Processo C-25/11
Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA
contra
Fazenda Pública
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo)
«Fiscalidade ― Sexta Diretiva IVA ― Dedução do imposto pago a montante ― Artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° ― ‘Subvenções’ utilizadas para aquisição de bens e de serviços ― Limitação do direito a dedução»
Sumário do acórdão
1. Questões prejudiciais ― Admissibilidade ― Necessidade de fornecer ao Tribunal de Justiça precisões suficientes sobre o contexto factual e legal ― Alcance
(Artigo 267.° TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 23.°)
2. Disposições fiscais ― Harmonização das legislações ― Impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ― Dedução do imposto pago a montante ― limitações do direito a dedução ― Subvenções
(Diretiva 77/388 do Conselho, artigos 17.°, n.os 2 e 5, 19.°)
1. As informações que devem ser fornecidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma decisão de reenvio prejudicial, estas informações não se destinam apenas a permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, devendo igualmente dar aos governos dos Estados-Membros e aos outros interessados a possibilidade de apresentar observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Para esse efeito, é necessário que o juiz nacional defina o quadro factual e regulamentar no qual se inserem as questões que coloca, ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que se baseiam essas questões.
Assim, quando os elementos de informação fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio são suficientes para expor o objeto do litígio no processo principal e as principais implicações deste para a ordem jurídica da União, bem como para permitir não só que os Estados-Membros apresentem as suas observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e participem eficazmente no processo neste intentado mas também que o Tribunal de Justiça forneça uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível.
(cf. n.os 30-31)
2. Os artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-Membro, quando autoriza os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução prevista nas referidas disposições, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços, calcule o montante dedutível, para os setores em que esses sujeitos passivos apenas efetuem operações tributáveis, incluindo as «subvenções» não tributáveis no denominador da fração que serve para determinar o pro rata de dedução.
Visto o sujeito passivo ter sido autorizado a efetuar a dedução segundo o método da afetação real, as disposições do artigo 19.° da Sexta Diretiva não são aplicáveis e não podem, assim, limitar o direito a dedução nos referidos setores, conforme esse direito resulta desta diretiva.
(cf. n.os 42-43 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)
16 de fevereiro de 2012 (*)
«Fiscalidade ― Sexta Diretiva IVA ― Dedução do imposto pago a montante ― Artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° ― ‘Subvenções’ utilizadas para aquisição de bens e de serviços ― Limitação do direito a dedução»
No processo C-25/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 10 de novembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de janeiro de 2011, no processo
Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA
contra
Fazenda Pública,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),
composto por: A. Prechal, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,
advogado-geral: E. Sharpston,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação da Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA, por A. Jacinto e M. Brás, advogados,
¾ em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,
¾ em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso que opõe a Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA (a seguir «Varzim Sol»), à Fazenda Pública, a propósito de liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») e de juros de mora relativos aos anos de 2002 a 2004.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva sujeita a IVA «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» e as «importações de bens».
4 O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), desta diretiva tem a seguinte formulação:
«No território do país
1. A matéria coletável é constituída:
a) No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações;».
5 O artigo 17.° da Sexta Diretiva, que regula a origem e o âmbito do direito a dedução, dispõe, nos seus n.os 2 e 5:
«2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O [IVA] devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;
b) O [IVA] devido ou pago em relação a bens importados;
c) O [IVA] devido nos termos do n.° 7, alínea a), do artigo 5.° e do n.° 3 do artigo 6.°
[...]
5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do [IVA] proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.
Todavia, os Estados-Membros podem:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses setores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não se tome em consideração o [IVA] que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.
[...]»
6 O artigo 19.° da referida diretiva, que estabelece as regras aplicáveis ao cálculo do pro rata de dedução, enuncia, no seu n.° 1, que:
«O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fração que inclui:
¾ no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;
¾ no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°
O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.»
Direito nacional
7 O artigo 23.° do Código do IVA estabelece que:
«1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.
2. Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3. A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4. A percentagem de dedução referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
[...]»
8 As sociedades que beneficiam de uma concessão para a exploração dos jogos de fortuna ou azar numa zona de jogo estão, nomeadamente, sujeitas às disposições do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de dezembro de 1989, conforme alterado. O artigo 16.° deste decreto-lei dispõe que:
«1. Sem prejuízo de outras obrigações constantes do presente diploma, de legislação complementar e dos respetivos contratos de concessão, as concessionárias obrigam-se a:
[...]
b) Fazer executar regularmente no casino, nas dependências para tal destinadas, programas de animação de bom nível artístico;
c) Promover e organizar manifestações turísticas, culturais e desportivas, colaborar nas iniciativas oficiais de idêntica natureza que tiverem por objeto fomentar o turismo na respetiva zona de jogo e subsidiar ou realizar [...] a promoção da zona de jogo no estrangeiro.
