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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 7 de fevereiro de 2013 (1)

Processo C-6/12

P Oy

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia)]

«Auxílios de Estado — Benefícios fiscais — Novo auxílio ou auxílio existente — Sistema de fiscalização pertinente e regras processuais»





1.        O Tribunal de Justiça já por diversas vezes analisou se medidas fiscais nacionais estão abrangidas pelo âmbito da proibição da União Europeia dos auxílios de Estado (2). No presente processo, o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) solicita orientação sobre se as regras nacionais que regem a possibilidade de as empresas poderem reportar e deduzir prejuízos sofridos num determinado período fiscal dos lucros resultantes de anos subsequentes são seletivas para efeitos das regras de auxílios de Estado (3).

 Direito da União Europeia

 Sistemas de fiscalização dos auxílios concedidos pelos Estados-Membros

 Disposições do Tratado

2.        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), TFUE, as atividades da UE incluem o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno. O artigo 107.°, n.° 1, TFUE prevê que são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções (4).

3.        Para assegurar a eficácia desta proibição, o artigo 108.° TFUE exige que a Comissão examine as ajudas e que os Estados-Membros cooperem com a Comissão nessa missão. Se a Comissão verificar que um auxílio existente concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais pode não ser compatível com o mercado interno, deve dar início ao procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. Se os Estados-Membros pretenderem conceder novos auxílios ou alterar os auxílios existentes, estão obrigados a notificar a Comissão nos termos do artigo 108.°, n.° 3, TFUE. Após essa notificação, a Comissão dá início ao procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. O último período do artigo 108.°, n.° 3, TFUE proíbe inequivocamente os Estados-Membros de darem execução a qualquer medida proposta, até o procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, estar terminado e a Comissão ter adotado uma decisão (5).

 Regulamento (CE) n.° 659/1999

4.        O Regulamento n.° 659/1999 (6) codifica e clarifica as regras processuais que se aplicam aos auxílios de Estado. O artigo 1.°, alínea a), desse regulamento define «auxílio» como «qualquer medida que satisfaça os critérios fixados no [artigo 107.°, n.° 1, TFUE; ex-artigo 92.°, n.° 1, CE]». O artigo 1.°, alínea b), enumera um certo número de categorias de «auxílios existentes», incluindo:

«i)      Sem prejuízo do disposto nos artigos 144.° [...] do Ato de Adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia (7), qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respetivo Estado-Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data;

[…]

v)      Os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituam auxílios no momento da sua execução, tendo-se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado-Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização;

[…]»

5.        «Novo auxílio» é definido no artigo 1.°, alínea c), como «quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílios e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente».

6.        O processo aplicável aos novos auxílios está definido nos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 659/1999. O artigo 2.° exige que os Estados-Membros notifiquem a Comissão de todos os projetos de concessão de novos auxílios. O artigo 3.° determina que esse novo auxílio não deve ser executado antes de a Comissão ter tomado, ou de se poder considerar que tomou, uma decisão que o autorize («cláusula suspensiva»). Esta decisão (adotada nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 659/1999) é precedida de um pedido de informações (artigo 5.°) e de um procedimento formal de investigação (artigo 6.°).

7.        O processo aplicável aos regimes de auxílios existentes está definido nos artigos 17.° a 19.° do Regulamento n.° 659/1999 e difere em aspetos importantes do aplicável a um novo auxílio. Não há exigência de notificação prévia nem cláusula suspensiva. Em contrapartida, a iniciativa de controlo desses auxílios depende inteiramente da Comissão, a quem é exigido, em cooperação com os Estados-Membros, que mantenha os auxílios existentes constantemente sob exame (8). Quando a Comissão considerar que um regime de auxílio existente não é ou deixou de ser compatível com o mercado comum, informará o Estado-Membro em causa e dar-lhe-á a possibilidade de apresentar as suas observações (9). Quando, perante as informações prestadas pelo Estado-Membro, a Comissão concluir que um regime de auxílios existente não é ou deixou de ser compatível com o mercado comum, formulará uma recomendação a propor medidas adequadas. Essas medidas podem incluir, designadamente, a supressão do regime de auxílios em questão (10). Só se o Estado-Membro em causa não aceitar as medidas propostas é que a Comissão dará início a um procedimento nos termos do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, aplicando o procedimento detalhado, definido nos artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.° 659/1999, mutatis mutandis (11).

