ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
18 de julho de 2013 (*)
«Auxílios de Estado — Artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE — Requisito de ‘seletividade’ — Regulamento (CE) n.° 659/1999 — Artigo 1.°, alínea b), i) — Auxílio existente — Regulamentação nacional em matéria de imposto sobre o rendimento das sociedades — Dedutibilidade dos prejuízos sofridos — Não dedutibilidade em caso de mudança de proprietário — Autorização de derrogações — Poder de apreciação da Administração Fiscal»
No processo C-6/12,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia), por decisão de 30 de dezembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de janeiro de 2012, no processo
P Oy
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Rosas, E. Juhász (relator), D. Šváby e C. Vajda, juízes,
advogado-geral: E. Sharpston,
secretário: M. Aleksejev, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 22 de novembro de 2012,
vistas as observações apresentadas:
— em representação da P Oy, por O. A. Haapaniemi, asianajaja,
— em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski e S. Hartikainen, na qualidade de agentes,
— em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,
— em representação da Comissão Europeia, por I. Koskinen, R. Lyal e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 7 de fevereiro de 2013,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições pertinentes do direito da União em matéria de auxílios de Estado.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a P Oy (a seguir «P») às autoridades nacionais competentes em matéria de imposto sobre o rendimento das sociedades, relativamente à recusa por parte destas autoridades em lhe concederem o benefício da dedutibilidade dos prejuízos sofridos num exercício fiscal, previsto, em princípio, na regulamentação nacional aplicável, e à transferência destes prejuízos para os exercícios seguintes.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), prevê no seu artigo 1.°, sob a epígrafe «Definições»:
«Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as seguintes definições:
[…]
b) ‘Auxílios existentes’:
i) Sem prejuízo do disposto nos artigos 144.° e 172.° do Ato [relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1, a seguir ‘Ato de Adesão’)], qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respetivo Estado-Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data,
[…]»
Direito finlandês
4 A Lei n.° 1535/1992, de 30 de dezembro de 1992, relativa ao imposto sobre o rendimento (Tuloverolaki, a seguir «TVL»), prevê no seu artigo 117.°, sob a epígrafe «Prejuízos e deduções de prejuízos»:
«Os prejuízos apurados são deduzidos do resultado dos exercícios fiscais posteriores em conformidade com as disposições do presente título.
Os prejuízos são deduzidos pela ordem em que foram gerados».
5 O artigo 119.° desta lei, intitulado «Prejuízos decorrentes de uma atividade económica ou agrícola», dispõe:
«Os prejuízos do exercício fiscal, resultantes de uma atividade económica ou agrícola, serão deduzidos dos rendimentos gerados pela atividade económica ou agrícola durante os dez exercícios fiscais seguintes, à medida que esse rendimento é gerado.
Entende-se por prejuízos resultantes de uma atividade económica o montante dos prejuízos calculados segundo a lei da tributação dos rendimentos profissionais (laki elinkeinotulon verottamisesta), […]».
6 O artigo 122.° da mesma lei, sob a epígrafe «Efeito de uma mudança de proprietário na dedutibilidade dos prejuízos», prevê, no seu primeiro parágrafo, que os prejuízos de uma sociedade não são dedutíveis quando, durante o exercício deficitário ou posteriormente, mais de metade das participações ou ações mudaram de proprietário por outro meio que não o de uma aquisição por via sucessória ou testamentária, ou quando mais de metade dos membros desta sociedade foi substituída.
7 O referido artigo 122.° da TVL dispõe no seu terceiro parágrafo que, apesar do previsto no primeiro parágrafo, após apresentação de pedido, a repartição de finanças competente pode, por razões especiais, quando tal for necessário para a prossecução das atividades da sociedade, autorizar a dedução dos prejuízos.
8 Para clarificar o disposto no artigo 122.°, terceiro parágrafo, da TVL e para harmonizar as práticas administrativas, a Direção-Geral dos Impostos da Finlândia publicou, em 14 de fevereiro de 1996, a Carta de Orientação n.° 634/348/96, cujas disposições pertinentes são as seguintes:
«2. Procedimento de autorização derrogatória
2.1 Requisitos de autorização
Em conformidade com o artigo 122.° da TVL, uma [sociedade] pode obter, mediante apresentação de pedido e quando tal for necessário à prossecução da sua atividade, uma autorização de dedução dos prejuízos verificados.
