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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

6 de setembro de 2012 (*)

«IVA — Sexta Diretiva — Artigos 17.°, n.° 2, e 19.° — Deduções — Imposto devido ou pago por serviços adquiridos por uma sociedade holding — Serviços que apresentam um nexo direto, imediato e inequívoco com operações tributadas a jusante»

No processo C-496/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Portugal), por decisão de 20 de setembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de setembro de 2011, no processo

Portugal Telecom SGPS, SA,

contra

Fazenda Pública,

estando presente:

Ministério Público,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: U. Lõhmus, presidente de secção, A. Ó Caoimh, e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado-geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Portugal Telecom SGPS, SA, por A. Gonçalves Ferreira, advogado,

¾        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Portugal Telecom SGPS, SA (a seguir «Portugal Telecom»), à Fazenda Pública, a propósito do método a utilizar para determinar o montante a deduzir do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de que a Portugal Telecom era devedora.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva tem a seguinte redação:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.      As importações de bens.»

4        O artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Diretiva prevê:

«1.      Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade.

2.      As atividades económicas referidas no n.° 1 são todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência é igualmente considerada uma atividade económica.»

5        O artigo 11.° da Sexta Diretiva determina o valor tributável, nos seguintes termos:

«A.      No território do país

1.      A matéria coletável é constituída:

a)      No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações;

[...]»

6        O artigo 17.° da Sexta Diretiva estabelece normas sobre a constituição e o alcance do direito a dedução e prevê, designadamente:

«1.      O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O [IVA] devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]

5.      No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do [IVA] proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este prorata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

Todavia, os Estados-Membros podem:

a)      Autorizar o sujeito passivo a determinar um prorata para cada setor da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses setores;

b)      Obrigar o sujeito passivo a determinar um prorata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;

c)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)      Estabelecer que não se tome em consideração o [IVA] que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.

[...]»

7        O artigo 19.° da Sexta Diretiva estabelece as regras aplicáveis ao cálculo do prorata de dedução, do seguinte modo:

«1.      O prorata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fração que inclui:

¾        no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

¾        no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

O prorata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.»

[...]

3.      O prorata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência ou quando esta não seja significativa, o prorata é estimado provisoriamente, sob fiscalização administrativa pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados-Membros podem manter a sua regulamentação atual.

A fixação do prorata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica o ajustamento das deduções operadas com base no prorata aplicado a título provisório.»

 Regulamentação portuguesa

 Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

8        O artigo 1.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «CIVA») estabelece a base de incidência do IVA. Os artigos 3.° e 6.° do código preveem os casos de não incidência.

9        Por sua vez, o artigo 9.° do CIVA prevê que estão isentas do IVA, designadamente:

«[...]

28.      As operações bancárias e financeiras seguintes:

[...]

f)      As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias;

[...]»

10      O artigo 23.° do CIVA, na versão em vigor para o exercício em causa (o ano 2000), dispunha:

«1.      Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2.      Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3.      A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a)      Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b)      Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4.      A percentagem de dedução referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5.      No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

6.      A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7.      Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30.° e 31.°

8.      Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração será arredondado para a centésima imediatamente superior.

9.      Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que deem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.»

 Regulamentação nacional sobre as holdings

11      As sociedades gestoras de participações sociais (a seguir «SGPS») são sociedades holding regulamentadas, em Portugal, através do Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de dezembro (Diário da República, I série-A, n.° 301, de 30 de dezembro de 1988), alterado pelo Decreto-Lei n.° 318/94, de 24 de dezembro (Diário da República, I série-A, n.° 296, de 24 de dezembro de 1994, a seguir «Decreto-Lei n.° 495/88»).

12      O artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 495/88 dispõe:

«1.      As SGPS […] têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2.      Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

[...]»

13      Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 495/88, é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações de, pelo menos, 10% do capital, com direito de voto, ou, excecionalmente, às sociedades nas quais detenham uma participação de, pelo menos, 10%, com direito de voto, ou com as quais tenham celebrado «contratos de subordinação».

