ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
19 de julho de 2012 (*)
«Diretiva 2006/112/CE — IVA — Artigo 136.° — Isenções — Artigos 313.° a 315.° — Regime especial de tributação da margem de lucro — Entrega de veículos em segunda mão por um sujeito passivo revendedor — Veículos previamente entregues ao sujeito passivo revendedor com isenção de IVA por outro sujeito passivo que beneficiou de uma dedução parcial do imposto pago a montante»
No processo C-160/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Polónia), por decisão de 25 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de abril de 2011, no processo
Bawaria Motors sp. z o.o.
contra
Minister Finansów,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,
advogado-geral: J. Mazák,
secretário: A. Impellizzeri, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 16 de fevereiro de 2012,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação da Bawaria Motors sp. z o.o., por D. Baczewska-Golińska, adwokat, e M. Zając, consultor fiscal,
¾ em representação do Minister Finansów, por T. Tratkiewicz e J. Kaute, na qualidade de agentes,
¾ em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, A. Gawlowska e A. Kraińska, na qualidade de agentes,
¾ em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e K. Herrmann, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 24 de maio de 2012,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 313.°, n.° 1, e 314.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), lidos em conjugação com os artigos 136.° e 315.° desta mesma diretiva.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bawaria Motors sp. z o.o. (a seguir «Bawaria Motors») ao Minister Finansów (Ministro das Finanças), a respeito da aplicabilidade do regime de tributação da margem de lucro a certas atividades desta sociedade, que consistem em revender veículos em segunda mão.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112:
«O princípio do sistema comum do [imposto sobre o valor acrescentado (a seguir ‘IVA’)] consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.
Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
[…]»
4 O título IX da Diretiva 2006/112, com a epígrafe «Isenções», contém um capítulo 3, com a epígrafe «Isenções em benefício de outras atividades». O artigo 136.° desta, que figura neste capítulo, dispõe:
«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:
a) As entregas de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta por força do disposto nos artigos 132.°, 135.°, 371.°, 375.°, 376.°, 377.°, no n.° 2 do artigo 378.°, no n.° 2 do artigo 379.° e nos artigos 380.° a 390.°, desde que tais bens não tenham conferido direito à dedução do IVA;
b) As entregas de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido excluída do direito à dedução do IVA em conformidade com o artigo 176.°»
5 O título X da Diretiva 2006/112, com a epígrafe «Deduções», comporta um capítulo 3, com a epígrafe «Limitações do direito à dedução». O artigo 176.° desta, que figura neste capítulo, prevê:
«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.»
6 O título XII da Diretiva 2006/112, com a epígrafe «Regimes especiais», comporta um capítulo 4, com a epígrafe «Regimes especiais aplicáveis aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades», constituído pelos artigos 311.° a 343.°
7 Nos termos do artigo 311.°, n.° 1, pontos 1) e 5), da Diretiva 2006/112:
«Para efeitos do presente capítulo e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, entende-se por:
1) ‘Bens em segunda mão’, os bens móveis corpóreos suscetíveis de serem reutilizados no estado em que se encontram ou após reparação, que não sejam objetos de arte e de coleção ou antiguidades, nem metais preciosos ou pedras preciosas, na definição que lhes é dada pelos Estados-Membros;
[…]
5) ‘Sujeito passivo revendedor’, qualquer sujeito passivo que, no âmbito da sua atividade económica, compre ou afete às necessidades da sua empresa ou importe para revenda bens em segunda mão, objetos de arte e de coleção ou antiguidades, quer esse sujeito passivo atue por conta própria quer por conta de outrem ao abrigo de um contrato de comissão de compra e venda.»
8 O artigo 313.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 enuncia:
«Os Estados-Membros aplicam às entregas de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, efetuadas por sujeitos passivos revendedores, um regime especial de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, em conformidade com o disposto na presente subsecção.»
9 O artigo 314.° da Diretiva 2006/112 dispõe:
«O regime da margem de lucro é aplicável às entregas de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, quando esses bens lhe tenham sido entregues no interior da Comunidade por uma das seguintes pessoas:
a) Uma pessoa que não seja sujeito passivo;
b) Outro sujeito passivo, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo esteja isenta em conformidade com o artigo 136.°;
c) Outro sujeito passivo, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo beneficie da isenção para as pequenas empresas prevista nos artigos 282.° a 292.° e incida sobre um bem de investimento;
d) Outro sujeito passivo revendedor, na medida em que a entrega do bem por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido sujeita ao IVA em conformidade com o presente regime especial.»