 O ato de adesão de 1994

8.        A Finlândia aderiu à União Europeia em 1 de janeiro de 1995 (12). Os regimes de auxílios existentes antes da adesão da Finlândia e que continuaram a ser aplicados após a adesão constituem auxílios de Estado existentes (13).

9.        O artigo 144.° do ato de adesão faz parte do título VI, relativo aos produtos agrícolas. Afirma que, em relação com esses produtos, só as ajudas comunicadas à Comissão até 30 de abril de 1995 serão consideradas ajudas existentes, na aceção do Tratado (14). Não tem relevância para os regimes de auxílios de Estado aos produtos não agrícolas.

 Quadro jurídico nacional

10.      Nos termos do § 117 da lei finlandesa do imposto sobre o rendimento (Tuloverolaki, a seguir «TVL»), os prejuízos apurados num dado exercício fiscal podem ser reportados para exercícios fiscais posteriores. O § 119, n.° 1, da TVL dispõe, mais especificamente, que os prejuízos resultantes de uma atividade comercial durante um ano fiscal podem ser reportados e deduzidos, durante os dez anos fiscais seguintes, dos rendimentos dessa atividade comercial, caso sejam apurados lucros.

11.      Nos termos do § 122, n.° 1, da TVL, os prejuízos de uma empresa não são dedutíveis quando, no ano em que foram apurados ou no ano posterior, mais de metade do capital da empresa tiver mudado de proprietário (15).

12.      O § 122, n.° 3, da TVL contém uma exceção à regra definida no n.° 1 da mesma disposição. Após pedido, a Administração Fiscal competente pode, em circunstâncias especiais, quando tal for necessário para a prossecução das atividades da sociedade, autorizar a dedução dos prejuízos reportados, apesar da mudança de proprietário.

13.      Para clarificar a aplicação do § 122, n.° 3, da TVL, as autoridades finlandesas emitiram uma carta de orientação (16) e uma circular (17). Segundo a carta de orientação, o objetivo do § 122 é evitar a evasão fiscal através de empresas deficitárias que são adquiridas com o objetivo exclusivo de deduzir as respetivas perdas dos lucros tributáveis do comprador.

14.      A carta de orientação e a circular explicam que várias situações, como a transferência de uma empresa no âmbito familiar, de uma geração para outra, ou a venda de uma empresa aos seus trabalhadores, podem constituir «circunstâncias especiais» para a concessão de autorizações para deduzir prejuízos reportados, por exceção à regra do n.° 1 do § 122, da TVL (18).

 Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

15.      A P Oy foi constituída em 1998. A empresa desenvolve e gere um sistema de pagamento de taxas de estacionamento que funciona por telemóvel. A sua atividade comercial era constituída pelos produtos por ela desenvolvidos e patenteados. No final de 2004, as suas perdas operacionais ultrapassavam os 4 milhões de euros. Aparentemente, as perdas operacionais iniciais não são consideradas inabituais neste setor, porque resultam do investimento inicial efetuado para o desenvolvimento dos produtos e da tecnologia necessários para as atividades comerciais da P Oy. No decurso do ano de 2004, a P Oy mudou de proprietário. A empresa continuou a atividade após a mudança de proprietário. A sua atividade desenvolveu-se e o seu volume de negócios passou de 498 339 euros para 866 810 euros, entre 2005 e 2007.

16.      Por pedido às Autoridades Fiscais finlandesas, de 3 de setembro de 2008, a P Oy solicitou autorização para reportar e deduzir as perdas que tinham ocorrido nos exercícios fiscais anteriores. Por despacho de 24 de outubro de 2008, as autoridades fiscais indeferiram o pedido.

