Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 16 de fevereiro de 2012 (1)

Processo C-558/10

Michel Bourgès-Maunoury

Marie-Louise Heintz

contra

Direction des services fiscaux d’Eure-et-Loir

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal de grande instance de Chartres (França)]

«Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias — Funcionários e agentes da União — Artigo 13.° — Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — Isenção de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos pagos pela União — Imposto sobre a fortuna — Integração, no cálculo do limite máximo, dos rendimentos comunitários isentos — ‘Cláusula de rigor’»





1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre uma questão prejudicial respeitante à compatibilidade de uma disposição nacional relativa à modalidade de cálculo de um imposto sobre o património, neste caso, o imposto sobre a fortuna («impôt de solidarité sur la fortune», a seguir «ISF») francês com o direito primário da União. O cálculo deste imposto recorre a um mecanismo dito «de limitação» que permite tomar em consideração o conjunto dos rendimentos dos sujeitos passivos, sem excluir os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União Europeia aos seus funcionários e agentes.

2.        Este processo oferece, assim, ao Tribunal de Justiça, a oportunidade de contribuir com novos esclarecimentos sobre o sentido e o alcance do artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (2) e, mais precisamente, sobre a sua jurisprudência constante, de acordo com a qual esta disposição se opõe a que os rendimentos de origem comunitária sejam onerados, mesmo que indiretamente.

3.        Dado que a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça não nos proporciona elementos que permitam fornecer, de modo imediato, uma resposta adaptada às especificidades do processo (um imposto sobre o património limitado a uma percentagem do rendimento do sujeito passivo), proponho ao Tribunal de Justiça que aborde a questão submetida averiguando o sentido e a finalidade da disposição nacional em causa, sugerindo-lhe que deixe, em última análise, ao órgão jurisdicional nacional a responsabilidade de se pronunciar a esse respeito.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União

4.        O artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, na sua versão em vigor à data dos factos em causa no litígio no processo principal, dispõe:

«Os funcionários e outros agentes das Comunidades ficam sujeitos a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por elas pagos e que reverterá em seu benefício, de acordo com as condições e o processo fixados pelo Conselho, deliberando sob proposta da Comissão.

Os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pelas Comunidades.»

B —    Direito nacional

5.        O ISF (3), que sucedeu ao imposto anual sobre as grandes fortunas (4), foi instituído pela Lei de finanças para 1989 (Loi de finances pour 1989) (5). O ISF era, à data dos factos do litígio no processo principal, regulado pelo disposto nos artigos 885.° A a 885.° X do Código Geral dos Impostos (Code général des impôts, a seguir «CGI»).

6.        O artigo 885.° A do CGI, na sua versão aplicável à data dos factos do litígio no processo principal (6), dispunha:

«Estão sujeitos ao imposto anual sobre a fortuna, quando o valor dos seus bens é superior ao limite do primeiro escalão da tabela do artigo 885.° U:

1.°      As pessoas singulares que tenham o seu domicílio fiscal em França, em função dos seus bens localizados em França ou fora de França.

[…]

2.°      As pessoas singulares que não tenham o seu domicílio fiscal em França, em função dos seus bens localizados em França.

Exceto nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 4 do artigo 6.°, os casais unidos pelo matrimónio são objeto de uma tributação comum.

As condições de sujeição serão apreciadas a 1 de janeiro de cada ano.

[…]

Os bens profissionais definidos nos artigos 885.° N, 885.° O, 885.° O bis, 885.° O ter, 885.° O quater, 885.° O quinquies, 885.° P e 885.° R não são tomados em conta para o cálculo da matéria coletável do imposto sobre a fortuna.»

7.        O ISF é dotado de um mecanismo de limitação e de uma limitação do limite máximo, descritos no artigo 885.° V bis do CGI. Na sua versão aplicável à data dos factos em causa no litígio no processo principal (7), o referido artigo tinha a seguinte redação:

«O imposto sobre a fortuna dos contribuintes que tenham o seu domicílio fiscal em França é reduzido da diferença entre, por um lado, a totalidade deste imposto e dos impostos devidos em França e no estrangeiro pelos rendimentos e proventos do ano anterior, calculados antes da imputação dos créditos de imposto e das retenções não liberatórias, e, por outro lado, 85 % da totalidade dos rendimentos líquidos de despesas profissionais do ano anterior após dedução apenas dos défices relativos a categorias de rendimentos cuja imputação seja autorizada pelo artigo 156.°, bem como dos rendimentos isentos de imposto sobre o rendimento obtidos no mesmo ano em França ou fora de França e dos proventos submetidos a retenção liberatória. Esta redução não pode exceder um montante igual a 50 % do montante de contribuição resultante da aplicação do artigo 885.° V ou, caso seja superior, o montante do imposto correspondente a um património tributável igual ao limite superior do terceiro escalão da tabela do artigo 885.° U.

As mais-valias são determinadas sem consideração dos limites, reduções e abatimentos previstos pelo presente código.

Para a aplicação do primeiro parágrafo, quando incida sobre rendimentos de pessoas cujos bens não entram no cálculo da matéria coletável do imposto sobre a fortuna do contribuinte, o imposto sobre o rendimento é reduzido de acordo com a percentagem do rendimento destas pessoas em relação ao rendimento total.»

II — Factos na origem do litígio no processo principal

8.        Resulta da decisão de reenvio, bem como das observações submetidas ao Tribunal de Justiça, que M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Heintz, cônjuge de M. Bourgès-Maunoury (a seguir, conjuntamente, «M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury») são antigos funcionários, respetivamente, da Comissão Europeia e do Conselho da União Europeia. M.-L. Heintz recebe uma pensão de aposentação desde 1 de setembro de 2004. M. Bourgès-Maunoury recebeu um subsídio por cessação definitiva de funções, entre 1 de janeiro de 2004 e 30 de novembro de 2008, e recebe igualmente, desde 1 de dezembro de 2008, uma pensão de aposentação.

9.        O subsídio e as pensões pagas deste modo pela União estão, nos termos do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, sujeitos a um imposto que reverte em benefício daquela e isentos de impostos nacionais que incidam sobre os rendimentos.

10.      Tendo domicílio em França, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury estão sujeitos ao ISF, em aplicação do artigo 885.° A do CGI, e, por conseguinte, apresentaram declarações de ISF relativas aos anos de 2002 a 2007.

A —    Declarações de ISF de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007

11.      As declarações anuais conjuntas de M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury que estão na origem do processo principal correspondem aos anos de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007. A declaração relativa ao ano de 2005, que apresenta, como se verá, uma especificidade, teve um resultado completamente diferente.

12.      Nas suas declarações relativas aos anos de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury não incluíram, no âmbito do cálculo do limite máximo do ISF previsto no artigo 885.° V bis do CGI, o subsídio e a pensão pagos pela União.

13.      Em 29 de maio de 2008, a administração fiscal francesa enviou-lhes uma proposta de retificação do seu ISF relativo a esses anos, por entender que os seus rendimentos comunitários deviam ser tomados em consideração para o cálculo do limite máximo do ISF, proposta essa confirmada por decisão de 1 de setembro de 2008.

14.      Em 19 de janeiro de 2009, a administração fiscal francesa emitiu contra M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury dois avisos de cobrança do ISF devido relativamente aos anos de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007. A reclamação contra estes avisos, apresentada por aqueles em 4 de fevereiro de 2009, foi indeferida por decisão da administração fiscal francesa de 18 de fevereiro de 2009.

15.      Em 16 de abril de 2009, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury intentaram, então, no Tribunal de grande instance de Chartres, uma acção visando, por um lado, a anulação da decisão da administração fiscal francesa de 18 de fevereiro de 2009, de indeferimento expresso da sua reclamação, bem como dos dois avisos de cobrança emitidos contra eles em 19 de janeiro de 2009 relativamente aos anos de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007 e, por outro, a isenção do pagamento do ISF exigido no montante de 15 663 euros.

