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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de abril de 2013 (*)

«Segurança social dos trabalhadores migrantes — Artigo 45.° TFUE — Regulamento (CEE) n.° 1408/71 — Artigo 71.° — Trabalhador fronteiriço atípico em situação de desemprego completo que conservou vínculos pessoais e profissionais no Estado-Membro do último emprego — Regulamento (CE) n.° 883/2004 — Artigo 65.° — Direito a prestação no Estado-Membro de residência — Recusa de pagamento por parte do Estado-Membro do último emprego — Admissibilidade — Pertinência do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de junho de 1986, Miethe (1/85) — Disposições transitórias — Artigo 87.°, n.° 8 — Conceito de ‘situação inalterada’»

No processo C-443/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Rechtbank Amsterdam (Países Baixos), por decisão de 25 de agosto de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de agosto de 2011, no processo

F. P. Jeltes,

M. A. Peeters,

J. G. J. Arnold

contra

Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh, C. Toader e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado-geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de F. P. Jeltes, por P. Van der Wulp,

¾        em representação de M. A. Peeters, por S. van der Beek-Verdoorn,

¾        em representação do Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen, por I. Eijkhout, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo neerlandês, por M. Noort e C. Wissels, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo checo, por D. Hadroušek e M. Smolek, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen e C. Vang, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por J. Möller e T. Henze, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 10 de janeiro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 65.° e 87.°, n.° 8, do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO L 284, p. 43, a seguir «Regulamento n.° 883/2004»), bem como o artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem F. P. Jeltes, M. A. Peeters e J. G. J. Arnold ao Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen, a respeito do indeferimento, por este último, dos seus pedidos de obtenção ou de manutenção de prestações ao abrigo da Lei relativa ao desemprego (Werkloosheidswet, a seguir «WW»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CEE) n.° 1408/71

3        O artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), tem a seguinte redação:

«Para efeitos de aplicação do presente regulamento:

[...]

b)      A expressão ‘trabalhador fronteiriço’ designa qualquer trabalhador assalariado ou não assalariado que exerça a sua atividade profissional no território de um Estado-Membro e resida no território de outro Estado-Membro ao qual regressa, em princípio, diariamente ou pelo menos uma vez por semana; [...]

[...]

o)      A expressão ‘instituição competente’ designa:

i)      a instituição em que o interessado esteja inscrito no momento do pedido das prestações,

[...]

[...]

q)      A expressão ‘Estado competente’ designa o Estado-Membro em cujo território se encontra a instituição competente;

[...]»

4        O artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71 dispõe:

«1.      O trabalhador assalariado em situação de desemprego, que, no decurso do último emprego residia no território de um Estado-Membro que não seja o Estado-Membro competente, beneficia das prestações em conformidade com as disposições seguintes:

a)      i)     O trabalhador fronteiriço, em situação de desemprego parcial ou acidental na empresa que o emprega, beneficia das prestações em conformidade com as disposições da legislação do Estado competente, como se residisse no território deste Estado; tais prestações são concedidas pela instituição competente;

ii)      O trabalhador fronteiriço, em situação de desemprego completo, beneficia das prestações em conformidade com as disposições da legislação do Estado-Membro em cujo território reside, como se tivesse estado sujeito a essa legislação no decurso do último emprego; tais prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência e a seu cargo;

b)      i)     O trabalhador assalariado, que não seja trabalhador fronteiriço, em situação de desemprego parcial acidental ou completo e que continue à disposição da respetiva entidade patronal ou dos serviços de emprego no território do Estado competente, beneficia das prestações, em conformidade com as disposições da legislação deste Estado, como se residisse no seu território; tais prestações são concedidas pela instituição competente;

ii)      O trabalhador assalariado, que não seja trabalhador fronteiriço, em situação de desemprego completo e que se ponha à disposição dos serviços de emprego no território do Estado-Membro em que reside ou que regressa a este território, beneficia das prestações, em conformidade com as disposições da legislação deste Estado, como se nele tivesse exercido o último emprego; tais prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência e a seu cargo. Todavia, se esse trabalhador assalariado tiver beneficiado das prestações a cargo da instituição competente do Estado-Membro a cuja legislação esteve sujeito em último lugar, beneficia das prestações nos termos do artigo 69.° O benefício das prestações da legislação do Estado da residência é suspenso durante o período em que o desempregado, nos termos do disposto no artigo 69.°, puder habilitar-se às prestações da legislação a que esteve sujeito em último lugar.

[...]»

 Regulamento n.° 883/2004

5        O artigo 1.° deste regulamento define «trabalhador fronteiriço», «instituição competente» e «Estado-Membro competente», no essencial, em termos idênticos à definição constante do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71.

6        O artigo 11.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 883/2004 prevê que «[a] pessoa que receba prestações por desemprego nos termos do artigo 65.° ao abrigo da legislação do Estado-Membro de residência está sujeita à legislação desse Estado-Membro».

