas numa sociedade cuja direcção efectiva se situa num Estado-Membro diferente do Reino da Bélica não se justifica, na medida em que a aplicação geral deste prazo não tem qualquer relação com o período de tempo necessário para recorrer eficazmente a mecanismos de assistência mútua ou a outros meios que permitam averiguar o valor dessas acções.
40 Resulta do exposto que há que responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em matéria de imposto sucessório, um prazo de caducidade de dez anos para a avaliação de acções nominativas de uma sociedade de que o de cujus era accionista e cuja direcção efectiva se situa noutro Estado-Membro, ao passo que este mesmo prazo é de dois anos quando a direcção efectiva se situa no primeiro Estado-Membro.
Quanto às despesas
41 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em matéria de imposto sucessório, um prazo de caducidade de dez anos para a avaliação de acções nominativas de uma sociedade de que o de cujus era accionista e cuja direcção efectiva se situa noutro Estado-Membro, ao passo que este mesmo prazo é de dois anos quando a direcção efectiva se situa no primeiro Estado-Membro.
Assinaturas
* Língua do processo: neerlandês.