B —    Declaração de ISF de 2005

16.      Em contrapartida, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury não tinham solicitado a aplicação do limite máximo de ISF relativamente ao ano de 2005 e, em consequência, tinham apresentado, em 7 de julho de 2006, uma declaração retificativa integrando esse cálculo relativamente a tal ano e solicitado o reembolso de 6 239 euros pagos em excesso relativamente ao montante de imposto declarado de 8 861 euros.

17.      Tendo este pedido sido indeferido pela administração fiscal francesa, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury recorreram desse indeferimento para o Tribunal de grande instance de Chartres, em 27 de dezembro de 2006. Ao abrigo do artigo 24.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, solicitaram, também, assistência à Comissão a esse respeito, que lhes foi concedida por decisão de 6 de março de 2007.

18.      Por decisão de 10 de outubro de 2007, o Tribunal de grande instance de Chartres indeferiu o pedido dos mesmos.

19.      Por outro lado, apresentaram uma queixa na Comissão, que, por carta de 14 de janeiro de 2008, lhes indicou que entendia ter havido uma violação do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades e que registou a sua queixa como um caso de infração.

20.      Por carta de 15 de abril de 2008, a Comissão deu a conhecer às autoridades francesas as suas dúvidas no que diz respeito à compatibilidade da tomada em consideração dos rendimentos de origem comunitária no cálculo do limite máximo do ISF com o artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades.

21.      Por acórdão de 27 de novembro de 2008, a Cour d’appel de Versailles anulou a decisão do Tribunal de grande instance de Chartres de 10 de outubro de 2007 que indeferira o seu pedido relativamente ao ano de 2005.

22.      Por acórdão de 19 de janeiro de 2010 (8), a Cour de cassation negou provimento ao recurso interposto pela administração fiscal francesa desse acórdão da Cour d’appel de Versailles.

23.      A Cour de cassation considerou que, dado que a Cour d’appel de Versailles tinha entendido que, com a inclusão do montante das pensões e dos subsídios recebidos da União no cálculo do limite máximo de 85% do total dos rendimentos instituído pelo artigo 885.° V bis do CGI, o montante do ISF de M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury aumentava, a mesma tinha podido concluir corretamente que era, assim, imputado aos contribuintes um imposto que tinha por efeito onerar indiretamente os seus rendimentos comunitários.

24.      Por carta de 15 de outubro de 2010, a Comissão informou M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury de que, tendo em consideração o acórdão proferido pela Cour de cassation, considerava que um procedimento por infração contra a República Francesa não lhes traria qualquer vantagem.

III — Questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

25.      Foi neste contexto que o Tribunal de grande instance de Chartres, competente para conhecer os pedidos de M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury respeitantes às suas declarações de ISF relativas aos anos de 2002 a 2004, de 2006 e de 2007 e tendo dúvidas quanto à interpretação das disposições do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, decidiu, tendo em consideração, nomeadamente, o acórdão da Cour de cassation já referido, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, anexo ao Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, opõe-se a que o conjunto dos rendimentos de um contribuinte, incluindo os rendimentos comunitários, seja tido em consideração no cálculo do limite máximo para efeitos do imposto sobre a fortuna (‘impôt de solidarité sur la fortune’)?»

26.      Os recorrentes no processo principal e a República Francesa, o Reino da Bélgica, o Reino dos Países Baixos, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas.

27.      O Tribunal de Justiça ouviu os mandatários dos recorrentes no processo principal, bem como os agentes da República Francesa e da Comissão, na audiência pública que se realizou em 23 de novembro de 2011.

IV — Análise

28.      A questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio torna indispensável, apesar da sua aparente simplicidade, tecer algumas considerações relacionadas tanto com o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, como com o ISF e com o mecanismo de limitação previsto no artigo 885.° V bis do CGI.

A —    Artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades

29.      O artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades (9) prevê, no seu primeiro parágrafo, a sujeição dos funcionários e outros agentes da União a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos (10) por ela pagos e, no seu segundo parágrafo, uma isenção de impostos nacionais que incidam sobre esses mesmos vencimentos, salários e emolumentos.

30.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os dois parágrafos desse artigo, que não podem ser considerados isoladamente (11), visam substituir os impostos nacionais por um imposto comunitário aplicável aos funcionários e agentes da União segundo condições uniformes, no interesse da independência da União (12), e, ao fazê-lo, pretendem, por um lado, garantir uma estrita igualdade de remuneração entre estes últimos (13) e, por outro, prevenir qualquer dupla tributação, comunitária e nacional, dos vencimentos, salários e emolumentos que lhes são pagos pela União.

31.      Essa disposição, globalmente, pretende assegurar, de facto, uma tributação uniforme dos referidos vencimentos, salários e emolumentos para todos os funcionários e agentes da União, impedindo, nomeadamente, por um lado, que, por efeito da cobrança de impostos nacionais diferentes, a sua remuneração efetiva varie em função da sua nacionalidade ou do seu domicílio e por outro, que, por efeito de uma dupla tributação, essa remuneração seja anormalmente onerada (14).

32.      O Tribunal de Justiça precisou que, pela sua redação e economia, o artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades visa «criar uma isenção de qualquer contribuição nacional baseada tanto diretamente como indiretamente sobre os vencimentos, salários ou emolumentos pagos pela União aos seus funcionários ou outros agentes» e «[o]põe-se, portanto, a qualquer contribuição nacional, sejam quais forem a sua natureza ou a sua modalidade de cobrança, que tenha por efeito penalizar, direta ou indiretamente, os funcionários ou outros agentes das Comunidades em consequência do facto de serem beneficiários de uma remuneração paga pela União, mesmo que o imposto em causa não seja calculado proporcionalmente ao montante dessa remuneração» (15), restringindo, assim, a soberania fiscal dos Estados-Membros (16).

33.      Essa isenção diz respeito especificamente aos funcionários e agentes da União (17) e está limitada aos impostos nacionais de natureza análoga àqueles através dos quais a União tributa os seus vencimentos, salários e emolumentos (18), às imposições nacionais suscetíveis de incidir sobre os rendimentos provenientes do exercício das suas funções, que são objeto de tributação comunitária (19).

34.      Recordamos, a título meramente informativo e de forma muito elementar, o conteúdo da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

35.      No processo que deu lugar ao acórdão Humblet/Estado belga (20), o Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar a compatibilidade do imposto complementar belga que incidia sobre o conjunto dos rendimentos cumulados dos agregados familiares a taxas progressivas por escalões com o artigo 11.°, alínea b), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades CECA. Nesse caso, no essencial, a administração fiscal belga tinha determinado a taxa de imposto aplicável à esposa de um funcionário da CECA, tomando em consideração os rendimentos deste último.

36.      Chamado a pronunciar-se sobre o fundamento do artigo 16.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades CECA, o Tribunal de Justiça declarou que o referido protocolo se opunha, não só a qualquer imposição aplicada a um funcionário que se fundamente, no todo ou em parte, no recebimento do vencimento pago pela CECA, mas também à tomada em consideração do referido vencimento para a fixação da taxa do imposto aplicável a outros rendimentos. A este respeito, o mesmo concluiu, nomeadamente, que a cobrança de impostos sobre uma categoria de rendimentos tomando em consideração, para o cálculo da sua taxa, outros rendimentos, equivalia materialmente a uma imposição direta desses rendimentos, na medida em que, tendo em conta considerações económicas e financeiras razoáveis, o conjunto dos rendimentos de um contribuinte constituía um todo orgânico (21).