2. Para cumprimento das obrigações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a concessionária deverá afetar uma verba não inferior a 3% das receitas brutas do jogo apuradas no ano anterior ou, no primeiro ano das concessões, no ano em causa, não podendo a verba afeta ao cumprimento das obrigações previstas em cada uma daquelas alíneas ser inferior a 1% de tais receitas.»
9 O regime contratual das concessões de exploração de jogos de fortuna ou azar nas zonas de jogo foi alterado pelo Decreto-Lei n.° 275/2001, de 17 de outubro de 2001. O artigo 2.°, n.° 4, deste decreto-lei prevê que:
«As contrapartidas anuais a que continuam obrigadas as concessionárias das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril e Póvoa de Varzim não podem ser inferiores aos valores indicados no mapa anexo [...]»
10 O artigo 5.° do referido decreto-lei, relativo ao regime de deduções de encargos no domínio da animação e da promoção turística, dispõe que:
«1. Nas contrapartidas anuais de exploração a que se encontram obrigadas as empresas concessionárias […], será feita a dedução até 1% das receitas brutas dos jogos, dos encargos relativos ao cumprimento das obrigações previstas nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 422/89 [...], encargos que não poderão ser inferiores a 3% das receitas brutas dos jogos.
2. Caso os encargos referidos no n.° 1, adicionados aos custos líquidos com animação e restauração e aos encargos com publicidade e marketing, ultrapassem um valor correspondente a 3% das receitas brutas dos jogos, as concessionárias [...] têm, adicional e complementarmente, direito a deduzir 50% dos encargos em excesso do mínimo exigível [...], não podendo esta dedução suplementar exceder 3% das receitas brutas dos jogos.
3. As deduções previstas no n.° 2 só serão exequíveis na medida e dentro dos limites de 25% do acréscimo de receitas brutas dos jogos de cada exercício, relativamente ao exercício anterior, nos casos das zonas de jogo da Póvoa de Varzim [...]»
11 As regras assim estabelecidas para a dedução dos encargos no domínio da animação e da promoção turística estão reproduzidas no contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona permanente da Póvoa de Varzim, atribuído à Varzim Sol.
Litígio no processo principal e questão prejudicial
12 A Varzim Sol explora um casino com base num contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona permanente da Póvoa de Varzim, celebrado em 14 de dezembro de 2001. Este contrato obriga-a a realizar um certo número de ações de animação artística e cultural, mas também a colaborar na promoção da zona onde se encontra o casino.
13 A Varzim Sol exerce, simultaneamente, atividades no setor do jogo, isentas do IVA, nos setores da restauração e da animação, que estão sujeitas a IVA, assim como no setor administrativo e financeiro, com dedução parcial do IVA. Nos setores sujeitos a IVA, a dedução do IVA pago é efetuada segundo o método da afetação real, em conformidade com o artigo 23.°, n.° 2, do Código do IVA.
14 Além disso, por força da regulamentação aplicável e do contrato de concessão, a Varzim Sol tem de pagar ao Estado português uma contrapartida inicial, mas também uma contrapartida anual calculada com base nas receitas realizadas no setor do jogo. Está autorizada a deduzir dessa contrapartida anual uma parte das despesas efetuadas para cumprir as suas obrigações de animação e de promoção turística. O montante desta dedução depende simultaneamente do montante das despesas efetuadas e do montante das receitas decorrentes da atividade de jogo.
15 Na sequência de uma inspeção dos serviços fiscais, a Varzim Sol foi objeto de liquidações adicionais no montante de 496 697,14 euros, referentes aos anos de 2002 a 2004. Na base destas correções está uma contestação do método utilizado pela Varzim Sol para calcular o montante dedutível do IVA pago pelos setores da restauração e da animação.
16 Com efeito, a Fazenda Pública alega que a dedução efetuada sobre a contrapartida anual para compensar os encargos relativos à animação e à promoção deve ser qualificada como subvenção de exploração, na aceção do artigo 23.°, n.° 4, do Código do IVA. Considera que, na medida em que esta subvenção não está sujeita a IVA, as atividades de restauração e de animação devem ser tratadas como atividades mistas. Por conseguinte, a dedução do IVA pago nestes setores deve ser efetuada com base num pro rata que permita ter simultaneamente em conta as atividades isentas e as atividades tributáveis.