10 O artigo 315.° da Diretiva 2006/112 prevê:
«O valor tributável das entregas de bens referidas no artigo 314.° é constituído pela margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, deduzido o montante do IVA correspondente à própria margem de lucro.
A margem de lucro do sujeito passivo revendedor é igual à diferença entre o preço de venda solicitado pelo sujeito passivo revendedor para os bens e o seu preço de compra.»
Direito polaco
11 A Lei relativa ao imposto sobre bens e serviços (Ustawa o podatku od towarów i usług), de 11 de março de 2004 (Dz. U. n.° 54, posição 535), na versão aplicável aos factos em causa no processo principal (a seguir «lei do IVA»), enuncia, no seu artigo 15.°, n.° 1:
«Os sujeitos passivos são as pessoas coletivas, as entidades organizacionais sem personalidade jurídica e as pessoas singulares com uma atividade económica independente mencionada no n.° 2, quaisquer que sejam as finalidades e os resultados dessa atividade.»
12 Nos termos do artigo 43.°, n.° 1, ponto 2, da lei do IVA, a entrega de bens em segunda mão está isenta de imposto, sempre que a pessoa que efetua a entrega não tenha beneficiado de um direito a dedução relativamente aos referidos bens.
13 Os bens em segunda mão, na aceção desta disposição, estão definidos, no n.° 2 do referido artigo 43.°, como «os bens móveis corpóreos que tenham sido utilizados pelo operador que efetua a respetiva entrega durante um período de pelo menos seis meses após a aquisição do direito a deles dispor como proprietário».
14 Nos termos do artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA:
«Em caso de aquisição de veículos de passageiros ou de outros veículos a motor com um peso máximo autorizado até 3,5 toneladas, o montante do imposto dedutível é igual a 60% do montante do imposto indicado na fatura ou do montante do imposto devido a título da aquisição intracomunitária de bens, ou do montante do imposto devido a título da entrega de bens, quando o adquirente seja o sujeito passivo, mas não pode exceder 6 000 PLN.»
15 O artigo 113.°, n.° 1, da lei do IVA enuncia:
«Estão isentos de imposto os sujeitos passivos cujo valor total das vendas tributadas durante o ano fiscal anterior não ultrapasse 50 000 PLN. Este valor não inclui o montante do imposto.»
16 O artigo 120.° da lei do IVA, relativo ao regime de tributação da margem de lucro, contém as seguintes disposições:
«1. […]
4) Para efeitos da aplicação do presente capítulo, entende-se por ‘bens em segunda mão’ os bens móveis corpóreos suscetíveis de serem novamente utilizados, no estado atual ou após reparação, que não sejam [objetos de arte e de coleção ou antiguidades] nem metais preciosos ou pedras preciosas […]
[…]
4. Quando o sujeito passivo efetue operações que consistam na entrega de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, previamente adquiridos pelo sujeito passivo para os fins da atividade que exerce ou por este importados para serem revendidos, o valor tributável é igual à margem constituída pela diferença entre o montante total que o comprador tem de pagar e aquele que o sujeito passivo pagou no momento da aquisição, diminuída do montante do imposto.
[…]
10. Os n.os 4 e 5 referem-se à entrega de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades que o sujeito passivo tenha adquirido junto das seguintes pessoas:
1) pessoas singulares, pessoas coletivas ou entidades organizacionais sem personalidade jurídica que não sejam sujeitos passivos do imposto na aceção do artigo 15.° ou que não sejam sujeitos passivos do IVA;
2) sujeitos passivos na aceção do artigo 15.°, se a entrega desses bens tiver sido isenta de imposto nos termos do artigo 43.°, n.° 1, ponto 2, ou do artigo 113.°;
3) sujeitos passivos, se a entrega desses bens tiver sido tributada nos termos dos n.os 4 e 5;
4) sujeitos passivos do IVA, se a entrega desses bens tiver sido isenta de imposto nos termos do artigo 43.°, n.° 1, ponto 2, ou do artigo 113.°;
5) sujeitos passivos do IVA, se a entrega desses bens tiver sido sujeita a IVA nos termos das regras previstas nos n.os 4 e 5 e o adquirente possuir documentos que confirmem claramente que esses bens foram adquiridos em conformidade com o disposto nas referidas regras.»