37.      No processo que deu origem ao acórdão Brouerius van Nidek (22), o Tribunal de Justiça declarou que os impostos sucessórios, que oneram uma única vez os ativos sucessórios no momento da sua transmissão, não se incluíam nos impostos nacionais proibidos pelo artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, na medida em que eram aplicados de forma não discriminatória a todos os contribuintes.

38.      No processo que deu origem ao acórdão Tither (23), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se sobre uma questão relativa a um mecanismo de bonificação dos juros pagos pelos particulares sobre os empréstimos destinados à aquisição ou ao melhoramento da sua residência principal. Este mecanismo permitia ao mutuário deduzir dos juros a pagar ao mutuante uma importância igual ao montante do imposto sobre o rendimento correspondente a esse pagamento, sendo o mutuante obrigado a aceitar esta dedução. Do ponto de vista fiscal, a dedução assim efetuada sobre o pagamento dos juros tinha o mesmo efeito que uma redução do imposto sobre o rendimento do mutuário. As pessoas isentas do imposto sobre o rendimento estavam, no entanto, excluídas do benefício desta subvenção. O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades não obrigava o Estado-Membro a conceder a referida subvenção aos funcionários e agentes da União.

39.      No processo que deu origem ao acórdão Kristoffersen (24), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se quanto à questão de saber se a lei dinamarquesa relativa ao imposto sobre o rendimento era compatível com o artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, na medida em que permitia tributar o valor locativo da habitação de um funcionário europeu. O Tribunal de Justiça declarou que essa tributação não constituía uma tributação indireta dos vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União, na medida em que a mesma não apresentava qualquer vínculo jurídico com estes e revestia natureza objetiva.

40.      Finalmente, no processo que deu origem ao acórdão Vander Zwalmen e Massart (25), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se relativamente a uma questão que dizia respeito à concessão do benefício do quociente conjugal no âmbito do imposto sobre o rendimento na Bélgica. A legislação belga previa, no âmbito da tributação separada dos rendimentos dos cônjuges, a concessão de uma redução fiscal (o quociente conjugal) aos casais que auferissem um único rendimento e aos casais que auferissem dois rendimentos, dos quais o segundo fosse inferior a um dado valor. O Tribunal de Justiça declarou que a recusa de concessão do quociente conjugal aos casais em que um dos cônjuges era funcionário da União, quando o vencimento deste último fosse superior àquele valor, não era incompatível com o artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades. Com efeito, a causa da exclusão do benefício resultava da aplicação de uma condição geral e objetiva aplicável a qualquer contribuinte, e, portanto, não discriminatória, e não de uma condição suplementar ligada à qualidade de funcionário de um dos cônjuges.

41.      Em contrapartida, no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Bélgica (26), o Tribunal de Justiça declarou que o Reino da Bélgica não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, ao recusar conceder aos proprietários de imóveis as reduções da contribuição predial retida na fonte, quando o locatário do imóvel, ou o seu cônjuge, era funcionário ou agente da União. A legislação belga em causa previa, no essencial, que a contribuição predial retida na fonte, um imposto sobre as propriedades imobiliárias situadas na Bélgica devido pelo proprietário, podia ser reduzida em função da situação social do ocupante do imóvel. Essa redução era, no entanto, excluída no caso de a habitação ser ocupada por um locatário que se encontrasse isento do imposto sobre o rendimento «nos termos de convenções internacionais». Em consequência, era recusado ao proprietário o benefício de uma retenção na fonte da contribuição predial a uma taxa reduzida, no caso de o locatário ser funcionário ou agente da União, isento do imposto belga sobre o rendimento, em aplicação do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades.

42.      O Tribunal de Justiça, tomando em consideração o facto de, no caso de a habitação ser objeto de arrendamento, a contribuição predial retida na fonte ser, na realidade económica, repercutida pelo proprietário no locatário, declarou que essa exclusão do benefício de uma retenção na fonte da contribuição predial a taxa reduzida era contrária ao artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades. Com efeito, esta vinha a traduzir-se no facto de os funcionários e agentes da União, por serem beneficiários de uma remuneração subtraída aos impostos nacionais, terem de suportar um encargo financeiro suplementar em comparação com os outros contribuintes (27).

43.      A ideia geral mas constante que resulta, assim, da jurisprudência do Tribunal de Justiça é a de que só existe tributação indireta dos rendimentos dos funcionários e agentes da União quando a regulamentação nacional em causa tem como finalidade, embora respeitando formalmente, na aparência, o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, onerar os referidos rendimentos para além do imposto comunitário, quando se pode deduzir que tem por objetivo ou por efeito «contornar» o referido protocolo. Nessa ótica, uma legislação que «tem como alvo» os funcionários e agentes da União ou lhes reserva um tratamento discriminatório, para retomar a ideia expressa pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Brouerius van Nidek, bem como Vander Zwalmen e Massart (28), já referidos, pode ser analisada como manifestação da vontade de contornar o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades.

B —    Disposição nacional

44.      No seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio quase não dá detalhes nem sobre o ISF nem, em especial, sobre o sentido e a finalidade do mecanismo de limitação aplicável à liquidação do ISF. Por isso, face à questão submetida, é indispensável proceder a um exame, tanto da natureza e da estrutura do ISF, como do mecanismo de limitação previsto no artigo 885.° V bis do CGI e, portanto, in fine, do cálculo do montante da contribuição em sede de ISF.

45.      Esclarecido isto, note-se que incumbe unicamente ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar as disposições do seu direito nacional. É por essa razão que qual, no âmbito do exame do direito nacional realizado para dar ao referido órgão jurisdicional uma resposta útil à questão que este coloca, será necessário remetê-lo, a partir de um certo ponto, para a sua própria interpretação do referido direito nacional.

46.      O exame do direito nacional abordará, antes de mais, o ISF enquanto tal, depois o mecanismo de limitação previsto no artigo 885.° V bis do CGI e, finalmente, a não exclusão dos rendimentos de origem comunitária do cálculo do referido limite máximo.

1.      Natureza e legalidade do ISF

47.      Nos termos do artigo 885.° A do CGI, estão sujeitos ao ISF tanto as pessoas singulares que tenham o seu domicílio fiscal em França, em função dos seus bens situados em França ou fora de França, como as pessoas singulares que não tenham o seu domicílio fiscal em França, em função dos seus bens situados em França (29), de acordo com uma tabela progressiva atualizada anualmente estabelecida no artigo 885.° U do CGI (30), quando o valor dos referidos bens excede o primeiro escalão da referida tabela (31).

48.      Nos termos do artigo 885.° E do CGI, a matéria coletável do ISF (32) é constituída pelo valor líquido do conjunto dos bens, direitos e valores tributáveis do sujeito passivo (33). Abrange, por conseguinte, o conjunto dos ativos financeiros (34) (numerário, valores mobiliários) ou não financeiros (residências principais ou secundárias, imóveis para arrendamento, terrenos) do sujeito passivo. É este último quem procede, ele próprio, à avaliação dos seus bens tributáveis, segundo as regras em vigor em matéria de transmissão mortis causa. Os bens são avaliados pelo seu valor venal real, à data do facto gerador do imposto, ou seja, 1 de janeiro do ano de tributação.

49.      O ISF é, assim, um imposto assente na propriedade do património, uma tributação do ativo líquido do sujeito passivo (35). Nestes termos, parece-me claro que o Tribunal de Justiça pode razoavelmente acolher esta interpretação do ISF segundo a qual, atendendo à sua base de tributação, este onera o património enquanto fonte de riqueza diferente do rendimento.

50.      Esclarecido isto, deve insistir-se no facto de que o presente processo não põe, de modo algum, em causa a legalidade, à luz do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, de um imposto sobre o património, paralelo ao imposto sobre o rendimento, nem a possibilidade de os Estados-Membros sujeitarem os funcionários e agentes da União sujeitos à sua soberania fiscal a um imposto desse tipo. Não foi pedido, portanto, ao Tribunal de Justiça que respondesse à questão de saber se um imposto nacional, na medida em que onera formalmente o património, é, em todas as circunstâncias, compatível com o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades.