Podem, nomeadamente, ser consideradas razões especiais:
— as cessões no âmbito de uma sucessão geracional;
— as vendas de empresas a colaboradores;
— a aquisição de uma nova empresa que ainda não exerce atividade;
— as mudanças de propriedade intragrupos;
— as mudanças de propriedade relacionadas com um plano de saneamento;
— consequências particulares sobre o emprego; e
— as mudanças de propriedade das sociedades cotadas em bolsa.
2.1.1. Condições Especiais
A finalidade das disposições do artigo 122.° da TVL é evitar que as empresas deficitárias possam se convertidas em mercadoria. Caso a mudança de proprietário da empresa não tenha as características referidas, pode ser concedida a autorização de dedução de prejuízos.
[…]
2.1.2 Prossecução da atividade
A autorização de dedução de prejuízos pode ser concedida caso a dedução seja necessária à prossecução da atividade da [sociedade]. Um requisito absoluto pode ser a circunstância de a [sociedade] prosseguir a sua atividade após a mudança de proprietário. Caso, na prática, a [sociedade] tenha cessado a sua atividade e o seu valor assente, no essencial, nos prejuízos verificados, não há que conceder a autorização derrogatória».
9 A circular n.° 2/1999, publicada pela Direção-Geral dos Impostos da Finlândia em 17 de fevereiro de 1999, refere também, como razão especial, o alargamento da atividade através da aquisição de empresas.
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
10 Resulta dos autos apresentados no Tribunal de Justiça que P, uma sociedade fundada em 1998, requereu à Administração Fiscal competente, em 3 de setembro de 2008, a concessão, em conformidade com o artigo 122.°, terceiro parágrafo, da TVL, do benefício da dedução dos prejuízos que tinha sofrido durante os exercícios fiscais de 1998 a 2004, apesar da mudança de proprietário ocorrida em agosto de 2004. A atividade económica da empresa prosseguiu após esta mudança de proprietário, bem como após as posteriores mudanças de proprietário. Este pedido foi indeferido pela Administração Fiscal competente em 24 de outubro de 2008, pelo facto de, apesar das mudanças de proprietário, P não ter demonstrado a existência de razões especiais que justificassem a concessão desta autorização.
11 Por decisão de 2 de dezembro de 2009, o Helsingin hallinto-oikeus (Tribunal administrativo de Helsínquia) negou provimento ao recurso de P pelos mesmos motivos que os invocados pela Administração Fiscal competente. P recorreu desta decisão no Korkein hallinto-oikeus, que se questiona, no essencial, sobre se as disposições do direito da União em matéria de auxílios de Estado, e nomeadamente o critério de seletividade interpretado na perspetiva do poder de apreciação de que dispõe a Autoridade Fiscal no caso concreto, impedem a adoção de uma decisão que autoriza a dedução dos prejuízos de uma sociedade apesar da mudança do seu proprietário, quando essa medida não foi devidamente notificada à Comissão Europeia em conformidade o artigo 108.°, n.° 3, TFUE.
12 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, para apreciar a seletividade de uma medida, há que analisar se, no quadro de um dado regime jurídico, a referida medida constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontram numa situação factual e jurídica comparável A determinação do quadro de referência reveste, para este efeito, uma importância acrescida no caso de medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma tributação dita «normal».
13 O órgão jurisdicional de reenvio salienta que existem duas possibilidades no que respeita à determinação deste quadro de referência. De acordo com primeira possibilidade, esse quadro pode ser composto pela regra geral da transferência dos prejuízos prevista nos artigos 117.° e 119.° da TVL. Segundo esta regra, a autorização de derrogação em caso de mudança de proprietário não conduz a uma situação mais vantajosa para a sociedade beneficiária do que a prevista pela regra geral. De acordo com a segunda possibilidade, o quadro de referência é composto pela regra do artigo 122.°, primeiro parágrafo, da TVL, segundo a qual os prejuízos não são dedutíveis após uma mudança de proprietário. Relativamente a este quadro de referência, a regra derrogatória do artigo 122.°, terceiro parágrafo, da TVL concede à Administração Fiscal um poder de apreciação que pode colocar a empresa beneficiária numa situação mais vantajosa do que a da empresa à qual não foi concedido o direito à dedução no procedimento de autorização.