17.      A P Oy interpôs recurso da decisão para o Helsingin hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia), que negou provimento ao recurso. A P Oy interpôs então recurso para o Korkein hallinto-oikeus, o órgão jurisdicional de reenvio, que submeteu as seguintes questões:

«1)      O critério da seletividade constante do artigo 107.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado, no que respeita a um procedimento de autorização como o do § 122, n.° 3, da [TVL], no sentido de que se opõe a que seja autorizada a dedução dos prejuízos em caso de [mudança de proprietário], quando não é respeitado, nesse âmbito, o procedimento do artigo 108.°, n.° 3, [último] período, TFUE?

2)      No âmbito da interpretação do critério da seletividade, em particular na determinação do grupo de referência, deve-se tomar por base a regra geral expressa nos §§ 117 e 119 da [TVL], nos termos da qual uma sociedade pode deduzir os prejuízos apurados, ou a interpretação do critério da seletividade deve basear-se nas disposições relativas à [mudança de proprietário]?

3)      Caso se considere que, em princípio, está preenchido o critério da seletividade constante do artigo 107.° TFUE, uma norma como o § 122, n.° 3, da [TVL] pode ser considerada justificada por se tratar de um mecanismo inerente ao sistema fiscal e que é, por exemplo, imprescindível para impedir evasões fiscais?

4)      Que importância deve ser atribuída ao alcance da margem de apreciação das autoridades, para efeitos da avaliação da questão de saber se se verifica um eventual motivo justificativo e se está em causa um mecanismo inerente ao sistema fiscal? É exigido, em relação ao mecanismo inerente ao sistema fiscal, que a autoridade que aplique a lei não disponha de qualquer poder discricionário e que os pressupostos para a aplicação da exceção estejam claramente definidos na lei?»

18.      Foram apresentadas observações escritas pela P Oy, pela Finlândia, pela Alemanha e pela Comissão Europeia. Na audiência, que teve lugar em 22 de novembro de 2012, estas partes apresentaram alegações.

 Apreciação

 Observações preliminares

19.      Estamos perante um processo curioso. Os litígios relativos aos auxílios de Estado decorrem normalmente do facto de o beneficiário de uma prestação não pretender que a mesma seja suprimida ou da circunstância de, entre duas empresas que estão em concorrência, apenas uma receber o benefício controvertido. No caso em apreço, se as medidas em causa forem qualificadas de auxílios de Estado ilegais, isso não beneficiará a P Oy. Pelo contrário, seria negado o benefício fiscal que pretende obter. Não lhe será possível obter a autorização para reportar e deduzir as perdas sofridas em 2004 dos lucros gerados nos anos seguintes.

20.      Então, como é que se explica que este processo seja presente ao Tribunal de Justiça?

21.      Tanto quanto posso compreender do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional partiu do princípio de que: i) as medidas em causa são «auxílios»; ii) dado que não é permitido a todas as empresas reportar as perdas e deduzi-las de lucros futuros, o regime aplicado pode ser «seletivo» e, assim, ilegal (por «favorece[r] certas empresas ou certas produções»); iii) as medidas em causa não foram notificadas à Comissão; e iv) a Finlândia não cumpriu a cláusula suspensiva, pelo que as medidas em causa estão em vigor sem terem recebido autorização prévia da Comissão. Neste contexto, o órgão jurisdicional nacional submete, portanto, uma série de questões destinadas a elucidar:

—      se o procedimento de autorização referido no n.° 3 do § 122 da TVL é lícito, apesar da inobservância da cláusula suspensiva (primeira questão);

—      como deve ser determinado o grupo de referência, para apurar se o sistema estabelecido pelas medidas em causa é ilegalmente seletivo (segunda questão);

—      se, caso o regime seja seletivo, é ainda assim justificado como mecanismo inerente ao próprio sistema fiscal, necessário para evitar a evasão fiscal (terceira questão); mas, se assim for;

—      se o poder de apreciação das autoridades fiscais afeta a questão da justificação analisada na terceira questão (quarta questão).

