ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
20 de junho de 2013 (*)
«Reenvio prejudicial — Sexta Diretiva IVA — Artigos 2.º, ponto 1, e 6.º, n.º 1 — Conceito de ‘prestação de serviços’ — Prestações de serviços de publicidade e de corretagem de crédito — Isenções — Realidade económica e comercial das operações — Práticas abusivas — Operações que têm por único objetivo a obtenção de uma vantagem fiscal»
No processo C-653/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.º TFUE, apresentado pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) (Reino Unido), por decisão de 13 de dezembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2011, no processo
Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs
contra
Paul Newey, que atua sob a denominação comercial Ocean Finance,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e C. G. Fernlund, juízes,
advogado-geral: P. Mengozzi,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 20 de março de 2013,
vistas as observações apresentadas:
— em representação de P. Newey, que atua sob a denominação comercial Ocean Finance, por J. Ghosh, QC, E. Wilson e J. Bremner, barristers,
— em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por O. Thomas, barrister,
— em representação da Irlanda, por E. Creedon, na qualidade de agente, assistida por A. Collins, SC,
— em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. De Stefano, avvocato dello Stato,
— em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e C. Soulay, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 2000/65/CE do Conselho, de 17 de outubro de 2000 (JO L 269, p. 44, a seguir «Sexta Diretiva»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe os Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs (a seguir «Commissioners») a P. Newey, que atua sob a denominação comercial Ocean Finance (a seguir «P. Newey»), a propósito do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável às prestações de serviços de publicidade.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Nos termos do artigo 299.º, n.º 6, CE, as disposições do Tratado CE só são aplicáveis às ilhas Anglo-Normandas, de que faz parte a ilha de Jersey, na medida do necessário para assegurar a aplicação do regime previsto para essas ilhas, designadamente pelo Protocolo n.º 3 respeitante às ilhas Anglo-Normandas e à ilha de Man (JO 1972, L 73, p. 164), anexo aos atos relativos à adesão às Comunidades Europeias do Reino da Dinamarca, da Irlanda, do Reino da Noruega e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, ato relativo às condições e às adaptações dos Tratados (JO 1972, L 73, p. 14). Dado que o referido protocolo não contém nenhuma disposição relativa ao IVA, o direito da União em matéria de IVA não se aplica na ilha de Jersey.
4 O quarto considerando da Sexta Diretiva prevê que é conveniente ter em conta o objetivo da supressão da tributação na importação e do desagravamento na exportação, nas trocas comerciais entre os Estados-Membros, e garantir a neutralidade do sistema comum de impostos sobre o volume de negócios quanto à origem dos bens e das prestações de serviços, de modo a instituir a prazo um mercado comum que permita uma concorrência sã e apresente características análogas às de um verdadeiro mercado interno.
5 O artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Diretiva sujeita a IVA «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».
6 Segundo o artigo 5.º, n.º 1, desta diretiva, entende-se por «entrega de um bem» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário e, de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, da referida diretiva, entende-se por «prestação de serviços» qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 5.º da mesma diretiva.
7 O artigo 9.° da Sexta Diretiva dispõe:
«1. Por ‘lugar da prestação de serviços’ entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.
2. Todavia:
[...]
e) Por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efetuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende-se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:
[...]
— prestações de serviços de publicidade;
[...]
— operações bancárias, financeiras e de seguros, incluindo as de resseguro, com exceção do aluguer de cofres-fortes;
[...]
— prestações de serviços efetuadas por intermediários que atuam em nome e por conta de outrem, quando intervenham nas prestações de serviços referidas na presente alínea e).
3. A fim de evitar casos de dupla tributação, de não tributação ou de distorções de concorrência, os Estados-Membros podem considerar, no que diz respeito às prestações de serviços referidas na alínea e) do n.º 2, bem como às locações de bens móveis corpóreos:
[...]
b) O lugar das prestações de serviços que, nos termos do presente artigo, se situa fora da Comunidade, como se estivesse situado no território do país, sempre que a utilização e a exploração efetivas se realizem no território do país.»