17 O § 13 do Decreto do Ministro das Finanças sobre a aplicação de certas disposições da Lei do imposto sobre bens e serviços (rozporządzenie Ministra Finansów r.w sprawie wykonania niektórych przepisów ustawy o podatku od towarów i usług, Dz. U. n.° 212, poz. 1336), de 28 de novembro de 2008 (a seguir «decreto do IVA»), dispõe, no seu n.° 1, ponto 5:
«A entrega de veículos particulares e de outros veículos a motor efetuada por sujeitos passivos que, quando os adquiriram, beneficiaram do direito de deduzir o imposto a montante referido no artigo 86.°, n.° 3, da lei está isenta de imposto se esses veículos forem bens em segunda mão na aceção do artigo 43.°, n.° 2, da lei.»
Factos na origem do litígio no processo principal e questão prejudicial
18 A Bawaria Motors é sujeito passivo de IVA na aceção do artigo 15.° da lei do IVA. Exerce uma atividade económica relacionada com a organização de salões do automóvel, que a leva a adquirir e, em seguida, a revender veículos particulares, novos ou em segunda mão. No âmbito desta atividade, compra veículos em segunda mão a operadores económicos que, por não terem podido deduzir o IVA pago aquando da compra desses bens, emitem em seu nome, no momento da entrega, faturas que comportam, no que respeita à taxa de IVA aplicável, a menção «isenta», com uma referência ao artigo 43.°, n.° 1, ponto 2, da lei do IVA. Ao revender esses veículos em segunda mão, a Bawaria Motors aplica o regime de tributação da margem de lucro previsto no artigo 120.° da referida lei.
19 Por vezes, a Bawaria Motors também compra veículos em segunda mão a operadores que, no momento da compra destes veículos, deduziram o IVA até ao limite do valor máximo fixado no artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA. Nesses casos, o operador emite a favor da Bawaria Motors uma fatura que contém, no que respeita à taxa de IVA devido por força da entrega, a menção «isenta», com uma referência ao § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA.
20 Por considerar que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, tinha o direito de aplicar o regime de tributação da margem de lucro previsto no artigo 120.° da lei do IVA, a Bawaria Motors, em 9 de fevereiro de 2009, solicitou ao Minister Finansów um pedido de interpretação individual.
21 O Minister Finansów respondeu a este pedido em 20 de fevereiro de 2009. Considerou que, atendendo à redação do artigo 120.°, n.° 10, da lei do IVA, a posição da Bawaria Motors era infundada. Alegou que o § 13 do decreto do IVA não constitui uma ampliação das hipóteses visadas no artigo 43.° da lei do IVA, ao qual se refere o mencionado artigo 120.°, n.° 10. Em sua opinião, esta lei é, aliás, conforme com os artigos 312.° a 325.° da Diretiva 2006/112, que reservam a aplicação do regime de tributação da margem de lucro, exclusivamente, aos casos em que o sujeito passivo revendedor tenha adquirido o bem em segunda mão a um operador que não podia deduzir o IVA pago a montante e que, por conseguinte, o incorporou no preço da entrega ao referido sujeito passivo revendedor.
22 A Bawaria Motors interpôs recurso desta decisão para o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie, alegando que a posição do Minister Finansów decorria de uma interpretação literal do artigo 120.° da lei do IVA, incompatível com os princípios fundamentais do IVA, que são a neutralidade fiscal, a tributação efetiva numa única fase da comercialização e a preservação das condições de concorrência.
23 Por acórdão de 10 de novembro de 2009, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie anulou a interpretação impugnada. Considerou que o § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA, que institui uma isenção desconhecida em direito da União, não dispensa o operador que entrega um veículo em segunda mão a um sujeito passivo revendedor da obrigação de tributar essa entrega quando, no momento da aquisição desse veículo ligeiro, não tenha podido deduzir integralmente o IVA pago a montante. Segundo este órgão jurisdicional, a isenção enunciada nesta disposição do decreto do IVA refere-se unicamente à fração do IVA que ficou a cargo do operador, observados os limites previstos no artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA, com exclusão do montante que corresponde, consoante o caso, a 60% do imposto indicado na fatura ou a 6 000 PLN, que esse operador deduziu no momento da compra do veículo. Daqui resulta, segundo o referido órgão jurisdicional, que a Bawaria Motors pode aplicar o regime de tributação da margem de lucro, mas apenas até ao limite da parte que o operador que lhe forneceu o veículo não tenha podido deduzir a montante, o que corresponde, consoante o caso, a 40% do montante do imposto indicado na fatura ou à fração desse imposto superior a 6 000 PLN.