7        O artigo 65.° do referido regulamento, que tem por epígrafe «Desempregados que residiam num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro competente», tem a seguinte redação:

«1.      A pessoa em situação de desemprego parcial ou intermitente que, no decurso da sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, residia num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro competente, deve colocar-se à disposição do seu empregador ou dos serviços de emprego do Estado-Membro competente. Beneficia das prestações em conformidade com a legislação do Estado-Membro competente como se residisse nesse Estado-Membro. Essas prestações são concedidas pela instituição do Estado-Membro competente.

2.      A pessoa em situação de desemprego completo que, no decurso da sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, residia num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro competente e que nele continue a residir ou a ele regresse deve colocar-se à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro de residência. Sem prejuízo do artigo 64.°, uma pessoa em situação de desemprego completo pode, além disso, colocar-se à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro em que exerceu a última atividade por conta de outrem ou por conta própria.

O desempregado que, não sendo trabalhador fronteiriço, não regresse ao Estado-Membro da sua residência, deve colocar-se à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro a cuja legislação esteve sujeito em último lugar.

3.      A pessoa em situação de desemprego a que se refere o primeiro período do n.° 2 deve inscrever-se como candidata a emprego nos serviços de emprego competentes do Estado-Membro em que reside, estar sujeita ao controlo que aí é organizado e respeitar as condições estabelecidas pela legislação desse Estado-Membro. Se optar por se inscrever também como candidata a emprego no Estado-Membro em que exerceu a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, deve cumprir as obrigações aplicáveis nesse Estado.

4.      A aplicação do segundo período do n.° 2 e do segundo período do n.° 3, bem como as modalidades de intercâmbio de informações, de cooperação e de assistência mútua entre as instituições e serviços do Estado-Membro de residência e do Estado-Membro em que o desempregado exerceu a sua última atividade, são definidas pelo regulamento de aplicação.

5.      a)      A pessoa em situação de desemprego a que se referem o primeiro e o segundo períodos do n.° 2 beneficia das prestações em conformidade com a legislação do Estado-Membro de residência como se tivesse estado sujeita a essa legislação durante a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria. Essas prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência.

b)      Todavia, um trabalhador não fronteiriço a quem tenham sido concedidas prestações a cargo da instituição competente do Estado-Membro a cuja legislação esteve sujeito em último lugar, começa por beneficiar, aquando do seu regresso ao Estado-Membro de residência, das prestações ao abrigo do artigo 64.°, ficando suspensas as prestações previstas na alínea a) durante o período em que beneficiar de prestações ao abrigo da legislação a que esteve sujeito em último lugar.

6.      As prestações concedidas pela instituição do lugar de residência nos termos do n.° 5 continuam a cargo desta. [...]

[...]»

8        O artigo 87.° do Regulamento n.° 883/2004, que tem por epígrafe «Disposições transitórias», dispõe:

«1.      O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior à data da sua aplicação.

[...]

8.      Se, em consequência do presente regulamento, uma pessoa estiver sujeita à legislação de um Estado-Membro que não seja a determinada de acordo com o título II do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, essa legislação continua a aplicar-se enquanto se mantiver inalterada a situação relevante e, em todo o caso, por um período máximo de 10 anos a contar da data de início da aplicação do presente regulamento, salvo se o interessado apresentar um pedido para ficar sujeito à legislação aplicável ao abrigo do presente regulamento. O pedido é apresentado no prazo de três meses a contar da data de início da aplicação do presente regulamento à instituição competente do Estado-Membro cuja legislação é aplicável nos termos do presente regulamento, se essa legislação for aplicável ao interessado a partir da data de início da aplicação do presente regulamento. Se o pedido for apresentado após o termo desse prazo, a alteração da legislação aplicável tem lugar no primeiro dia do mês seguinte.

[...]»

 Regulamento (CE) n.° 987/2009

9        O considerando 13 do Regulamento (CE) n.° 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.° 883/2004 (JO L 284, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação»), tem a seguinte redação:

«O presente regulamento prevê medidas e processos destinados a promover a mobilidade dos trabalhadores e dos desempregados. Os trabalhadores fronteiriços que tenham ficado desempregados podem apresentar-se tanto nos serviços de emprego do respetivo país de residência como nos serviços do Estado-Membro em que exerceram a última atividade profissional. No entanto, só deverão ter direito a prestações no Estado-Membro de residência.»

 Direito neerlandês

10      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o artigo 19.°, n.° 1, alínea f), da WW sujeita o direito dos trabalhadores a uma prestação de desemprego à condição de residência no território nacional.

 Factos na origem dos litígios no processo principal e questões prejudiciais

11      F. P. Jeltes, M. A. Peeters e J. G. J. Arnold, trabalhadores fronteiriços de nacionalidade neerlandesa, trabalharam nos Países Baixos, mas tinham residência, os dois primeiros, na Bélgica, e o terceiro, na Alemanha.

