ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
6 de setembro de 2012 (*)
«Liberdade de estabelecimento — Legislação fiscal — Imposto sobre as sociedades — Dedução fiscal — Legislação nacional que exclui a transferência das perdas realizadas em território nacional por um estabelecimento não residente de uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro para uma sociedade do mesmo grupo estabelecida em território nacional»
No processo C-18/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) (Reino Unido), por decisão de 17 de dezembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2011, no processo
The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs
contra
Philips Electronics UK Ltd,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: J.-C. Bonichot (relator), presidente de secção, A. Prechal, K. Schiemann, L. Bay Larsen e E. Jarašiūnas, juízes,
advogado-geral: J. Kokott,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 16 de fevereiro de 2012,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação da Philips Electronics UK Ltd, por D. Milne, QC, e D. Jowell, barrister,
¾ em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, na qualidade de agente, assistido por K. Bacon, barrister,
¾ em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,
¾ em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls e R. Lyal, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 19 de abril de 2012,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 43.° CE e 48.° CE.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Philips Electronics UK Ltd (a seguir «Philips Electronics UK») aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs a respeito da aplicação da legislação relativa à dedução de grupo atribuída a certas sociedades membros de um consórcio.
Quadro jurídico nacional
3 A Lei de 1988 relativa aos impostos sobre o rendimento e as sociedades (Income and Corporation Taxes Act 1988), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «ICTA»), dispõe na sua section 402:
«1. Em conformidade com o disposto no presente capítulo e na section 492(8), as deduções pelos prejuízos comerciais e os outros montantes elegíveis para dedução do imposto sobre as sociedades podem, nas situações previstas nas subsections seguintes (2) e (3), ser cedidos por uma sociedade (a ‘sociedade cedente’) e, a pedido de outra sociedade (a ‘sociedade requerente’), ser atribuídos a esta sob a forma de dedução do imposto sobre as sociedades, designada ‘dedução de grupo’.
[…]
3. A dedução de grupo é igualmente possível entre uma sociedade cedente e uma sociedade requerente [...] quando uma delas pertença a um grupo de sociedades e a outra seja detida por um consórcio e uma outra sociedade pertença ao grupo e ao consórcio. Um pedido feito ao abrigo desta subsection é designado ‘pedido de consórcio’.
3A. A dedução de grupo só é possível se a sociedade cedente e a sociedade requerente preencherem ambas a seguinte condição.
3B. A condição é que a sociedade seja residente no Reino Unido ou exerça uma atividade comercial no Reino Unido por intermédio de um estabelecimento estável.
[…]
6. Os montantes pagos em contrapartida de uma dedução de grupo:
a) não serão tidos em conta no cálculo dos lucros e das perdas de cada uma das sociedades, para efeitos do cálculo da base tributável do imposto sobre as sociedades, e
b) não podem ser considerados uma distribuição ou uma despesa dedutível, para efeitos dos [Corporation Tax Acts],
entendendo-se por ‘montantes pagos em contrapartida de um desagravamento de grupo’, invocados na presente subsection, os montantes pagos pela sociedade requerente à sociedade cedente em aplicação de um acordo entre elas, a título de um montante cedido no âmbito de uma dedução de grupo, não excedendo os referidos montantes a referida quantia.»
4 A section 403D do ICTA dispõe:
«1. Ao determinar, para efeitos do presente capítulo, os montantes dos prejuízos relativos a qualquer exercício contabilístico, bem como outros montantes suscetíveis de cessão sob forma de dedução de grupo por uma sociedade não residente, nenhum desses prejuízos ou desses outros montantes deve ser considerado suscetível de cessão exceto na medida em que:
a) sejam imputáveis a atividades dessa sociedade que tenham gerado rendimentos e ganhos nesse exercício que sejam ou seriam (eventualmente) tidos em conta para calcular os lucros tributáveis da sociedade correspondentes a esse exercício para efeitos de imposto sobre as sociedades,
b) não sejam imputáveis a atividades da empresa que tenham sido declaradas isentas do imposto sobre as sociedades por efeito de acordos de dupla tributação, e
[…]
i) nenhuma parte dos prejuízos ou outros montantes, ou
ii) dos montantes tidos em conta no seu cálculo,
corresponda ou esteja representada em qualquer montante que, para efeitos de um imposto estrangeiro, seja (em qualquer exercício) dedutível dos lucros ou de outra forma imputável nos lucros realizados fora do Reino Unido [‘non-UK profits’] pela sociedade ou por outra pessoa.