8 O artigo 13.° da Sexta Diretiva, intitulado «Isenções no território do país», prevê, sob a epígrafe «B. Outras isenções»:
«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:
[...]
d) As seguintes operações:
1. A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;
2. A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu esses créditos;
[...]»
9 O artigo 17.°, n.° 2, desta diretiva dispõe:
«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O [IVA] devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;
[...]»
10 Nos termos do artigo 21.° da referida diretiva:
«[…]
1. No regime interno, o [IVA] é devido:
[...]
b) Pelos sujeitos passivos destinatários de serviços referidos no n.º 2, alínea e), do artigo 9.º, ou pelos destinatários de serviços referidos nos pontos C, D, E e F do artigo 28.º-B que estejam registados no território do país para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, se os serviços forem prestados por um sujeito passivo não estabelecido no território do país;
[...]»
Direito do Reino Unido
11 À época dos factos em causa no processo principal, a section 4(1) da Lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Value Added Tax Act 1994) tinha a seguinte redação:
«Estão sujeitos a IVA todos os fornecimentos de bens ou prestações de serviços efetuados no Reino Unido, quando se trate de um fornecimento ou de uma prestação tributável efetuado por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica.»
12 A section 5(2)(a) e (b) desta lei dispunha:
«(a) Para efeitos da presente lei, o ‘fornecimento de bens’ ou a ‘prestação de serviços’ incluem todas as formas de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, com exceção das que não são efetuadas a título oneroso;
(b) Qualquer operação que não seja um fornecimento de bens, mas que seja efetuada a título oneroso […] é uma prestação de serviços.»
13 A section 7(10) da referida lei previa:
«A prestação de serviços considera-se efetuada:
(a) no Reino Unido, se o prestador estiver estabelecido no Reino Unido; e
(b) num país terceiro (e não no Reino Unido), se o prestador estiver estabelecido nesse país.»
14 A section 8(1) e (2) da mesma lei impunha um mecanismo de autoliquidação do IVA para os serviços prestados a partir de um país diferente do Reino Unido e dispunha:
«(1) Sem prejuízo do disposto na subsection (3), infra, quando os serviços pertinentes são:
(a) prestados por uma pessoa estabelecida num país diferente do Reino Unido, e
(b) recebidos por uma pessoa (‘destinatário’) estabelecida no Reino Unido para os fins de qualquer atividade económica por ela exercida,
produzir-se-ão todas as mesmas consequências, por força da presente lei (em especial, na medida em que impõe IVA sobre uma prestação e autoriza um sujeito passivo a deduzir o imposto pago a montante), como se o próprio destinatário prestasse os serviços no Reino Unido no âmbito da sua atividade económica ou em vista desta, e a prestação fosse tributável.
(2) Para efeitos do presente artigo, entende-se por ‘serviços pertinentes’ os serviços abrangidos pelas descrições do anexo 5 e que não se enquadrem numa das descrições do anexo 9.
(3) As prestações consideradas como efetuadas pelo destinatário por força da subsection (1), supra, não devem ser tidas em conta enquanto prestações por ele efetuadas para determinar o seu direito à dedução do imposto pago a montante em aplicação da section 26(1).»
15 A section 9 da Lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado definia o conceito de «lugar de estabelecimento» («place of belonging») de um destinatário de prestações de serviços, nos seguintes termos:
«(1) A subsection (2), infra, é aplicável para determinar, para qualquer prestação de serviços, se o prestador está estabelecido num ou noutro país e as subsections (3) e (4), infra, são aplicáveis [sem prejuízo de qualquer disposição aplicável por força da section 8(6)] para determinar, para qualquer prestação de serviços, se o destinatário está estabelecido num ou noutro país.
(2) Considera-se que o prestador de serviços está estabelecido num país se:
(a) tiver o seu estabelecimento comercial ou outro estabelecimento estável nesse país e não tiver nenhum estabelecimento noutro lugar; ou
(b) não tiver nenhum estabelecimento desse tipo (nesse ou noutro país), mas tiver a sua residência habitual nesse país;
(c) tiver estabelecimentos quer nesse país quer noutros lugares e o estabelecimento que tiver maior conexão com a prestação se situar nesse país.
