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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

19 de dezembro de 2012 (*)

«IVA — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 63.°, 65.°, 73.° e 80.° — Constituição de um direito de superfície por pessoas singulares a favor de uma sociedade como contraprestação de serviços de construção prestados por essa sociedade às referidas pessoas singulares — Contrato de troca comercial — IVA sobre os serviços de construção — Facto gerador — Exigibilidade — Pagamento antecipado da totalidade da contraprestação — Pagamento por conta — Valor tributável de uma operação no caso de a contraprestação ser constituída por bens ou serviços — Efeito direto»

No processo C-549/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Varhoven administrativen sad (Bulgária), por decisão de 27 de outubro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de novembro de 2011, no processo

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — grad Burgas pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsiya za prihodite

contra

Orfey Balgaria EOOD,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: C. Toader, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado-geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — grad Burgas pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsiya za prihodite, por I. Andonova, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo búlgaro, por T. Ivanov e E. Petranova, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e V. Savov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.°, 65.°, 73.° e 80.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — grad Burgas pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (diretor da Direção «Recursos e Processos de Execução», para a cidade de Burgas, da Agência Nacional das Receitas Públicas, a seguir «Direktor») à Orfey Balgaria EOOD (a seguir «Orfey») a respeito de um aviso de liquidação retificativo que aplicou a esta última um montante adicional de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 62.° da diretiva IVA dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1)      ‘Facto gerador do imposto’, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

2)      ‘Exigibilidade do imposto’, o direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

4        O artigo 63.° da diretiva IVA prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

5        Nos termos do artigo 65.° da diretiva IVA:

«Em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna-se exigível no momento da cobrança e incide sobre o montante recebido.»

6        O artigo 73.° da diretiva IVA enuncia:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

7        O artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA prevê que, a fim de evitar a fraude ou evasão fiscais, os Estados-Membros podem tomar medidas para que, relativamente às entregas de bens e prestações de serviços que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos, definidos pelo Estado-Membro, o valor tributável seja o valor normal da operação, nos casos que enumera.

8        O artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA dispõe:

«Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.»

 Direito búlgaro

9        Na sua versão aplicável no processo principal, a Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, DV n.° 63, de 4 de agosto de 2006, e DV n.° 113, de 28 de dezembro de 2007, a seguir «ZDDS») prevê no seu artigo 25.°:

«1)      Considera-se facto gerador do IVA, na aceção desta lei, a entrega de bens ou a prestação de serviços efetuada por pessoas que são sujeitos passivos por força desta lei [...].

2)      O facto gerador ocorre no dia em que a propriedade do bem é transferida ou em que o serviço é prestado.

[...]

6)      Quando for realizado um pagamento antecipado, total ou parcial, no âmbito de uma transação, antes da ocorrência de um facto gerador, na aceção dos n.os 2, 3 ou 4, o IVA torna-se exigível no momento da receção do pagamento (sobre o montante do pagamento), salvo se a receção do pagamento estiver ligada a uma entrega intracomunitária. Nesse caso, o imposto é considerado incluído no montante do pagamento.»

10      O artigo 26.°, n.os 2 e 7, da ZDDS dispõe:

«2)      O valor tributável inclui tudo o que constitui a contraprestação obtida ou a obter pelo fornecedor do adquirente ou de um terceiro expressa em lev e cêntimos, antes de imposto, na aceção da presente lei. [...]

[...]

7)      Quando a contraprestação de uma operação for constituída total ou parcialmente por bens ou serviços (pagamento efetuado total ou parcialmente em bens ou serviços), o valor tributável desta operação é constituído pelo valor normal do bem ou do serviço fornecido, calculado à data a que o IVA se tornou exigível.»

11      Nos termos do artigo 45.° da ZDDS:

«1)      São entregas isentas a transmissão do direito de propriedade sobre um bem imóvel, a constituição ou transmissão de direitos reais limitados sobre um bem imóvel, bem como a sua locação.