51.      Seja como for, há que rejeitar a ideia segundo a qual, tendo em conta a amplitude da sua matéria coletável, o ISF onera o rendimento na medida em que a sua cobrança produz uma redução da riqueza disponível total do sujeito passivo. De facto, na medida em que o ISF abrange o conjunto do património do sujeito passivo, incluindo os seus ativos financeiros, integra, por conseguinte, necessariamente, uma fração residual dos rendimentos não despendidos do ano que precede o ano de tributação. Contudo, qualquer imposto sobre o património constitui, decididamente, uma tributação do «rendimento congelado», isto é, do rendimento não consumido que integra o património do sujeito passivo (36).

2.      Mecanismo de limitação do ISF

a)      Descrição do ISF

52.      Expresso em termos muito simples, o limite máximo do ISF previsto no artigo 885.° V bis do CGI (37) visa evitar que o conjunto dos impostos diretos a pagar pelo contribuinte, incluindo o imposto sobre o rendimento e o ISF, ultrapasse uma determinada percentagem dos seus rendimentos (38).

53.      A aplicação do limite máximo (39) consiste, no essencial, em subtrair (40) ao montante de ISF em princípio devido relativamente ao ano em curso o montante resultante da diferença entre, por um lado, o total do ISF devido relativamente ao ano em curso e os impostos (41) devidos em França e no estrangeiro (42) sobre os rendimentos do ano precedente e, por outro, 85 % dos rendimentos recebidos pelo sujeito passivo no ano precedente. É nesses 85 % que o artigo 885.° V bis do CGI exige (43) a inclusão dos rendimentos isentos de imposto sobre o rendimento auferidos em França ou no estrangeiro, o que inclui as remunerações, subsídios, rendas, pensões e rendimentos diversos pagos pela União no decurso do ano que precede o da tributação em sede de ISF, em causa no presente processo. O mecanismo apenas opera se, em substância, o montante total dos impostos diretos a pagar relativamente ao ano em curso ultrapassar 85 % (44) do montante total dos rendimentos recebidos no ano precedente.

b)      Sentido e finalidade do limite máximo do ISF

54.      O mecanismo de limitação do ISF, ao constituir, em substância, um obstáculo a que a tributação global dos sujeitos passivos ultrapasse 85 % do seus rendimentos (45), tem como principal objetivo evitar que os sujeitos passivos que dispõem apenas de rendimentos modestos, mas que dispõem de um património importante com rentabilidade medíocre, sejam obrigados a alienar uma parte do seu património para pagar o imposto devido (46). Visa, portanto, modular o impacto do ISF em função, precisamente, dos rendimentos do sujeito passivo e destina-se, por conseguinte, a limitar a natureza potencialmente confiscatória do ISF (47).

55.      A este respeito, resulta dos debates parlamentares (48) que o mecanismo da limitação foi realmente instituído com o objetivo de evitar que o ISF gerasse um efeito confiscatório e se mostrasse, assim, insuportável, intolerável, do ponto de vista da justiça social e da equidade (49).

56.      Além disso, parece (50) ter sido em consideração da jurisprudência do Conseil constitutionnel (51), centrada no respeito do princípio da igualdade e, mais precisamente, do princípio da igualdade perante os encargos públicos (52), que o legislador decidiu dotar o ISF desse mecanismo de limitação (53).

57.      Há ainda que insistir no facto de o mecanismo de limitação também não ser, em si mesmo, posto em causa no presente processo. É, de resto, suscetível de beneficiar tanto os funcionários e agentes da União como os outros sujeitos passivos do ISF. Com efeito, não se pode excluir que um funcionário ou agente da União sujeito ao ISF possa ser atingido pelo «síndrome dos pescadores da Ilha de Ré» (54). Por conseguinte, e sem o limite máximo do ISF, uma fração dos seus rendimentos comunitários pode, em proporções eventualmente muito consideráveis, ser afetada ao pagamento do ISF. Por conseguinte, existem situações em que os funcionários e agentes da União não só não podem renunciar ao funcionamento do limite máximo, como ainda devem poder beneficiar do mesmo (55).

58.      Descrito desta forma, o mecanismo de limitação do ISF integrado nas modalidades de liquidação do ISF apresenta todas as características daquilo a que, na cultura jurídica de alguns Estados-Membros e em particular dos de língua alemã, se chama uma «cláusula de rigor» (56), sem prejuízo de a ideia subjacente poder ser encontrada na cultura jurídica de todos os Estados-Membros (57).

59.      Em qualquer ordenamento jurídico que se expresse através de formulações gerais e abstratas, o que é próprio da lei, é inevitável que se preveja a atenuação das consequências da sua aplicação, que se recorra à exceção. O rigor da lei deve encontrar limites, a partir do momento em que atinge um determinado grau de intensidade. É nesses casos que o legislador deve intervir com uma cláusula de rigor (cláusula anti-abuso), pelo menos se pretende ser reconhecido como legislador legítimo, justo ou, mais simplesmente, se pretende manter a coerência com as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade.

60.      O direito fiscal não é regulado por normas diferentes (58). O sistema fiscal, nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, está sujeito, para além do mais, a critérios de justiça, que procuram encontrar expressão em formulações válidas de maneira geral e abstrata. No entanto, é necessário estar consciente de que esta pretensão tem os seus próprios limites. Assim, a ideia, difundida e reconhecida, de que o exercício do poder fiscal não deve ter um alcance confiscatório pode, do mesmo modo, nortear a formulação geral da norma fiscal e inspirar as exceções, as cláusulas anti-abuso, com que a mesma pode eventualmente ser complementada.

61.      É nessa perspetiva que a importância dos métodos de interpretação adquire toda a sua relevância. De facto, é comummente admitido que qualquer exceção a uma norma deve ser objeto de uma interpretação estrita. Face às cláusulas anti-abuso, não podemos, contudo limitar-nos a essa única consideração. A sua interpretação impõe, pelo contrário, que nunca se perca de vista a sua finalidade, que está na própria origem da sua instituição pelo legislador. Qualquer interpretação de uma cláusula anti-abuso que se afastasse visivelmente da sua razão de ser conduziria a uma desvirtuação da mesma, privando-a, assim, de toda a sua legitimidade originária.

62.      Tendo o cuidado de recordar que é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete interpretar as disposições do seu direito nacional, pode ser razoável, no entanto, considerar que o mecanismo do limite máximo do ISF tem como objetivo atenuar o efeito potencialmente confiscatório do ISF, em harmonia com o artigo 1.° do Protocolo Adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (59), bem como, de forma mais geral, com as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros (60).

c)      Não exclusão dos rendimentos provenientes da União

63.      O terceiro elemento da legislação nacional que falta analisar é a inclusão dos rendimentos de origem comunitária, no cálculo do limite máximo do ISF.

64.      Como já salientei, o problema que o artigo 885.° V bis do CGI suscita à luz do direito da União é o facto de integrar, no cálculo do limite máximo, os rendimentos isentos dos sujeitos passivos. Este artigo toma em consideração, neste caso, a circunstância de determinados sujeitos passivos do ISF disporem de rendimentos que decorrem de uma relação de trabalho com uma instituição da União.

65.      O facto de os rendimentos de origem comunitária serem tomados em consideração ou, se se preferir, de não serem excluídos do cálculo do limite máximo pode, num certo número de casos, agravar a contribuição do sujeito passivo em sede de ISF (61). Mais exatamente, a tomada em consideração dos rendimentos de origem comunitária, ao aumentar o nível dos rendimentos considerados, resulta numa atenuação da eficácia do limite máximo que acarreta automaticamente um aumento da contribuição do ISF, sempre em proporção com o valor do património.