(3) Se a prestação de serviços for efetuada para uma pessoa e recebida por esta para outros fins que não alguma das atividades que exerça, considera-se essa pessoa como estabelecida em qualquer país onde se encontre a sua residência habitual.
(4) Quando o disposto na subsection (3), supra, não seja aplicável, considera-se que o destinatário da prestação está estabelecido num país se:
(a) estiver preenchida uma das condições enunciadas na subsection (2)(a) e (b), supra, ou
(b) tiver estabelecimentos como os referidos da subsection (2), supra, simultaneamente nesse país e noutro lugar e o seu estabelecimento no qual, ou para os fins do qual, se utilizarem ou forem utilizados mais diretamente os serviços se situe nesse país.
(5) Para efeitos da presente section (e para nenhum outro efeito):
(a) considera-se que uma pessoa que exerce uma atividade por meio de uma sucursal ou agência num determinado país tem um estabelecimento nesse país, e
(b) entende-se por ‘residência habitual’ de uma pessoa coletiva o lugar onde está legalmente constituída.»
16 A section 31 da Lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado e o grupo 5 do anexo 9 da mesma lei dão cumprimento ao artigo 13.º, B, alínea d), da Sexta Diretiva e estabelecem que estão isentos de IVA, designadamente, os serviços de «concessão de um adiantamento ou de um crédito», bem como os serviços de intermediação com ela relacionados.
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 Resulta da decisão de reenvio que, durante o período em causa no processo principal, P. Newey era corretor de crédito, estabelecido em Tamworth (Reino Unido). Em conformidade com o artigo 13.º, B, alínea d), da Sexta Diretiva, as prestações de serviços de corretagem realizadas no Reino Unido por P. Newey estavam isentas de IVA. Em contrapartida, os serviços de publicidade prestados a P. Newey no Reino Unido e destinados a atrair os potenciais mutuários estavam sujeitos a IVA, pelo que o imposto pago por P. Newey sobre as despesas de publicidade não era recuperável.
18 Para evitar este encargo fiscal não recuperável, P. Newey constituiu a sociedade Alabaster (CI) Ltd (a seguir «Alabaster»), com sede em Jersey, território onde a Sexta Diretiva não se aplica, e concedeu a essa sociedade o direito de utilizar a denominação comercial Ocean Finance. P. Newey era acionista único dessa sociedade.
19 A Alabaster empregava pelo menos uma pessoa a tempo inteiro e tinha administração própria, constituída por pessoas singulares residentes em Jersey, sem experiência direta em matéria de corretagem, propostas ou recrutadas pelos contabilistas de P. Newey e remuneradas em função do tempo consagrado à atividade da Alabaster.
20 Em aplicação dos estatutos da Alabaster e da legislação em vigor em Jersey, os referidos dirigentes eram responsáveis pela gestão dessa sociedade e exerciam os poderes inerentes à mesma, ao passo que P. Newey não desempenhava nenhum papel na gestão da referida sociedade.
21 Os contratos de corretagem eram celebrados diretamente entre os mutuantes e a Alabaster, pelo que as comissões de corretagem não eram pagas a P. Newey, mas à referida sociedade.
22 No entanto, a Alabaster não se encarregava ela própria do processamento dos pedidos de empréstimo, mas recorria, para o efeito, aos serviços de P. Newey, que eram prestados, ao abrigo de um subcontrato (a seguir «contrato de serviços»), pelos seus empregados que exerciam a respetiva atividade em Tamworth. Esse contrato continha uma lista dos serviços que P. Newey devia prestar, a qual incluía, no essencial, o processamento de todas as tarefas relacionadas com a atividade de corretagem de crédito. Por força do referido contrato, P. Newey estava também mandatado para negociar os termos dos contratos celebrados entre a Alabaster e os mutuantes.
23 Como contrapartida desses serviços, P. Newey recebia honorários fixos, inicialmente, de 50% e, posteriormente, de 60% do montante bruto das comissões imediatamente recebidas por cada empréstimo concedido pela Alabaster, a que acrescia o reembolso de despesas e adiantamentos.