24 A Bawaria Motors interpôs recurso de cassação desse acórdão para o Naczelny Sąd Administracyjny, alegando, em substância, que o facto de ser impossibilitada de aplicar plenamente o regime de tributação da margem de lucro à revenda de bens em segunda mão adquiridos no âmbito de uma entrega isenta ao abrigo do § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA violava, designadamente, o artigo 120.°, n.os 4 e 10, da lei do IVA, bem como a disposição do decreto do IVA acima referida.
25 O Minister Finansów interpôs igualmente recurso de cassação, mantendo a sua posição inicial segundo a qual, nas circunstâncias do caso concreto, o regime de tributação da margem de lucro não é, nem sequer parcialmente, aplicável ao sujeito passivo revendedor.
26 Foi nestas condições que o Naczelny Sąd Administracyjny decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«As disposições dos artigos 313.°, n.° 1, e 314.°, conjugadas com os artigos 136.° e 315.°, todos da Diretiva 2006/112/CE […], devem ser interpretadas no sentido de que também permitem a aplicação do regime especial da ‘margem de lucro’ a sujeitos passivos revendedores relativamente a entregas de bens em segunda mão quando revendem veículos [particulares] e outros veículos a motor a cuja compra se tinha aplicado, ao abrigo das disposições do direito nacional polaco previstas no § 13, n.° 1, ponto 5, do [decreto do IVA], a isenção do imposto sobre a entrega de veículos [particulares] e outros veículos a motor por sujeitos passivos que tinham apenas um direito parcial a dedução do imposto, como previsto no artigo 86.°, n.° 3 da [lei do IVA], se esses veículos [particulares] e veículos a motor forem bens em segunda mão na aceção do artigo 43.°, n.° 2, da lei do IVA e do artigo 311.°, n.° 1, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE?»
Quanto à questão prejudicial
27 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 313.°, n.° 1, e 314.° da Diretiva 2006/112, lidos em conjugação com os artigos 136.° e 315.° desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo revendedor pode beneficiar da aplicação do regime de tributação da margem de lucro, quando entrega veículos a motor considerados bens em segunda mão na aceção do artigo 311.°, n.° 1, ponto 1), da referida diretiva, os quais adquiriu previamente com isenção de IVA a outro sujeito passivo que apenas beneficiou de um direito a dedução parcial do referido imposto pago a montante sobre o preço de compra desses veículos.
28 A este respeito, deve recordar-se que o regime de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor no momento da entrega de bens em segunda mão, como os que estão em causa no processo principal, constitui um regime especial de IVA, derrogatório do regime geral da Diretiva 2006/112 (v. acórdãos de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans, C-280/04, Colet., p. I-10683, n.° 35, e de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi, C-203/10, Colet., p. I-1083, n.° 46).
29 Por conseguinte, o artigo 314.° da Diretiva 2006/112, que identifica os casos de aplicação deste regime especial, deve ser objeto de interpretação estrita. Daqui resulta que estes casos estão enumerados exaustivamente, como sublinhou o advogado-geral no n.° 29 das suas conclusões.
30 Decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os factos em causa no processo principal não se enquadram em nenhuma das hipóteses visadas no referido artigo 314.°, alíneas a), c) e d). Com efeito, segundo as indicações que figuram nesses autos, as entregas de veículos em segunda mão à Bawaria Motors, em causa no processo principal, foram efetuadas por pessoas que estão, elas próprias, sujeitas a IVA e não beneficiaram da isenção para as pequenas empresas prevista nos artigos 282.° a 292.° da Diretiva 2006/112, nem foram submetidas ao regime de tributação da margem de lucro.
31 Tendo as referidas entregas sido isentas de IVA ao abrigo do § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA, importa, nestas condições, examinar se são suscetíveis de ser abrangidas pela hipótese prevista especificamente no artigo 314.°, alínea b), da Diretiva 2006/112, a saber, aquela em que a entrega do bem ao sujeito passivo revendedor por outro sujeito passivo está isenta em conformidade com o disposto no artigo 136.° desta diretiva.