2)      A constituição ou transmissão do direito de superfície é considerada entrega isenta nos termos do n.° 1, até serem terminados os toscos do prédio, para o qual o direito de superfície é constituído ou transmitido. O direito de superfície não inclui os trabalhos de montagem e de instalação realizados.»

12      A ZDDS enuncia no seu artigo 130.°:

«1)      Considera-se que as operações em que a contraprestação é constituída (total ou parcialmente) por bens ou serviços representam duas operações correlativas e cada um dos dois prestadores é considerado vendedor do que fornece e comprador do que recebe.

2)      O facto gerador do IVA para as duas operações, por força do n.° 1, ocorre na data da ocorrência do facto gerador da operação realizada em primeiro lugar.»

13      A Lei da propriedade (Zakon za sobstvenostta, DV n.° 92, de 16 novembro 1951), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «ZZS»), dispõe, no seu artigo 63.°, n.° 1:

«O proprietário pode conferir a outra pessoa o direito de construir um prédio no seu bem imóvel, tornando-se esta pessoa proprietária da construção.»

14      O artigo 67.°, n.° 1, da ZZS prevê:

«O direito de construir um prédio no bem imóvel de um terceiro (artigo 63.°, n.° 1) prescreve a favor do proprietário do bem imóvel, se não for exercido no período de cinco anos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Por escritura pública de 3 de abril de 2008, quatro pessoas singulares (a seguir «proprietários») constituíram um direito de superfície a favor da Orfey, em virtude do qual lhe foi atribuído o direito de construir um prédio no terreno pertencente aos referidos proprietários e de se tornar a proprietária exclusiva de determinados bens imóveis que tinha construído. Como contrapartida deste direito de superfície, a Orfey comprometia-se a fazer o projeto do referido prédio, a suportar integralmente os seus custos de construção, até à sua conclusão total, e a entregar «chave na mão» aos proprietários determinados bens imóveis que se encontram nesse prédio sem que estes tenham de realizar qualquer pagamento adicional, bens sobre os quais estes conservam e constituem mutuamente um direito de superfície. A Ofrey compromete-se a concluir o prédio e a obter a autorização de exploração do mesmo num prazo de 21 meses a contar da data de início das obras.

16      Em 5 de abril de 2008, a Orfey enviou a cada um dos proprietários uma fatura descrita do seguinte modo: «direito de superfície constituído nos termos da escritura pública». Essas quatro faturas ascendiam a um montante total de 302 721,36 BGN, acrescido de um montante total de IVA de 60 544,27 BGN.

17      Durante uma inspeção tributária, foi constatado que o valor tributável da operação tinha sido determinado em função da avaliação para efeitos fiscais do direito de superfície em conformidade com a escritura pública, ou seja, 684 000 BG, e não em função do valor normal dos bens imóveis cedidos aos proprietários. Foi igualmente constatado que a Orfey não mencionou as referidas faturas no seu registo de vendas para o período fiscal correspondente, isto é, o mês de abril de 2008, nem para o período seguinte, ou seja, o mês de maio de 2008, e que nunca teve em conta as referidas faturas nas respetivas declarações de IVA.

18      Em 28 de abril de 2009, a Agência Nacional das Receitas Públicas enviou à Orfey um aviso de liquidação retificativo relativo ao mês de abril de 2008, apesar de nessa data a construção do prédio não estar terminada e de o mesmo ainda não estar a ser explorado. A Agência Nacional das Receitas Públicas considerou que a Orfey prestava serviços de construção e que, por força do artigo 130.° da ZDDS, o facto gerador do IVA sobre esta operação ocorreu na data da constituição do direito de superfície. Com base no relatório de peritagem elaborado no âmbito da inspeção tributária, considerou-se que o valor normal do direito de superfície constituído era equivalente ao valor dos serviços de construção do prédio prestados pela Orfey, ou seja, 1 984 130 BGN. O IVA devido sobre a operação foi então fixado pelo referido aviso de liquidação no montante de 396 826 BGN, acrescido de juros.