24 Na prática, os potenciais mutuários contactavam diretamente os empregados de P. Newey no Reino Unido, que processavam cada dossier e enviavam para Jersey, para autorização dos dirigentes da Alabaster, os pedidos que cumpriam os critérios de elegibilidade para concessão do crédito. Normalmente, o processo de aprovação ficava concluído numa hora e, de facto, nenhum pedido de autorização era recusado.
25 Dado que a publicidade dirigida aos potenciais mutuários era indispensável para a atividade de corretagem de crédito, representava uma parte importante dos custos suportados pela Alabaster.
26 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os serviços de publicidade eram prestados pela Wallace Barnaby & Associates Ltd (a seguir «Wallace Barnaby»), sociedade que não estava ligada à Alabaster, também sedeada em Jersey, ao abrigo de um contrato celebrado com esta última. Por sua vez, a Wallace Barnaby obtinha esses serviços de publicidade através de agências de publicidade estabelecidas no Reino Unido, nomeadamente através da agência de publicidade Ekay Advertising. Por força da legislação em vigor em Jersey, os pagamentos efetuados pela Alabaster à Wallace Barnaby por esses serviços não estavam sujeitos a IVA.
27 P. Newey não estava habilitado a contratar serviços de publicidade por conta da Alabaster e não tinha nenhuma responsabilidade pelo pagamento dos serviços prestados pela Wallace Barnaby àquela sociedade. Não obstante, tinha o poder de aprovar o conteúdo da publicidade, encontrando-se para o efeito com um empregado da Ekay Advertising que trabalhava no Reino Unido. No seguimento destes encontros, esse empregado dirigia recomendações à Wallace Barnaby.
28 Por sua vez, a Wallace Barnaby dirigia recomendações aos dirigentes da Alabaster, os quais, no seguimento da receção das mesmas, se reuniam semanalmente para decidir sobre as despesas de publicidade previstas. Na prática, nenhuma das recomendações era rejeitada.
29 Os Commissioners consideram que, para efeitos de IVA, por um lado, os serviços de publicidade em causa foram prestados a P. Newey no Reino Unido e, por conseguinte, são aí tributáveis, e, por outro, os serviços de corretagem de crédito foram prestados no Reino Unido por P. Newey.
30 A título subsidiário, entendem que, mesmo que se deva considerar a Alabaster, em Jersey, como sendo a destinatária dos serviços de publicidade e prestadora dos serviços de corretagem de crédito, os acordos celebrados com o objetivo de alcançar esse resultado são contrários ao princípio da proibição do abuso de direito, como formulado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, Colet., p. I-1609), e devem ser requalificados.
31 Consequentemente, em 27 de setembro de 2005, os Commissioners dirigiram a P. Newey um aviso de liquidação de IVA, relativo ao período compreendido entre 1 de julho de 2002 e 31 de dezembro de 2004, no valor de 10 707 075 libras esterlinas (GBP), para recuperar deste último o IVA sobre os serviços de publicidade que lhe foram prestados durante o referido período.
32 P. Newey alega que os serviços de corretagem em causa no processo principal foram prestados a partir de Jersey pela Alabaster e que esta era a destinatária dos serviços de publicidade. Acrescenta que o princípio da proibição do abuso de direito não é aplicável quando os serviços são prestados por uma pessoa estabelecida fora da União Europeia a outra pessoa estabelecida fora da União Europeia.
33 Por conseguinte, P. Newey interpôs recurso do referido aviso de liquidação no First-tier Tribunal (Tax Chamber), que deu provimento ao recurso por decisão de 23 de abril de 2010.
34 Esse órgão jurisdicional considerou que a atividade de corretagem de crédito era exercida pela Alabaster, através dos serviços prestados por P. Newey e em aplicação do contrato de serviços. Por consequência, a Alabaster não podia ser qualificada de sociedade «caixa de correio».
35 O First-tier Tribunal (Tax Chamber) entendeu também que a Alabaster tinha prestado os serviços de corretagem de crédito em causa aos mutuantes e que era a destinatária das prestações de serviços de publicidade. Não houve transações diretas a título oneroso entre P. Newey e os mutuantes ou entre aquele e a Wallace Barnaby. Mesmo que o objetivo essencial da Alabaster fosse a obtenção de uma vantagem fiscal, não se verificou, segundo aquele órgão jurisdicional, nenhum abuso, porquanto a montagem que envolvia a Alabaster não era contrária à finalidade da Sexta Diretiva.