14      O artigo 4.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 495/88 prevê que a prestação de serviços será objeto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o respetivo valor de mercado.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A Portugal Telecom é uma SGPS. Presta serviços técnicos de administração e de gestão a sociedades participadas.

16      No âmbito dessas operações, a Portugal Telecom adquiriu determinados serviços de consultoria, sob o regime do IVA. Faturou esses serviços às sociedades suas participadas pelo mesmo preço a que os tinha adquirido, acrescido do IVA.

17      No exercício fiscal de 2000, a Portugal Telecom deduziu do IVA repercutido a totalidade do IVA incorrido, considerando que as operações tributadas, a saber, os serviços técnicos de administração e de gestão, se enquadravam objetivamente na utilização dos correspondentes serviços adquiridos.

18      Na sequência de uma ação de inspeção tributária levada a cabo pela Administração Tributária, esta entendeu que a Portugal Telecom não podia proceder à dedução integral do IVA a montante que tinha incidido sobre os serviços adquiridos, mas que devia aplicar o método de dedução prorata. Em consequência, emitiu um ato de liquidação adicional, que notificou à Portugal Telecom, no qual fixava em cerca de 25% a percentagem dedutível do IVA pago a montante.

19      A Portugal Telecom deduziu impugnação contra essa liquidação, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa. Este tribunal indeferiu, no essencial, a impugnação, considerando, em substância, que o objetivo fundamental das SGPS é a realização de operações isentas. Na medida em que, para além destas operações, é possível admitir, como atividade acessória, a realização de outras atividades de prestação de serviços técnicos de administração e de gestão em proveito de todas ou de algumas das sociedades participadas, que estão sujeitas a IVA, aquele tribunal considerou que as prestações de serviços técnicos de administração e de gestão são indissociáveis da própria gestão das participações sociais. Por isso, decidiu que o método a utilizar para determinar o montante do IVA dedutível é o método de dedução do prorata.

20      A Portugal Telecom impugnou a decisão de primeira instância para o Tribunal Central Administrativo Sul. Para fundamentar o recurso, sustentou que a fundamentação jurídica da decisão de primeira instância violava o direito nacional relativo ao IVA e o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva.

21      Na medida em que as operações tributáveis realizadas pela Portugal Telecom, em relação com as participações sociais por ela detidas, constituem, em seu entender, prestações de serviços que apresentam um nexo direto e imediato com os serviços adquiridos com vista à sua prestação, esta sociedade considera que pode deduzir a totalidade do imposto pago nas aquisições, recorrendo ao método da afetação real.

22      Nestas condições, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      A correta interpretação do artigo 17.°, n.° 2 da Sexta Diretiva [...], veda que a Administração Tributária portuguesa imponha à Recorrente — uma SGPS –, a utilização do método de dedução do prorata para a totalidade do IVA incorrido nos seus inputs, com fundamento no facto de o seu objeto social principal ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, mesmo quando esses inputs (serviços adquiridos) apresentam um nexo direto, imediato e inequívoco com operações tributadas — prestações de serviços — realizadas a jusante, no âmbito de uma atividade complementar, legalmente permitida, de prestação de serviços técnicos de gestão?

2)      Uma entidade que tenha a qualidade de SGPS e que incorra em IVA na aquisição de bens e serviços que, em seguida, são redebitados na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, consubstanciando esta uma atividade de caráter acessório — prestação de serviços técnicos de administração e gestão — à atividade principal desenvolvida — gestão de participações sociais –, poderá deduzir a totalidade do imposto incorrido naquelas aquisições, por via da aplicação do método de dedução da afetação real, previsto no n.° 2 do artigo 17.° da Sexta Diretiva?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

23      O Governo português suscita, a título principal, a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

24      Sustenta que o órgão jurisdicional de reenvio não identificou com precisão qual a norma de direito nacional em causa no processo principal e que o referido tribunal se limitou a mencionar os artigos 20.° e 23.° do CIVA, quando o primeiro destes artigos já foi objeto de várias redações e o segundo regula um grande número de questões relativas às deduções de IVA. Por outro lado, a decisão de reenvio não contém nenhuma indicação precisa acerca da regulamentação nacional relativa a holdings.