66.      É o único ponto em debate no âmbito do presente processo.

C —    A não exclusão dos rendimentos de origem comunitária do cálculo do limite máximo do ISF, à luz do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades.

1.      Consequências da não exclusão dos rendimentos provenientes da União

67.      Há que recordar, uma vez mais, que a não exclusão dos rendimentos de origem comunitária do cálculo do limite máximo do ISF pode implicar, num certo número de casos, a inativação ou a neutralização da cláusula anti-abuso tendo, como consequência indireta, um aumento da contribuição do sujeito passivo em sede de ISF. Embora esta circunstância não seja necessariamente suficiente, por si só, para considerar que o disposto no artigo 885.° V bis do CGI não é compatível com o artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, a mesma obriga, no entanto, a que se prossiga a análise a fim de assegurar que, apesar da sua natureza específica, o ISF não onera indiretamente os referidos rendimentos.

68.      Na realidade, com o seu pedido, M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury pretendem, na verdade, obter a aplicação a seu favor da cláusula anti-abuso, mas sem que na avaliação dos seus rendimentos sejam tomados em consideração os de origem comunitária. Este pedido é legítimo?

2.      Os dados que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça

69.      O ISF e o seu limite máximo distinguem-se claramente, sob dois aspetos, do dispositivo fiscal em causa no processo que deu lugar ao acórdão Humblet/Estado belga, já referido. Por um lado, recordando que o ISF constitui um sistema de tributação progressiva (62), os rendimentos de origem comunitária não são tomados em consideração para determinar a taxa do ISF aplicável. Por outro lado, e em consequência, embora o mecanismo do limite máximo possa, de facto, implicar uma contribuição de ISF mais onerosa dos funcionários e agentes da União, não se pode, por isso, considerar que os rendimentos dos referidos funcionários são tributados mais fortemente pelo simples facto de os mesmos receberem rendimentos de origem comunitária (63), dependendo esse aumento do valor relativo do conjunto dos rendimentos em relação ao património.

70.      Além disso, não se pode considerar, à luz do acórdão Comissão/Bélgica, já referido, relativo à contribuição predial retida na fonte (64) que o limite máximo do ISF tenha como resultado recusar o benefício de uma vantagem fiscal aos funcionários e agentes da União, nessa qualidade, isto é, ainda que os mesmos, por outro lado, preencham as condições que a legislação nacional exige para beneficiarem da mesma.

71.      Com efeito, não parece possível considerar — o que, no entanto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar — que a integração dos rendimentos de origem comunitária no cálculo do limite máximo tivesse, enquanto tal, especificamente como objetivo abranger a situação dos funcionários e agentes franceses da União (65).

72.      Assim, o exame do limite máximo do ISF, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não permite concluir que o mesmo é incompatível com o artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades. A referida jurisprudência poderia mesmo permitir entender que o artigo 885.° V bis do CGI não viola o referido artigo 13.°

73.      Portanto, o problema específico que o limite máximo do ISF suscita à luz do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, na realidade, nunca foi abordado até à data e, por conseguinte, exige uma resposta ad hoc do Tribunal de Justiça, em harmonia com a sua jurisprudência pertinente, que tome em consideração as particularidades do ISF e do mecanismo de limitação que o complementa.

3.      A não exclusão dos rendimentos provenientes da União enquanto elemento integrado numa cláusula anti-abuso

74.      Parece legítimo partir da hipótese de que o mecanismo de limitação só foi adotado como cláusula anti-abuso, isto é, com vista a evitar uma situação de injustiça, a atenuar o efeito potencialmente confiscatório do ISF. M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury parecem pedir, com base nas disposições do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, que os seus rendimentos comunitários não sejam integrados nos rendimentos tomados em consideração no cálculo do limite máximo do ISF. Ora, e na minha opinião, uma resposta positiva a esse pedido conduziria a uma desvirtuação da cláusula anti-abuso que o mecanismo de limitação representa esquecendo completamente as razões que conduziram à sua previsão legislativa.

75.      Se a cláusula para os casos de rigor fosse, assim, aplicada aos funcionários e agentes franceses cujos rendimentos provêm exclusivamente ou quase dos vencimentos, salários, emolumentos, pensões ou subsídios pagos pela União, o que pode acontecer muito frequentemente, daí resultaria que o património destes últimos ficaria praticamente fora do âmbito do ISF. Não existindo qualquer outro rendimento suscetível de ser integrado no cálculo do limite máximo, o montante do ISF tenderia a ultrapassar o limiar dos 85 %, tendo por consequência uma isenção do ISF para essa categoria de sujeitos passivos. Tal abordagem equivaleria tendencialmente a isentar os funcionários e agentes da União de qualquer imposição que incidisse, de uma forma ou de outra, sobre o seu património, tese que seria dificilmente defensável, dado que a mesma conduziria à desvirtuação do objetivo prosseguido por uma cláusula anti-abuso.

76.      Por conseguinte, considero que a integração dos rendimentos de origem comunitária no cálculo do limite máximo do ISF previsto no artigo 885.° V bis do CGI, não é contrária ao artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, na medida em que apresente as características e não prossiga outras finalidades para além das de uma cláusula anti-abuso, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

V —    Conclusão

77.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos:

«O artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição nacional como a que está em causa no litígio no processo principal, que prevê um mecanismo dito ‘de limitação’ do montante da contribuição devida a título do imposto sobre a fortuna (‘impôt de solidarité sur la fortune’), no âmbito do qual é tomado em consideração o conjunto dos rendimentos do sujeito passivo, incluindo os rendimentos de origem comunitária isentos de impostos nacionais que incidam sobre o rendimento, na medida em que o referido mecanismo apresente as características e não prossiga quaisquer outras finalidades para além das de uma cláusula anti-abuso, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      A seguir «Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades», que, depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, passou a ser o artigo 12.°, segundo parágrafo, do Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia.


3 —      Para uma apresentação geral, v., nomeadamente, Grosclaude, J., «Genèse et problématique», JurisClasseur Impôt sur la fortune, fasc. n.° 15.


4 —      Este imposto, instituído pelo artigo 2.° da Lei n.° 81-1160 de finanças para 1982, de 30 de dezembro de 1981 (JORF de 31 de dezembro de 1981, p. 3539), tinha sido revogado pela Lei n.° 86-824 de finanças retificativa para 1986, de 11 de julho de 1986 (JORF de 12 de julho de 1986, p. 8688), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1987.


5 —      Lei n.° 88-1149, de 23 de dezembro de 1988 (JORF de 28 de dezembro de 1988, p. 16320).


6 —      Disposição conforme resultava da Lei n.° 98-1266 de finanças para 1999, de 30 de dezembro de 1998 (JORF de 31 de dezembro de 1998, p. 20050), alterada pelo artigo 1.° do Decreto n.° 2009-389, de 7 de abril de 2009, relativo à inclusão, no Código Geral dos Impostos, de diversos textos que alteram e completam certas disposições desse código (JORF de 9 de abril de 2009, p. 6236).


7 —      Disposição conforme resultava do artigo 16.° da Lei n.° 98-1266, alterada pelo artigo 38.° da Lei n.° 2004-1485 de finanças retificativa para 2004, de 30 de dezembro de 2004 (JORF de 31 de dezembro de 2004, p. 22522). O artigo 885.° V bis do CGI foi, depois, revogado pela Lei n.° 2011-900 de finanças retificativa para 2011, de 29 de julho de 2011 (JORF de 30 de julho de 2011, p. 12969).


8 —      Recurso n.° H 09-11.174.