22.      Como resulta das disposições legislativas referidas no início destas conclusões, as medidas de fiscalização dos auxílios existentes e dos novos auxílios diferem significativamente (19). Antes de analisar se o n.° 3 do § 122 da TVL, conjugado com a carta de orientação e a circular, cria, de facto, um regime que favorece ilegal e seletivamente certas empresas («a questão da seletividade»), surge a questão prévia de saber se estamos a considerar um auxílio existente (presumido) ou um novo auxílio (presumido).

23.      Esta questão é o cerne do problema submetido ao órgão jurisdicional nacional e a este Tribunal. Os poderes e responsabilidades conferidos à Comissão, aos Estados-Membros e aos tribunais nacionais são diferentes, consoante o que está a ser fiscalizado seja um auxílio existente (presumido) ou um novo auxílio (presumido) (20).

24.      No que respeita ao auxílio existente, é jurisprudência constante que o papel da Comissão, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 1, TFUE é verificar (sob a fiscalização do Tribunal de Justiça) se um auxílio existente é compatível ou incompatível com o mercado comum, após a aplicação do procedimento adequado cuja iniciativa é da exclusiva competência da Comissão (21). A menos que e até que a Comissão atue nesse sentido, não existe a presunção de que as medidas nacionais são ilegais nos termos das regras dos auxílios de Estado da União Europeia ou de que o órgão jurisdicional nacional deve intervir para que deixem de ser aplicadas.

25.      A um novo auxílio aplica-se um procedimento diferente. O artigo 108.°, n.° 3, TFUE dispõe que a Comissão deve ser informada atempadamente, para lhe permitir apresentar as suas observações, sobre qualquer plano de concessão ou alteração de um auxílio. A Comissão procede então a um primeiro exame do novo auxílio projetado. Se, no termo deste exame, a Comissão considerar que aquilo que foi proposto é incompatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, deve dar início ao procedimento de exame contencioso previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. O envolvimento do tribunal nacional deriva do efeito direto do último período do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, que proíbe o Estado-Membro em causa, no caso de planear conceder ou alterar um auxílio, de pôr em execução as medidas projetadas, antes de tal procedimento haver sido objeto de uma decisão final. Esta cláusula suspensiva aplica-se aos novos auxílios, mas não aos auxílios existentes.

26.      Tanto o Tratado como o regime detalhado estabelecido pelo Regulamento n.° 659/1999 preveem um exame cuidadoso, detalhado e aprofundado, feito pela Comissão, de qualquer regime existente ou proposto, que possa ser abrangido pela definição de auxílio de Estado. A proibição de princípio dos auxílios de Estado, prevista pelo artigo 107.°, n.° 1, TFUE, não é absoluta nem incondicional, como o artigo 107.°, n.os 2 e 3, TFUE imediatamente esclarece. Assim, o artigo 108.°, n.° 3, TFUE confere à Comissão um amplo poder de apreciação para declarar certos auxílios compatíveis com o mercado comum, por derrogação à proibição geral estabelecida no artigo 107.°, n.° 1, TFUE. O Estado-Membro em causa também dispõe de uma ampla possibilidade de explicar e defender as suas medidas. Só no caso de um novo auxílio não notificado que tenha simplesmente sido executado (isto é, quando o Estado-Membro não tiver respeitado a cláusula suspensiva relativamente ao novo auxílio) é que o tribunal nacional é chamado a intervir para que as regras nacionais em vigor deixem de ser aplicadas.

 As medidas em causa são um auxílio existente ou um novo auxílio?

27.      O próprio órgão jurisdicional nacional não indicou expressamente se considera que as medidas em causa são um auxílio existente (presumido) ou um novo auxílio (presumido). Explica que essas medidas estavam em vigor antes da adesão da Finlândia à União Europeia, mas que não foram notificadas como auxílios existentes nessa altura. O órgão jurisdicional nacional afirma que não tem informações sobre a questão de saber se as autoridades finlandesas fizeram essa notificação posteriormente.