32 No que se refere, por um lado, à aplicação do artigo 136.°, alínea a), da referida diretiva, esta deve ser afastada no processo principal. Com efeito, como o advogado-geral salientou no n.° 37 das suas conclusões, resulta dos autos que as entregas de veículos à Bawaria Motors, em causa no processo principal, não têm nenhuma relação com as atividades isentas ao abrigo das disposições enumeradas na alínea a) deste artigo.
33 No que se refere, por outro lado, à aplicação do artigo 136.°, alínea b), da Diretiva 2006/112 a este processo, há que recordar que esta disposição prevê a isenção das entregas de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido excluída do direito a dedução do IVA em conformidade com o artigo 176.° da referida diretiva. Este artigo comporta, no seu segundo parágrafo, uma cláusula de «standstill» que autoriza os Estados-Membros a manterem, até à entrada em vigor das disposições do Conselho, referidas no primeiro parágrafo do mesmo artigo, que determinam quais as despesas que não conferem direito a dedução do IVA, todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, como a República da Polónia, na data da respetiva adesão.
34 Este artigo 136.°, alínea b), deve ser objeto de interpretação estrita. Com efeito, a isenção nele prevista constitui uma derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado em cada entrega de bens efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Jyske Finans, já referido, n.° 21). Além disso, esta isenção enquadra-se, devido ao reenvio operado para o referido artigo 136.° pelo artigo 314.°, alínea b), da referida diretiva, no âmbito de aplicação do regime derrogatório de tributação da margem de lucro.
35 A isenção prevista no artigo 136.°, alínea b), da Diretiva 2006/112 só pode assim aplicar-se às entregas de bens cuja aquisição tenha sido objeto de uma exclusão do direito a dedução prevista na legislação nacional (v., neste sentido, acórdão Jyske Finans, já referido, n.° 24).
36 Esta leitura é corroborada pela redação do artigo 176.° da Diretiva 2006/112, que menciona, no seu primeiro parágrafo, as despesas «que não conferem direito à dedução do IVA» e, no seu segundo parágrafo, as «exclusões» previstas na legislação nacional preexistente, artigo para o qual remete o artigo 136.°, alínea b), desta diretiva.
37 Esta leitura responde, aliás, à economia geral do artigo 314.° da Diretiva 2006/112. Com efeito, como sublinhado pelo Governo polaco e pela Comissão, e ainda pelo advogado-geral no n.° 30 das suas conclusões, os casos de aplicação do regime de tributação da margem de lucro, em cuja enumeração se inscreve a isenção prevista no artigo 136.°, alínea b), da referida diretiva, têm em comum o facto de que a pessoa que entregou o bem em causa ao sujeito passivo revendedor não pôde de modo nenhum deduzir o imposto pago a montante no momento da compra desse bem e suportou assim integralmente esse imposto.
38 Ora, no processo principal, o artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA enuncia, não uma «exclu[são] do direito à dedução do IVA», na aceção do artigo 136.°, alínea b), da Diretiva 2006/112, mas uma limitação do montante do imposto dedutível. Longe de ficar integralmente privado do direito de deduzir o IVA pago a montante, o sujeito passivo que tenha adquirido o bem entregue em seguida ao sujeito passivo revendedor pode deduzir este imposto até ao limite dos valores máximos fixados nesta disposição nacional, a saber, consoante o caso, 60% do imposto pago a montante ou 6 000 PLN.
39 Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar se a disposição do artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA está ou não coberta pela cláusula de «standstill» inscrita no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, a isenção de IVA concedida pelo § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA às entregas de veículos a motor a um sujeito passivo revendedor efetuadas por sujeitos passivos que beneficiaram do direito de deduzir parcialmente o imposto pago a montante, ao abrigo do referido artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA, não corresponde de modo nenhum à hipótese estritamente definida no artigo 136.°, alínea b), da referida diretiva. Daqui resulta que a entrega subsequente desses veículos pelo sujeito passivo revendedor não pode beneficiar do regime de tributação da margem de lucro.
40 A Bawaria Motors alega que tal interpretação, defendida pelo Minister Finansów, tem como consequência sujeitá-la a uma dupla tributação parcial. Explica que, em conformidade com esta interpretação, está obrigada, por força do regime normal do IVA, a aplicar este último à totalidade do preço de revenda do veículo a motor em segunda mão em causa, numa situação em que, tendo-lhe o referido veículo sido previamente entregue por outro sujeito passivo isento de IVA ao abrigo do § 13, n.° 1, ponto 5, do decreto do IVA, lhe é impossível deduzir a fração do IVA que esse outro sujeito passivo, nos termos da limitação enunciada no artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA, não pôde deduzir a montante e que, por conseguinte, foi incorporada no preço dessa entrega.