12      F. P. Jeltes ficou desempregado, em agosto de 2010, ou seja, após a data da entrada em aplicação, em 1 de maio de 2010, do Regulamento n.° 883/2004. Requereu às autoridades neerlandesas, ao abrigo da WW, a atribuição de uma prestação de desemprego, mas estas indeferiram o seu pedido.

13      M. A. Peeters perdeu o emprego, em maio de 2009, e beneficiou de uma prestação de desemprego concedida pelas autoridades neerlandesas. Arranjou um novo emprego, em 26 de abril de 2010, antes de cair novamente no desemprego, em 18 de maio de 2010. Durante o período em que a interessada retomou a sua atividade profissional, a prestação de desemprego deixou de lhe ser paga, mas estas autoridades informaram-na de que, se voltasse a ficar desempregada antes de 25 de outubro de 2010, poderia requerer a continuação do pagamento desta prestação. Quando M. A. Peeters se dirigiu às referidas autoridades, depois de ter perdido outra vez o emprego, estas recusaram, no entanto, continuar a pagar a referida prestação.

14      J. G. J. Arnold perdeu o emprego e obteve prestações de desemprego das autoridades neerlandesas, em conformidade com a WW, a partir de 2 de fevereiro de 2009. Em março de 2009, começou a exercer uma atividade profissional como trabalhador independente, na Alemanha. Estas autoridades puseram termo ao pagamento da prestação de desemprego atribuída ao interessado e informaram-no de que, caso cessasse a sua atividade como trabalhador independente antes de 30 de agosto de 2011, poderia pedir a continuação do pagamento desta prestação. J. G. J. Arnold deixou de exercer esta atividade e, em 1 de junho de 2010, requereu a continuação do pagamento da referida prestação. Todavia, as autoridades neerlandesas recusaram-lhe a atribuição do direito a esta última.

15      Resulta da decisão de reenvio e dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o direito neerlandês exclui o pagamento de prestações de desemprego a trabalhadores que se encontrem em situação de desemprego, que não sejam residentes no território nacional. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, no que se refere aos três recorrentes no processo principal, as autoridades neerlandesas fundamentaram a sua recusa no artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004, o qual designa o Estado-Membro de residência, no caso em apreço, o Reino da Bélgica, no que respeita aos dois primeiros, e a República Federal da Alemanha, no que respeita ao terceiro, como Estado-Membro responsável pela atribuição das prestações de desemprego.

16      Os recorrentes nos processos principais interpuseram no Rechtbank Amsterdam recurso das decisões de indeferimento adotadas pelas autoridades neerlandesas. Este órgão jurisdicional precisa que é pacífico o facto de o artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004 não oferecer aos recorrentes a possibilidade de reclamar às referidas autoridades a atribuição de uma prestação de desemprego. Todavia, acrescenta que também é pacífico que estas pessoas são trabalhadores fronteiriços atípicos, na aceção do acórdão de 12 de junho de 1986, Miethe (1/85, Colet, p. 1837), na medida em que conservaram vínculos pessoais e profissionais particularmente estreitos com o Estado-Membro do seu último emprego. Segundo este órgão jurisdicional, daqui resulta que é provavelmente neste Estado, no caso em apreço, no Reino dos Países Baixos, que estes dispõem de melhores condições de reinserção profissional. Por conseguinte, coloca a questão de saber se se deve considerar, como no acórdão Miethe, já referido, que os recorrentes se podem habilitar às prestações de desemprego neste Estado-Membro.

17      Tendo, todavia, dúvidas de que, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004, o acórdão Miethe, já referido, continue a ser pertinente, o Rechtbank Amsterdam decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No âmbito do Regulamento n.° 883/2004 continua a aplicar-se o alargamento adicional efetuado, na vigência do Regulamento n.° 1408/71, pelo acórdão Miethe[, já referido], a saber, o estabelecimento, a favor do trabalhador fronteiriço atípico, do direito de opção quanto ao Estado em que se coloca à disposição do serviço de emprego e de que recebe um subsídio de desemprego, com o fundamento de que é no Estado da sua escolha que tem maiores hipóteses de reinserção no mercado de trabalho? Ou o artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004, visto globalmente, já garante adequadamente que o trabalhador desempregado recebe um subsídio em condições que, para ele, são as mais favoráveis à procura de trabalho, pelo que o acórdão Miethe[, já referido,] perdeu o seu valor acrescentado?

2)      O direito da União, no caso vertente o artigo 45.° TFUE ou o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, opõe-se a que um Estado-Membro recuse conceder um subsídio de desemprego nos termos da sua legislação nacional no caso de um trabalhador migrante (trabalhador fronteiriço) [em situação de desemprego completo], que exerceu atividades pela última vez nesse Estado-Membro e nele tem ligações sociais e familiares que permitem pressupor que é nesse Estado-Membro que tem maiores hipóteses de reinserção no mercado de trabalho, com o simples fundamento de que esse trabalhador reside noutro Estado-Membro?