28.      A República da Finlândia explicou, tanto nas observações escritas como, subsequentemente, na audiência, que, no momento da adesão, não notificou as medidas em causa, porque não considerava (e ainda não considera) que constituíssem auxílios de Estado (22).

29.      É por referência às disposições que estabelecem um auxílio que o mesmo pode ser qualificado de novo auxílio ou de alteração de um auxílio existente (23). Na audiência, ficou claro das respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 54.°-A, do Regulamento de Processo, que é ponto assente que o n.° 3 do § 122 da TVL estava em vigor antes de a Finlândia aderir às (então) Comunidades Europeias e ter ficado vinculada ao Tratado CE. Nestas condições, as partes que apresentaram alegações no Tribunal de Justiça concordaram que deve ser considerado como auxílio existente (presumido).

30.      Só posso concordar com esta apreciação. Dado que o n.° 3 do § 122 da TVL é anterior à adesão da Finlândia (se realmente constituir um auxílio), só pode ser qualificado de auxílio existente. Esse é o sentido claro do Regulamento n.° 659/1999, artigo 1.°, alínea b), i) (24).

31.      Mesmo que as medidas nacionais não constituam auxílios de Estado no momento em que são adoptadas, mas passem posteriormente a ser auxílios de Estado (devido à evolução do mercado comum), o artigo 1.°, alínea b), v), do Regulamento n.° 659/1999 dispõe que essas medidas são consideradas auxílios existentes (25). Portanto, se as medidas em causa não foram notificadas porque, no momento da adesão da Finlândia, não eram consideradas auxílios de Estado, qualquer alteração (por exemplo, a evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça nesse domínio) que implique que essas medidas são agora, ou talvez possam ser agora, auxílios de Estado não alteraria a sua qualificação legal de auxílios existentes (presumidos).

32.      Concluo que as medidas em causa devem ser qualificadas de auxílios existentes (presumidos). Cabe, portanto, aplicar-lhes o regime de fiscalização e os procedimentos aplicáveis aos auxílios existentes.

 Consequências da qualificação de auxílio existente

33.      A primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional pretende, no essencial, saber se, dado que a cláusula suspensiva do artigo 108.°, n.° 3, TFUE não foi respeitada, as medidas em causa violam a proibição de seletividade do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

34.      Como já expliquei (26), a cláusula suspensiva aplica-se aos novos auxílios e não aos auxílios existentes. Se e na medida em que as medidas em causa forem auxílios de Estado — questão sobre a qual não tomo posição —, são auxílios existentes.

35.      A resposta à primeira questão deve, portanto, ser que, na medida em que as medidas em causa constituam auxílios de Estado, devem ser qualificadas de auxílios existentes presumidos, na aceção do artigo 108.°, n.° 1, TFUE. Como tal, podem ser interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional nacional enquanto a Comissão não tiver adotado uma decisão ao abrigo do artigo 13.° do Regulamento n.° 659/1999.

36.      Qual deverá ser a abordagem do Tribunal de Justiça para responder à segunda, terceira e quarta questões (que dizem todas respeito à correta interpretação da proibição de seletividade)?

37.      Nas suas observações escritas, todos os interessados dedicaram o essencial das suas alegações à questão da seletividade.

38.      A Comissão considera que as medidas em causa são seletivas. Os Governos finlandês e alemão discordam e alegam que não estamos perante auxílios de Estado. A P Oy alega que as medidas em causa devem ser interpretadas pelo órgão jurisdicional nacional de maneira a garantir que não são aplicadas seletivamente. Defende que, se for seguida esta abordagem, não se coloca nenhum problema de auxílios ilegais (e deve então ser-lhe permitido reportar e deduzir as suas perdas).