36 Os Commissioners interpuseram recurso desta decisão no Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber).
37 Nestas condições, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Em circunstâncias como as do presente processo, ao determinar a questão de saber qual foi a pessoa que prestou serviços para efeitos de IVA, qual o peso que o órgão jurisdicional nacional deve atribuir aos contratos? Em especial, é a posição contratual decisiva para determinar a posição da prestação para efeitos de IVA?
2) Em circunstâncias como as do presente processo, se a posição contratual não for decisiva, em que circunstâncias deve um órgão jurisdicional nacional abstrair da posição contratual?
3) Em circunstâncias como as do presente processo, em especial, até que ponto é relevante:
a) Se a pessoa que realiza a prestação nos termos do contrato está sob o controlo total de outra pessoa?
b) Se o conhecimento do negócio, a relação comercial e a experiência recai sobre uma pessoa que não aquela que celebra o contrato?
c) Se todos ou quase todos os elementos decisivos na prestação são realizados por uma pessoa que não aquela que celebra o contrato?
d) Se o risco comercial associado a perdas financeiras ou de reputação decorrentes da prestação recaem sobre uma pessoa que não aquela que celebra o contrato?
e) Se a pessoa que realizou a prestação, nos termos do contrato, subcontrata elementos decisivos necessários para essa prestação numa pessoa que controla essa primeira pessoa e esses acordos não possuem determinadas características comerciais?
4) Em circunstâncias como as do presente processo, deverá o órgão jurisdicional nacional afastar-se da análise contratual?
5) Se a resposta à [quarta questão] for negativa, podem as consequências fiscais de acordos como os do presente processo constituir vantagens fiscais cuja concessão seja contrária ao objetivo da Sexta Diretiva, na aceção dos n.os 74 a 86 do acórdão [Halifax e o., já referido]?
6) Se a resposta à [quinta questão] for [afirmativa], como deverão os acordos como os do presente processo ser requalificados?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto às questões primeira a quarta
38 Com as suas quatro primeiras questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se as estipulações contratuais são determinantes para identificar o prestador e o destinatário numa operação de «prestação de serviços», na aceção dos artigos 2.º, ponto 1, e 6.º, n.º 1, da Sexta Diretiva, e, em caso de resposta negativa, em que condições as referidas estipulações podem ser requalificadas.
39 Antes de mais, importa recordar que a Sexta Diretiva estabelece um sistema comum de IVA baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (acórdão Halifax e o., já referido, n.° 48).
40 Nos termos do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Diretiva, estão sujeitas a IVA «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade». No que respeita, mais especificamente, ao conceito de prestação de serviços, o Tribunal de Justiça considerou reiteradamente que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.º, ponto 1, dessa diretiva, e, por conseguinte, só é tributável, se existir entre o autor dessa prestação e o destinatário uma relação jurídica no âmbito da qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao destinatário (acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C-270/09, Colet., p. I-13179, n.º 16 e jurisprudência referida).
41 Resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de prestação de serviços tem, por conseguinte, caráter objetivo e aplica-se independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa, sem que a Administração Fiscal esteja obrigada a proceder a inquéritos para determinar a intenção do sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Halifax e o., já referido, n.os 56, 57 e jurisprudência referida).
42 Mais concretamente, no que respeita ao valor das estipulações contratuais no contexto da qualificação de uma operação de tributável, há que recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para aplicação do sistema comum do IVA (v., neste sentido, acórdão de 7 de outubro de 2010, Loyalty Management UK e Baxi Group, C-53/09 e C-55/09, Colet., p. I-9187, n.os 39, 40 e jurisprudência referida).
43 Dado que a situação contratual reflete normalmente a realidade económica e comercial das operações e para responder às exigências de segurança jurídica, as estipulações contratuais pertinentes constituem um elemento a tomar em consideração quando se trata de identificar o prestador e o destinatário numa operação de «prestação de serviços», na aceção dos artigos 2.º, ponto 1, e 6.º, n.º 1, da Sexta Diretiva.