3)      Atendendo ao artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, ao artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e ao princípio da segurança jurídica, qual deve ser a resposta à questão anterior, se já antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004 tiver sido atribuído a esse trabalhador um subsídio de desemprego cuja duração de concessão e/ou retoma ainda não foi alcançada à data da entrada em vigor desse regulamento (subsídio esse que cessou pelo facto de o desempregado ter recomeçado a trabalhar)?

4)      A resposta à segunda questão é diferente se tiverem prometido ao trabalhador fronteiriço desempregado em causa que pode requerer a retoma do subsídio de desemprego se, após ter voltado a encontrar trabalho, ficar novamente desempregado, e se a informação prestada a este respeito não se afigurar correta ou inequívoca, em consequência de dúvidas na prática administrativa?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o acórdão Miethe, já referido, continua a ser pertinente, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004, para efeitos da interpretação do artigo 65.°, n.° 2, deste regulamento, de modo que um trabalhador que manteve com o Estado do seu último emprego vínculos profissionais e pessoais tais que dispõe neste Estado de melhores oportunidades de reinserção profissional possa optar por se pôr à disposição dos serviços de emprego deste Estado-Membro a fim de aí receber não apenas um auxílio à reconversão profissional mas também subsídio de desemprego.

19      A fim de responder a esta questão, deve ser feita referência às disposições do artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71 e à interpretação que o Tribunal de Justiça efetuou destas disposições no acórdão Miethe, já referido, antes de examinar o teor do artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento n.° 883/2004.

20      O artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71 contém disposições específicas aplicáveis aos desempregados que, no decurso do último emprego, residiam num Estado-Membro que não seja o Estado competente. Estas disposições distinguem-se da regra geral prevista no artigo 13.°, n.° 2, deste regulamento, segundo a qual a pessoa que exerce uma atividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação desse Estado.

21      Por força do artigo 71.°, n.° 1, alínea a), ii), do referido regulamento, os trabalhadores fronteiriços em situação de desemprego completo estão sujeitos à legislação do Estado-Membro no território do qual residem. O Tribunal de Justiça considerou que esta disposição presume implicitamente que esse trabalhador beneficia, neste Estado, das condições mais favoráveis na procura de um emprego (v. acórdão Miethe, já referido, n.° 17).

22      Por força do artigo 71.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71, os trabalhadores assalariados que não sejam trabalhadores fronteiriços, isto é, pessoas que, ao contrário dos trabalhadores fronteiriços, não regressam diariamente ou pelo menos uma vez por semana ao seu Estado de residência, têm a possibilidade de optar, quando se encontram em situação de desemprego completo, por permanecer à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro competente ou pôr-se à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro onde residem. No primeiro caso, beneficiam das prestações do Estado-Membro do último emprego, no segundo, beneficiam das prestações do Estado-Membro de residência. As prestações em causa englobam não só subsídios em dinheiro mas igualmente o auxílio à reconversão profissional (v., neste sentido, acórdão Miethe, já referido, n.° 16).

23      O Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 18 do acórdão Miethe, já referido, que o objetivo prosseguido pelo artigo 71.°, n.° 1, alínea a), ponto ii), do Regulamento n.° 1408/71, relativo aos trabalhadores fronteiriços em situação de desemprego completo, a saber, garantir ao trabalhador migrante o benefício das prestações de desemprego nas condições mais favoráveis, não pode, todavia, ser alcançado quando um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo manteve excecionalmente no Estado-Membro do seu último emprego vínculos pessoais e profissionais tais que é neste Estado que dispõe de melhores possibilidades de reinserção profissional. Esse trabalhador deve, então, ser considerado «trabalhador que não seja trabalhador fronteiriço» na aceção do artigo 71.° do referido regulamento e é, por conseguinte, abrangido pelo âmbito de aplicação do n.° 1, alínea b), deste artigo. Daqui resulta que este trabalhador pode optar por se pôr à disposição dos serviços de emprego do último Estado-Membro onde trabalhou e receber prestações deste Estado, sob a forma de um auxílio à reconversão ou de um subsídio.

24      Como resulta do considerando 3 do Regulamento n.° 883/2004, o legislador pretendeu modernizar e simplificar as disposições do Regulamento n.° 1408/71 que se tinham tornado complexas e extensas na sequência de numerosas alterações e atualizações.

25      Por conseguinte, o artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004 substituiu o artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71, tendo alterado parcialmente o seu conteúdo.

26      Resulta do artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento n.° 883/2004 que o trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que residia num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro competente e que nele continue a residir — o Estado-Membro de residência — se põe à disposição dos serviços de emprego do referido Estado. Esta disposição prevê que ele pode, a título complementar, pôr-se à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro onde exerceu a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria.

27      No que diz respeito ao trabalhador que não seja um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, este põe-se à disposição dos serviços de emprego do seu Estado de residência, caso regresse a este Estado, ou dos serviços de emprego do último Estado-Membro onde trabalhou, caso não regresse ao referido Estado.