39.      Se estivéssemos (quod non) perante um novo auxílio não notificado, competiria efetivamente ao órgão jurisdicional nacional fazer cumprir o efeito direto da cláusula suspensiva prevista no artigo 108.°, n.° 3, TFUE (27). Só a Comissão pode decidir se um auxílio é incompatível com o mercado interno, mas os tribunais nacionais podem, ainda assim, aplicar o conceito de auxílio do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, para determinar se as medidas nacionais controvertidas deviam ter sido sujeitas à cláusula suspensiva. Neste contexto, os tribunais nacionais podem ter de decidir se uma determinada medida nacional é seletiva (28) e podem legitimamente submeter ao Tribunal de Justiça questões relativas à correta interpretação do conceito de auxílio de Estado (29).

40.      Contudo, as regras processuais e o regime de fiscalização dos novos auxílios não notificados não se podem aplicar aos auxílios existentes. Mais concretamente, os tribunais nacionais não desempenham o mesmo papel, porque os auxílios existentes são da competência exclusiva da Comissão, nos termos do artigo 108.°, n.° 1, TFUE. Portanto, na medida em que as medidas em causa no presente processo sejam auxílios existentes (presumidos), não há base legal, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, para o órgão jurisdicional nacional determinar o que quer que seja relativamente ao problema da seletividade ou para procurar a orientação deste Tribunal sobre como interpretar as regras do Tratado sobre os auxílios seletivos.

41.      A Finlândia, a Alemanha e a Comissão concordam que daqui decorre que não há necessidade de o Tribunal de Justiça responder à segunda, terceira e quarta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

42.      Também partilho desta opinião, pelas razões seguintes.

43.      Em primeiro lugar, a função confiada ao Tribunal de Justiça no quadro do processo de reenvio prejudicial (a par, obviamente, de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes do direito comunitário) (30) é contribuir para a administração da justiça nos Estados-Membros, e não é dar pareceres sobre questões gerais ou hipotéticas (31).

44.      Decorre da qualificação das medidas em causa de auxílios existentes presumidos que esses auxílios podem ser implementados enquanto a Comissão não os considerar incompatíveis com o mercado interno (32). O órgão jurisdicional nacional é, portanto, livre de interpretar e aplicar as medidas nacionais e de decidir se deve ou não ser concedido à P Oy o benefício fiscal. Qualquer opinião expressa por este Tribunal de Justiça sobre a questão da seletividade não seria vinculativa para o processo nacional e seria hipotética por natureza.

45.      Em segundo lugar, o presente processo é diferente de processos como o que deu origem ao acórdão Paint Graphos e o. (33), que dizia respeito a um novo auxílio presumido. Nesse processo, a apreciação do Tribunal de Justiça teve implicações diretas para o litígio no processo nacional: as medidas contestadas não poderiam ser aplicadas se fossem qualificadas de auxílios e, em conformidade, sujeitas ao efeito direto das cláusulas suspensivas (34). A situação é, contudo, bastante diferente no que respeita ao auxílio existente em causa no presente processo.

46.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional nacional fez referência a uma decisão da Comissão (35) relativa a certas medidas fiscais alemãs consideradas incompatíveis com as regras sobre auxílios de Estado (36). Contrariamente à presente situação, esse processo diz respeito a novos auxílios não notificados (a legislação em questão foi adotada em julho de 2009, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2008).

47.      Em quarto lugar, dado que o período de suspensão ao abrigo do artigo 108.°, n.° 3, TFUE é irrelevante para o presente processo, a questão de saber se a P Oy pode reportar e deduzir as perdas em causa implica a interpretação e a aplicação do direito nacional, e não do direito da União Europeia. Tanto a P Oy como o Governo finlandês referiram uma decisão nacional em que foi analisada a expressão «circunstâncias especiais» que figura no n.° 3 do § 122 da TVL (37). Explicam que, se essa decisão fosse aplicada ao presente processo, o benefício fiscal poderia ser concedido à P Oy. Trata-se de uma questão exclusivamente de direito nacional, que cabe ao tribunal nacional resolver.