14 O órgão jurisdicional de reenvio também salienta que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as medidas estatais que criam uma diferenciação entre empresas e, por conseguinte, são a priori seletivas, podem ser justificadas quando essa diferenciação resultar da natureza ou da economia do sistema no qual se inscrevem. Observa, a este respeito, que o sistema fiscal criado pela regulamentação em causa no processo principal visa evitar que os prejuízos das empresas sejam objeto de comércio ou de abusos. Esse risco diz respeito, em particular, a empresas inativas que tiveram prejuízos e que outras empresas poderiam, por vários meios, tentar adquirir para deduzir esses prejuízos dos seus lucros. O poder de apreciação de que a Administração Fiscal dispõe no caso vertente pode ser considerado no âmbito deste sistema fiscal como um todo, cujo objetivo é conceder o benefício da dedutibilidade dos prejuízos em todos os casos em que não seja demonstrada a existência de um risco de abuso.
15 Tendo em conta estas considerações, o Korkein hallinto-oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O critério da seletividade constante do artigo 107.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado, no que respeita a um procedimento de autorização como o do [artigo 122.°, terceiro parágrafo], da [TVL], no sentido de que se opõe a que seja autorizada a dedução dos prejuízos em caso de [mudança de proprietário], quando não é respeitado, nesse âmbito, o procedimento do artigo 108.°, n.° 3, [último] período, TFUE?
2) No âmbito da interpretação do critério da seletividade, em particular na determinação do grupo de referência, deve-se tomar por base a regra geral expressa nos [artigos 117.° e 119.°] da [TVL], nos termos da qual uma sociedade pode deduzir os prejuízos apurados, ou a interpretação do critério da seletividade deve basear-se nas disposições relativas à [mudança de proprietário]?
3) Caso se considere que, em princípio, está preenchido o critério da seletividade constante do artigo 107.° TFUE, uma norma como o [artigo 122.°, terceiro parágrafo], da [TVL] pode ser considerada justificada por se tratar de um mecanismo inerente ao sistema fiscal e que é, por exemplo, imprescindível para impedir evasões fiscais?
4) Que importância deve ser atribuída ao alcance da margem de apreciação das autoridades, para efeitos da avaliação da questão de saber se se verifica um eventual motivo justificativo e se está em causa um mecanismo inerente ao sistema fiscal? É exigido, em relação ao mecanismo inerente ao sistema fiscal, que a autoridade que aplique a lei não disponha de qualquer poder discricionário e que os pressupostos para a aplicação da exceção estejam claramente definidos na lei?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à segunda e à quarta questão
16 Através da segunda e da quarta questão, que importa analisar em conjunto e em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um regime fiscal como o que decorre do artigo 122.°, primeiro e terceiro parágrafos, da TVL, preenche o requisito da seletividade enquanto elemento do conceito de «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, e, em caso de resposta afirmativa, se a exceção prevista no n.° 3 deste artigo é justificada por ser inerente à natureza do regime fiscal. O órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente ser esclarecido pelo Tribunal de Justiça a respeito da importância que a extensão do poder de apreciação das autoridades competentes pode revestir na aplicação deste regime.
17 Importa, a título preliminar, recordar que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE proíbe, em princípio, os auxílios que «favorece[m] certas empresas ou certas produções», ou seja, os auxílios seletivos.
18 Assim, uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, embora não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Em contrapartida, vantagens que resultem de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos não constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.° TFUE (acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C-106/09 P e C-107/09 P, Colet., p. I-11113, n.os 72, 73 e jurisprudência referida).