28      A possibilidade de um trabalhador fronteiriço que se encontre em situação de desemprego completo, prevista no artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento n.° 883/2004, se pôr, a título complementar, à disposição dos serviços de emprego do Estado-Membro do seu último emprego constitui um elemento novo em relação ao teor do artigo 71.°, n.° 1, alínea a), ponto ii), do Regulamento n.° 1408/71. O trabalhador em causa, independentemente dos vínculos que tenha conservado neste Estado e, nomeadamente, se aí dispuser de melhores possibilidades de reinserção profissional, pode, assim, também beneficiar, no referido Estado, de serviços de reconversão. Ao agir nestes termos, o legislador teve, parcialmente, em conta o acórdão Miethe, já referido.

29      Todavia, segundo este acórdão, um trabalhador cujos vínculos com o Estado do seu último emprego eram tais que dispunha neste Estado de melhores possibilidades de reinserção profissional e devia, por conseguinte, ser considerado um trabalhador não fronteiriço podia beneficiar não só dos serviços de reconversão do referido Estado mas também do subsídio de desemprego deste último.

30      Por conseguinte, coloca-se a questão de saber se o Regulamento n.° 883/2004 manteve a faculdade de esse trabalhador receber um subsídio de desemprego no Estado-Membro do seu último emprego.

31      A este respeito, importa declarar que esta faculdade não resulta da redação do artigo 65.°, n.° 2, deste regulamento. Este prevê que o trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo se deve pôr à disposição dos serviços de emprego do seu Estado de residência. Trata-se de uma obrigação e não de uma faculdade. Nos termos do n.° 5, alínea a), do referido artigo, esse trabalhador beneficia das prestações, e, por conseguinte, do subsídio de desemprego, em conformidade com a legislação do Estado-Membro de residência, como se tivesse estado sujeito a essa legislação durante a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria. Só a título complementar é que este se pode inscrever também nos serviços de emprego do Estado-Membro do seu último emprego. Em conformidade com o artigo 56.°, n.° 1, do regulamento de aplicação, que faz referência ao artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento n.° 883/2004, esta inscrição diz apenas respeito à procura de emprego.

32      Sendo o Regulamento n.° 883/2004 posterior à prolação do acórdão Miethe, já referido, o legislador, se quisesse, poderia ter redigido o artigo 65.° deste regulamento, tendo presente a sua vontade de modernizar e de simplificar as regras existentes, integrando plenamente e de maneira explícita a interpretação do artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71 dada pelo Tribunal de Justiça neste acórdão. Ora, o legislador não o fez. Nestas condições, deve considerar-se que a inexistência de uma menção expressa, no artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento n.° 883/2004, da faculdade de obter um subsídio de desemprego do Estado-Membro do último emprego reflete a vontade deliberada do legislador de limitar a tomada em consideração do acórdão Miethe, já referido, prevendo apenas uma possibilidade complementar de o trabalhador em causa se inscrever como candidato a emprego nos serviços deste Estado-Membro, a fim de aí obter um auxílio complementar à reconversão.

33      Esta interpretação é, aliás, corroborada pelos trabalhos preparatórios relativos ao Regulamento n.° 883/2004 e ao regulamento de aplicação.

34      No que diz respeito ao Regulamento n.° 883/2004, a Comissão Europeia tinha proposto pôr termo ao sistema existente, segundo o qual o trabalhador fronteiriço em situação de desemprego recebe as prestações de desemprego do Estado de residência, e não do Estado do seu último emprego. Ora, numa comunicação datada de 27 de janeiro de 2004, a Comissão salientou que, na Posição Comum (CE) n.° 18/2004, adotada pelo Conselho em 26 de janeiro de 2004, com vista à adoção do Regulamento n.° 883/2004 (JO C 79 E, p. 15), este não tinha chegado a um acordo sobre esta proposta e tinha mantido a responsabilidade do Estado de residência pelo pagamento dos subsídios.

35      No que respeita ao regulamento de aplicação, o Parlamento Europeu tinha proposto, num relatório de 10 de junho de 2008, que fosse precisado num considerando deste regulamento que a faculdade de inscrição do trabalhador nos serviços de emprego do Estado do seu último emprego se destinava a favorecer a mobilidade dos trabalhadores e das pessoas em situação de desemprego, mas que o trabalhador só tinha direito a um único subsídio no Estado-Membro de residência. O Parlamento tinha explicado que a sua alteração tinha o objetivo de eliminar toda a ambiguidade relativamente à aplicação ou à não aplicação do acórdão Miethe, já referido. Ora, o considerando 13 do referido regulamento retoma a alteração proposta pelo Parlamento em termos quase idênticos.