9 —      Esta disposição, cuja redação aplicável à data dos factos do litígio no processo principal remonta a 1 de julho de 1967, data de entrada em vigor do chamado Tratado «de Fusão», assinado em Bruxelas em 8 de abril de 1965, retoma o conteúdo das disposições idênticas dos artigos 12.° dos protocolos epónimos anexos, respetivamente, ao Tratado CEE e ao Tratado CEEA, assinados em Roma em 25 de março de 1957. O artigo 11.°, alínea b), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades anexo ao Tratado CECA, assinado em Paris em 18 de abril de 1951, estabelecia, igualmente, o princípio da isenção de qualquer imposto sobre os vencimentos e emolumentos pagos pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) aos membros da Alta Autoridade e aos funcionários desta última, mas sem prever a cobrança de um imposto comunitário. V., a este respeito, acórdão de 25 de fevereiro de 1969, Klomp (23/68, Recueil, p. 43, n.° 8).


10 —      As condições e o processo segundo os quais o referido imposto é determinado e cobrado são estabelecidos pelo Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 260/68 do Conselho, de 29 de fevereiro de 1968, que fixa as condições e o processo de aplicação do imposto estabelecido em proveito das Comunidades Europeias (JO L 56, p. 8; EE 01 F1 p.136). Foi, igualmente, com base no artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, que foi adotado, nomeadamente, o Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.° 3821/81 do Conselho, de 15 de dezembro de 1981, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, assim como o Regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades (JO L 386, p. 1; EE 01 F3 p. 114), que instituiu o imposto extraordinário de crise, em causa no processo que deu lugar ao acórdão de 3 de julho de 1985, Abrias e o./Comissão (3/83, Recueil, p. 1995).


11 —      Acórdão de 3 de julho de 1974, Brouerius van Nidek (7/74, Recueil, p. 757, n.° 10, Colet., p. 397). Nesse acórdão (n.° 11), o Tribunal de Justiça insiste na ideia de que a isenção de qualquer imposto nacional prevista no artigo 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, é uma consequência da cobrança de um imposto comunitário previsto no seu primeiro parágrafo, ideia essa que não podia, por definição, ser defendida sob o regime do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades CECA. V., igualmente, acórdão de 15 de setembro de 1981, Bruce of Donington (208/80, Recueil, p. 2205, n.° 11).


12 —      Acórdão de 3 de março de 1988, Comissão/BEI (85/86, Colet., p. 1281, n.° 23). V., igualmente, acórdão de 8 de setembro de 2005, AB (C-288/04, Colet., p. I-7837, n.° 27), no qual o Tribunal de Justiça declara que a atribuição das imunidades e dos privilégios necessários ao cumprimento da missão das instituições comunitárias com base em disposições de valor hierárquico superior, as do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, permite assegurar a sua «autonomia institucional e funcional».


13 —      No seu acórdão de 16 de dezembro de 1960, Humblet/Estado belga (6/60, Recueil, pp. 1125, 1156 e 1157, Colet.,1954-1961, p. 545), o Tribunal de Justiça já tinha sublinhado que o poder exclusivo da Comunidade para fixar o montante líquido dos vencimentos dos seus funcionários era indispensável para «reforçar a independência [dos seus] quadros administrativos […] face aos poderes nacionais» mas, também, para garantir a igualdade de tratamento dos funcionários de diferentes nacionalidades.


14 —      Acórdãos de 8 de fevereiro de 1968, Van Leeuwen (32/67, Recueil, p. 63, em especial, p. 71, Colet.,1965-1968, p. 755), e Brouerius van Nidek, já referido, n.° 11.


15 —      Formulação que não varia desde o acórdão de 24 de fevereiro de 1988, Comissão/Bélgica (260/86, Colet., p. 955, n.° 10); v., nomeadamente, acórdãos de 22 de março de 1990, Tither (C-333/88, Colet., p. I-1133, n.° 12), e de 25 de maio de 1993, Kristoffersen (C-263/91, Colet., p. I-2755, n.° 15).


16 —      Acórdão de 14 de outubro de 1999, Vander Zwalmen e Massart (C-229/98, Colet., p. I-7113, n.° 24).


17 —      No seu acórdão Humblet/Estado belga, já referido (em especial, p. 1148), que diz respeito ao artigo 11.°, alínea b), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades CECA e, portanto, proferido numa época em que o imposto comunitário sobre as remunerações dos funcionários CECA não existia, o Tribunal de Justiça tinha declarado que os privilégios e imunidades, entre os quais a isenção de impostos nacionais, sendo previstos no interesse público comunitário, eram, no entanto, concedidos diretamente àqueles e criavam um direito subjetivo em seu benefício.


18 —      Acórdão Brouerius van Nidek, já referido (n.° 12).


19 —      Acórdão de 22 de março de 2007, Comissão/Bélgica (C-437/04, Colet., p. I-2513, n.° 61).


20 —      Já referido.


21 —      Em especial, p. 1159.


22 —      Já referido.


23 —      Já referido.


24 —      Já referido.


25 —      Já referido.


26 —      Já referido.


27 —      N.° 12.


28 —      N.° 14.


29 —      V., nomeadamente, «Champ d’application», «Fait générateur», «Personnes imposables» em JurisClasseur Impôt sur la fortune, fasc. n.° 20.


30 —      As taxas aplicáveis eram escalonadas de 0,55% a 1,8% do valor líquido dos bens. Com a reforma que ocorreu em 2011, passaram a existir apenas duas taxas, 0,25% para um património de 1 300 000 a 3 000 000 euros, e, 0,50% para além deste valor.


31 —      Isto é, um valor superior a 720 000 euros entre o mês de março de 2002 e o mês de janeiro de 2005, a 732 000 euros entre o mês de janeiro de 2005 e o mês de janeiro de 2007 e a 760 000 euros entre o mês de janeiro de 2007 e o mês de abril de 2008.


32 —      V., nomeadamente, «Assiette de l’impôt», «Patrimoine à prendre en considération» em JurisClasseur Impôt sur la fortune, fasc. n.° 24.


33 —      A carga do ISF é, no entanto, atenuada, nomeadamente, por abatimentos, como o relativo à residência principal, e isenções totais ou parciais, designadamente as relativas aos bens profissionais, aos títulos de sociedades sujeitos a uma obrigação de conservação (v., a este respeito, Decisão n.° 2003-477 DC do Conseil constitutionnel, de 31 de julho de 2003, Lei para a iniciativa económica, Rec. p. 418, décimo primeiro a décimo sexto considerandos), mas também aos objetos de arte, antigos e de coleção, aos bosques e florestas, aos direitos de propriedade intelectual dos inventores e dos autores, ou ainda a determinadas rendas vitalícias. V., a este respeito, os vários fascículos do JurisClasseur Impôt sur la fortune.


34 —      As dívidas são deduzidas da matéria coletável do ISF, nas mesmas condições e limites que em matéria de impostos sucessórios.


35 —      V., a este respeito, a análise de Migaud, D., no Rapport d’information de l’Assemblée nationale n.° 1065, sur la fiscalité du patrimoine et de l’épargne (Relatório de informação da Assembleia Nacional, relativo à fiscalidade do património e da poupança), de 16 de julho de 1998, em especial, p. 35. O autor explica que a aposta social do ISF reside na vontade de assegurar uma maior equidade entre os contribuintes, na medida em que abrange as capacidades contributivas que a própria posse do património concede ao detentor do mesmo.