44 Não obstante, pode acontecer que, por vezes, algumas estipulações contratuais não reflitam totalmente a realidade económica e comercial das operações.
45 Tal seria o caso se as referidas estipulações contratuais constituíssem uma montagem puramente artificial, sem correspondência com a realidade económica e comercial das operações.
46 Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou reiteradamente que o combate à fraude, à evasão fiscal e a abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Sexta Diretiva (v. acórdão Halifax e o., já referido, n.º 71 e jurisprudência referida) e que o princípio da proibição do abuso de direito conduz a proibir as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o único fim de obter uma vantagem fiscal (v. acórdãos de 22 de maio de 2008, Ampliscientifica e Amplifin, C-162/07, Colet., p. I-4019, n.º 28; de 27 de outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, Colet., p. I-10853, n.º 51; e de 12 de julho de 2012, J.J. Komen en Zonen Beheer Heerhugowaard, C-326/11, n.º 35).
47 No processo principal, não é contestado que, formalmente, em conformidade com as estipulações contratuais, a Alabaster prestou serviços de corretagem de crédito aos mutuantes e que era destinatária dos serviços de publicidade prestados pela Wallace Barnaby.
48 No entanto, tendo em conta a realidade económica das relações comerciais existentes entre, por um lado, P. Newey, a Alabaster e os mutuantes e, por outro, P. Newey, a Alabaster e a Wallace Barnaby, como resulta da decisão de reenvio e, em especial, dos elementos de facto referidos pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) na terceira questão, não se pode excluir que a utilização e a exploração efetivas dos serviços em causa no processo principal tenham tido lugar no Reino Unido, a favor de P. Newey.
49 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio, por meio de uma análise do conjunto das circunstâncias do litígio do processo principal, verificar se as estipulações contratuais não refletem verdadeiramente a realidade económica e se era P. Newey, e não a Alabaster, o verdadeiro prestador dos serviços de corretagem de crédito em causa e o destinatário dos serviços de publicidade prestados pela Wallace Barnaby.
50 Se for esse o caso, as referidas estipulações contratuais devem ser redefinidas de modo a restabelecer a situação tal como existiria na ausência das operações constitutivas dessa prática abusiva (v., neste sentido, acórdão Halifax e o., já referido, n.º 98).
51 No caso em apreço, o restabelecimento da situação tal como existiria na ausência das operações em causa, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que as mesmas são constitutivas de uma prática abusiva, implicaria, nomeadamente, tornar o contrato de serviços e os acordos de publicidade celebrados entre a Alabaster e a Wallace Barnaby inoponíveis aos Commissioners, os quais poderiam validamente considerar P. Newey como o verdadeiro autor das prestações de serviços de corretagem de crédito e destinatário dos serviços de publicidade em causa no processo principal.
52 Em face das considerações precedentes, há que responder às quatro primeiras questões que as estipulações contratuais, embora constituam um elemento a ter em consideração, não são determinantes para identificar o prestador e o destinatário de uma «prestação de serviços», na aceção dos artigos 2.º, ponto 1, e 6.º, n.º 1, da Sexta Diretiva. Podem, designadamente, ser afastadas quando se verifique que não refletem a realidade económica e comercial, mas constituem uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, efetuada com o único fim de obter uma vantagem fiscal, o que compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar.
Quanto à quinta e sexta questões
53 Tendo em conta a resposta dada às quatro primeiras questões, não é necessário responder à quinta e sexta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
Quanto às despesas
54 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
As estipulações contratuais, embora constituam um elemento a ter em consideração, não são determinantes para identificar o prestador e o destinatário de uma «prestação de serviços», na aceção dos artigos 2.º, ponto 1, e 6.º, n.º 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2000/65/CE do Conselho, de 17 de outubro de 2000. Podem, designadamente, ser afastadas quando se verifique que não refletem a realidade económica e comercial, mas constituem uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, efetuada com o único fim de obter uma vantagem fiscal, o que compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.