36      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que, após a entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004, as disposições do artigo 65.° deste regulamento não devem ser interpretadas à luz do acórdão Miethe, já referido. No caso de um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que conservou no Estado-Membro do seu último emprego vínculos pessoais e profissionais tais que dispõe neste Estado de melhores possibilidades de reinserção profissional, o artigo 65.° deve ser interpretado no sentido de que permite que um trabalhador se ponha, a título complementar, à disposição dos serviços de emprego do referido Estado, não com vista à obtenção de um subsídio de desemprego neste último Estado mas apenas para aí beneficiar dos serviços de reconversão.

 Quanto à segunda questão

37      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as normas relativas à livre circulação de trabalhadores, que figuram, em particular, no artigo 45.° TFUE, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que o Estado-Membro do último emprego recuse, em conformidade com o seu direito nacional, conceder a um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que dispõe neste Estado-Membro de melhores possibilidades de reinserção profissional, o direito a subsídio de desemprego, com fundamento em este trabalhador não residir no seu território.

38      Há que examinar esta questão à luz de situações como a de F. P. Jeltes. Com efeito, a situação de trabalhadores como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold apresenta características particulares que serão examinadas no âmbito da resposta à terceira e quarta questões.

39      Importa declarar que, tendo presente a coordenação exigida pelo Regulamento n.° 883/2004, o facto de impor uma condição de residência prevista no direito nacional não conduz, numa situação como a de F. P. Jeltes, a um resultado diferente do decorrente da aplicação das normas constantes do artigo 65.°, n.os 2 e 5, alínea a), do Regulamento n.° 883/2004, segundo as quais o trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo beneficia das prestações em conformidade com as disposições da legislação do Estado-Membro de residência, como se tivesse estado sujeito a esta legislação durante a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, e a instituição do local da residência lhe concede estas prestações. Além disso, nos termos do artigo 11.°, n.° 3, alínea c), deste regulamento, a pessoa que beneficia de prestações de desemprego em conformidade com as disposições deste artigo 65.°, em virtude da legislação do Estado-Membro de residência, está sujeita à legislação deste Estado-Membro. Resulta da decisão de reenvio que as autoridades nacionais invocaram o referido artigo 65.° para indeferir os pedidos de obtenção ou de continuação do pagamento das prestações de desemprego apresentadas pelos recorrentes no processo principal e para sugerir a estes últimos que se dirigissem às autoridades do seu Estado de residência.

40      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao Regulamento n.° 1408/71 que, ao adotar o Regulamento n.° 883/2004, o legislador da União, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe na escolha das medidas mais adequadas para atingir o resultado visado no artigo 42.° CE, cumpriu, em princípio, a sua obrigação, resultante da missão que lhe é conferida neste artigo, de criar um regime que permita aos trabalhadores ultrapassar os obstáculos que lhes sejam eventualmente criados pelas regras nacionais relativas à segurança social (v., por analogia, nomeadamente, acórdão de 16 de julho de 2009, von Chamier-Glisczinski, C-208/07, Colet., p. I-6095, n.° 64 e jurisprudência referida).

41      Assim sendo, a conclusão segundo a qual, numa determinada situação, a aplicação de uma regulamentação nacional pode ser conforme com uma disposição de um ato de direito derivado, no caso em apreço o Regulamento n.° 883/2004, não tem necessariamente por efeito subtrair a aplicação desta regulamentação às disposições do Tratado FUE (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão von Chamier-Glisczinski, já referido, n.° 66, e, em matéria de prestações de desemprego, acórdãos de 18 de julho de 2006, De Cuyper, C-406/04, Colet., p. I-6947, e de 11 de setembro de 2008, Petersen, C-228/07, Colet., p. I-6989).

42      A este respeito, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o subsídio de desemprego pago pelas autoridades neerlandesas é de montante superior ao que é pago pelas autoridades belgas, mas este último é pago durante um período de tempo mais longo.

43      Contudo, importa recordar que, na medida em que o artigo 48.° TFUE prevê uma coordenação das legislações dos Estados-Membros, e não a sua harmonização, as diferenças de caráter material e processual entre os regimes de segurança social de cada Estado-Membro, e, portanto, nos direitos das pessoas inscritas nestes regimes, não são afetadas por esta disposição (v. acórdão von Chamier-Glisczinski, já referido, n.° 84 e jurisprudência referida).

44      Nestas condições, as normas do Tratado relativas à livre circulação não podem garantir a um segurado que uma deslocação para outro Estado-Membro seja neutra em matéria de segurança social. Com efeito, tendo em conta as disparidades entre os regimes e as legislações dos Estados-Membros na matéria, tal deslocação pode, segundo o caso, ser mais ou menos vantajosa no plano financeiro para o segurado (v. acórdão von Chamier-Glisczinski, já referido, n.° 85, e acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Alemanha, C-562/10, n.° 57).