17 A Varzim Sol pagou os montantes exigidos, mas deduziu impugnação judicial. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto negou provimento a esta impugnação. A Varzim Sol recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo.
18 A Varzim Sol alega que, mesmo que o montante deduzido deva ser qualificado de subvenção, quod non, só pode influenciar a dedução do IVA relativo aos sujeitos passivos que, no âmbito do método da afetação real, efetuem apenas operações tributáveis, e não isentas, como a restauração e a animação, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
19 Subsidiariamente, a Varzim Sol alega que a argumentação da Fazenda Pública, retomada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, conduz a uma distorção em matéria de dedução do IVA, o que constitui violação da Sexta Diretiva, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 6 de outubro de 2005, Comissão/Espanha (C-204/03, Colet., p. I-8389) e Comissão/França (C-243/03, Colet., p. I-8411).
20 Foi nestas circunstâncias que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O artigo 23.° do [Código do IVA] é compatível com os artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva […]?
2) [Em caso de resposta afirmativa à primeira questão], é conforme aos artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da citada diretiva o estabelecimento de um pro rata específico de dedução do [IVA] suportado pelos sujeitos passivos que apenas efetuem operações tributáveis, ainda que por afetação real, com base na existência de subvenções não tributadas a esse setor (‘inputs’), nos termos do predito artigo 23.°?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à admissibilidade
21 A República Portuguesa invoca, a título principal, a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial.
22 Assim, no que respeita à primeira questão, este Estado-Membro considera que ela tem por objeto a apreciação da compatibilidade do direito nacional português, designadamente o artigo 23.° do Código do IVA, com certas normas do sistema comum do IVA.
23 Ainda que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito da cooperação judiciária instituída pelo artigo 267.° TFUE, fornecer a um órgão jurisdicional nacional, a partir dos dados do processo, os elementos de interpretação que se lhe afigurem úteis para apreciação dos efeitos das disposições do direito da União, nenhuma passagem da decisão de reenvio contém, no entanto, uma indicação precisa, ainda que sucinta, acerca das disposições do direito interno português em causa no litígio no processo principal.
24 A imprecisão da primeira questão implica, inclusivamente, que esta fosse entendida como um pedido de parecer geral, que não pode ser admitido ao abrigo do artigo 267.° TFUE.
25 Estas considerações valem igualmente, em substância, para a segunda questão.
26 Por conseguinte, as lacunas da decisão de reenvio não permitem ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil, assim como também não permitem aos Estados-Membros e aos outros interessados apresentar observações no presente processo.
27 A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o sistema de cooperação estabelecido pelo artigo 267.° CE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo instaurado ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar-se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação da União (acórdãos de 6 de março de 2007, Placanica e o., C-338/04, C-359/04 e C-360/04, Colet., p. I-1891, n.° 36, e de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C-42/07, Colet., p. I-7633, n.° 37).
28 Ora, embora o teor literal das questões submetidas a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio convide o Tribunal de Justiça a pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma disposição de direito interno com o direito da União, nada impede o Tribunal de Justiça de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, fornecendo-lhe os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (v., neste sentido, acórdão Placanica e o., já referido, n.° 37).
29 Em segundo lugar, importa recordar que o Tribunal de Justiça só pode recusar um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colet., p. I-4921, n.° 61, e de 31 de março de 2011, Schröder, C-450/09, Colet., p. I-2497, n.° 17).
30 No que diz respeito, mais especialmente, às informações que devem ser fornecidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma decisão de reenvio, estas informações não se destinam apenas a permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, devendo igualmente dar aos governos dos Estados-Membros e aos outros interessados a possibilidade de apresentar observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Para esse efeito, é necessário que o juiz nacional defina o quadro factual e regulamentar no qual se inserem as questões que coloca, ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que se baseiam essas questões (v. acórdão Schröder, já referido, n.° 18).
31 Assim, quando os elementos de informação fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio são suficientes para expor o objeto do litígio no processo principal e as principais implicações deste para a ordem jurídica da União, bem como para permitir não só que os Estados-Membros apresentem as suas observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e participem eficazmente no processo neste intentado mas também que o Tribunal de Justiça forneça uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível (v., neste sentido, acórdão Schröder, já referido, n.os 19, 21 e 22).