36 —      O Conseil constitutionnel considerou, a esse respeito que, na medida em que a sua matéria coletável não se limita a englobar apenas os bens geradores de rendimentos, o ISF era, não um imposto sobre o rendimento à luz do direito francês, mas, mais amplamente, um imposto que incide sobre «a capacidade contributiva que a detenção de um conjunto de bens e de direitos concede». V., Decisão n.° 2010-44 QPC, de 29 de setembro de 2010, Époux M., décimo primeiro considerando; Crouy-Chanel, E., e Le Bris, A.-S., «La décision n.° 2010-44 QPC du Conseil constitutionnel: réflexions sur la notion de faculté contributive», Revue de Droit fiscal, n.° 9, p. 230; Feldman, J.-Ph., Le Conseil constitutionnel et l’ISF. De l’égalité et de la progressivité de l’impôt, Dalloz, 2010, n.° 39, p. 2620; Decisão n.° 2010-99 QPC, de 11 de fevereiro de 2011, Laurence N., quinto considerando; Roemer, F., «Conformité à la Constitution du principe de la limitation du plafonnement de l’impôt sur la fortune», Semaine juridique édition Générale, 2011, n.° 15, p. 703.


37 —      Há que precisar que estava reservado às pessoas que têm o seu domicílio fiscal em França. A Comissão tinha iniciado formalmente um procedimento por infração contra a República Francesa a este respeito, encerrado em 27 de outubro de 2011 na sequência da reforma de 2011 que suprimiu o limite máximo. V. comunicado de imprensa da Comissão IP/10/1405, de 28 de outubro de 2010, «Fiscalidade direta: a Comissão Europeia pede à França que reveja duas medidas de limitação».


38 —      Previsto na Lei n.° 88-1149, de 23 de dezembro de 1988, que cria o ISF, o limite máximo foi inicialmente fixado em 70% dos rendimentos disponíveis, antes de ser aumentado para 85% pelo artigo 16.° da Lei n.° 90-1168 de finanças para 1991, de 29 de dezembro de 1990 (JORF de 30 de dezembro de 1990, p. 16367). O artigo 885.° V bis do CGI foi, depois, revogado pela Lei n.° 2011-900, concomitantemente com a alteração da tabela do imposto. V., a este respeito, Decisão n.° 2011-638 DC do Conseil constitutionnel, de 28 de julho de 2011, Lei de finanças retificativa para 2011 (JORF de 30 de julho de 2011, p. 13001, décimo oitavo considerando).


39 —      Sobre as modalidades concretas de cálculo do limite máximo, v. Thibault-Liger, J., «Tarif et liquidation de l’impôt», JurisClasseur Impôt sur la fortune, fasc. n.° 70.


40 —      Com salvaguarda da limitação do limite máximo. O artigo 885.° V bis do CGI prevê, ao mesmo tempo, um limite máximo do ISF e uma limitação do limite máximo do ISF. A limitação do limite máximo, instituída pela Lei n.° 95-1346 de finanças para 1996, de 30 de dezembro de 1995 (JORF de 31 de dezembro de 1995, p. 19030), já não está em causa no quadro do presente processo. O seu objetivo era evitar que o limite máximo fosse demasiado vantajoso, evitar que o contribuinte minimizasse os seus rendimentos com o fim de reduzir consideravelmente o imposto devido sobre um património de grande valor. V., a este respeito, por exemplo, Chenevoy-Gueriaud, M., «L’impôt de solidarité sur la fortune: une évolution inachevée», Revue de la recherche juridique Droit prospectif, 2006, n.° 3.


41 —      Sobre o cálculo do montante a ter em conta a esse respeito. V., confirmando a instrução administrativa 7 R-1-89, de 28 de abril de 1989 (BOI 7 R-1-89), Conseil d’État, 28 de fevereiro de 2007, petição n.° 292912, Lefoulon, e conclusões de Collin, Droit fiscal, 2007, n.° 43, comentário n.° 936.


42 —      Resulta do artigo 885.° V bis do CGI que os impostos pagos à União pelos seus funcionários e agentes são tomados em consideração para esse efeito.


43 —      Desde o ano de 1999.


44 —      O Conseil constitutionnel francês considerou, a esse respeito, que a fixação, pelo legislador, desse limiar de 85% não implicava, apesar da sua importância, qualquer rutura caracterizada da igualdade perante os encargos públicos, sublinhando que o mesmo tinha como objetivo criar um obstáculo a que os sujeitos passivos detentores dos patrimónios de maior valor ajustassem a sua situação privilegiando a detenção de bens que não gerassem nenhum rendimento tributável e, assim, limitar a vantagem que estes últimos obtêm do limite máximo. V. Decisão n.° 2010-99 QPC, de 11 de fevereiro de 2011, Laurence N., quinto considerando.


45 —      O legislador instituiu, posteriormente, um segundo mecanismo, o escudo fiscal, que reduziu consideravelmente o alcance do limite máximo, mas o mesmo não está em causa no presente processo e foi suprimido ao mesmo tempo que o limite máximo, pela Lei n.° 2011-900, já referida.


46 —      Consequência conhecida com o nome de «síndrome dos pescadores da Ilha de Ré», ilha na qual a pressão imobiliária colocou alguns agricultores detentores de um património considerável e, portanto, sujeitos ao ISF, na impossibilidade de cumprirem as suas obrigações por falta de rendimentos suficientes.


47 —      Sobre a lógica deste mecanismo, v. Chouvelon, Th., «Le plafonnement de l’ISF», Semaine juridique édition Notariale, 1993, n.os 51 e 52, pp. 684 a 687.


48 —      V., em especial, Migaud, D., Rapport d’information n.° 1065, já referido, no qual o autor precisa que «[a] justificação originária do limite máximo reside na vontade de eliminar toda a natureza confiscatória do imposto sobre o ativo líquido, em particular no caso dos sujeitos passivos que dispõem de um património gerador de uma reduzida rentabilidade, por exemplo quando é principalmente imobiliário, e que recebem rendimentos modestos».


49 —      Sobre este tema, v., nomeadamente, Turot, J., «Le caractère confiscatoire de l’ISF», Lettre des avocats conseils fiscaux 1999, n.° 66, p. 34; Maublanc, J.-P., «Le contribuable peut-il tenir en échec le caractère confiscatoire de l’ISF?», Actualité juridique: Droit immobilier, 2005, n.° 11, p. 823; Courrec du Pont, N., e Mercier, J.-Y., «Le plafonnement de l’ISF est-il bien conforme aux exigences constitutionnelles?», Semaine juridique édition Entreprises, 2008, n.os 17 e 18, p. 46.


50 —      Nesse sentido, Marini, Ph., L’impôt sur la fortune, rapport d’information, commission des finances du Sénat, n.° 351; Fribourg, M., «Impôt sur le revenu, impôt de solidarité sur la fortune et équité fiscale», n.° 177, in Conseil des prélèvements obligatoires,Prélèvements obligatoires sur les ménages: progressivité et effets redistributifs, maio, 2011.


51 —      Em especial, a Decisão n.° 81-133 DC, de 30 de dezembro de 1981, Lei de finanças para 1982 (Rec., p. 41, quarto a sétimo considerandos), que declarou o imposto sobre as grandes fortunas conforme com a Constituição. Embora, neste caso, o Conseil constitutionnel nunca tenha sido formalmente chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do limite máximo do ISF, enquanto tal, teve, no entanto, oportunidade de se pronunciar sobre o princípio da limitação do imposto, neste caso, o do escudo fiscal, em termos que vale a pena citar. Considerou, assim, que «a exigência resultante do artigo 13.° da Declaração de 1789 não seria respeitada se o imposto revestisse natureza confiscatória ou fizesse pesar sobre uma categoria de contribuintes um encargo excessivo em relação às suas capacidades contributivas» e que «portanto, no seu princípio, a limitação da parte dos rendimentos de um agregado fiscal sujeito ao pagamento de impostos diretos, longe de violar a igualdade perante o imposto, destina-se a evitar uma rutura caracterizada da igualdade perante os encargos públicos»; v. Decisão n.° 2007-555 DC, de 16 de agosto de 2007, Lei de promoção do trabalho, do emprego e do poder de compra (Rec., p. 310, vigésimo quarto considerando), bem como Decisão n.° 2005-530 DC, de 29 de dezembro de 2005, Lei de finanças para 2006 (Rec., p. 168, sexagésimo quinto e sexagésimo sexto considerandos). Na sua recente decisão relativa à Lei de finanças retificativa para 2011 (Decisão n.° 2011-638 DC, já referida, décimo oitavo considerando), que, nomeadamente, suprimiu o limite máximo do ISF previsto no artigo 885.° V bis do CGI e alterou a tabela do ISF, o Conseil constitutionnel decidiu que a redução da progressividade do ISF resultante da alteração da tabela criticada pelos autores do recurso era conforme com a Constituição. O mesmo considerou, a esse respeito, que, ao alterar a tabela do ISF, o legislador tinha «pretendido evitar que a supressão simultânea do limite máximo previsto no artigo 885.° V bis do [CGI] e [do escudo fiscal] conduzisse a fazer recair sobre uma categoria de contribuintes um encargo excessivo em relação às suas capacidades contributivas».