19      A Orfey interpôs recurso administrativo desse aviso de liquidação retificativo para o Direktor. Tendo sido negado provimento a este recurso, por decisão de 6 de julho de 2009, a Orfey interpôs recurso contencioso do referido aviso no Administrativen sad — Burgas (Tribunal Administrativo de Burgas). Por decisão de 30 de abril de 2010, esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso da Ofrey e anulou o aviso de liquidação retificativo. O Direktor recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

20      Nesse órgão jurisdicional, o Direktor alega, no essencial, que a legislação nacional está em conformidade com a diretiva IVA. A Orfey alega, por seu turno, ter perdido o seu direito de superfície, uma vez que o prédio não foi construído no prazo estabelecido.

21      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, para se pronunciar sobre o litígio que lhe foi submetido, lhe compete determinar, antes de mais, o momento em que ocorreu o facto gerador do IVA dos serviços de construção prestados pela Orfey. A este respeito, salienta, por um lado, que, em seu entender, o facto gerador do IVA respeitante à constituição do direito de superfície ocorreu com a celebração da escritura pública, ainda que essa operação estivesse na altura isenta. Por outro lado, tem dúvidas acerca da compatibilidade da diretiva IVA com o artigo 130.°, n.° 2, da ZDDS, que considera que o facto gerador ocorre antes da realização da operação.

22      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, caso esta disposição da ZDDS esteja em conformidade com a diretiva IVA, deverá, em seguida, apreciar a legalidade da determinação do valor tributável dos serviços de construção. Quanto a este ponto, interroga-se sobre a compatibilidade do artigo 26.°, n.° 7, da ZDDS com o artigo 73.° da diretiva IVA, que leva a considerar no caso vertente o valor normal dos serviços de construção conforme avaliado por um perito.

23      Por último, questiona-se sobre se é possível considerar o direito de superfície em causa um pagamento antecipado pelos futuros serviços de construção a serem efetuados pela Orfey, tendo em conta que este direito de superfície constitui a totalidade da contraprestação recebida pela Orfey por estes serviços e que uma interpretação estrita do artigo 65.° da diretiva IVA impunha que o pagamento antecipado fosse efetuado em dinheiro. Salienta a este respeito que, por força do artigo 67.°, n.° 1, da ZZS, o direito de superfície conferido à Orfey pode ser extinto caso a prescrição extintiva prevista nesta disposição for expressamente invocada.

24      Foi nestas circunstâncias que o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 63.° da [d]iretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que não admite uma exceção em virtude da qual o facto gerador do [IVA] aplicado à prestação de um serviço de construção de determinados objetos num prédio ocorre antes da prestação efetiva do serviço de construção e este (facto gerador do imposto) está ligado à data da ocorrência do facto gerador do imposto relativo à operação a realizar em contrapartida, que consiste na constituição de um direito de superfície sobre outros objetos neste prédio, que também constitui a contraprestação para o serviço de construção?

2)      É compatível com os artigos 73.° e 80.° da [d]iretiva [IVA] uma disposição nacional que prevê que, em todos os casos em que a remuneração consista no todo ou em parte em entregas de bens e em prestações de serviços, o valor tributável da operação é o valor normal do bem entregue ou do serviço prestado?

3)      Deve o artigo 65.° da [d]iretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que se opõe à exigibilidade do IVA sobre o valor do pagamento por conta, quando o pagamento não é efetuado em dinheiro, ou deve esta disposição ser interpretada em sentido amplo, considerando-se que também nestes casos o IVA se torna exigível e que o imposto deve ser cobrado pelo montante do valor financeiro da operação a realizar em contrapartida?

4)      Verificando-se a segunda variante exposta na terceira questão, o direito de superfície constituído no presente caso pode ser entendido, tendo em conta as circunstâncias concretas, como pagamento por conta na aceção do artigo 65.° da [d]iretiva [IVA]?