[…]
3. Na presente section, ‘lucros realizados fora do Reino Unido’ [‘non-UK profits’], independentemente da pessoa a que se referem, dizem respeito a montantes que:
a) sejam considerados, para fins de um imposto estrangeiro, como o montante dos lucros, rendimentos ou ganhos sobre o qual (após eventuais deduções) essa pessoa é tributada, e
b) não sejam montantes que correspondam ou estejam representados nos lucros totais (dessa ou de outra pessoa) relativos a qualquer exercício contabilístico,
nem tidos em conta no cálculo dos anteriores montantes.
[…]
6. Para efeitos da presente section, não será tida em conta a legislação de um país que não seja o Reino Unido [da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte] que, para os fins de um imposto estrangeiro, faça depender a dedutibilidade de um montante da questão de saber se esse montante é ou não fiscalmente dedutível no Reino Unido.
[...]»
5 A section 406(2) do ICTA dispõe ainda:
«Em conformidade com as subsections (3) e (4) seguintes, uma vez que a sociedade de ligação pode (independentemente de qualquer perda de lucros) apresentar um pedido de consórcio para as perdas comerciais ou outra quantia dedutível de um exercício contabilístico de uma sociedade membro do consórcio, um membro do grupo pode apresentar qualquer pedido de consórcio que poderia ter sido apresentado pela sociedade de ligação. Quando a sociedade requerente é um membro do grupo, a fração pertinente para os efeitos da section 403C será idêntica à fração que seria aplicada se a sociedade requerente fosse a sociedade de ligação.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
6 A Philips Electronics UK é uma sociedade que tem a sua residência fiscal no Reino Unido. Pertence ao grupo Philips, cuja sociedade-mãe tem sede nos Países Baixos. Esta última constituiu com um grupo sul-coreano, a LG Electronics, uma empresa comum. Esta empresa comum dispõe de uma filial neerlandesa, a LG Philips Displays Netherlands BV (a seguir «LG.PD Netherlands»), que tem um estabelecimento estável no Reino Unido.
7 A Philips Electronics UK procurou imputar aos seus próprios lucros uma parte das perdas sofridas pelo estabelecimento estável estabelecido no Reino Unido da LG.PD Netherlands nos exercícios de 2001 a 2004.
8 O seu pedido foi indeferido pelas autoridades fiscais do Reino Unido pelo facto de que, nomeadamente, as perdas da LG.PD Netherlands podiam ser imputadas aos lucros desta última nos Países Baixos. Este motivo foi também contestado no First-tier Tribunal (Tax Chamber).
9 O First-tier Tribunal (Tax Chamber) deu razão à Philips Electronics UK. As autoridades fiscais do Reino Unido recorreram então para o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber).
10 O Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Quando um Estado-Membro (como o Reino Unido) inclui na matéria coletável os lucros e os prejuízos de uma sociedade constituída e com residência fiscal noutro Estado-Membro (como os Países Baixos) até ao limite dos lucros imputáveis à atividade exercida no Reino Unido pela sociedade neerlandesa, através de um estabelecimento estável no Reino Unido, o facto de o Reino Unido se opor à transferência, sob a forma de dedução de grupo e para uma sociedade estabelecida no Reino Unido, dos prejuízos sofridos no Reino Unido pelo estabelecimento estável no Reino Unido de uma sociedade não residente no Reino Unido, num contexto no qual a totalidade ou parte desses prejuízos ou qualquer montante tido em conta para calcular estes últimos ‘corresponde a ou é representado por uma quantia que, para efeitos de um imposto estrangeiro, é (em qualquer período) dedutível ou imputável nos lucros realizados fora do Reino Unido ['non-UK profits'] pela sociedade ou por outra pessoa’, ou seja, o facto de apenas permitir a transferência dos prejuízos sofridos no Reino Unido por um estabelecimento estável no Reino Unido quando não haja dúvida de que, à data do pedido, nenhuma dedução ou imputação desses prejuízos é, em momento algum, possível num Estado diferente do Reino Unido (inclusive noutro Estado-Membro, como os Países Baixos), precisando-se que não basta que a dedução possível fora do Reino Unido não tenha sido efetivamente pedida, e em circunstâncias nas quais não existe uma condição equivalente aplicável à transferência dos prejuízos sofridos no Reino Unido por uma sociedade que tem aí residência fiscal, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento no Reino Unido de que goza qualquer nacional de um Estado-Membro nos termos do artigo 49.° TFUE (ex-artigo 43.° CE)?
2) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a restrição pode justificar-se:
a) unicamente com base na necessidade de evitar a dupla utilização dos prejuízos; ou
b) unicamente com base na necessidade de preservar a repartição equilibrada dos poderes fiscais entre os Estados-Membros; ou
c) com base na necessidade de preservar a repartição equilibrada dos poderes fiscais entre os Estados-Membros bem como na necessidade de evitar a dupla utilização dos prejuízos?
3) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a restrição é proporcionada a essa justificação ou justificações?
4) Se as restrições aos direitos da sociedade dos Países Baixos não forem justificadas ou se essas restrições não forem proporcionadas às justificações, o direito da União […] impõe ao Reino Unido que proporcione à sociedade do Reino Unido uma solução, como o direito de pedir uma dedução de grupo a imputar nos seus lucros?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
11 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro o facto de uma legislação nacional submeter a uma condição relativa à impossibilidade de utilizar as perdas, para os efeitos de um imposto estrangeiro, a possibilidade de transferir para uma sociedade residente, através de uma dedução de grupo, as perdas sofridas pelo estabelecimento estável nesse Estado-Membro de uma sociedade não residente, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
12 A liberdade de estabelecimento, que o artigo 43.° CE reconhece aos nacionais da União e que inclui o acesso destes às atividades não assalariadas e o exercício das mesmas, bem como a constituição e gestão de empresas nas mesmas condições que as definidas pela legislação do Estado-Membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais, inclui, em conformidade com o artigo 48.° CE, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento no interior da União Europeia, o direito de exercer a sua atividade no Estado-Membro em causa por intermédio de uma filial, de uma sucursal, ou de uma agência (acórdãos de 21 de setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colet., p. I-6161, n.° 35, e de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colet., p. I-10837, n.° 30).
13 Dado que o artigo 43.°, primeiro parágrafo, segundo período, CE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades noutro Estado-Membro, essa livre escolha não deve ser limitada por disposições fiscais discriminatórias (acórdão de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colet., p. 273, n.° 22).
14 A liberdade de escolher a forma jurídica apropriada para o exercício de atividades noutro Estado-Membro tem assim, nomeadamente, por objetivo permitir às sociedades com sede num Estado-Membro abrir uma sucursal noutro Estado-Membro para aí exercerem as suas atividades, em condições idênticas às que são aplicáveis às filiais (acórdão de 23 de fevereiro de 2006, CLT-UFA, C-253/03, Colet., p. I-1831, n.° 15).
15 A este respeito, uma legislação como a que está em causa no processo principal submete a certas condições a possibilidade de transferir para uma sociedade residente, através de uma dedução de grupo, as perdas sofridas pelo estabelecimento estável, nesse Estado-Membro, de uma sociedade não residente, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
16 Tal diferença de tratamento torna menos atrativa, para as sociedades com sede noutros Estados-Membros, o exercício da liberdade de estabelecimento por intermédio de um estabelecimento estável. Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal limita a liberdade de escolher a forma jurídica apropriada para o exercício de atividades noutro Estado-Membro.
17 Para ser compatível com as disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento, tal diferença de tratamento tem de respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 167). A comparabilidade de uma situação comunitária com uma situação interna deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, X Holding, C-337/08, Colet., p. I-1215, n.° 22).