25      Ora, ainda que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito da cooperação judiciária instituída pelo artigo 267.° TFUE, fornecer ao órgão jurisdicional nacional, a partir dos elementos dos autos, os elementos de interpretação que se lhe afigurem úteis para a apreciação dos efeitos das disposições do direito da União, nenhuma passagem da decisão de reenvio contém uma indicação precisa, mesmo sucinta, acerca das disposições do direito interno português em causa no litígio no processo principal.

26      Consequentemente, segundo o Governo português, as lacunas da decisão de reenvio não permitem ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil.

27      A este respeito, as informações que devem ser fornecidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma decisão de reenvio destinam-se a permitir ao Tribunal dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio. Para esse efeito, é necessário que o juiz nacional defina o quadro factual e regulamentar no qual se inserem as questões que coloca, ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que se baseiam essas questões (v., neste sentido, acórdãos de 31 de março de 2011, Schröder, C-450/09, Colet., p. I-2497, n.° 18, e de 16 de fevereiro de 2012, Varzim Sol, C-25/11, n.° 30).

28      Neste caso, a decisão de reenvio refere que, no que diz respeito à dedução do IVA suportado a montante pela recorrente no processo principal, a Administração Tributária impõe o método do prorata previsto no artigo 23.°, n.° 1, do CIVA, ao passo que a recorrente sustenta que pode empregar o método previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva.

29      Estes elementos são suficientes à luz da jurisprudência recordada no n.° 27 do presente acórdão. Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

30      Com as suas questões prejudiciais, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.°, n.os 2 e 5, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de detenção da totalidade ou de parte do capital social das sociedades participadas, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o IVA pago a montante, aplicando o método previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, ou pode ser obrigada pela Administração Tributária nacional a utilizar um dos métodos previstos no artigo 17.°, n.° 5, da mesma diretiva.

31      A este respeito, recorde-se, em primeiro lugar, que resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que não tem a qualidade de sujeito passivo do IVA, na aceção do artigo 4.° da Sexta Diretiva, e não tem direito a dedução, segundo o artigo 17.° da Sexta Diretiva, uma holding cujo único objeto é a tomada de participações noutras empresas, sem que essa holding interfira direta ou indiretamente na gestão destas empresas, com ressalva dos direitos que a dita holding detenha na sua qualidade de acionista ou de sócia (v. acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands, C-60/90, Colet., p. I-3111, n.° 17; de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, Colet., p. I-9567, n.° 17; e de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colet., p. I-6663, n.° 18).

32      A mera aquisição e a mera detenção de participações sociais não devem ser consideradas atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter permanente, porque o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem (v. acórdãos de 22 de junho de 1993, Sofitam, C-333/91, Colet., p. I-3513, n.° 12, e de 6 de fevereiro de 1997, Harnas & Helm, C-80/95, Colet., p. I-745, n.° 15; e acórdão Cibo Participations, já referido, n.° 19).

33      A situação é diferente quando a participação é acompanhada da interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de acionista ou de sócio (acórdãos, já referidos, Polysar Investments Netherlands, n.° 14, Floridienne e Berginvest, n.° 18, e Cibo Participations, n.° 20; e acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, Colet., p. I-10413, n.° 30).

34      A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa diretiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais (acórdão Cibo Participations, já referido, n.° 22).

35      Recorde-se igualmente, em segundo lugar, que o direito a dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colet., p. I-1883, n.° 18; de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colet., p. I-1577, n.° 43; de 13 de março de 2008, Securenta, C-437/06, Colet., p. I-1597, n.° 24; e de 4 de junho de 2009, SALIX Grundstücks-Vermietungsgesellschaft, C-102/08, Colet., p. I-4629, n.° 70). Qualquer limitação do direito a dedução tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva (acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C-97/90, Colet., p. I-3795, n.° 27, e BP Soupergaz, já referido, n.° 18).