5)      Os artigos 63.°, 65.° e 73.° da [d]iretiva [IVA] têm efeito direto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira, terceira e quarta questões

25      Com a primeira, terceira e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 63.° e 65.° da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido que, quando é constituído um direito de superfície a favor de uma sociedade com vista à construção de um prédio, como contraprestação de serviços de construção de determinados bens imóveis que se encontram nesse prédio, e a referida sociedade se compromete a entregar o prédio, chave na mão, às pessoas que constituíram este direito de superfície, se opõem a que o IVA sobre estes serviços de construção se torne exigível a partir do momento em que o direito de superfície é constituído, ou seja, antes de essa prestação de serviços ser efetuada.

26      O Direktor, o Governo búlgaro e a Comissão Europeia alegam, no essencial, que esta questão deve ser respondida negativamente. O Direktor e o Governo búlgaro consideram, nomeadamente, que o conceito de «pagamentos por conta», que figura no artigo 65.° da diretiva IVA, não pode ser limitado apenas aos pagamentos em dinheiro e que, para efeitos da aplicação desta disposição, basta que o valor do pagamento efetuado seja suscetível de ser avaliado.

27      A este respeito, importa recordar que o artigo 63.° da diretiva IVA prevê que o facto gerador do imposto ocorre e o imposto se torna exigível no momento em que a entrega de bens ou a prestação de serviços é efetuada. O artigo 65.° da mesma diretiva, nos termos do qual, em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto se torna exigível no momento da cobrança e em relação ao montante recebido, constitui uma derrogação à regra enunciada no artigo 63.° e, enquanto tal, deve ser objeto de uma interpretação estrita (acórdão de 21 de fevereiro de 2006, BUPA Hospitals e Goldsborough Developments, C-419/02, Colet., p. I-1685, n.° 45).

28      Assim, para que o IVA seja exigível, sem que a entrega ou a prestação de serviços tenha sido efetuada, é necessário que todos os elementos pertinentes do facto gerador, isto é, da futura entrega dos bens ou da futura prestação de serviços, já sejam conhecidos e, por conseguinte, em particular, que, no momento do pagamento por conta, os bens ou os serviços sejam designados com precisão (acórdãos BUPA Hospitals e Goldsborough Developments, já referido, n.° 48, e de 3 de maio de 2012, Lebara, C-520/10, n.° 26). Não podem portanto estar sujeitos a IVA os pagamentos por conta de entregas de bens ou de prestações de serviços ainda não claramente identificadas (acórdãos BUPA Hospitals e Goldsborough Developments, já referido, n.° 50, e de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C-270/09, Colet., p. I-13179, n.° 31).

29      Por conseguinte, não está excluído que, em aplicação do artigo 65.º da diretiva IVA, o imposto devido sobre os serviços de construção se torne exigível a partir do momento em que o direito de superfície, que constitui a totalidade da contraprestação destes serviços, é constituído a favor da sociedade que deve prestar os referidos serviços, desde que, nesse momento, todos os elementos pertinentes dessa futura prestação de serviços já sejam conhecidos e, portanto, em particular, os serviços em causa sejam designados com precisão.

30      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a possibilidade de aplicar a referida disposição quando o pagamento por conta consiste num pagamento em espécie.

31      A este respeito, há que salientar que, na verdade, como indica a Comissão, que a redação do artigo 65.° da diretiva IVA parece sugerir, em particular nas suas versões em língua búlgara e francesa, que esta disposição apenas se refere aos pagamentos por conta que consistam num montante em dinheiro.

32      Todavia, é jurisprudência constante que a interpretação de uma disposição de direito derivado da União deve ser feita, na medida do possível, no sentido da sua conformidade com as disposições dos Tratados e os princípios gerais de direito da União (acórdãos de 21 de março de 1991, Rauh, C-314/89, Colet., p. I-1647, n.° 17, e de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C-413/06 P, Colet., p. I-4951, n.° 174 e jurisprudência referida).