41 No entanto, atendendo às considerações enunciadas nos n.os 34 e 35 do presente acórdão, não pode ser dada outra interpretação ao artigo 136.°, alínea b), da Diretiva 2006/112, a não ser a constante do n.° 39, supra, que permite evitar que um sujeito passivo revendedor, que, como a Bawaria Motors, não pode beneficiar do facto de a aquisição inicial, por outro sujeito passivo, dos bens que lhe foram em seguida entregues como bens em segunda mão ter sido objeto de uma exclusão do direito a dedução do IVA, na aceção desta disposição, se encontre numa situação de dupla tributação parcial (v., neste sentido, acórdão Jyske Finans, já referido, n.° 24). Com efeito, esta situação não influencia a determinação das condições de aplicação do regime de tributação da margem de lucro previsto no artigo 314.° da referida diretiva.
42 Como alegou a Comissão tanto nas suas alegações escritas como na audiência, cabe ao legislador polaco pôr termo a esta situação. A eliminação desta última não pode, em contrapartida, implicar uma interpretação da Diretiva 2006/112 que seja inconciliável com os próprios termos desta e com a sua economia geral.
43 Há ainda que sublinhar que, contrariamente à posição defendida pela Bawaria Motors, recusar a aplicação do regime de tributação da margem de lucro a um sujeito passivo revendedor numa situação como a que está em causa no processo principal, quando o referido regime é aplicável, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 136.°, alínea b), e 314.°, alínea b), da Diretiva 2006/112, aos casos em que o sujeito passivo revendedor adquiriu previamente os bens em causa com isenção de IVA a outro sujeito passivo que não pôde deduzir o imposto pago a montante, não viola o princípio da neutralidade fiscal.
44 Com efeito, como sublinhado pelo Minister Finansów na audiência, nesta segunda hipótese, o preço da entrega de bens ao sujeito passivo revendedor compreende a totalidade do IVA pago a montante por esse outro sujeito passivo, uma vez que este último não teve efetivamente a possibilidade de o deduzir, nem sequer parcialmente, no momento da aquisição dos referidos bens. Em contrapartida, na hipótese em causa no processo principal, este preço compreende apenas uma fração do IVA pago a montante, isto é, a parte que, tendo em conta a limitação prevista no artigo 86.°, n.° 3, da lei do IVA, o sujeito passivo que entregou os bens em causa ao sujeito passivo revendedor não pôde deduzir quando adquiriu estes últimos.
45 Como alegado pelo Governo polaco, autorizar a aplicação do regime de tributação da margem de lucro numa situação como a que está em causa no processo principal teria como consequência que o IVA não seria proporcional ao preço dos bens em segunda mão revendidos pelo sujeito passivo revendedor, embora uma parte importante do imposto pago a montante tivesse sido deduzida por outro sujeito passivo numa fase anterior da comercialização. Tal solução violaria o princípio da generalidade da tributação do IVA, expresso no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112.
46 Atendendo às considerações que precedem, há que responder à questão submetida que os artigos 313.°, n.° 1, e 314.° da Diretiva 2006/112, lidos em conjugação com os artigos 136.° e 315.° desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo revendedor não pode beneficiar da aplicação do regime de tributação da margem de lucro, quando entrega veículos a motor considerados bens em segunda mão na aceção do artigo 311.°, n.° 1, ponto 1), da referida diretiva, os quais adquiriu previamente com isenção de IVA a outro sujeito passivo que beneficiou de um direito a dedução parcial do referido imposto pago a montante sobre o preço de compra desses veículos.
Quanto às despesas
47 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
Os artigos 313.°, n.° 1, e 314.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lidos em conjugação com os artigos 136.° e 315.° desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo revendedor não pode beneficiar da aplicação do regime de tributação da margem de lucro, quando entrega veículos a motor considerados bens em segunda mão na aceção do artigo 311.°, n.° 1, ponto 1), da referida diretiva, os quais adquiriu previamente com isenção de imposto sobre o valor acrescentado a outro sujeito passivo que beneficiou de um direito a dedução parcial do referido imposto pago a montante sobre o preço de compra desses veículos.
Assinaturas
** Língua do processo: polaco.