52 —      V., nomeadamente, Eveillard, G., «L’exigence de critères objectifs et rationnels dans le contrôle de l’égalité devant l’impôt par le Conseil constitutionnel», Les Petites Affiches, 26 de janeiro de 2000, p. 8; Castagnède, B., «Le contrôle constitutionnel d’égalité fiscale», Les Petites Affiches, 1 de maio de 2001, p. 4; Mastor, W., L’impôt de solidarité sur la fortune à l’épreuve de la Constitution, Dalloz, 2005, p. 1257; Frank, A., «Les critères objectifs et rationnels dans le contrôle constitutionnel de l’égalité», Revue du droit public, 2009, p. 77; Dussart, M.-L., «Les choix de politiques fiscales du législateur, l’égalité devant les charges publiques et le pouvoir d’appréciation du juge constitutionnel», Revue du droit public, 2010, p. 1003; Montgolfier, J.-F., «Le conseil constitutionnel et la propriété privée des personnes privées», Nouveaux cahiers du Conseil constitutionnel, 2011, p. 35; Fouquet, O., «Le Conseil constitutionnel et le principe d’égalité devant l’impôt», Nouveaux cahiers du Conseil constitutionnel, 2011, p. 7.


53 —      No que diz respeito à jurisprudência da Cour de cassation, v., nomeadamente, Albert, J.-L., La Cour de cassation et l’impôt de solidarité sur la fortune: conséquences et inconséquence, Dalloz, 2005, n.° 25, p. 1659; Mercier, J.-Y., «L’ISF est-il spoliateur? Une réponse négative de la Cour de cassation», Bulletin de gestion fiscale des entreprises, 2005, n.° 2, p. 25; Quilici, S., «ISF et caractère confiscatoire: choix de gestion n’est pas raison», Semaine juridique édition Entreprises, 2009, n.° 42. V., em especial, Cour de cassation, chambre commerciale, acórdão de 4 de outubro de 2011, petição n.° 10-18.601, Alain Y e X., que remete para as Decisões do Conseil constitutionnel n.° 2010-44 QPC e n.° 2010-99 QPC, já referidas, que declaram, respetivamente, conformes com a Constituição os artigos 885.° E e 885.° V bis do CGI.


54 —      V. nota 48 das presentes conclusões.


55 —      V., por analogia, acórdão Vander Zwalmen e Massart, já referido (n.os 28 e 29).


56 —      O termo «cláusula de rigor» é aqui empregado como tradução de «Härteklausel», em língua alemã, de «hardship clause» em língua inglesa. V., a este respeito, Pernice, I., Billigkeit und Härteklausel im öffentlichen Recht, Nomos, 1991; Lücke, J., Die (Un-) Zumutbarkeit als allgemeine Grenze öffentlich-rechtlicher Pflichten des Bürgers, Duncker & Humblot, 1973.


57 —      Por exemplo, Guillod, O., «La clause de dureté dans quelques législations européennes sur le divorce», Revue internationale de droit comparé, 1983, vol. 3, n.° 4, p. 787; Fouletier, M., Recherches sur l’équité en droit public français, LGDJ, 2003, em particular, pp. 44 e segs.; Philip, L., «Solidarité et politique fiscale», in Béguin, J.-C., Charlot, P., e Laidié, Y., La solidarité en droit public, L’Harmattan, 2005, p. 241; Almeida Prado, M., Le hardship dans le droit du commerce international, Bruylant et Forum Européen de la Communication, Bruxelas e Paris, 2003.


58 —      Isensee, J., Das Billigkeitskorrektiv des Steuergesetzes. Rechtfertigung und Reichweite des Steuererlasses im Rechtssystem des Grundgesetzes,in Festschrift für Werner Flume, vol. 2, 1978, p. 129.


59 —      O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teve, por outro lado, oportunidade de declarar que as modalidades de aplicação do ISF, e, nomeadamente, a aplicação de a regra do limite máximo e a determinação da matéria coletável que serve para o cálculo do mesmo estavam incluídos na margem de apreciação que é reconhecida ao Estado no âmbito da execução da sua política fiscal. V. Decisão de 4 de janeiro de 2008, petições n.os 25834/05 e 27815/05, Époux Imbert de Tremiolles c. França, p. 11; Van Brustem, E.-J., L’ISF et la notion d’impôt confiscatoire sous l’angle de l’article 1er du protocole n.° 1 de la Convention européenne des droits de l’homme, Droit fiscal 2008, n.° 15, pp. 33 a 38. V., igualmente, mais amplamente, Comissão Europeia dos Direitos do Homem, Decisão de 14 de dezembro de 1988, Liv Ömsesidigt, Försäkringsbolaget Valands Pensionsstiftelse et un groupe d’environ 15 000 personnes e Suécia, petição n.° 13013/87, D. R. n.° 58, p. 191; TEDH, acórdão Buffalo Srl (em liquidação) c. Itália de 3 de julho de 2003, petição n.° 38746/97, § 32.


60 —      Há que sublinhar que o Tribunal constitucional alemão declarou inconstitucional o imposto sobre a fortuna alemão pelo facto de não ter um mecanismo de limitação desse tipo. V., a este respeito, Grosclaude, J., De l’inconstitutionnalité de l’imposition de la fortune en Allemagne et en France, Droit fiscal, 2002, n.° 24, p. 879.


61 —      Foi, note-se, precisamente o que a Cour d’appel de Versailles constatou no seu acórdão de 27 de novembro de 2008, para concluir que a cobrança do ISF relativo ao ano de 2005 tinha onerado indiretamente os rendimentos de origem comunitária de M. Bourgès-Maunoury e M.-L. Bourgès-Maunoury, e o que a Cour de cassation confirmou no seu acórdão de 19 de janeiro de 2010. V. n.os 19 a 21 das presentes conclusões.


62 —      A reforma de 2011 suprimiu ao mesmo tempo o mecanismo de limitação e a tabela progressiva.


63 —      V., a este respeito, acórdão Humblet/Estado belga, já referido (em particular, p. 1160).


64 —      Igualmente, à luz do acórdão Vander Zwalmen e Masart, já referido (n.° 26).


65 —      Embora o limite máximo do ISF tenha sido previsto desde o início, a inclusão dos rendimentos isentos no cálculo do limite máximo só ocorreu com a Lei de finanças para 1999, já referida. A esse respeito, deve insistir-se no facto de, como resulta dos debates parlamentares, a tomada em consideração dos rendimentos isentos de impostos ter sido motivada, principalmente, por considerações internas, alheias a qualquer vontade de abranger os rendimentos comunitários isentos, ainda que essa circunstância não possa ser considerada decisiva para efeitos de responder à questão prejudicial. V. Migaud, D., Rapport n.° 1078, elaborado em nome da comissão de finanças, da economia geral e do plano sobre o projeto de lei de finanças para 1999, tomo II, em particular a apresentação do artigo 11.° do projeto de lei.