48.      Por último, observo que o Tribunal de Justiça tem relativamente pouca informação acerca das medidas em causa, da margem de apreciação atribuída às autoridades tributárias para conceder ou recusar uma autorização ao abrigo do n.° 3 do § 122 da TVL ou mesmo das considerações políticas subjacentes. Isto contrasta fortemente com a análise muito detalhada que seria efetuada pela Comissão se devesse atuar ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE e dos artigos 17.° a 19.° do Regulamento n.° 659/1999, se necessário aplicando os artigos 6.°, 7.° e 9.° do mesmo, mutatis mutandis. A ser iniciado, esse procedimento respeitaria plenamente o direito do Estado-Membro de explicar e defender as suas medidas. Nestas circunstâncias, parece-me que não seria apropriado que o Tribunal de Justiça fizesse, neste caso, uma análise da questão da seletividade.

49.      Por estas razões, considero que o Tribunal de Justiça não deve responder à segunda, terceira e quarta questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional.

 Conclusão

50.      Sou, portanto, de opinião de que o Tribunal de Justiça deve responder ao Korkein hallinto oikeus, do seguinte modo:

Contanto que as medidas em causa constituam auxílios de Estado, devem ser qualificadas de auxílios existentes presumidos, na aceção do artigo 108.°, n.° 1, TFUE. Como tal, podem ser interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional nacional, enquanto a Comissão não adotar uma decisão e não der início ao procedimento contencioso previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      V., por exemplo, acórdãos de 8 de novembro de 2001, Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C-143/99, Colet., p. I-8365), de 17 de junho de 1999, Piaggio (C-295/97, Colet., p. I-3735), e de 8 de setembro de 2011, Paint Grafos e o. (C-78/08 a C-80/08, Colet., p. I-7611).


3 —      V. n.° 3 e nota 4, infra.


4 —      Os requisitos previstos no artigo 107.°, n.° 1, são cumulativos e devem, portanto, estar todos preenchidos, para que uma medida constitua auxílio de Estado (v. acórdãos de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C-182/03 e C-217/03, Colet., p. I-5479, n.° 84 e jurisprudência referida). A questão de saber se uma medida estatal favorece certas empresas ou certas produções (ou seja, se é seletiva) é determinada por comparação com outras que, à luz do objetivo prosseguido pelo sistema em questão, estejam numa situação factual e jurídica comparável (v. acórdão Bélgica e Forum 187, já referido, n.° 119 e jurisprudência referida). Quando forem aplicáveis as causas de justificação do artigo 107.°, n.os 2 ou 3, TFUE, essas medidas são consideradas compatíveis com o mercado interno e não são, portanto, auxílios de Estado proibidos: v. acórdão Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (referido na nota 2, supra, n.° 30).


5 —      V., neste sentido, acórdão Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (referido na nota 2, supra, n.° 24). V. também n.° 6, infra.


6 —      Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), antes da modificação de 2003 destinada a ter em conta as adesões de 2004; v., em particular, considerando 2.


7 —      V. n.os 8 e 9, infra.


8 —      Artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, lido em conjugação com o artigo 107.°, n.° 1, TFUE.


9 —      Artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999.


10 —      Artigo 18.° do Regulamento n.° 659/1999.


11 —      Artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, lido em conjugação com o artigo 4.°, n.° 4, do mesmo regulamento.


12 —      Ato relativo às condições de adesão do Reino da Noruega, da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21). Na sequência de um referendo realizado em 1994, a Noruega acabou por não aderir.


13 —      V. o ato de adesão, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 659/1999.


14 —      V. n.° 30 e nota 24, infra.


15 —      Tanto quanto julgo compreender, esta legislação vigora desde 1979. Foi alterada, mas o essencial das disposições mantém-se inalterado.


16 —      Carta n.° 634/348/96 da Direção dos Impostos finlandesa, de 14 de fevereiro de 1996 (a seguir «carta de orientação»).


17 —      Circular n.° 2/1999 da Direção dos Impostos finlandesa, de 17 de fevereiro de 1999 (a seguir «circular»).