19 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida fiscal nacional como «seletiva» pressupõe, num primeiro tempo, a identificação e exame prévios do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado-Membro em causa. É em relação a este regime fiscal comum ou «normal» que se deve, num segundo tempo, apreciar e apurar o eventual caráter seletivo da vantagem concedida pela medida fiscal em causa, demonstrando que esta medida derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo sistema fiscal do Estado-Membro em causa, numa situação factual e jurídica comparável (v., acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C-78/08 a C-80/08, Colet., p. I-7611, n.° 49 e jurisprudência referida).
20 A este respeito, importa declarar que esta qualificação pressupõe não só o conhecimento do conteúdo das normas de direito pertinentes mas também a análise do seu alcance, baseada na prática administrativa e jurisdicional e nas informações relativas ao alcance do âmbito de aplicação pessoal destas regras.
21 Não tendo o órgão jurisdicional de reenvio comunicado todas essas informações, o Tribunal de Justiça considera não ter condições para tomar posição a respeito desta qualificação.
22 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não preenche o requisito de seletividade uma medida que, ainda que constitutiva de uma vantagem para um beneficiário, se justifique pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve (acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C-143/99, Colet., p. I-8365, n.° 42 e jurisprudência referida). Assim, uma medida que constitua uma exceção à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada se o Estado-Membro em causa conseguir demonstrar que esta medida resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal (v., acórdão Paint Graphos e o., já referido, n.° 65 e jurisprudência referida).
23 A este respeito, importa realçar que a presença de um sistema de autorização não exclui, por si só, essa justificação.
24 Com efeito, a justificação é possível se, no âmbito do processo de autorização, o poder de apreciação da autoridade competente estiver limitado à verificação das condições criadas para servir um objetivo fiscal identificável e se os critérios a aplicar por esta autoridade forem inerentes à natureza do regime fiscal.
25 Quanto ao poder da autoridade competente, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que um poder discricionário que permita a esta autoridade determinar os beneficiários ou os requisitos da medida concedida não pode ser considerado como revestindo um caráter geral (v., neste sentido, acórdão de 29 de junho de 1999, DM Transport, C-256/97, Colet., p. I-3913, n.° 27 e jurisprudência referida).
26 Assim, a aplicação de um sistema de autorização que permita reportar prejuízos para os exercícios fiscais seguintes, como o que está em causa no processo principal, não pode, em princípio, ser considerada seletiva se as autoridades competentes apenas dispuserem, ao decidirem a respeito do seguimento a dar a um pedido de autorização, de um poder de apreciação circunscrito por critérios objetivos que não são alheios ao sistema fiscal criado pela regulamentação em causa, como o objetivo de evitar um comércio de prejuízos.
27 Em contrapartida, se as autoridades competentes dispuserem de um amplo poder discricionário para determinar os beneficiários e os requisitos da medida concedida com base em critérios alheios ao sistema fiscal, como a manutenção do emprego, deve então considerar-se que o exercício desse poder favorece «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objetivo prosseguido, se encontram numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, acórdão Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, já referido, n.° 75).
28 Ora, a este respeito, decorre da decisão de reenvio que a Direção-Geral dos Impostos da Finlândia emitiu uma carta de orientação, referida no n.° 8 do presente acórdão, que enumera como «razão especial» para a autorização derrogatória à proibição de deduções dos prejuízos, entre outras, a existência de consequências particulares sobre o emprego.
29 Neste contexto, há que recordar que o Tribunal de Justiça decidiu que a aplicação de uma política de desenvolvimento regional ou de coesão social não basta enquanto tal para que uma medida adotada no âmbito dessa política se possa considerar justificada pela natureza e pela economia do sistema fiscal nacional (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C-88/03, Colet., p. I-7115, n.° 82).
30 A este respeito, ainda que decorra da decisão de reenvio que a carta de orientação, acima mencionada, não tem caráter juridicamente vinculativo, importa observar que se a autoridade competente puder determinar os beneficiários da dedução de prejuízos com base em critérios alheios ao sistema fiscal, como a manutenção do emprego, deve então considerar-se que o exercício desse poder favorece «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que se encontram, à luz do objetivo prosseguido, numa situação factual e jurídica comparável.