18 O Reino Unido sustenta que a situação de uma sociedade não residente que disponha apenas de um estabelecimento estável em território nacional, que só é tributável até ao montante do lucro gerado neste último território e imputável a este estabelecimento estável, não é comparável à de uma sociedade residente, que pode de resto ser a filial de uma sociedade-mãe não residente, e que é tributável relativamente a todos os seus rendimentos.
19 Esta análise não pode ser acolhida. Com efeito, a situação de uma sociedade não residente que disponha apenas de um estabelecimento estável em território nacional e a de uma sociedade residente são, à luz do objetivo de um regime fiscal como o que está em causa no processo principal, objetivamente comparáveis na medida em que se trate da possibilidade de transferir, através de uma dedução de grupo, as perdas sofridas no Reino Unido para outra sociedade desse grupo.
20 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro o facto de uma legislação nacional submeter a possibilidade de transferir, através de uma dedução de grupo, para uma sociedade residente, as perdas sofridas pelo estabelecimento estável nesse Estado-Membro da sociedade não residente à condição de não ser possível utilizar essas perdas para os efeitos de um imposto estrangeiro, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
Quanto à segunda questão
21 Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, resultantes do objetivo de evitar a dupla tomada em consideração das perdas, da preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros ou da combinação de ambos os motivos.
22 Resulta de jurisprudência constante que uma restrição à liberdade de estabelecimento é admissível caso se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, nessa hipótese, que a restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo em causa e que não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 35).
23 Tratando-se, em primeiro lugar, da preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados-Membros, há que recordar que este é um objetivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C-371/10, Colet., p. I-12273, n.° 45).
24 Este objetivo, como o Tribunal de Justiça observou, tem designadamente por objeto salvaguardar a simetria entre o direito de tributação dos lucros e a faculdade de dedução das perdas (v. acórdão de 15 de maio de 2008, Lidl Belgium, C-414/06, Colet., p. I-3601, n.° 33).
25 Todavia, numa situação como a que está em causa no processo principal, o poder de tributação do Estado-Membro de acolhimento, no território do qual se exerce a atividade económica na origem das perdas do estabelecimento estável, não é de modo algum afetado pela possibilidade que haveria de transferir para uma sociedade residente, através de uma dedução de grupo, as perdas sofridas por um estabelecimento estável que está situado no seu território.
26 Esta situação deve ser distinguida daquela em que estaria em causa a possibilidade de tomar em conta as perdas sofridas noutro Estado-Membro e que, nessa medida, estaria relacionada com o poder de tributação deste último, e na qual a simetria entre o direito de tributação dos lucros e a faculdade de dedução das perdas não seria salvaguardada. Com efeito, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que está em questão transferir para uma sociedade residente as perdas sofridas por um estabelecimento estável situado no território do mesmo Estado-Membro, o poder de tributação deste último sobre os eventuais lucros resultantes da atividade, no seu território, do estabelecimento estável não é afetado.
27 Daqui resulta que o Estado-Membro de acolhimento, no território do qual se exerce a atividade económica na origem das perdas do estabelecimento estável, não pode invocar, numa situação como a que está em causa no processo principal, o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados-Membros para justificar o facto de a sua legislação nacional submeter à condição de ser impossível utilizar as perdas para os efeitos de um imposto estrangeiro a possibilidade de transferir para uma sociedade residente, através de uma dedução de grupo, as perdas sofridas por um estabelecimento estável nesse Estado-Membro de uma sociedade não residente, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
28 Tratando-se, em segundo lugar, do objetivo de evitar a dupla tomada em consideração das perdas, há que referir que, ainda que se admita que esse motivo possa ser invocado de forma autónoma, ele não pode, em todo o caso, ser tido em conta num caso como o do processo principal, a fim de justificar a legislação nacional do Estado-Membro de acolhimento.