45      Assim, o facto de uma pessoa como F. P. Jeltes receber subsídio de desemprego da instituição competente do Estado-Membro de residência, no caso em apreço o Reino da Bélgica, resulta da aplicação, em conformidade com o Regulamento n.° 883/2004, da lei deste Estado-Membro em matéria de prestações de desemprego. Uma diferença entre as prestações previstas na legislação do Estado-Membro do último emprego e as atribuídas em conformidade com a legislação do Estado-Membro de residência não pode, nestas condições, ser considerada uma restrição à livre circulação de trabalhadores, na medida em que esta resulta da falta de harmonização do direito da União na matéria (v., por analogia, em matéria de proteção contra o risco de doença, acórdão de 14 de outubro de 2010, van Delft e o., C-345/09, Colet., p. I-9879, n.° 106).

46      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que as normas relativas à livre circulação de trabalhadores, que figuram, em particular, no artigo 45.° TFUE, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que o Estado-Membro do último emprego recuse, em conformidade com o seu direito nacional, conceder a um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que dispõe neste Estado-Membro de melhores possibilidades de reinserção profissional, o direito a subsídio de desemprego, pelo facto de não residir no seu território, uma vez que, em conformidade com as disposições do artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004, a legislação aplicável é a do Estado-Membro de residência.

 Quanto à terceira e quarta questões

47      A terceira e quarta questões referem-se à situação de pessoas, como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold, que, tendo em conta a proximidade entre os dois períodos de desemprego em que se encontraram, requereram, com fundamento na lei nacional, a continuação do pagamento do subsídio de que beneficiaram inicialmente, mas foi-lhes recusada a continuação deste pagamento devido à entrada em vigor, entretanto, do Regulamento n.° 883/2004.

48      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, nessa situação, a fim de evitar uma restrição à livre circulação de trabalhadores, as disposições transitórias do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, o artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, relativo ao direito de propriedade, e os princípios da segurança jurídica ou da proteção da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que os trabalhadores em causa podem continuar a receber prestações de desemprego do Estado do seu último emprego.

49      A este respeito, importa recordar que o artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004 prevê, a favor de uma pessoa que, em consequência deste regulamento, esteja sujeita à legislação de um Estado-Membro que não seja aquele a cuja legislação estava sujeita por força do título II do Regulamento n.° 1408/71, a manutenção desta última legislação durante um determinado período de tempo, após a entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004, na condição de se manter inalterada a situação relevante.

50      Assim, esta disposição é aplicável, em primeiro lugar, desde que a legislação aplicável seja abrangida pelo título II do Regulamento n.° 1408/71 e, em segundo lugar, na condição de se manter inalterada a situação relevante.

51      No que diz respeito à primeira destas duas condições, é pacífico que M. A. Peeters e J. G. J. Arnold receberam subsídio de desemprego das autoridades neerlandesas, nos termos das disposições legislativas neerlandesas, em conformidade com o artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71. Ora, este artigo é abrangido não pelo título II deste regulamento, relativo às normas gerais de determinação da legislação aplicável, mas pelo título III do referido regulamento, relativo às disposições particulares que permitem determinar esta legislação em matéria, nomeadamente, de prestações de desemprego.

52      Assim, não se pode considerar que o artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, enquanto tal, é diretamente aplicável, ao litígio no processo principal.

53      Nestes termos, coloca-se a questão de saber se esta circunstância se opõe à manutenção da legislação que era aplicável ao abrigo do Regulamento n.° 1408/71.

54      Tendo em conta o conjunto das observações apresentadas no Tribunal de Justiça, esta circunstância não deveria, por si só, obstar a esta manutenção.

55      A este respeito, como salientou, no essencial, o advogado-geral no n.° 68 das suas conclusões, pode considerar-se que o facto de no Regulamento n.° 883/2004 não ter sido mencionada nenhuma disposição transitória aplicável à situação dos trabalhadores em causa se deve a uma lacuna ocorrida durante o processo legislativo que conduziu à adoção do Regulamento n.° 883/2004 e não reflete uma vontade deliberada do legislador de sujeitar imediatamente estes últimos a outra legislação.

56      Nestas condições, há que interpretar a disposição transitória prevista no artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004 no sentido de que é aplicável, por analogia, a trabalhadores fronteiriços em situação de desemprego completo que, tendo em conta os vínculos que conservaram no Estado-Membro do seu último emprego, recebem deste Estado um subsídio de desemprego com fundamento na legislação deste Estado-Membro, em virtude do artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71. A circunstância de este último artigo estar abrangido pelo título III do Regulamento n.° 1408/71 não se opõe, nesse caso, a esta aplicação.

57      No que diz respeito, no âmbito da referida aplicação do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, à questão de saber se se «mant[eve] inalterada a situação relevante», as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça relativas ao sentido a dar a estes termos divergem.

58      Segundo o Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen e os Governos neerlandês e dinamarquês, uma vez que os trabalhadores em causa exerciam uma atividade profissional na data da entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004 e que só ficaram desempregados após esta data, deve considerar-se que a sua situação se alterou, na aceção do artigo 87.°, n.° 8, deste regulamento. Segundo M. A. Peeters, o Governo alemão e a Comissão, estas circunstâncias não são determinantes e não se opõem necessariamente à manutenção da lei que era aplicável ao abrigo do Regulamento n.° 1408/71.