31 Todavia, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes para apreciar a justificação do caráter eventualmente seletivo do regime fiscal em causa no processo principal.
32 Nestas condições, importa responder à segunda e à quarta questão no sentido de que um regime fiscal, como o que está em causa no processo principal, pode preencher o requisito de seletividade enquanto elemento do conceito de «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, se se comprovar que o sistema de referência, isto é, o sistema «normal», consiste na proibição da dedução dos prejuízos em caso de mudança de proprietário, na aceção do artigo 122.°, primeiro parágrafo, da TVL, relativamente ao qual o sistema de autorização previsto no terceiro parágrafo deste artigo constituiria uma exceção. Esse regime pode ser justificado pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve, impedindo esta justificação que a autoridade nacional competente possa, no que respeita à autorização de derrogar a proibição de dedução de prejuízos, beneficiar de um poder discricionário que a habilite a basear as suas decisões de autorização em critérios alheios a esse regime fiscal. Todavia, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para se pronunciar definitivamente sobre essas qualificações.
33 Por outro lado, recorde-se que a seletividade é apenas um dos elementos do auxílio de Estado incompatível com o mercado interno. Na falta de informações a este respeito, a questão relativa a outros elementos também não é objeto de análise pelo Tribunal de Justiça.
Quanto à primeira questão
34 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a proibição de execução de projetos de auxílio prevista no artigo 108.°, n.° 3, TFUE impede a aplicação do regime fiscal previsto no artigo 122.°, primeiro e terceiro parágrafos, da TVL.
35 No que se refere à fiscalização do cumprimento pelos Estados-Membros das obrigações que lhes são impostas pelos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE, importa recordar a articulação das disposições deste último artigo, bem como os poderes e as responsabilidades que estas disposições conferem, por um lado, à Comissão e, por outro, aos Estados-Membros.
36 O artigo 108.° TFUE institui procedimentos distintos consoante os auxílios sejam existentes ou novos. Enquanto os auxílios novos devem, em conformidade com o artigo 108.°, n.° 1, TFUE, ser previamente notificados à Comissão e não podem ser postos em execução antes de o procedimento ter culminado numa decisão definitiva, os auxílios existentes podem, nos termos do artigo 108.°, n.° 1, TFUE, ser regularmente postos em execução enquanto a Comissão não tiver declarado a sua incompatibilidade (acórdão de 29 de novembro de 2012, Kremikovtzi, C-262/11, n.° 49 e jurisprudência referida).
37 No âmbito deste sistema de fiscalização, a Comissão e os órgãos jurisdicionais nacionais exercem responsabilidades e competências diferentes (acórdão de 9 de agosto de 1994, Namur-Les assurances du crédit, C-44/93, Colet., p. I-3829, n.° 14).
38 Estes órgãos jurisdicionais podem ser chamados a decidir litígios que os obriguem a interpretar e a aplicar o conceito de auxílio constante do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, com vista a determinar, em especial, se uma medida estatal instituída sem ter em conta o procedimento de controlo prévio do artigo 108.° n.° 3, TFUE devia ou não ser-lhe submetida. Em contrapartida, os órgãos jurisdicionais nacionais não são competentes para decidir sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno (acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini, C-119/05, Colet., p. I-6199, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida).
39 Enquanto a Comissão é obrigada a analisar a compatibilidade do auxílio projetado com o mercado interno, mesmo nos casos em que o Estado-Membro não respeita a proibição visada no artigo 108.°, n.° 3, último período, TFUE de execução de medidas de auxílio, os órgãos jurisdicionais nacionais, nessa situação, limitam-se a proteger, até à decisão final da Comissão, os direitos dos particulares face a uma eventual inobservância desta proibição pelas autoridades estatais (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2008, CELF e ministre de la Culture et de la Communication, C-199/06, Colet., p. I-469, n.° 38 e jurisprudência referida).