33      Resulta igualmente de jurisprudência assente que o princípio da igualdade de tratamento, de que o princípio da neutralidade fiscal é uma expressão específica a nível do direito derivado da União, e no setor particular da fiscalidade, exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a menos que se justifique objetivamente uma diferenciação (acórdão de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer, C-309/06, Colet., p. I-2283, n.os 49 e 51, e de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark, C-174/08, Colet., p. I-10567, n.° 44).

34      Assim, o princípio da neutralidade fiscal, princípio fundamental do sistema comum do IVA, opõe-se, por um lado, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de modo diferente do ponto de vista do IVA e, por outro lado, a que operadores económicos que efetuam as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de IVA (v., designadamente, acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, Colet., p. I-10413, n.° 67 e jurisprudência referida).

35      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que os contratos de troca, em que a contraprestação é por definição em espécie, e as operações para as quais a contraprestação é monetária são, do ponto de vista económico e comercial, duas situações idênticas (v., neste sentido, acórdão de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, C-330/95, Colet., p. I-3801, n.os 23 e 25).

36      Daqui resulta que o princípio da igualdade de tratamento é violado se a aplicação do artigo 65.° da diretiva IVA estiver dependente da forma da contraprestação recebida pelo sujeito passivo. O referido princípio impõe, pois, uma interpretação deste artigo no sentido de que o mesmo se aplica igualmente quando o pagamento por conta é efetuado em espécie, desde que as condições recordadas no n.° 28 do presente acórdão estejam preenchidas. No entanto, é necessário que o valor desse pagamento por conta possa ser expresso em dinheiro. Com efeito, se, segundo jurisprudência assente, a contraprestação de uma entrega de bens pode consistir numa prestação de serviços, e sendo essa a sua matéria coletável na aceção do artigo 73.° da diretiva IVA, quando exista um vínculo direto entre a prestação de serviços e a entrega de bens, é na condição de o valor desta última poder ser expresso em dinheiro (v., neste sentido, acórdão de 3 de julho de 2001, Bertelsmann, C-380/99, Colet., p. I-5163, n.° 17 e jurisprudência referida).

37      O facto de a constituição do direito de superfície em causa no processo principal representar a contrapartida integral, e não unicamente parcial, dos serviços de construção com os quais a Orfey se comprometeu não é suscetível de pôr em causa essa interpretação. Por um lado, o referido artigo 65.° prevê que quando o imposto se torna exigível «incide sobre o montante recebido». A redação desta disposição não se opõe, portanto, a que o montante recebido corresponda à totalidade da contraprestação da prestação de serviços a respeito da qual o IVA se torna exigível. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já salientou, na exposição de motivos da Proposta da Sexta Diretiva do Conselho, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, COM(73) 950 final, de 20 de junho de 1973 (Boletim das Comunidades Europeias, Suplemento 11/73, p. 13), entretanto substituída pela diretiva IVA, a Comissão observa que «o recebimento de[…] pagamentos torna o imposto exigível, uma vez que os cocontratantes demonstram, desse modo, a sua intenção de retirar antecipadamente todas as consequências financeiras ligadas à ocorrência do facto gerador» (acórdão BUPA Hospitals e Goldsborough Developments, já referido, n.° 49). Ora, esse é igualmente o caso quando o pagamento antecipado ascende à totalidade da contraprestação acordada.