18 —      Nas presentes conclusões, refiro-me ao n.° 3 do § 122, da TVL, à carta de orientação e à circular como «medidas em causa». Tanto a P Oy como o Governo finlandês também referem uma decisão dos tribunais nacionais, no processo KHO 2010:21. Nesse processo, o Korkein hallinto oikeus decidiu que a continuação das atividades comerciais após a mudança de proprietário constituía «circunstâncias especiais» para efeitos das medidas em causa.


19 —      V., por exemplo, acórdãos de 30 de junho de 1992, Espanha/Comissão (C-312/90, Colet., p. I-4117, n.° 14), de 9 de agosto de 1994, Namur-Les Assurances du Crédit (C-44/93, Colet., p. I-3829, n.° 10), e acórdão Piaggio, referido na nota 2, supra, n.os 48 e 49. V. também n.os 3 a 7, supra.


20 —      O regime de fiscalização dos auxílios de Estado estabelecido pelo Tratado e os papéis respetivos da Comissão e dos tribunais nacionais na aplicação desse regime são explicados em detalhe no acórdão Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, referido na nota 2, supra, n.os 21 a 32. V. também, no que respeita aos novos auxílios, acórdão de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C-354/90, Colet., p. I-5505, n.os 8 a 14).


21 —      Acórdão Namur-Les Assurances du Crédit, referido na nota 19, supra, n.° 15.


22 —      V. n.os 8 e 9 e nota 13, supra.


23 —      Acórdão Namur-Les Assurances du Crédit (referido na nota 19, supra, n.os 13 e 28) e acórdão de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España (C-387/92, Colet., p. I-877, n.° 19).


24 —      O artigo 1.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 659/1999 faz referência aos artigos 144.° e 172 do ato de adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia. Em resumo: havia uma obrigação específica de notificar as ajudas relativas aos produtos agrícolas, ao abrigo do artigo 144.º Dado que a P Oy não produz esses produtos, essas disposições são irrelevantes para o resultado do presente processo.


25 —      Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o. (C-89/08 P, Colet., p. I-11245, n.os 70 e 71).


26 —      V. n.os 6 e 25, supra.


27 —      Acórdão Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (referido na nota 2, supra, n.os 26 e 27).


28 —      Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini (C-119/05, Colet., p. I-6199, n.os 50 a 52).


29 —      Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo (C-140/09, Colet., p. I-5243, n.° 24 e jurisprudência referida).


30 —      Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C-344/04, Colet., p. I-403, n.° 27), acerca da competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.° TFUE, em relação com a interpretação uniforme do direito da União Europeia, e acórdão de 12 de junho de 2008, Gourmet Classic (C-458/06, Colet., p. I-4207, n.° 20 e jurisprudência referida).


31 —      Acórdão de 12 de junho de 2003, Schmidberger (C-112/00, Colet., p. I-5659, n.° 32 e jurisprudência referida).


32 —      Acórdão Banco Exterior de España (referido na nota 23, supra, n.° 20).


33 —      V., entre muitos exemplos, os acórdãos Piaggio e Paint Graphos e o. (ambos referidos na nota 2).


34 —      V., por exemplo, acórdão Piaggio (referido na nota 2, supra, n.os 48 e 49).


35 —      Decisão da Comissão, de 26 de janeiro de 2011, relativa ao auxílio estatal C 7/10 (ex CP 250/09 e NN 5/10) concedido pela Alemanha — Regime de reporte de prejuízos para efeitos fiscais no caso de reestruturação de empresas em dificuldades («Sanierungsklausel») (JO L 235, p. 26). Esta decisão é atualmente objeto de recurso no Tribunal Geral da União Europeia, em vários processos: v. processo T-205/11.


36 —      Como as medidas nacionais em causa no presente processo, a legislação alemã contém disposições relativas ao reporte de perdas que podem ser deduzidas dos lucros tributáveis. Permite às empresas em dificuldades beneficiarem desse regime, apesar de uma mudança de proprietário da empresa em questão.


37 —      V. n.° 14 e nota 18, supra.