40 No que diz respeito aos auxílios existentes, importa recordar que o n.° 1 do artigo 108.°, TFUE atribui competência à Comissão para proceder ao seu exame permanente com os Estados-Membros. Este exame pode levar a Comissão a propor ao Estado-Membro em causa as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum e, sendo caso disso, a decidir pela supressão ou pela modificação de um auxílio que considere incompatível com o mercado interno.
41 Estes auxílios devem ser considerados legais até a Comissão declarar a sua incompatibilidade com o mercado interno (acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C-322/09 P, Colet., p. I-11911, n.° 52 e jurisprudência referida). Assim, nessas circunstâncias, o artigo 108.°, n.° 3, TFUE não atribui competência aos órgãos jurisdicionais nacionais para proibirem a execução de um auxílio existente.
42 Nos termos do artigo 1.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 659/1999, entende-se por «auxílios existentes», sem prejuízo do disposto nos artigos 144.° e 172.° do Ato de Adesão, qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respetivo Estado-Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data.
43 Segundo as informações constantes dos autos apresentados no Tribunal de Justiça, e como alegaram o Governo finlandês e a Comissão, o regime previsto no artigo 122.°, primeiro e terceiro parágrafos, da TVL foi criado antes da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 1994, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994 L 1, p. 3), e continuou a ser aplicado após esta data. A República da Finlândia aderiu à União Europeia em 1 de janeiro de 1995.
44 Além disso, em conformidade com o que foi observado pela Comissão, as circunstâncias previstas nos artigos 144.° e 172.° do Ato de Adesão, às quais não é aplicável o artigo 1.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 659/1999 relativo à definição do conceito de «auxílio existente», são irrelevantes no presente processo.
45 Importa recordar que a alteração das modalidades de aplicação de um regime de auxílios pode conduzir, em determinadas condições, à qualificação desse regime de um auxílio novo.
46 Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as modalidades de aplicação do regime em causa no processo principal não foram alteradas.
47 Caso se verifique que eventuais alterações têm por efeito a extensão do alcance do regime, pode ser necessário considerar tratar-se de um auxílio novo que tem como consequência a aplicabilidade do procedimento de notificação previsto no artigo 108.°, n.° 3, TFUE.
48 Por conseguinte, importa responder à primeira questão no sentido de que o artigo 108.°, n.° 3, TFUE não se opõe a que um regime fiscal, como o previsto no artigo 122.°, primeiro e terceiro parágrafos, da TVL, caso deva ser qualificado de «auxílio de Estado», continue, por ser um auxílio «existente», a ser aplicado no Estado-Membro que criou esse regime fiscal, sem prejuízo da competência da Comissão prevista no referido artigo 108.°, n.° 3, TFUE.
Quanto às despesas
49 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:
1) Um regime fiscal, como o que está em causa no processo principal, pode preencher o requisito de seletividade enquanto elemento do conceito de «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, se se comprovar que o sistema de referência, isto é, o sistema «normal», consiste na proibição da dedução dos prejuízos em caso de mudança de proprietário, na aceção do artigo 122.°, primeiro parágrafo, da Lei n.° 1535/1992, de 30 de dezembro de 1992, relativa ao imposto sobre o rendimento (Tuloverolaki), relativamente ao qual o sistema de autorização previsto no terceiro parágrafo deste artigo constituiria uma exceção. Esse regime pode ser justificado pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve, impedindo esta justificação que a autoridade nacional competente possa, no que respeita à autorização de derrogar a proibição de dedução de prejuízos, beneficiar de um poder discricionário que a habilite a basear as suas decisões de autorização em critérios alheios a esse regime fiscal. Todavia, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para se pronunciar definitivamente sobre essas qualificações.
2) O artigo 108.°, n.° 3, TFUE não se opõe a que um regime fiscal, como o previsto no artigo 122.°, primeiro e terceiro parágrafos, da Lei n.° 1535/1992, caso deva ser qualificado de «auxílio de Estado», continue, por ser um auxílio «existente», a ser aplicado no Estado-Membro que criou esse regime fiscal, sem prejuízo da competência da Comissão Europeia prevista no referido artigo 108.°, n.° 3, TFUE.
Assinaturas
** Língua do processo: finlandês.