38      Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se igualmente sobre a pertinência, para efeitos da interpretação dos artigos 63.° e 65.° da diretiva IVA, do facto de o direito de superfície constituído a favor da Orfey ser suscetível de se extinguir. A este respeito, basta salientar que o referido órgão jurisdicional indica que o direito de superfície em causa não se pode extinguir a menos que a prescrição extintiva, prevista no artigo 67.°, n.° 1, da ZZS, seja expressamente invocada. Por conseguinte, importa considerar que esta possibilidade constitui uma simples condição resolutiva na aceção do artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA. Por isso, como alegam corretamente o Governo búlgaro e a Comissão, o facto de essa condição poder eventualmente ser exercida no futuro não pode pôr em causa o facto de a operação ser realizada no momento da constituição do direito de superfície, uma vez que, nesse momento, como foi indicado no n.° 29 do presente acórdão, todos os elementos pertinentes da futura prestação de serviços são já conhecidos e, portanto, em particular, os serviços em causa são designados com precisão. Assim, essa eventualidade não afeta a referida interpretação.

39      Por último, importa salientar que, para efeitos de determinar se as condições de exigibilidade do IVA devido por uma futura prestação de serviços estão preenchidas, importa pouco saber se a contraprestação dessa futura prestação de serviços constitui em si uma operação sujeita a IVA. Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada nos n.os 28 e 36 do presente acórdão, basta, para que o IVA devido por essa futura prestação de serviços se torne exigível em circunstâncias como as do processo principal, que todos os elementos pertinentes dessa futura prestação de serviços sejam já conhecidos e que o valor da sua contraprestação possa ser expresso em dinheiro.

40      Resulta do exposto que há que responder à primeira, terceira e quarta questões que os artigos 63.° e 65.° da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, quando é constituído um direito de superfície a favor de uma sociedade com vista à edificação de um prédio, como contraprestação de serviços de construção de determinados bens imóveis que se encontram nesse prédio, e a referida sociedade se compromete a entregar o prédio, chave na mão, às pessoas que constituíram este direito de superfície, não se opõem a que o IVA sobre estes serviços de construção se torne exigível a partir do momento em que o direito de superfície é constituído, ou seja, antes de essa prestação de serviços ser efetuada, desde que, nesse momento, todos os elementos pertinentes dessa futura prestação de serviços já sejam conhecidos e, portanto, em particular, os serviços em causa sejam designados com precisão, e que o valor do referido direito seja suscetível de ser expresso em dinheiro, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à segunda questão

41      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 73.° e 80.° da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, quando a contraprestação de uma operação é totalmente constituída por bens ou serviços, o valor tributável da operação é o valor normal dos bens ou dos serviços prestados.

42      O Governo búlgaro alega, nomeadamente, que a contraprestação deve ser avaliada tendo em conta os mecanismos do mercado e que apenas o recurso ao valor normal permite garantir um tratamento igual entre os operadores económicos que efetuam pagamentos em espécie e os que efetuam pagamentos em dinheiro.

43      A Comissão considera, em contrapartida, que, quando a operação tributável efetuada tem como contraprestação bens entregues ou serviços prestados antecipadamente, o IVA devido sobre a operação deve ser calculado com base no valor em dinheiro dos bens entregues ou dos serviços prestados como contraprestação da referida operação.

44      Resulta de jurisprudência constante que o valor tributável para a entrega de um bem ou a prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituído pela contraprestação realmente recebida para esse efeito. Essa contraprestação constitui, portanto, o valor subjetivo, isto é, o realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objetivos. Além disso, a referida contrapartida deve poder ser expressa em dinheiro (v., neste sentido, acórdão de 29 de julho de 2010, Astra Zeneca UK, C-40/09, Colet., p. I-7505, n.° 28 e jurisprudência referida).

45      Não consistindo num montante em dinheiro acordado entre as partes, esse valor, para ser subjetivo, deve ser o que o beneficiário da prestação de serviços que constitui a contrapartida da entrega de bens atribui aos serviços que pretende obter e deve corresponder ao montante que está disposto a gastar para esse fim (acórdão de 2 de junho de 1994, Empire Stores, C-33/93, Colet., p. I-2329, n.° 19).

46      Por outro lado, importa recordar que o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA prevê que, a fim de evitar a fraude ou evasão fiscais, os Estados-Membros podem tomar medidas para que, relativamente às entregas de bens e prestações de serviços que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos, definidos pelo Estado-Membro, o valor tributável seja o valor normal da operação em certos casos que este enumere.