32 No presente caso, a decisão de reenvio indica que, quanto às atividades de restauração e de animação que são exercidas pela Varzim Sol e que estão sujeitas a IVA, a dedução do IVA pago é feita segundo o método da afetação real. Além disso, no que diz respeito à contrapartida anual calculada com base nas receitas realizadas no setor do jogo, que a Varzim Sol tem de pagar ao Estado, esta última está autorizada a deduzir dessa contrapartida anual uma parte das despesas efetuadas para cumprir as suas obrigações de animação e de promoção turística. Segundo a Administração Fiscal, na medida em que essa dedução constitui uma subvenção de exploração não sujeita a IVA, as atividades de restauração e de animação devem ser tratadas como atividades mistas e, por conseguinte, a dedução do IVA pago nestes setores deve ser efetuada com base num pro rata que permita ter simultaneamente em conta as atividades isentas e as atividades tributáveis. A Varzim Sol, por sua vez, alega que essa suposta subvenção só pode influenciar a dedução do IVA referente a sujeitos passivos que, no âmbito do método da afetação real, efetuem apenas operações tributáveis, e não isentas, como a restauração e a animação, que confiram direito à dedução do IVA suportado.
33 Estes elementos são suficientes ao abrigo da jurisprudência recordada nos n.os 30 e 31 do presente acórdão. Além disso, nenhum indício permite considerar que as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não teriam permitido aos interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça apresentar as suas observações em conformidade com este artigo, e participar eficazmente no processo instaurado neste último.
34 Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.
Quanto ao mérito
35 Através das suas questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-Membro, quando autoriza os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução prevista nas referidas disposições, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços, calcule o montante dedutível, para os setores em que esses sujeitos passivos apenas efetuem operações tributáveis, incluindo as «subvenções» não tributáveis no denominador da fração que serve para determinar o pro rata de dedução.
36 Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito a dedução, previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante. Qualquer limitação do direito a dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva (v., nomeadamente, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 28).
37 A este respeito, o artigo 17.°, n.° 1, da referida diretiva prevê que o direito a dedução se constitui no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, e o n.° 2 do mesmo artigo autoriza o sujeito passivo, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis, a deduzir do IVA de que é devedor o imposto devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão fornecidos e a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).
38 Quanto aos sujeitos passivos mistos, resulta do artigo 17.°, n.° 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Diretiva que o direito a dedução é calculado segundo um pro rata determinado em conformidade com o artigo 19.° desta diretiva. O referido artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, autoriza, no entanto, os Estados-Membros a prever um dos outros métodos de determinação do direito a dedução enumerados nesse parágrafo, isto é, nomeadamente, o estabelecimento de um pro rata distinto para cada setor de atividade ou a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 30).
39 O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva prevê que as subvenções diretamente relacionadas com o preço de um bem ou de um serviço são tributáveis nos mesmos termos que aquele. Quanto às subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço, o artigo 19.°, n.° 1, desta diretiva prevê que os Estados-Membros podem incluí-las no denominador do cálculo do pro rata aplicável, quando um sujeito passivo efetua simultaneamente operações que conferem direito a dedução e operações isentas (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 31).
40 É facto assente que, quanto ao litígio no processo principal, a Varzim Sol foi autorizada a efetuar a dedução segundo um método diferente do método pro rata determinado nos termos do artigo 19.° da Sexta Diretiva, isto é, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa, método este referido no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, desta diretiva.
41 Ora, uma vez que as atividades que a Varzim Sol exerce nos setores da restauração e da animação estão sujeitas a IVA, o direito a dedução segundo o método da afetação real incide sobre a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante.
42 Com efeito, visto o sujeito passivo ter sido autorizado a efetuar a dedução segundo o método da afetação real, as disposições do artigo 19.° da Sexta Diretiva não são aplicáveis e não podem, assim, limitar o direito a dedução nos referidos setores, conforme esse direito resulta desta diretiva.
43 Tendo em conta as considerações anteriores, deve responder-se às questões submetidas que os artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-Membro, quando autoriza os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução prevista nas referidas disposições, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços, calcule o montante dedutível, para os setores em que esses sujeitos passivos apenas efetuem operações tributáveis, incluindo as «subvenções» não tributáveis no denominador da fração que serve para determinar o pro rata de dedução.
Quanto às despesas
44 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:
Os artigos 17.°, n.os 2 e 5, e 19.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-Membro, quando autoriza os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução prevista nas referidas disposições, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços, calcule o montante dedutível, para os setores em que esses sujeitos passivos apenas efetuem operações tributáveis, incluindo as «subvenções» não tributáveis no denominador da fração que serve para determinar o pro rata de dedução.
Assinaturas
* Língua do processo: português.