59      A este respeito, importa salientar que o Regulamento n.° 883/2004 não define o conceito de «situação inalterada». Todavia, na medida em que este regulamento não constitui uma medida de harmonização dos sistemas nacionais de segurança social, mas um ato que visa coordenar estes sistemas, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, na sua legislação, no respeito do direito da União, os requisitos de concessão das prestações de um regime de segurança social (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2012, Hudzinski e Wawrzyniak, C-611/10 e C-612/10, n.° 42). O conceito de «situação inalterada», na aceção do artigo 87.°, n.° 8, deste regulamento, deve, por conseguinte, ser interpretado recorrendo à definição dada pela legislação nacional em matéria de segurança social (v., por analogia, no que respeita ao termo «emprego», na aceção do artigo 71.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, acórdão de 11 de novembro de 2004, Adanez-Vega, C-372/02, Colet., p. I-10761, n.° 33).

60      No que respeita a trabalhadores como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold, compete, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, em virtude do direito neerlandês, na data em que estes trabalhadores recomeçaram a trabalhar após um primeiro período de desemprego, respetivamente, em abril de 2010 e em março de 2009, podiam continuar a receber o subsídio de desemprego caso se encontrassem de novo, até determinada data, em situação de desemprego. A referência ao termo «continuação» pelas autoridades neerlandesas poderia indicar que esse direito existe nos termos da legislação neerlandesa. Em caso afirmativo, incumbe a este órgão jurisdicional determinar se, tendo em conta, nomeadamente, o período durante o qual os interessados exerceram de novo uma atividade, estes preenchem os requisitos previstos na legislação nacional para poderem continuar a beneficiar do pagamento do referido subsídio, independentemente da entrada em vigor do Regulamento n.° 883/2004.

61      Daqui decorre que o conceito de «situação inalterada», na aceção do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, deve ser apreciado à luz da legislação nacional em matéria de segurança social e que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se trabalhadores como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold preenchem os requisitos previstos nesta legislação para poderem continuar a receber o subsídio de desemprego que lhes era pago ao abrigo da referida legislação, em conformidade com o artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71.

62      Resulta das considerações anteriores que cabe responder o seguinte à terceira e quarta questões:

¾        As disposições do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004 são aplicáveis a trabalhadores fronteiriços em situação de desemprego completo que, tendo em conta os vínculos que conservaram no Estado-Membro do seu último emprego, recebem deste subsídio de desemprego, com fundamento na legislação deste Estado-Membro, em virtude do artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71.

¾        O conceito de «situação inalterada», na aceção do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, deve ser apreciado à luz da legislação nacional em matéria de segurança social. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se trabalhadores como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold preenchem os requisitos previstos nesta legislação para poderem continuar a receber o subsídio de desemprego que lhes era pago ao abrigo da referida legislação, em conformidade com o artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Após a entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, as disposições do artigo 65.° deste regulamento não devem ser interpretadas à luz do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de junho de 1986, Miethe (1/85). No caso de um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que conservou no Estado-Membro do seu último emprego vínculos pessoais e profissionais tais que dispõe neste Estado de melhores possibilidades de reinserção profissional, o artigo 65.° deve ser interpretado no sentido de que permite que um trabalhador se ponha, a título complementar, à disposição dos serviços de emprego do referido Estado, não com vista à obtenção de um subsídio de desemprego neste último Estado mas apenas para aí beneficiar dos serviços de reconversão.

2)      As normas relativas à livre circulação de trabalhadores, que figuram, em particular, no artigo 45.° TFUE, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que o Estado-Membro do último emprego recuse, em conformidade com o seu direito nacional, conceder a um trabalhador fronteiriço em situação de desemprego completo, que dispõe neste Estado-Membro de melhores possibilidades de reinserção profissional, o direito a subsídio de desemprego, pelo facto de não residir no seu território, uma vez que, em conformidade com as disposições do artigo 65.° do Regulamento n.° 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 988/2009, a legislação aplicável é a do Estado-Membro de residência.

3)      As disposições do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 988/2009, são aplicáveis a trabalhadores fronteiriços em situação de desemprego completo que, tendo em conta os vínculos que conservaram no Estado-Membro do seu último emprego, recebem deste subsídio de desemprego, com fundamento na legislação deste Estado-Membro, em virtude do artigo 71.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008.

O conceito de «situação inalterada», na aceção do artigo 87.°, n.° 8, do Regulamento n.° 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 988/2009, deve ser apreciado à luz da legislação nacional em matéria de segurança social. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se trabalhadores como M. A. Peeters e J. G. J. Arnold preenchem os requisitos previstos nesta legislação para poderem continuar a receber o subsídio de desemprego que lhes era pago ao abrigo da referida legislação, em conformidade com o artigo 71.° do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 592/2008.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.