47      Ora, as condições de aplicação estabelecidas na referida disposição são taxativas e, portanto, uma legislação nacional não pode prever, com fundamento nessa mesma disposição, que o valor tributável seja o valor normal da operação em casos diferentes dos enumerados (acórdão de 26 de abril de 2012, Balkan and Sea Properties, C-621/10 e C-129/11, n.° 51).

48      No caso em apreço, não resulta da decisão de reenvio que a operação em causa no processo principal tenha sido efetuada por pessoas entre as quais existam laços como os referidos no artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA, o que compete, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Nestas circunstâncias, o referido artigo não pode ser interpretado no sentido de que autoriza que o valor normal da referida operação constitua o seu valor tributável.

49      Decorre do exposto que importa responder à segunda questão que, em circunstâncias como as do processo principal, nas quais a operação não é realizada entre partes relacionadas na aceção do artigo 80.° da diretiva IVA, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, os artigos 73.° e 80.° da referida diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, quando a contraprestação de uma operação é totalmente constituída por bens e serviços, o valor tributável da operação é o valor normal dos bens ou dos serviços fornecidos.

 Quanto à quinta questão

50      Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 63.°, 65.° e 73.° da diretiva IVA têm efeito direito.

51      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, em todos os casos em que, do ponto de vista do seu conteúdo, as disposições de uma diretiva se revelem incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, quer quando este não tenha feito a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na diretiva quer quando tenha feito uma transposição incorreta (acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C-397/01 a C-403/01, Colet., p. I-8835, n.° 103, e de 12 de julho de 2012, Vodafone España, C-55/11, C-57/11 e C-58/11, n.° 37).

52      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 10.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), atual artigo 63.° da diretiva IVA, satisfaz estes critérios (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 1993, Balocchi, C-10/92, Colet., p. I-5105, n.os 34 e 35). O mesmo declarou a propósito do artigo 73.° da diretiva IVA (acórdão Balkan and Sea Properties, já referido, n.° 61).

53      Por outro lado, há que constatar que o artigo 65.° da diretiva IVA estabelece de maneira clara e incondicional as circunstâncias em que o IVA se torna exigível antes de a entrega de bens ou a prestação de serviços ser efetuada e a base do montante sobre o qual se torna assim exigível. Nessa medida, esta disposição responde igualmente aos referidos critérios.

54      Daqui resulta que há que responder à quinta questão que os artigos 63.°, 65.° e 73.° da diretiva IVA têm efeito direto.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      Os artigos 63.° e 65.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, quando é constituído um direito de superfície a favor de uma sociedade com vista à construção de um prédio, como contraprestação de serviços de construção de determinados bens imóveis que se encontram nesse prédio, e a referida sociedade se compromete a entregar o prédio, chave na mão, às pessoas que constituíram este direito de superfície, não se opõem a que o imposto sobre o valor acrescentado sobre estes serviços de construção se torne exigível a partir do momento em que o direito de superfície é constituído, ou seja, antes de essa prestação de serviços ser efetuada, desde que, nesse momento, todos os elementos pertinentes dessa futura prestação de serviços já sejam conhecidos e, portanto, em particular, os serviços em causa sejam designados com precisão, e que o valor do referido direito seja suscetível de ser expresso em dinheiro, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

2)      Em circunstâncias como as do processo principal, nas quais a operação não é realizada entre partes relacionadas na aceção do artigo 80.° da Diretiva 2006/112, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, os artigos 73.° e 80.° da referida diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, quando a contraprestação de uma operação é totalmente constituída por bens e serviços, o valor tributável da operação é o valor normal dos bens ou dos serviços fornecidos.

3)      Os artigos 63.°, 65.° e 73.° da Diretiva 2006/112 têm efeito direto.

Assinaturas


* Língua do processo: búlgaro.