36      Para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdão Cibo Participations, já referido, n.° 31; acórdãos de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colet., p. I-4357, n.° 35, de 8 de fevereiro de 2007, Investrand, C-435/05, Colet., p. I-1315, n.° 23; e acórdãos, já referidos, Securenta, n.° 27, e SKF, n.° 57).

37      Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Kretztechnik, n.° 36, Investrand, n.° 24, e SKF, n.° 58).

38      Quanto ao regime aplicável ao direito a dedução, para conferir o direito a dedução previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, os bens ou os serviços devem apresentar um nexo direto e imediato com as operações a jusante com direito a dedução. A este respeito, é indiferente o objetivo último prosseguido pelo sujeito passivo (v. acórdãos de 8 de junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colet., p. I-4177, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.° 25; e acórdão Cibo Participations, já referido, n.° 28).

39      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva estabelece o regime aplicável ao direito a dedução do IVA, quando este se refere a operações a montante utilizadas pelo sujeito passivo «não só para operações com direito a dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito a dedução», limitando o direito a dedução à parte do IVA que é proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Resulta desta disposição que se um sujeito passivo utiliza bens e serviços para efetuar ao mesmo tempo operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, pode unicamente deduzir a parte do IVA que é proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (acórdão Cibo Participations, já referido, n.os 28 e 34).

40      Decorre desta jurisprudência, por um lado, que o regime de dedução previsto no artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva visa unicamente os casos em que os bens e os serviços são utilizados por um sujeito passivo para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, ou seja, bens e serviços cuja utilização é mista e, por outro, que os Estados-Membros podem usar um dos métodos de dedução previstos no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, apenas para os referidos bens e serviços.

41      Pelo contrário, os bens e os serviços que são utilizados pelo sujeito passivo unicamente para realizar operações económicas com direito a dedução não entram no campo de aplicação do artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, sendo abrangidos, no que respeita ao regime de dedução, pelo artigo 17.°, n.° 2, desta diretiva.

42      Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as regras contidas no artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva dizem respeito ao IVA a montante que onera as despesas relacionadas exclusivamente com operações económicas e que a determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do IVA pago a montante entre atividades económicas e atividades não económicas, na aceção da Sexta Diretiva, faz parte do poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia desta diretiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades (acórdão Securenta, já referido, n.os 33 e 39).

43      A Portugal Telecom sustenta que a Administração Tributária nacional considera que, tendo em conta o seu caráter acessório da atividade principal, as prestações de serviços técnicos de administração e de gestão são indissociáveis da gestão das participações sociais. Consequentemente, os serviços adquiridos pelas SGPS e fornecidos às suas participadas são considerados operações mistas para efeitos do direito a dedução do IVA, e esta Administração impõe o método de dedução prorata.

44      Para a hipótese de a posição da Administração Tributária ser efetivamente a descrita no número anterior, o que incumbe ao juiz de reenvio verificar, importa recordar que o regime das deduções visa dispensar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos, já referidos, Midland Bank, n.° 19; Abbey National, n.° 24; Cibo Participations, n.° 27; Kretztechnik, n.° 34; e Investrand, n.° 22).

45      Caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objeto social das referidas sociedades ou da sua atividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua atividade principal.

46      Quando os referidos serviços são utilizados para realizar simultaneamente operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do IVA que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e os Estados-Membros estão autorizados a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva.

47      Por último, quando os serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, em conformidade com o indicado no n.° 42 do presente acórdão.

48      Cabe ao juiz de reenvio determinar se todos os serviços em causa no processo principal apresentam um nexo direto e imediato com as operações económicas a jusante que dão direito a dedução, ou se esses serviços são utilizados pelo sujeito passivo para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, ou ainda se esses serviços são utilizados pelo sujeito passivo, simultaneamente, para operações económicas e para operações não económicas.

49      Resulta do conjunto destas considerações que há que responder às questões submetidas que o artigo 17.°, n.os 2 e 5, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do IVA que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.°, n.° 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades.

 Quanto às despesas

50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 17.°, n.os 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.°, n.° 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades.

Assinaturas


* Língua do processo: português.