29 Com efeito, o litígio no processo principal tem por objeto a possibilidade, para o Estado-Membro de acolhimento, de submeter a certas condições a possibilidade de transferir para uma sociedade residente, através de uma dedução de grupo, perdas sofridas pelo estabelecimento estável situado nesse Estado-Membro de uma sociedade não residente, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
30 Em tal caso, o risco de as perdas serem tidas em conta no Estado-Membro de acolhimento em que o estabelecimento estável está situado e de que o sejam igualmente no Estado-Membro onde a sociedade não residente tem a sua sede não tem influência no poder de tributação do Estado-Membro em que o estabelecimento estável está situado.
31 Como observou a advogada-geral nos n.os 49 e seguintes das suas conclusões, as perdas transferidas pelo estabelecimento estável no Reino Unido da LG.PD Netherlands para a Philips Electronics UK, que é uma sociedade residente estabelecida no Reino Unido, podem ser relacionadas, em todo o caso, com o poder de tributação do Reino Unido. Este poder de tributação não é, de modo algum, posto em causa pela circunstância de as perdas transferidas poderem ser, se for caso disso, igualmente tidas em conta nos Países Baixos.
32 Assim, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o objetivo de evitar o risco de dupla tomada em consideração das perdas não pode, enquanto tal, autorizar o Estado-Membro onde o estabelecimento estável está situado a excluir a tomada em consideração das perdas pelo motivo de estas poderem ser utilizadas no Estado-Membro onde a sociedade não residente tem a sua sede.
33 O Estado-Membro de acolhimento, no território do qual o estabelecimento estável está situado, não pode por isso, a fim de justificar a sua legislação numa situação como a que está em causa no processo principal e em qualquer caso, invocar de modo autónomo o risco de dupla tomada em consideração das perdas.
34 O mesmo é válido, e pelos motivos expostos nos n.os 23 a 33 do presente acórdão, relativamente a uma combinação dos objetivos de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros e obstar à dupla tomada em consideração das perdas.
35 Resulta do exposto que há que responder à segunda questão que uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral resultantes do objetivo de obstar à dupla tomada em consideração das perdas, da preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros ou da combinação destes dois motivos.
Quanto à terceira questão
36 Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à terceira questão.
Quanto à quarta questão
37 Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, quais são as consequências que deve retirar da resposta dada à segunda questão.
38 Resulta de jurisprudência assente que qualquer juiz nacional tem, no âmbito da sua competência enquanto órgão de um Estado-Membro, a obrigação, por força do princípio da cooperação consagrado no artigo 10.° CE, de aplicar integralmente o direito da União diretamente aplicável e de proteger os direitos que este confere aos particulares, não aplicando nenhuma disposição eventualmente contrária da lei nacional, seja ela anterior ou posterior à norma do direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colet., p. 243, n.os 16 e 21, e de 19 de junho de 1990, Factortame e o., C-213/89, Colet., p. I-2433, n.° 19).
39 No caso em apreço, é irrelevante a este propósito a circunstância de não ser o contribuinte, a sociedade estabelecida no Reino Unido, que viu a sua liberdade de estabelecimento restringida de forma injustificada, mas a sociedade não residente que tem no Reino Unido um estabelecimento estável. Para ser efetiva, a liberdade de estabelecimento deve igualmente implicar, numa situação como a que está em causa no processo principal, a possibilidade de o contribuinte beneficiar da dedução de grupo imputável aos seus lucros.
40 Por conseguinte, há que responder à quarta questão que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o juiz nacional não deve aplicar qualquer disposição da lei nacional contrária ao artigo 43.° CE.
Quanto às despesas
41 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
1) O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro o facto de uma legislação nacional submeter a possibilidade de transferir, através de uma dedução de grupo, para uma sociedade residente, as perdas sofridas pelo estabelecimento estável nesse Estado-Membro da sociedade não residente à condição de não ser possível utilizar essas perdas para os efeitos de um imposto estrangeiro, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado-Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.
2) Uma restrição à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral resultantes do objetivo de obstar à dupla tomada em consideração das perdas, da preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros ou da combinação destes dois motivos.
3) Numa situação como a que está em causa no processo principal, o juiz nacional não deve aplicar qualquer disposição da lei nacional contrária ao artigo 43.° CE.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.